Ana Lucia Nunes Penha - XV Encontro Regional de História ...
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Tortuosos caminhos: obras públicas provinciais e o difícil escoamento das mercadorias <strong>de</strong><br />
Cantagalo, Campos dos Goytacazes e Macaé para o Rio <strong>de</strong> Janeiro (século XIX).<br />
Tortuous paths: provincial public works and thedifficult outflow of goods from Cantagalo,<br />
Campos dos Goytacazes and Macaé to Rio <strong>de</strong> Janeiro (nineteenth century).<br />
Resumo:<br />
1<br />
<strong>Ana</strong> <strong>Lucia</strong> <strong>Nunes</strong> <strong>Penha</strong> *<br />
O <strong>de</strong>putado campista na assembleia provincial fluminense, José Herédia, mencionava em<br />
sessão <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1864 o lamentável estado <strong>de</strong> conservação em que se encontrava a<br />
estrada <strong>de</strong> Cantagalo a Macaé e a expressiva quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> café, em torno <strong>de</strong> 500 mil arrobas,<br />
que <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> Cantagalo com <strong>de</strong>stino àquela localida<strong>de</strong>. A comunicação preten<strong>de</strong> discorrer<br />
sobre os caminhos <strong>de</strong> ligação entre a Corte e a região do norte da província do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
nas proximida<strong>de</strong>s do Paraíba e na fronteira com a província mineira, bem como a atuação dos<br />
fazen<strong>de</strong>iros daquelas localida<strong>de</strong>s na abertura e melhoria dos caminhos <strong>de</strong> ligação com a<br />
cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Palavras-chave: Estrada <strong>de</strong> Cantagalo a Macaé – produção – Campos dos Goytacazes<br />
Abstract:<br />
The Commissary from Campos, José Herédia, at the provincial fluminense assembly<br />
mentioned in an audience in May 11th,1864 the poor preservation of the road connecting<br />
Macaé to Campos, also, the significant coffee load of about 500 arrobas coming from<br />
Cantagalo to that location. This notification aims to <strong>de</strong>scant about pathways bounding the<br />
Courtand the north region of Rio <strong>de</strong> Janeiro province, as well as about local farmer’s efforts<br />
for the inauguration and improvement of these linking-paths that reached Rio <strong>de</strong> Janeiro city.<br />
Key-words: Cantagalo-Macaé Road - production - Campos dos Goytacazes<br />
A ampliação e a abertura <strong>de</strong> caminhos interligando diferentes regiões do extenso<br />
território colonial brasileiro figuravam entre os projetos <strong>de</strong> reforma para a América lusa <strong>de</strong><br />
fins do <strong>XV</strong>III, inspirados na Ilustração portuguesa. Nesse sentido, a penetração no território<br />
* Doutoranda em <strong>História</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense.
através dos rios navegáveis e estradas cumpriam o objetivo <strong>de</strong> “<strong>de</strong>scobrir a colônia” obtendo-<br />
se maior conhecimento não apenas sobre aqueles domínios, mas também sobre sua população.<br />
Como observa Claudia Maria Chaves, com a chegada da Família Real ao Brasil, em<br />
1808, a melhoria dos caminhos entre Minas e o Rio <strong>de</strong> Janeiro recebeu maior impulso, sendo<br />
marcada entre outras medidas pela a criação da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e<br />
Navegação, uma das primeiras providências tomadas pela Corte com o objetivo <strong>de</strong> estreitar a<br />
comunicação entre o Rio <strong>de</strong> Janeiro e as Gerais. Entre as principais vias fluviais que cortavam<br />
aquela capitania estavam os rios Paraíba, Paraibuna, Gran<strong>de</strong>, Doce, Jequitinhonha, Mucuri,<br />
Pardo, São Francisco e Rio das Velhas que faziam a comunicação das terras mineiras com o<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Espírito Santo, São Paulo e Bahia. Pedidos pela<br />
melhoria dos caminhos eram frequentes. Observa Chaves, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1799 havia notícias <strong>de</strong><br />
apelos <strong>de</strong> moradores das proximida<strong>de</strong>s do Porto <strong>de</strong> Estrela, entre a Serra da Boa Vista e o<br />
