Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Eu cantei já, e agora vou choran<strong>do</strong><br />
o tempo que cantei tão confia<strong>do</strong>;<br />
parece que no canto já passa<strong>do</strong><br />
se estavam minhas lágrimas crian<strong>do</strong>.<br />
Cantei; mas se me alguém pergunta: —Quan<strong>do</strong>?<br />
—Não sei; que também fui nisso engana<strong>do</strong>.<br />
É tão triste este meu presente esta<strong>do</strong><br />
que o passa<strong>do</strong>, por le<strong>do</strong>, estou julgan<strong>do</strong>.<br />
Fizeram-me cantar, manhosamente,<br />
contentamentos não, mas confianças;<br />
cantava, mas já era ao som <strong>do</strong>s ferros.<br />
De quem me queixarei, que tu<strong>do</strong> mente?<br />
Mas eu que culpa ponho às esperanças<br />
on<strong>de</strong> a Fortuna injusta é mais que os erros?<br />
000<br />
Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />
<br />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />
Eu vivia <strong>de</strong> lágrimas isento,<br />
num engano tão <strong>do</strong>ce e <strong>de</strong>leitoso<br />
que em que outro amante fosse mais ditoso,<br />
não valiam mil glórias um tormento.<br />
Ven<strong>do</strong>-me possuir tal pensamento,<br />
<strong>de</strong> nenhüa riqueza era envejoso;<br />
vivia bem, <strong>de</strong> nada receoso,<br />
com <strong>do</strong>ce amor e <strong>do</strong>ce sentimento.<br />
Cobiçosa, a Fortuna me tirou<br />
<strong>de</strong>ste meu tão contente e alegre esta<strong>do</strong>,<br />
e passou-me este bem, que nunca fora:<br />
em troco <strong>do</strong> qual bem só me <strong>de</strong>ixou<br />
lembranças, que me matam cada hora,<br />
trazen<strong>do</strong>-me à memória o bem passa<strong>do</strong>.<br />
O Feri<strong>do</strong> sem ter cura perecia<br />
o forte e duro Télefo temi<strong>do</strong>,<br />
por aquele que n'água foi meti<strong>do</strong>,<br />
a quem ferro nenhum cortar podia.<br />
Ao Apolíneo Oráculo pedia<br />
conselho para ser restituí<strong>do</strong>;<br />
respon<strong>de</strong>u que tornasse a ser feri<strong>do</strong><br />
por quem o já ferira, e sararia.<br />
111<br />
065