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Bárbara Alves Benevides - XV Encontro Regional de História ...

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A MORTE COMO ESPETÁCULO:<br />

O RITUAL DAS EXECUÇÕES NO RIO DE JANEIRO COLONIAL (1750-1822)<br />

RESUMO<br />

<strong>Bárbara</strong> <strong>Alves</strong> <strong>Benevi<strong>de</strong>s</strong> 1<br />

Claudia Rodrigues 2<br />

A presente comunicação visa apresentar as linhas gerais da pesquisa que estou<br />

<strong>de</strong>senvolvendo, ainda em estágio inicial, que busca analisar as atitu<strong>de</strong>s perante a morte<br />

ocorrida por execução da justiça para os presos con<strong>de</strong>nados à pena <strong>de</strong> morte na cida<strong>de</strong> do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, entre 1750 e 1822. Preten<strong>de</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar o cenário geral <strong>de</strong> tal situação pela<br />

análise do ritual em torno da execução; das etapas da execução da pena até o patíbulo; sua<br />

geografia (os espaços da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinados à ca<strong>de</strong>ia, à forca, à sepultura dos con<strong>de</strong>nados e<br />

etc.); <strong>de</strong> seus “agentes sociais” (os carrascos e seus ajudantes, os sacerdotes, os irmãos da<br />

Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia e etc.) e das atitu<strong>de</strong>s populares perante tal evento. Visando criar<br />

um panorama geral sobre este tema ainda pouco explorado pela historiografia da morte, no<br />

Brasil.<br />

Palavras-chave: execução; con<strong>de</strong>nados; forca.<br />

ABSTRACT<br />

This communication aims to present the broad lines of research currently un<strong>de</strong>rway, at<br />

an early stage, which analyzes the attitu<strong>de</strong>s towards <strong>de</strong>ath occurring in execution of justice for<br />

prisoners sentenced to <strong>de</strong>ath in the city of Rio <strong>de</strong> Janeiro, between 1750 and in 1822. It is<br />

inten<strong>de</strong>d to i<strong>de</strong>ntify the general scenario of this situation by analyzing the ritual surrounding<br />

the implementation, the steps of the sentence to the gallows; its geography (city spaces for<br />

1 Graduanda do curso <strong>de</strong> <strong>História</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro - UNIRIO e<br />

bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica (IC-UNIRIO), atuando no projeto “As Reformas Pombalinas e a prática<br />

testamentária no Rio <strong>de</strong> Janeiro Colonial”, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Cláudia Rodrigues e apoio<br />

financeiro do DPQ/UNIRIO.<br />

² Doutora em <strong>História</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense (2002), Professora Adjunta da Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e lí<strong>de</strong>r do Grupo <strong>de</strong> Pesquisa do CNPq, Imagens da Morte: a morte e<br />

o morrer no mundo Ibero-Americano, sediado na UNIRIO.


the jail, the gallows, convicted of the grave and so on) of their "social agents" (the<br />

executioners and their helpers, the priests, brothers of the Holy House of Mercy,<br />

etc..) and popular attitu<strong>de</strong>s towards the event. Aiming to create an overview on this topic not<br />

yet explored by the historiography of <strong>de</strong>ath in Brazil.<br />

Keywords: execution, con<strong>de</strong>mned, hanged.<br />

Em seu livro, “O Homem Medieval”, o historiador Jacques Le Goff menciona que às<br />

violências cívicas (exposições no pelourinho, flagelações, execuções <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nados)<br />

excediam a esfera <strong>de</strong> punições e eram oferecidas como espetáculo aos habitantes das cida<strong>de</strong>s.<br />

Assim como nas cida<strong>de</strong>s medievais, na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro Colonial (1750-1822) as<br />

execuções e flagelações reuniam consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> espectadores e exerciam atração<br />

sobre gran<strong>de</strong> parte da população. Tomando por base a herança medieval, este trabalho tem<br />

como objetivo estudar uma das mencionadas violências cívicas, a execução dos con<strong>de</strong>nados,<br />

montando um cenário geral <strong>de</strong> tal situação pela análise do ritual em torno da execução; das<br />

etapas da execução da pena até o patíbulo; sua geografia (os espaços da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinados à<br />

ca<strong>de</strong>ia, à forca, à sepultura dos con<strong>de</strong>nados e etc.); <strong>de</strong> seus “agentes sociais” (os carrascos e<br />

seus ajudantes, os sacerdotes, os irmãos da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia e etc.) e das atitu<strong>de</strong>s<br />

populares perante tal evento. Busca-se compreen<strong>de</strong>r, portanto, o contexto em torno das mortes<br />

por execução e como ela era vivenciada na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro colonial.<br />

