Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
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<strong>Sonetos</strong>, <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
<strong>Texto</strong>-<strong>base</strong>:<br />
CAMÕES, <strong>Luís</strong> Vaz <strong>de</strong>. Os Lusíadas <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>Camões</strong>. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão.<br />
<strong>Texto</strong> proveniente <strong>de</strong>:<br />
Biblioteca Virtual <strong>do</strong> <strong>Estudante</strong> <strong>de</strong> Língua Portuguesa <br />
A Escola <strong>do</strong> Futuro da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Permiti<strong>do</strong> o uso apenas para fins educacionais.<br />
<strong>Texto</strong>-<strong>base</strong> digitaliza<strong>do</strong> por:<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)<br />
IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro (http://www.ibl.pt)<br />
Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/in<strong>de</strong>x.html<br />
Agra<strong>de</strong>cimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, her<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> Dr. Álvaro<br />
Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da obra-<strong>base</strong>), que gentilmente autorizou-nos a<br />
publicação <strong>de</strong>sta obra.<br />
Este material po<strong>de</strong> ser redistribuí<strong>do</strong> livremente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja altera<strong>do</strong>, e que as informações acima sejam<br />
mantidas. Para maiores informações, escreva para .<br />
Estamos em busca <strong>de</strong> patrocina<strong>do</strong>res e voluntários para nos ajudar a manter este projeto. Se você quiser ajudar <strong>de</strong><br />
alguma forma, man<strong>de</strong> um e-mail para ou .<br />
SONETOS<br />
<strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
A fermosura <strong>de</strong>sta fresca serra (1668 - soneto 136)<br />
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fa<strong>do</strong>s! (1685-1668 - soneto 114)<br />
Ah! Minha Dinamene! Assi <strong>de</strong>ixaste (1685-1668 - soneto 101)<br />
Alegres campos, ver<strong>de</strong>s arvore<strong>do</strong>s (1595 - soneto 013)<br />
Alma minha gentil, que te partiste (1595 - soneto 080)<br />
Amor, co a esperança perdida (1595 - soneto 083)<br />
Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver (soneto 005)<br />
Amor, que o gesto humano n'alma escreve (1598 - soneto 042)<br />
A morte, que da vida o no <strong>de</strong>sata (1616 - soneto 058)<br />
Apartava-se Nise <strong>de</strong> Montano (1595 - soneto 068)<br />
Apolo e as nove Musas, discantan<strong>do</strong> (1595 - soneto 051)<br />
Aquela fera humana, que enriquece (1598 - soneto 041)<br />
Aquela que, <strong>de</strong> pura castida<strong>de</strong> (1598 - soneto 098)<br />
Aquela triste e leda madrugada (1595 - soneto 091)<br />
Aqueles claros olhos que choran<strong>do</strong>(1860 - soneto 116)<br />
Árvore, cujo pomo, belo e bran<strong>do</strong> (1616 - soneto 038)<br />
A sepultura <strong>de</strong>l-Rei <strong>do</strong>m João Terceiro (soneto 160)<br />
*A ti, Senhor, a quem as sacras Musas (soneto 001)<br />
Bem sei, Amor, que é certo o quereceio (1598 - soneto 096)<br />
Busque Amor novas artes, novo engenho (l595 - soneto 003)<br />
Cá nesta Babilônia? <strong>do</strong>n<strong>de</strong> mana (1616 - soneto 120)<br />
Cantan<strong>do</strong> estava um dia bem seguro (1616 - soneto 103)
Cara minha inimiga, em cuja mão (1595 - soneto 086)<br />
Chorai, Ninfas, os fa<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos (1668 - soneto 159)<br />
Como fizeste, Pórcia, tal ferida? (1595 - soneto 071)<br />
Como quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar tempestuoso (1598 - soneto 043)<br />
Correm turvas as águas <strong>de</strong>ste rio (1616 - soneto 104)<br />
Conversação <strong>do</strong>méstica afeiçoa (1598 - soneto 093)<br />
Dai-me üa lei, Senhora, <strong>de</strong> querer-vos (1595 - soneto 052)<br />