Registro <strong>de</strong> Paraibuna, para que fossem melhoradas as vias <strong>de</strong> comunicação com a província<br />
mineira (2002: 79).<br />
Mais ao norte da Capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, o caminho entre Cantagalo e Campos<br />
dos Goytacazes requeria a melhoria da navegação pelo rio Paraíba, rompendo o monopólio<br />
feito pelos fazen<strong>de</strong>iros da estrada Garcia Rodrigues. Observa a autora, que aquelas duas<br />
regiões no final do século <strong>XV</strong>III pareciam ser bem freqüentadas por comerciantes mineiros<br />
através do Registro do Rio Pomba. Cantagalo, além <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> atração <strong>de</strong>sses últimos em<br />
busca <strong>de</strong> ouro, apresentava ótimas condições para a agricultura e era fértil o bastante para<br />
superar os resultados da mineração. Essa constatação teria levado o Vice-Rei do Brasil, Luis<br />
<strong>de</strong> Vasconcelos <strong>de</strong> Sousa a impetrar em 1786, mediante <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> garimpo ilegal na<br />
região, medidas <strong>de</strong> incentivo às lavouras convocando particulares para <strong>de</strong>senvolverem a<br />
agricultura, o que levou à criação do povoado. Este, em 1802, já contava com 869 pessoas, o<br />
que concorria para a fertilida<strong>de</strong> daqueles sertões (2002:80). A melhoria, portanto, daquelas<br />
vias <strong>de</strong> comunicação buscava conjugar a produção <strong>de</strong> Minas com as férteis regiões<br />
fluminenses <strong>de</strong> Cantagalo e Campos dos Goytacazes. Além da ligação entre a Vila Rica e o<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, portanto, fazia-se necessário melhorar as condições <strong>de</strong> navegação do Paraíba<br />
2
do Sul, principal artéria fluvial por on<strong>de</strong> era escoada a mercadoria da região com <strong>de</strong>stino ao<br />
porto <strong>de</strong> São João da Barra.<br />
Após a in<strong>de</strong>pendência, os melhoramentos <strong>de</strong> estradas e ampliação das vias <strong>de</strong><br />
comunicação interna ocupariam papel vital nos projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da jovem nação,<br />
<strong>de</strong>sejosa por trilhar os caminhos da Civilização e prosperida<strong>de</strong>, para os quais concorriam a<br />
fertilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu solo, a amenida<strong>de</strong> do clima, a abundância das terras e as promissoras<br />
condições <strong>de</strong> sua navegação fluvial. Encorajada por esses i<strong>de</strong>ais, a Assembleia Provincial do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro autorizou, através do <strong>de</strong>creto n o . 85 <strong>de</strong> 1837, que se fizessem as <strong>de</strong>spesas<br />
necessárias para o levantamento da planta <strong>de</strong> um canal <strong>de</strong> navegação que partindo da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Campos dos Goytacazes se dirigisse ao porto da vila <strong>de</strong> Macaé. De lá, o canal <strong>de</strong>veria<br />
seguir até São João <strong>de</strong> Macaé, vindo dar no “Porto das Caixas ou n’outro qualquer ponto da<br />
baia <strong>de</strong> Nictheroy. Aquela seria uma das obras mais onerosas aprovadas pela assembleia a fim<br />
<strong>de</strong> facilitar o escoamento <strong>de</strong> mercadorias pelo norte-fluminense.<br />
Mal começavam os primeiros trabalhos da assembleia e já o relatório apresentado<br />
pelo segundo presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> província, Paulino José Soares <strong>de</strong> Sousa, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uruguai, em<br />
18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1836, sublinhava a utilida<strong>de</strong> da “comunicação do interior do Paraíba com o<br />
rio Macaé por meio <strong>de</strong> um canal que <strong>de</strong>sse a Campos um bom porto no oceano.”(Relatório <strong>de</strong><br />
Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Província- RPP, 1836:53). Ressentiam-se os campistas da falta <strong>de</strong> uma saída<br />
para o mar que superasse as corre<strong>de</strong>iras e a ausência <strong>de</strong> ventos a<strong>de</strong>quados para a navegação<br />