Consi<strong>de</strong>ro importante mencionar que o trabalho apresentado é o esboço <strong>de</strong> um estudo<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento que intenta produzir um trabalho <strong>de</strong> monografia, e <strong>de</strong> forma mais<br />

ambiciosa criar um panorama geral sobre um tema ainda pouco explorado pela historiografia<br />

da morte, no Brasil.<br />

Procurei apoio nos estudos <strong>de</strong> Focault (1987/1988), e <strong>de</strong> forma mais restrita no<br />

pensamento <strong>de</strong> Durkheim, em busca <strong>de</strong> familiarização com as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> castigo, suplício,<br />

execução e etc. Também utilizei leituras que pu<strong>de</strong>ssem oferecer um panorama geral das<br />

execuções no Brasil. Dessa forma, correlacionei relatos dos memorialistas Viera Fazenda<br />

(1921) e Mello Moraes (1979) com informações obtidas no Livro Quinto das Or<strong>de</strong>nações<br />

Filipinas (2004), nos estudos feitos por Silvia Lara (1988/2007) e Thalita Casa<strong>de</strong>i (1971). O<br />

2


que me possibilitou vislumbrar o roteiro feito pelo con<strong>de</strong>nado traçando o caminho percorrido<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ca<strong>de</strong>ia ao patíbulo, e por fim o <strong>de</strong>stino final <strong>de</strong> seu corpo após a execução.<br />

Foucault (1987) enxerga a punição como uma função social complexa e toma os<br />

castigos por uma perspectiva <strong>de</strong> tática política. Atenta para sua função não ser restringida a<br />

reparação <strong>de</strong> danos, e dialoga com Durkheim 3 no sentido em que percebe no castigo uma<br />

maneira <strong>de</strong> buscar vingança pessoal e pública.<br />

Sobre o suplício, ele o <strong>de</strong>fine como uma: pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz<br />

que não é irregular nem selvagem; técnica que não <strong>de</strong>ve ser equiparada aos extremos <strong>de</strong> uma<br />

raiva sem lei, que <strong>de</strong>ve produzir certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sofrimento que se possa, ao menos<br />

hierarquizar. É um agente político que faz parte <strong>de</strong> um ritual organizado para a marcação das<br />

vítimas e a manifestação do po<strong>de</strong>r que pune. Tem como função “purgar” o crime e não<br />

reconciliar, permite que o mesmo seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do<br />

criminoso, fazendo assim com se manifeste e se anule. Por fim, é um cerimonial que visa<br />

reconstituir a soberania lesada.<br />

Nesse sentido, o autor consi<strong>de</strong>ra a morte um suplício, por além <strong>de</strong> infringir a privação<br />

da vida, ela ser o momento final <strong>de</strong> um sofrimento gradual e calculado. Em menção à pena <strong>de</strong><br />

morte, diz que: “Por muito tempo, ela foi, juntamente com a guerra, a outra forma <strong>de</strong> direito<br />

<strong>de</strong> gládio; constituía a resposta do soberano a quem atacava sua vonta<strong>de</strong>, sua lei, sua pessoa.”<br />

(FOCAULT, 1988:129). Consi<strong>de</strong>ra as execuções públicas mais uma manifestação <strong>de</strong> força do<br />

que obra da justiça. Segundo Silvia Lara,<br />

“Importantes do ponto <strong>de</strong> vista político e militar eram também as execuções públicas. Esses eventos<br />

envolviam um rigoroso cerimonial e não podiam prescindir do espaço urbano. [...] Operando do<br />

mesmo modo que as festivida<strong>de</strong>s dinásticas, o suplício penal marcava a glória do monarca e, fazendo<br />

privilegiar sua vonta<strong>de</strong> sobre o corpo do criminoso, impressionava <strong>de</strong> modo pedagógico os <strong>de</strong>mais<br />

súditos e vassalos./O lugar do patíbulo, o dia da execução e o roteiro por on<strong>de</strong> passaria o cortejo<br />

penal, bem como os lugares a serem ocupados pelos membros da nobreza e pelos corpos militares –<br />

