19.04.2013 Views

Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.<br />

- A que horas o tomaste?- Amanhecen<strong>do</strong>.<br />

- Enten<strong>de</strong>s o que levas?- Não o enten<strong>do</strong>.<br />

- Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.<br />

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.<br />

- Como ficou sua luz?- Anoitecen<strong>do</strong>.<br />

- Lusitânia que diz?- Fica dizen<strong>do</strong>:<br />

Enfim, não mereci Dona Maria.<br />

Mataste quem a viu?- Já morto estava.<br />

- Que diz o cru Amor?- Falar não ousa.<br />

- E quem o faz calar?- Minha vonta<strong>de</strong>.<br />

Na corte que ficou?- Sauda<strong>de</strong> brava.<br />

- Que fica lá que ver?- Nenhüa cousa;<br />

mas fica que chorar sua belda<strong>de</strong>.<br />

Que me quereis, perpétuas sauda<strong>de</strong>s?<br />

Com que esperança ainda me enganais?<br />

Que o tempo que se vai não torna mais,<br />

e se torna, não tornam as ida<strong>de</strong>s.<br />

Razão é já, ó anos!, que vos va<strong>de</strong>s,<br />

porque estes tão ligeiros que passais,<br />

nem to<strong>do</strong>s para um gosto são iguais,<br />

nem sempre são conformes as vonta<strong>de</strong>s.<br />

Aquilo a que já quis é tão muda<strong>do</strong><br />

que quase é outra causa: porque os dias<br />

têm o primeiro gosto já dana<strong>do</strong>.<br />

Esperanças <strong>de</strong> novas alegrias<br />

não mas <strong>de</strong>ixa a Fortuna e o Tempo erra<strong>do</strong>,<br />

que <strong>do</strong> contentamento são espias.<br />

Quem fosse acompanhan<strong>do</strong> juntamente<br />

por esses ver<strong>de</strong>s campos a avezinha<br />

que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r um bem que tinha,<br />

não sabe mais que cousa é ser contente!<br />

[E] quem fosse apartan<strong>do</strong>-se da gente,<br />

ela, por companheira e por vizinha,<br />

me ajudasse a chorar a pena minha,<br />

eu a ela o pesar que tanto sente!<br />

Ditosa ave! que, ao menos, se a Natura<br />

a seu primeiro bem não dá segun<strong>do</strong>,<br />

dá-lhe o ser triste a seu contentamento.<br />

Mas triste quem <strong>de</strong> longe quis ventura,<br />

que, para respirar, lhe falte o vento,<br />

e, para tu<strong>do</strong>, enfim, lhe falte o mun<strong>do</strong>!<br />

158<br />

107<br />

102

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!