regular pelo Paraíba até São João da Barra, como observa João Oscar (1985:130). Sheila <strong>de</strong><br />
Castro Faria aponta que as condições naturais da região, até meados do XIX, eram<br />
problemáticas. As vias <strong>de</strong> comunicação interna da Baixada Campista e sua ligação com os<br />
portos <strong>de</strong> Macaé e do Rio <strong>de</strong> Janeiro era dificultada por frequentes alagamentos que punham<br />
obstáculos ao escoamento da produção (1986: 28).<br />
A construção <strong>de</strong> um canal <strong>de</strong> ligação entre os dois municípios já havia sido <strong>de</strong>fendida<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> fins do século <strong>XV</strong>III pelo campista José Joaquim da Cunha <strong>de</strong> Azeredo Coutinho,<br />
nomeado bispo <strong>de</strong> Olinda, em 1794 e <strong>de</strong> Elvas, em 1808, sendo retomada, em 1836, por José<br />
Carneiro da Silva, mais tar<strong>de</strong> barão e viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Araruama, importante chefe político<br />
regional. Sua realização ficaria, inicialmente, a cargo do inglês H. Freese que obtivera o<br />
3
privilégio para sua construção, mediante a formação da companhia e reunião do capital obtido<br />
na Inglaterra. Além do canal, o inglês faria a abertura da estrada <strong>de</strong> Cantagalo e a construção<br />
<strong>de</strong> uma ponte sobre o Rio Paraíba. Entretanto, a companhia não se efetivou e a construção do<br />
canal ficou a cargo da administração provincial fluminense.<br />
O governo provincial obteve, através da Lei n o . 333 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1844, o crédito<br />
extraordinário <strong>de</strong> 1.432:000$000, concedido pelo governo central para aquela construção.<br />
Deveria o canal fazer a ligação entre aqueles dois municípios, partindo da Lagoa do Ozório,<br />
em Campos, até a foz do rio Macaé, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> as mercadorias seriam transportadas até o<br />
pequeno porto <strong>de</strong> Imbetiba, naquela vila, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> seguiria por cabotagem até o porto do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro e outras localida<strong>de</strong>s. O canal Campos - Macaé <strong>de</strong>veria ainda prosseguir <strong>de</strong> Macaé<br />
até o Porto das Caixas, ou outro ponto naquelas imediações, aproveitando os cursos dos rios,<br />
mas essa etapa não foi levada a efeito.<br />
Joaquim José Rodrigues Torres foi o primeiro presi<strong>de</strong>nte a assumir a direção da<br />
Assembleia província do Rio <strong>de</strong> Janeiro cujos trabalhos tiveram início em 1835. Nos<br />
primeiros relatórios apresentados <strong>de</strong>stacou o mau estado em que se encontravam as estradas,<br />
além da dificulda<strong>de</strong> das câmaras municipais em promover o melhoramento e conservação dos<br />
caminhos, tendo em vista a escassez <strong>de</strong> seus capitais e limitados recursos técnicos e<br />
administrativos. Tal constatação fez recair sobre a administração provincial a condução<br />
daqueles melhoramentos sendo criada uma Comissão ou Diretoria <strong>de</strong> Obras a fim <strong>de</strong> se<br />
fiscalizar as obras em curso, além do exame, plano, traçado e direção <strong>de</strong> novas estradas. (RPP,<br />
1835: 15).<br />
O envio à Assembleia provincial <strong>de</strong> uma representação da Câmara <strong>de</strong> Campos, em<br />
1835, acusando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir uma ponte sobre o rio Paraíba, uma estrada até<br />
São João Del Rei (MG) e canais navegáveis na região não surtiu os efeitos esperados pelos<br />
campistas. O presi<strong>de</strong>nte argumentou em seu relatório não ter recursos para a realização da<br />
obra. Em março <strong>de</strong> 1836, Rodrigues Torres pontuava novamente o mau estado da maior parte<br />
das estradas da província, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a fertilida<strong>de</strong> do termo <strong>de</strong> Cantagalo <strong>de</strong>vido à<br />
expansão <strong>de</strong> seus cafezais, o que exigia melhores condições <strong>de</strong> transporte. Indicava o relatório<br />