tudo era minuciosamente prescrito.” (LARA, 2007:59).<br />

3 “A função do castigo é satisfazer a consciência comum, ferida pelo ato cometido por um dos membros<br />

da coletivida<strong>de</strong>. Ela exige reparação e o castigo do culpado é essa reparação feita aos sentimentos <strong>de</strong><br />

todos.” (ARON, 1995:303). “castigos não passam <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> vingança da consciência coletiva,<br />

aplicada a indivíduos indisciplinados” (ARON, 1995:303).<br />

3


De acordo com as Or<strong>de</strong>nações Filipinas (2004), “No nosso Codigo Criminal art.38<br />

adoptamos o modo <strong>de</strong> execução reputado vil pela antiga legislação, a forca, para todos os<br />

casos <strong>de</strong> morte.” (MENDES, 2004:1313). Contudo, também há menção ao caso <strong>de</strong> um réu,<br />

que por ser médico formado na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, não pa<strong>de</strong>ceu na forca, e sim foi<br />

<strong>de</strong>golado.<br />

Viera Fazenda (1921) apresenta uma classificação <strong>de</strong> quatro tipos <strong>de</strong> morte no<br />

contexto das execuções, sendo elas: atroz, cruel, natural e natural para sempre. Segundo o<br />

autor, a morte atroz é a em que “o con<strong>de</strong>nado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> enforcado era <strong>de</strong>capitado, e a cabeça<br />

ficava exposta no patíbulo; outras vezes era o cadáver esquartejado, po<strong>de</strong>ndo também ser<br />

queimado e aos ventos lançadas as cinzas!” (FAZENDA, 1921:85); na morte cruel “o réo<br />

antes <strong>de</strong> morrer era atormentado, atenazado; podiam ser seus membros quebrados com massas<br />

<strong>de</strong> ferro, etc.” (FAZENDA, 1921:85). Referente à morte natural e a natural para sempre, ele<br />

aponta que na última, os corpos permaneciam pendurados na forca expostos para exemplo e<br />

escarmento, sendo este tipo <strong>de</strong>stinado aos gran<strong>de</strong>s criminosos.<br />

Segundo Fazenda (1921), acredita-se que Mem <strong>de</strong> Sá levantou o primeiro patíbulo no<br />

alto do morro do Castelo. A forca, que <strong>de</strong> início era fixa 4 , com o <strong>de</strong>correr do tempo passou a<br />

ser montada <strong>de</strong> acordo com a necessida<strong>de</strong>. A execução da sentença <strong>de</strong>veria ser espaçada em<br />

até vinte dias e ao con<strong>de</strong>nado <strong>de</strong>veria ser dado tempo para se confessar 5 . As cerimônias <strong>de</strong><br />

execução costumavam terminar ao meio dia, e além <strong>de</strong> não serem realizadas na parte da tar<strong>de</strong>,<br />

também não era feitas na véspera <strong>de</strong> domingo, em Dias Santos, ou Dias <strong>de</strong> Festa Nacional. O<br />

4 Em 1579, a forca se encontrava no local do Hospital novo da Misericórdia; em 1751, na praia <strong>de</strong> S.<br />

Bento; por volta <strong>de</strong> 1753, na praça do General Osorio, fora da Vala da Cida<strong>de</strong> e diante do antigo<br />

cemitério do Mulatos; no ano <strong>de</strong> 1755, no campo <strong>de</strong> S. Domingos. A partir da meta<strong>de</strong> do século <strong>XV</strong>III,<br />

segundo Lara (2007), os enforcamentos são realizados para além da Rua da Vala.<br />

5 “E ás pessoas, que per Justiça houverem <strong>de</strong> pa<strong>de</strong>cer, se notificará a sentença hum dia à tar<strong>de</strong>, a horas<br />

que lhe fique tempo para se confessarem, e pedirem a Nosso Senhor perdão <strong>de</strong> seus peccados./E <strong>de</strong>pois<br />

que forem confessados starão com elles algumas pessoas Religiosas, para os consolarem, e animarem a<br />

bem morrer, e assi mais outras que os guar<strong>de</strong>m./E ao outro dia seguinte pela manhã lhes darão o<br />

