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Quando o corpo conta histórias 1 Ursula Patrícia Neves Leite2 Devo ...

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Sara passa a brincar sempre com dois bonecos, seus bebês, e como são mal tratados<br />

esses bebês, jogados, esmurrados... Desse movimento todos participam. Um dia digo-<br />

lhe que os bebês choram muito, seus <strong>corpo</strong>s doem, estão com fome e frio. Sara passa a<br />

cuidar dos bebês: eles são, a partir de então, alimentados e agasalhados, sustentados de<br />

braço em braço sem nunca mais ficar no chão.<br />

A porta e as janelas, já trancadas, são vigiadas por eles; Joana esbarra na<br />

porta e Kaio lhe diz “não cabe não, não passa, está trancada”. O dentro e o fora, o <strong>corpo</strong><br />

e o ambiente já não brigam e se chocam. Os limites e as regras do grupo, e também a<br />

sobrevivência nossa, terapeutas e grupo em si, a esse primeiro tempo de loucura, caos e<br />

ódio parece ter funcionado como protetor e estruturante.<br />

Partindo da perspectiva do <strong>corpo</strong> como a primeira possibilidade de<br />

constituição da subjetividade, da pulsão como conceito limite situado entre o psíquico e<br />

o somático, e destacando o elo entre <strong>corpo</strong> e psiquismo, esse <strong>corpo</strong> “habitado” pelas<br />

pulsões, entendo que tivemos acesso ao acontecer psíquico das crianças através de suas<br />

manifestações <strong>corpo</strong>rais. Como Freud, que, no primeiro tempo escutou o <strong>corpo</strong> das<br />

histéricas, vejo o <strong>corpo</strong> das crianças roubar a cena e entendo, não sem antes passar pelo<br />

túnel nebuloso de angústia e incertezas, que precisava de olhos para ouvir esses <strong>corpo</strong>s,<br />

uma vez que eles foram a única expressão de linguagem possível até certo tempo.<br />

Aprendo que nesse lugar a escuta precisa ser ampliada, implica ver para escutar.<br />

Edilene Queiroz 9 aponta, quando analisa a clínica da perversão, que a<br />

psicanálise põe a percepção auditiva em primeiro plano, e indagando-se como agir<br />

frente ao “espaço siderado pela imagem”, fala que o perverso diz mostrando, que para<br />

ele o olhar do outro é indispensável; assim sendo, o analista precisa “escutar-olhando”.<br />

Para as crianças que atendi também o <strong>corpo</strong> apresenta-se como recurso para dizer,<br />

encenar o que não era possível sair com palavras. Não foi simbolizado? Podemos pensar<br />

9 In QUEIROZ, Edilene Freire. A Clínica da Perversão São Paulo: Editora Escuta, 2004;.<br />

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