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versão pdf - Livraria Imprensa Oficial

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gem de provar essa comida. Uma chicotada na<br />

cara de cada um. Terebintina no rosto de todos.<br />

Quero apagar as emoções, quero sumir com as<br />

expressões. Quero me ver solto como se fosse<br />

somente o rabisco e o imaginário do desenho.<br />

Conheço as feridas de todo mundo. Ouço gritos.<br />

Gritos de crianças, gritos de mulher, gritos de<br />

pássaros, gritos de flores, gritos de madeiras e<br />

de pedras e de tijolos. São gritos que saem da<br />

minha boca, e eu não percebo. Gritos que finjo<br />

não serem meus. Não me dou mais o direito de<br />

ser impune. Sou O Pintor, um algodão que o sol<br />

banha nesse prato onde cozi nhei tudo, onde fiz<br />

a paella que nem eu mesmo tenho vontade de<br />

comer. Mas eu preciso comer . Mas eu vou comer.<br />

Como se fosse a última ceia, como se depois<br />

fosse morrer. Porque eu morro quando pinto. E<br />

a única coisa que resta é meu pé nessa areia. Eu<br />

chego aos 90 anos, faço mais um filho. Atravesso<br />

um século como se fosse um dia. E fico sentado,<br />

como se fosse minha mãe diante da porta, olhando<br />

a estrada empoeirada e chamando o cigano<br />

para repartir comigo a paella. Quem sabe ele<br />

um dia dirá qual será a minha sorte... Dirá que<br />

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