Santissimo Sacramento, e se continuará em starem com elles as pessoas Religiosas, e os que guardão./E<br />

ao terceiro dia pela manhã se fará no con<strong>de</strong>nado a execução <strong>de</strong> morte com effeito, segundo em a sentença<br />

fôr conteúdo./E se no lugar houver Confraria da Mizericordia, seja-lhe notificado, para irem com elle, e o<br />

consolarem./E havendo-se <strong>de</strong> fazer execução <strong>de</strong> morte, no lugar em que stiver cada hum das Relações, o<br />

Capellão <strong>de</strong>lla será obrigado confessar os con<strong>de</strong>nados, e ir com elles até o lugar <strong>de</strong>putado para a tal<br />

Justiça, esforçando-os com palavras, com que morrão bons Chritãos, e recebão a morte com paciencia.”<br />

(MENDES, 2004:1313-1314).<br />

4


autor relata que, enquanto a população da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro era pequena, os justiçados<br />

eram sepultados em um campo junto ao morro do Castelo e por trás do Hospital da Santa Casa<br />

<strong>de</strong> Misericórdia, que viria a ser o Cemitério da Santa Casa da Misericórdia, <strong>de</strong>stinado aos<br />

pobres, indigentes, escravos e justiçados, <strong>de</strong>ntre outros. Sendo o sepultamento realizado pela<br />

dita Santa Casa.<br />

A trajetória do pa<strong>de</strong>cente se iniciava com a ida ao oratório. “Satisfeitas as exigencias<br />

das Or<strong>de</strong>nações e lavrada a sentença <strong>de</strong> morte, quebrava o juiz a penna, e era o réo conduzido<br />

ao oratório, on<strong>de</strong> tinha <strong>de</strong> passar três dias até a execução da sentença.” (FAZENDA,<br />

1921:91). Segundo Melo Moraes: “Os três dias e as três noites que precediam aos <strong>de</strong>veres do<br />

carrasco, eram consagrados à prece e à confissão, à recepção do Sagrado Viático e à<br />

penitencia d’alma do malfeitor irretocável.” (MORAES, 1979:219).<br />

De acordo com Vieira Fazenda, por pedido <strong>de</strong> João Ribeiro Corrêa, em seu<br />

testamento, foi construída em frente à Ca<strong>de</strong>ia, a Capela <strong>de</strong> Jesus para on<strong>de</strong> era levado o<br />

con<strong>de</strong>nado. Com o tempo a capela caiu em ruínas e o oratório passou a ser <strong>de</strong>ntro da própria<br />

Ca<strong>de</strong>ia. Quando os presos foram transferidos para o Aljube 6 , foi construída para oratório a<br />

Capela <strong>de</strong> Santa Ana. Melo Moraes afirma que apenas o con<strong>de</strong>nado entrava no oratório,<br />

contudo menciona que a tradição oral relata a realização <strong>de</strong> casamentos no dito local.<br />

Fazenda diz que, no dia da execução, ao chegar à prisão, todos se ajoelhavam, o réu<br />

beijava o crucifixo e era entoada a ladainha <strong>de</strong> Todos os Santos até o versículo Sancta Maria.<br />

A procissão se dirigia em direção à forca, e parava vez ou outra para que o pregoeiro lesse a<br />

sentença em voz alta. 7 No caminho <strong>de</strong>via haver uma igreja aberta para o réu ouvir a missa,<br />

sendo que <strong>de</strong>veria fazê-lo ajoelhado na porta da igreja. Para tal, serviram as Igrejas <strong>de</strong> Santa<br />

Luzia, São José, Santa Rita e da Lampadosa. Por fim:<br />

“Ajudado pelo carrasco e acompanhado pelo confessor, subia o con<strong>de</strong>mnado os <strong>de</strong>graus da forca. O<br />

algoz amarrava o baraço na trave superior, e o sacerdote <strong>de</strong>scia lentamente, com as costas voltadas<br />

para o povo, rezando com voz pausada o Credo, e pousando os pés em terra, voltava-se rapidamente<br />

ao pronunciar as palavras – vida eterna. Nesse momento terrível o carrasco precipitava o<br />

con<strong>de</strong>mnado, que expirava em horriveis convulsões; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> carregado pelo executor da alta justiça,<br />

cortada a corda com uma machadinha, era o cadaver <strong>de</strong>positado em um caixão <strong>de</strong>nominado lancha<br />

(hoje rabecão) e levado para o <strong>de</strong>posito da Santa Casa.” (FAZENDA, 1921:92).<br />