Debaixo <strong>de</strong>sta pedra esta meti<strong>do</strong> (1595 - soneto 150)<br />
Depois que quis Amor que eu só passasse (1598 - soneto 094)<br />
Despois que viu Cibele o corpo humano (1616 – soneto 152)<br />
De tão divino acento e voz humana (1595 - soneto 153)<br />
De um tão felice engenho produzi<strong>do</strong> (1668 - soneto 151)<br />
De vos me aparto, ó vida! Em tal mudança (1595 - soneto 057)<br />
"Diana prateada, esclarecia (1668 - soneto 137)<br />
Ditoso seja aquele que somente (1598 - soneto 044)<br />
Diversos <strong>do</strong>es reparte o Céu benino (1616 - soneto 056)<br />
Dizei, Senhora, da beleza i<strong>de</strong>ia (1668 - soneto 121)<br />
Doce contentamento já passa<strong>do</strong> (1663 - soneto 122)<br />
Doce sonho, suave e soberano (1668 - soneto 123)<br />
Doces águas e claras <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go (1616 - soneto 006)<br />
Doces lembranças da passada gloria (1595 - soneto 082)<br />
Dos ilustres antigos que <strong>de</strong>ixaram (1598 - soneto 154)<br />
El vaso reluciente y cristalino (1668)<br />
Em fermosa Leteia se confia (1595 - soneto 072)<br />
Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida(1595 - soneto 149)<br />
Em prisões baixas fui um tempo ata<strong>do</strong> (1598 - soneto 085)<br />
Enquanto FeLo os montes acendia (1668 - soneto 124)<br />
Enquanto quis Fortuna que tivesse (1595 - soneto 001)<br />
Erros meus, ma fortuna, amor ar<strong>de</strong>nte (1 616 - soneto 108)<br />
Esforço gran<strong>de</strong>, igual ao pensamento (1598 - soneto 155)<br />
Esta lascivo e <strong>do</strong>ce passarinho (1595 - soneto 014)<br />
Estâ-se a Primavera trasladan<strong>do</strong> (1595 - soneto 024)<br />
Este amor que vos tenho, limpo e puro(1668 - soneto 125)<br />
Este amor que vos tenho, limpo e puro(1668 - soneto 125)<br />
Eu cantarei <strong>de</strong> amor tao <strong>do</strong>cemente (1595 - soneto 109)<br />
* Eu cantei la, e agora vou choran<strong>do</strong> (1616 - soneto 000)<br />
Eu vivia <strong>de</strong> lagrimas isento (1668 - soneto 111)<br />
Feri<strong>do</strong> sem ter cura parecia (1598 - soneto 065)<br />
Fermosos olhos, que na ida<strong>de</strong> nossa (1595 - soneto 091)<br />
Fiou-se o coração, <strong>de</strong> muito isento (1598 - soneto 066)<br />
Foi já; num tempo <strong>do</strong>ce cousa amar (1598 - soneto 087)<br />
Fortuna em mim guardan<strong>do</strong> seu direito (1685-1668 - soneto 126)<br />
Grão tempo ha já que soube da Ventura (1595 - soneto 026)<br />
Ilustre o dino ramo <strong>do</strong>s Meneses (1598 - soneto 162)<br />
In<strong>do</strong> o triste pastor to<strong>do</strong> embebi<strong>do</strong> (1668 - soneto 112)<br />
Já a sau<strong>do</strong>sa Aurora <strong>de</strong>stoucava (1598 - soneto 078)<br />
Já não sinto, Senhora, os <strong>de</strong>senganou (1668 - soneto 127)
Julga-me a gente toda por perdi<strong>do</strong> (1616 - soneto 105)<br />
Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa (1598 - soneto 045)<br />
Lembranças que lembrais o meu bem passa<strong>do</strong>(1685-1668 - soneto 113)<br />
Lembranças sau<strong>do</strong>sos, se cuidais (1595 - soneto 015)<br />
Lin<strong>do</strong> e sutil tranca<strong>do</strong>, que ficaste (1595 - soneto 023)<br />
Males, que contra mim vos con jurastes (1595 - soneto 084)<br />
Memória <strong>de</strong> meu bem, corta<strong>do</strong> em flores (1860 - soneto 128)<br />
Mudam-se os tempos, mudam-se as vonta<strong>de</strong>s (1595 - soneto 092)<br />
Na <strong>de</strong>sesperação já repousava (1616 - soneto 110)<br />
Náia<strong>de</strong>s, vos, que os rios habitais (1595 - soneto 073)<br />
Na meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Céu subi<strong>do</strong> ardia (1598 - soneto 077)<br />
Não passes, caminhante! Quem me chama (1595 - soneto 156)<br />
No mun<strong>do</strong> poucos anos, e cansa<strong>do</strong>s (1598 - soneto 57)<br />
No mun<strong>do</strong> quis um tempo que se achasse (1598 - soneto 046)<br />