a existência <strong>de</strong> quatro caminhos por on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser transportado o café, mas nenhum <strong>de</strong>les<br />
4
apresentava boas condições: dois <strong>de</strong>les davam na baía <strong>de</strong> Niterói, um pelo Porto das Caixas e<br />
outro por Magé, mas era difícil transitar por eles; outro, que ia dar em Macaé, era muito<br />
paludoso e <strong>de</strong> difícil transito no tempo das águas. Apenas um caminho, que ia por São<br />
Fidélis, apresentava condições favoráveis para o transporte do café. Entretanto, quando este<br />
chegava a Campos, esbarrava nas dificulda<strong>de</strong>s da navegação até a costa (RPP, 1836:17).<br />
Se os caminhos por terra eram difíceis, também a navegação costeira não apresentava<br />
melhores condições, como mostra Eulália Maria L. Lobo. O comércio da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro com a costa norte do Brasil incluía os distritos <strong>de</strong> Cabo Frio e Campos dos Goytacazes e<br />
avançava em direção ao Espírito Santo, Porto Seguro, Bahia e Pernambuco. No norte fluminense, os<br />
principais portos eram Cabo Frio, Macaé e Rio das Ostras e o comércio com o primeiro, mais<br />
próximo, se fazia principalmente com lanchas. Os dois últimos só eram acessíveis a barcos.<br />
Com o distrito <strong>de</strong> Campos dos Goytacazes, o comércio era feito nos portos do rio Paraíba do<br />
Sul através <strong>de</strong> lanchas e sumacas (1978:86-90).<br />
A questão envolvendo uma saída para o mar era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse dos campistas nas<br />
décadas <strong>de</strong> 1830 e 1840, pois a superação das corre<strong>de</strong>iras do rio Paraíba e a falta dos ventos<br />
a<strong>de</strong>quados à navegação regular até São João da Barra, porto <strong>de</strong> saída das mercadorias com<br />
<strong>de</strong>stino à Corte, impedia uma maior ligação comercial com o Rio <strong>de</strong> Janeiro. A criação <strong>de</strong><br />
uma empresa para construção <strong>de</strong> um barco a vapor era reclamada tanto por sua necessida<strong>de</strong><br />
quanto pelos exuberantes lucros que po<strong>de</strong>riam trazer aos seus empreen<strong>de</strong>dores, como afirmam<br />
os redatores do jornal O Campista, em 1834. Segundo o periódico,<br />
Ninguém ignora que a barra <strong>de</strong> Campos é tal, que os barcos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> carregados<br />
precisam para saírem <strong>de</strong> vento sul, ou sudoeste e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> saírem, <strong>de</strong> nor<strong>de</strong>ste para<br />
seguirem viagem para o Rio <strong>de</strong> Janeiro: e sendo este último constante nesta costa<br />
em certas épocas do ano, suce<strong>de</strong> muitas vezes estarem os mesmos carregados três e<br />
mais meses sem po<strong>de</strong>rem seguir viagem com grave prejuízo do comércio, e da<br />
lavoura, como ainda no ano passado todos experimentamos. 1<br />
Os transtornos causados pelas condições <strong>de</strong> vento e correntes sobre a navegação<br />
costeira já eram apontados pelas autorida<strong>de</strong>s metropolitanas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> longa data. Até o advento<br />
dos barcos a vapor nos meados do século XIX, como afirma Filipe Alencastro, “só as sumacas<br />
– barcaças pequenas <strong>de</strong> dois mastros – conseguiam sair da Bahia, <strong>de</strong> Pernambuco, ou mais do<br />
Sul, e bor<strong>de</strong>jar na torna-viagem do Pará e do Maranhão. Ainda assim, tudo <strong>de</strong>pendia da<br />
5
sorte”. (2000: 58). A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> navegação pela costa brasileira não era, portanto, uma<br />
questão simples <strong>de</strong> ser resolvida. Argumenta o autor que “a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação com a<br />
corte e o transtorno da navegação litorânea sul-americana” teriam sido fatores <strong>de</strong>terminantes<br />
para a criação <strong>de</strong> duas colônias distintas no espaço da América portuguesa. Outras limitações<br />
impostas pela navegação à administração portuguesa po<strong>de</strong>m ser exemplificadas também pelas<br />
críticas feitas ao Tribunal da Relação na Bahia, em 1609, em vista da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