6 Em 1808, a Antiga Ca<strong>de</strong>ia se torna acomodação para criados da Família Real.<br />

7 Segundo o autor, o Cerimonial usado nas execuções se encontra no Capitulo XX<strong>XV</strong>I do Compromisso<br />

da Misericórdia.<br />

5


Um antigo costume dizia que se a corda arrebentasse no momento do enforcamento, o<br />

con<strong>de</strong>nado era o amparado pela ban<strong>de</strong>ira da Misericórdia e recebia o perdão. Entretanto,<br />

Fazenda afirma que esta situação não ocorria <strong>de</strong> fato. Esse costume nunca foi respeitado no<br />

Brasil, portanto, a ban<strong>de</strong>ira era apenas um sinal <strong>de</strong> conforto.<br />

Dentre as informações obtidas, pu<strong>de</strong> constatar que a pena <strong>de</strong> morte não era aplicada<br />

aos menores <strong>de</strong> 17 anos. Moraes (1979:222) relata que o pa<strong>de</strong>cente fazia seu trajeto com o<br />

baraço 8 ao pescoço, manietado (algemado), <strong>de</strong>scalço, vestindo geralmente jaqueta e calça <strong>de</strong><br />

cor e carregando nos antebraços a imagem <strong>de</strong> Cristo crucificado. O con<strong>de</strong>nado era<br />

acompanhado pelos sacerdotes, carrasco e seus ajudantes, meirinho, oficiais <strong>de</strong> justiça.<br />

O carrasco é <strong>de</strong>nominado por Focault (1987) como, “anatomista imediato do<br />

sofrimento”. Para o autor, ele é quem aplica a lei e exibe a força; agente que aplica violência a<br />

violência do crime com o objetivo <strong>de</strong> dominá-la. Sendo do crime, adversário material e físico,<br />

partilha sua infâmia apesar <strong>de</strong> ser agente da justiça. Dizendo assim ser in<strong>de</strong>coroso receber a<br />

punição, e pouco glorioso aplicá-la.<br />

Nas Or<strong>de</strong>nações (2004), o algoz também é <strong>de</strong>nominado como Ministro ou Executor da<br />

Justiça Criminal, e é mencionado que outrora seu ofício era exercido sem infâmia. Sobre tal<br />

questão, Fazenda (1921) fala que:<br />

“Teria no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o executor da alta justiça tanta importancia para morar por aposentadoria,<br />

em casa especial? Pelo livro 1º, titulo 33”£”8 das Or<strong>de</strong>nações do reino, eram os algozes consi<strong>de</strong>rados<br />

ministros e gosavam <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração, não sendo, segundo Viterbo, <strong>de</strong>sprezivel o mister <strong>de</strong> fazer morrer<br />

por justiça. Penso, porém, que no Brasil tal não se <strong>de</strong>u, e o saião foi sempre olhado com <strong>de</strong>sprêzo e<br />

horror.” (FAZENDA, 1921:76).<br />

Vieira e Casa<strong>de</strong>i apontam para que na falta <strong>de</strong> carrasco juramentado, a pena po<strong>de</strong>ria<br />

ser executada por um con<strong>de</strong>nado a pena máxima. Todavia, esse “serviço” não atenuava a pena<br />

do executor provisório. Era dada como compensação uma pequena quantia inferior a cinco<br />

cruzeiros. Nota-se que havia comutação <strong>de</strong> pena sim, mas nada tinha a ver com a “prestação<br />

<strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> carrasco”.<br />

“Agente participante” <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, a Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia era<br />

responsável: pelo sustento dos presos; recolhimento <strong>de</strong> esmolas para sufrágio dos pa<strong>de</strong>centes<br />

8 Laço <strong>de</strong> forca.<br />

6


no dia do suplicio; fornecimento <strong>de</strong> alimentos aos supliciados pobres antes da execução 9 ;<br />

sepultamento dos justiçados; realização da Procissão dos Ossos no dia 1º <strong>de</strong> novembro ao<br />

entar<strong>de</strong>cer, quando buscava e sepultava os restos mortais dos con<strong>de</strong>nados a morte natural para<br />

sempre 10 .<br />

Segundo Focault (1987), o povo é personagem principal nas cerimônias do suplício.<br />

Ele é espectador, testemunha, garantia da punição, e até certo ponto, toma parte nela. Os<br />

cortejos eram acompanhados pela população como um gran<strong>de</strong> espetáculo. Multidões saiam<br />

às ruas e acompanhavam os últimos passos dos justiçados. Havia ainda os que<br />

acompanhavam toda a cerimônia pelas janelas das casas. De uma forma ou <strong>de</strong> outra, as<br />

execuções chamavam a atenção popular.<br />

“A la<strong>de</strong>ira do Castelo, negrejante <strong>de</strong> gente que subia, mostrava no alto uma espécie <strong>de</strong> anfiteatro e<br />

riçado <strong>de</strong> cabeças, que se <strong>de</strong>bruçavam sôfregas do horripilante espetáculo./Nas janelas apinhadas <strong>de</strong><br />

famílias, viam-se, rompendo <strong>de</strong>trás, trepados em ca<strong>de</strong>ira e em mochos, meninos e moleques, negras e<br />

negrinhas, que cresciam da ponta dos pés, estirando o pescoço, olhando para baixo, nada per<strong>de</strong>ndo do<br />

que se passava, até avistarem o préstito.” (MORAES 1979:221).<br />

Após o suplicio, os enforcados eram conduzidos a um lugar apropriado on<strong>de</strong> lhe era<br />

retirado todo o tecido gorduroso reduzido a um óleo que era vendido por um bom preço. Era<br />

muito disputado, e acreditava-se que curava a calvície. Além disso, a corda do enforcado era<br />

tida como um talismã que trazia felicida<strong>de</strong>. “Fragmentos da corda do enforcado eram<br />

posteriormente distribuídos como presentes <strong>de</strong> alta estimativa, pois, segundo a crença popular,<br />

preservavam <strong>de</strong> males e davam fortuna.” (MORAES, 1979:224).<br />

Dando prosseguimento a pesquisa, tenho como objetivo aprofundar as questões<br />

apresentadas fazendo uma investigação mais <strong>de</strong>talhada sobre: o ritual da pena <strong>de</strong> morte; o<br />

papel <strong>de</strong>senvolvido pela Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia no dito contexto; a figura do carrasco; as<br />

vivências/reações da população perante esse tipo <strong>de</strong> morte específica. Assim como uma<br />

investigação no âmbito jurídico sobre a pena <strong>de</strong> morte (quais crimes levavam à con<strong>de</strong>nação;<br />

<strong>de</strong> que forma se dava a comutação da pena; para quem ficava seus bens; quais as outras<br />

formas <strong>de</strong> execução aplicada e a quem era <strong>de</strong>stinadas; e etc.).<br />

9 “Para satisfazer os ultimos <strong>de</strong>sejos do con<strong>de</strong>mnado lá estavam os serviçais da Misericordia, conduzindo<br />

em cesta o vinho e mais cousas que se costuma levar para a consolação. Essas cousas eram fornecidas<br />

pelo mordomo da Botica aos mordomos dos presos” (FAZENDA, 1921:214).<br />

10 Tal responsabilida<strong>de</strong> é mencionada no Compromisso da Misericórdia e nas Or<strong>de</strong>nações Filipinas<br />

(2004).<br />

7


Para tal, além <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> memorialistas, buscarei documentos do Projeto Resgate<br />

que façam menção às execuções, processos-crimes envolvendo casos <strong>de</strong> execução,<br />

documentação referente ao papel da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia no contexto das execuções,<br />

legislação relativa à pena <strong>de</strong> morte no Brasil.<br />

Os resultados preliminares <strong>de</strong>ste trabalho mostram uma presença ativa da Santa Casa<br />

<strong>de</strong> Misericórdia em diversas etapas do procedimento, sendo seus irmãos responsáveis pela<br />

vestimenta do pa<strong>de</strong>cente, suas confissões, últimos <strong>de</strong>sejos, seu sepultamento e a realização <strong>de</strong><br />

missas pela alma. Outra questão observada é atração que as execuções exerciam sobre gran<strong>de</strong><br />

parte da população, que era levada as ruas para assisti-las ou ainda as janelas das casas, sendo<br />

vista como um espetáculo. Dessa forma, a presente pesquisa aponta para o entendimento <strong>de</strong><br />

um tipo <strong>de</strong> morte específica: a execução. Este estudo procura buscar informações sobre as<br />

cerimônias em torno <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> morrer, para isso investigando sobre todo o seu ritual e<br />

legislação envolvida, assim criando um panorama geral sobre este tema ainda pouco<br />

explorado pela historiografia brasileira.<br />

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8


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9

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