encaminhamento àquele tribunal dos pleitos <strong>de</strong> outras capitanias e ao isolamento a que estava<br />
submetida a região amazônica, on<strong>de</strong> só chegava <strong>de</strong> Lisboa uma embarcação por ano. Esse fato<br />
levara o padre Antonio Vieira a escrever ser mais fácil navegar da Índia a Portugal do que da<br />
missão em que estava, no Maranhão, até o Brasil. Nas suas cartas, citadas por Alencastro, o<br />
padre registrava que missionários e autorida<strong>de</strong>s civis ao serem <strong>de</strong>spachados da Bahia para São<br />
Luis e Belém faziam sua primeira bal<strong>de</strong>ação em Lisboa para <strong>de</strong>pois viajar até o Maranhão e o<br />
Pará. (2000:59). Acrescenta Alencastro que foi em função dos prejuízos que recaíam sobre o<br />
transporte da produção açucareira fluminense “pelos baixios <strong>de</strong> São Tomé e as ventanias da<br />
foz do Rio Paraíba” que foi i<strong>de</strong>alizada, nos anos 1840 a construção do canal fluvial <strong>de</strong><br />
Campos a Macaé. (2000: 61).<br />
Informações fornecidas por Alberto Lamego indicam tentativas anteriores <strong>de</strong> estreitar<br />
a comunicação entre a região e a Corte. No início da década <strong>de</strong> 1820 os irmãos Carneiro da<br />
Silva haviam proposto a “abertura <strong>de</strong> uma estrada comunicando os habitantes da vila <strong>de</strong> São<br />
Salvador com os da Corte, passando por Macaé”. On<strong>de</strong> existia uma trilha velha e intransitável<br />
em virtu<strong>de</strong> das enchentes dos rios Ururaí e Macabu foi feito um aterro para construção da<br />
estrada, acompanhada <strong>de</strong> 13 pontes. A estrada que ligava Campos e Niterói, com escala por<br />
Macaé, foi inaugurada em 1826. No entanto, passados <strong>de</strong>z anos, afirma Lamego que “<strong>de</strong>vido<br />
à falta <strong>de</strong> conservação e a obstrução das valas, o seu leito foi transformado em extenso<br />
pantanal, cheio <strong>de</strong> atoleiros, tornando-se intransponível” (1948:102-103). Em face da<br />
situação, voltaram-se os campistas e macaenses para a obra do canal.<br />
A i<strong>de</strong>ia da construção do canal Campos - Macaé, adormecida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fins do <strong>XV</strong>III,<br />
ganhou ânimo logo nas primeiras legislaturas, <strong>de</strong>spertando por completo na década <strong>de</strong> 1840.<br />
O projeto contou com o apoio financeiro da administração provincial, mas o canal, por várias<br />
6
azões, não <strong>de</strong>u a navegação <strong>de</strong>sejada. Entre o início das escavações, em 1845, e os trabalhos<br />
<strong>de</strong> melhoramentos necessários ao seu funcionamento somam-se quase trinta anos, sem que os<br />
resultados fossem satisfatórios para a administração provincial. Nesse ínterim, dois gran<strong>de</strong>s<br />
projetos <strong>de</strong> estrada <strong>de</strong> ferro para a região foram discutidos na Assembleia provincial: a ligação<br />
entre Porto das Caixas e Cantagalo, <strong>de</strong>fendida pelo barão <strong>de</strong> Nova Friburgo na década <strong>de</strong><br />
1840, 2 e a ligação entre Niterói e Campos, posta em andamento apenas na década <strong>de</strong> 1860<br />
(GOUVÊA, 2008:50-53). Seria a Estrada <strong>de</strong> Ferro <strong>de</strong> Macaé a Campos, inaugurada em 1875,<br />
que, efetivamente, propiciaria o escoamento da produção regional pelo porto <strong>de</strong> Imbetiba.<br />
No dia 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1874 foi inaugurada a 1ª seção da estrada <strong>de</strong> ferro Macaé a<br />
Campos, compreendida entre Macaé e Carapebus. Sua construção fora autorizada pelo<br />
governo provincial, através da Lei n.º 1.464 <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1869, e a concessão<br />
celebrada em fevereiro <strong>de</strong> 1870 (RPP, 1870: 13). Seus cessionários, o engenheiro civil<br />
Andrew Taylor, o negociante estrangeiro (português) José Antonio dos Santos Cortiço e o<br />
fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> açúcar Antonio Joaquim Coelho 3 , obtiveram o privilégio <strong>de</strong> até 70 anos e a<br />
<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> zona vetando o estabelecimento <strong>de</strong> outra linha que não aquela entre a capital e<br />
a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campos. Além disso, os mesmos eram incumbidos <strong>de</strong> estabelecer também uma<br />
linha auxiliar <strong>de</strong> navegação ligando Macaé à Corte. Por <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1873, a<br />
companhia da estrada <strong>de</strong> ferro recebera autorização para o prolongamento da linha até a praia<br />
<strong>de</strong> Imbetiba (Macaé), em cuja enseada seria construído o porto.<br />
Nesse sentido, vale lembrar a importância do porto <strong>de</strong> Imbetiba para o escoamento da<br />
produção do norte da província - gêneros <strong>de</strong> abastecimento, açúcar, ma<strong>de</strong>iras e outros - e<br />
também do café <strong>de</strong> vinha <strong>de</strong> Cantagalo e da região. Ainda na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX<br />
a cultura itinerante havia se espraiado pela baixada leste fluminense chegando a Campos dos<br />
Goytacazes, Espírito Santo e Zona da Mata Mineira. A expansão das vias férreas em direção à<br />
zona oriental fluminense na década <strong>de</strong> 1870, através da estrada <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong> Cantagalo e o<br />
ramal férreo ligando aquela via à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mesmo nome além da construção da 1ª seção da<br />
estrada <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong> Niterói a Campos, das ferrovias Macaé a Campos e da Campos-Carangola<br />
buscaram aten<strong>de</strong>r a produção do norte e noroeste fluminense e sul <strong>de</strong> Minas, ocorrendo no<br />
período em que as terras do Vale do Paraíba já se encontravam em franco esgotamento 4 . Os<br />
7
valores da exportação do café <strong>de</strong> Campos para o Rio <strong>de</strong> Janeiro para o <strong>de</strong>cênio 1852-1861<br />
eram <strong>de</strong> 178:712$000, <strong>de</strong> 1862 -1871, 397:080$000 e 1872-1881, <strong>de</strong> 807:206$400<br />
apresentava tendências crescentes como mostra o Almanaque <strong>de</strong> Campos (1885:56). Observa<br />
Wilson Vieira apesar da intensificação da produção, a fertilida<strong>de</strong> das terras <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>, Barra<br />
Mansa, Vassouras, Pati do Alferes, localizadas na parte oci<strong>de</strong>ntal do Vale, dava mostras <strong>de</strong><br />
franco esgotamento. Na década <strong>de</strong> 1870, <strong>de</strong>slocava-se a cultura para as terras virgens da<br />
região oriental, Paraíba do Sul e Cantagalo, duplicando também o preço da produção <strong>de</strong>vido<br />
aos custos do transporte. A expansão ferroviária da província <strong>de</strong>ra-se, portanto, quando já as<br />
plantações <strong>de</strong> café estavam maturadas, com exceção das áreas orientais. Em busca <strong>de</strong> terras<br />
virgens e férteis muitos fazen<strong>de</strong>iros migraram para as zonas mineiras e Espírito Santo e,<br />
posteriormente, para o “Oeste Paulista” (2000:21).<br />
Ricos fazen<strong>de</strong>iros e negociantes que assumiram cargos nas suas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> origem<br />
e também na Assembleia Provincial do Rio <strong>de</strong> Janeiro e no Império conduziram e, não raro,<br />
tomaram para a si a tarefa <strong>de</strong> ampliação e melhoramento dos caminhos fluminenses.<br />
Imbricadas relações entre economia e política no Império oferecem a chave para a<br />
compreensão do êxito e <strong>de</strong> fracasso <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>sses empreendimentos levados a cabo por<br />
pessoas e grupos políticos por <strong>de</strong>ntro e através do Estado Imperial. O escoamento da produção<br />
do norte e noroeste da província fluminense e parte da mineira através do canal Campos -<br />
Macaé, i<strong>de</strong>ia concebida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do <strong>XV</strong>III, materializou-se no Regresso quando foi<br />
autorizado o levantamento da planta do canal Campos –Macaé, graças à presença das<br />
representações regionais na assembleia fluminense. No pós- 1870, o aumento dos<br />
investimentos em estradas <strong>de</strong> ferro e a movimentação <strong>de</strong> capitais aplicados também na<br />
navegação, <strong>de</strong>marcariam os novos contornos da economia do norte fluminense nas décadas <strong>de</strong><br />
1870/80.<br />
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Bibliografia<br />
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séculos <strong>XV</strong>I e <strong>XV</strong>II. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.<br />
Almanak Mercantil, Industrial, Administrativo e Agrícola da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campos –<br />
compreen<strong>de</strong>ndo também os municípios <strong>de</strong> São Fidélis, Macaé, São João da Barra (Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro). Organizado por João <strong>de</strong> Alvarenga, para 1885. Ano Segundo. Campos: Typographia<br />
do Monitor Campista, rua do Concelho, 58, 1885.<br />
CHAVES, Claudia M. Das Graças. A construção do Brasil: projetos <strong>de</strong> integração da América<br />
Portuguesa. Disponível em www.revistausp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034...script=sci<br />
FARIA, Sheila S. <strong>de</strong> Castro. Terra e trabalho em Campos dos Goitacases (1850-1920).<br />
Dissertação <strong>de</strong> Mestrado. Instituto <strong>de</strong> Ciências Humanas e Filosofia. Niterói: UFF, 1986.<br />
(mimeo)<br />
LAMEGO, Alberto Ribeiro. Macaé à luz <strong>de</strong> documentos inéditos. Anuário Geográfico do<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Niterói: Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1948.<br />
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industrial e financeiro. 2 vol. Rio <strong>de</strong> Janeiro, IBMEC, 1978.<br />
OSCAR, João. Escravidão e Engenhos: Campos, São João da Barra, Macaé, São Fidélis. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Achiamé, 1985.<br />
RIO DE JANEIRO- Relatório apresentado a Assembléa Legislativa Provincial na Sessão<br />
Extraordinária pelo presi<strong>de</strong>nte Desembargador Diogo Teixeira <strong>de</strong> Macedo em 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
1870. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tipographia Nacional, 1870.<br />
VIEIRA, Wilson. Apogeu e <strong>de</strong>cadência da agricultura fluminense (1860-1930). Instituto <strong>de</strong><br />
Economia. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2000. (mimeo)<br />
1 BNRJ- O Campista. 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1834, s/ano, n. o 15, p.1.<br />
2 Antonio Clemente Pinto, Natural <strong>de</strong> Portugal, e Barão <strong>de</strong> Nova Friburgo.foi um dos negociantes mais ricos do<br />
Império. Primeiro proprietário do casarão que se tornou na residência dos presi<strong>de</strong>ntes da República do Brasil<br />
até a construção <strong>de</strong> Brasília, o Palácio do Catete, foi acionista <strong>de</strong> várias empresas organizadas pelo Viscon<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Mauá, tais como a Imperial Cia <strong>de</strong> Navegação a Vapor e Estrada <strong>de</strong> Ferro Petrópolis (1854)., e outras como<br />
a Caixa Econômica (1860) e a Estrada-<strong>de</strong>-ferro <strong>de</strong> Cantagalo.<br />
3 Andrew Taylor era engenheiro civil, José Antonio dos Santos Cortiço, negociante estrangeiro além <strong>de</strong> sócio da<br />
firma Santos Cortiço & Narciso, além <strong>de</strong> negociantes <strong>de</strong> Armazens <strong>de</strong> Gêneros Secos e Molhados e gerente da<br />
Companhia <strong>de</strong> navegação a Vapor União Campista e Fi<strong>de</strong>lista. Antonio Joaquim Coelho era fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />
açúcar do Município do Rio Bonito. Cf. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro para o anno <strong>de</strong> 1865. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert. (1865 e 1871).<br />
4 Nesse sentido, a ferrovia não exerceu o papel <strong>de</strong> “criadora <strong>de</strong> terras”, como ocorreu no Oeste Paulista. Cf. 4<br />
VIEIRA, Wilson. Apogeu e <strong>de</strong>cadência da agricultura fluminense (1860-1930). Dissertação <strong>de</strong> Mestrado<br />
apresentada no Instituto <strong>de</strong> Economia. Campinas: UNICAMP, 2000, p. 21. (mimeo)<br />
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