No tempo que <strong>de</strong> Amor viver soía (1598 - soneto 099)<br />
Num bosque que <strong>do</strong>s Ninfas se habitava (1595 - soneto 074)<br />
Num jardim a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> <strong>de</strong> verdura (1595 - soneto 022)<br />
Num tão alto lugar, <strong>de</strong> tanto preço (1668 - soneto 130)<br />
O Céu, a terra, o vento sossega<strong>do</strong> (1616 - soneto 106)<br />
* O cisne, quan<strong>do</strong> sente ser chegada (1595 - soneto 000)<br />
Oh como se me alonga, <strong>de</strong> ano em ano (soneto 025)<br />
O culto divinal se celebrava (1598 - soneto 039)<br />
O dia em que eu nasci, moura e pereça (1860 - v)<br />
O filho <strong>de</strong> Latona esclareci<strong>do</strong> (1616 - soneto 079)<br />
O fogo que na branda cera ardia (1595 - soneto 007)<br />
Olhos fermosos, em quem quis Natura (1668 - soneto 132)<br />
Onda<strong>do</strong>s fios d'ouro reluzente (1598 - soneto 095)<br />
Óh quão caro me custa o enten<strong>de</strong>r-te (1598 - soneto 047)<br />
O raio cristalino s'estendia (1598 - soneto 067)<br />
Os reinos e os impérios po<strong>de</strong>rosos (1595 - soneto 161)<br />
Os vesti<strong>do</strong>s Elisa revolvia (1598 - soneto 064)<br />
O tempo acaba o ano, o mês e a hora (1668 - soneto 133)<br />
Passo por meus trabalhos tão isento(1595 - soneto 021)<br />
Pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo, Dama, que vos veja (1595 - soneto 008)<br />
Pelos extremos raros que mostrou (1595 - soneto 076)<br />
Pensamentos, que agora novamente (1598 - soneto 031)<br />
Pois meus olhos não cansam <strong>de</strong> chorar (1595 - soneto 089)<br />
Por cima <strong>de</strong>stas águas, forte e firme (1616 - soneto 037)<br />
Porque quereis, Senhora, que ofereça (1595 - soneto 027)<br />
Por sua Ninfa, Céfalo <strong>de</strong>ixava (1616 - soneto 062)<br />
Posto me tem Fortuna em tal esta<strong>do</strong> (1668 – soneto 134)<br />
Presença bela, angélica figura (1616 - soneto 036)<br />
Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes (1685-1668 - soneto 147)<br />
Quan<strong>do</strong> a suprema <strong>do</strong>r muito me aperta (1685-1668 - soneto 138)<br />
Quan<strong>do</strong> cui<strong>do</strong> no tempo que, contente (1668 - soneto 117)<br />
Quan<strong>do</strong> da bela vista e <strong>do</strong>ce riso (1595 - soneto 009)<br />
Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida (soneto 100)
Quan<strong>do</strong> o sol encoberto vai mostran<strong>do</strong> (1595- soneto 018)<br />
Quan<strong>do</strong>, Senhora, quis Amor que amasse (1668 - soneto 139)<br />
Quan<strong>do</strong> se vir com água o fogo ar<strong>de</strong>r (1 685-1668 - soneto 135)<br />
Quan<strong>do</strong> vejo que meu <strong>de</strong>stino or<strong>de</strong>na (1595 - soneto 028)<br />
Quantas vezes <strong>do</strong> fuso s'esquecia (1595 - soneto 070)<br />
- Que levas, cruel Morte? - Um claro dia (1598 - soneto 158)<br />
Que me quereis, perpétuas sauda<strong>de</strong>s (1598 - soneto 107)<br />
Quem fosse acompanhan<strong>do</strong> juntamente (soneto 102)<br />
* - Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>s creve (1595 - soneto 000)<br />
Que mo<strong>do</strong> tão sutil da natureza (1616 - soneto 035)<br />
Quem po<strong>de</strong> livre ser, gentil Senhora (1595 - soneto 010)<br />
Quem presumir, Senhora, <strong>de</strong> louvar-vos (1685-1668 - soneto 141)<br />
Quem quiser ver d’amor üa excelência (1598 - soneto 048)<br />
Quem vê Senhora, claro e manifesto (1595 - soneto 017)<br />
Quem vos levou <strong>de</strong> mim, sau<strong>do</strong>so esta<strong>do</strong> (1668 - soneto 118)<br />
Que po<strong>de</strong> já fazer minha ventura (1668 - soneto 140)<br />
Que po<strong>de</strong>rei <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já querer (1598 - soneto 088)<br />
Que vençais no Oriente tantos teis (1595 - soneto 164)<br />
Se a Fortuna inquieta e mal olhada (1668 - soneto 148)<br />
Se algüa hora em vos a pieda<strong>de</strong> (1595 - soneto 029)<br />
Se as penas com que Amor tão mal me trata (1595 - soneto 016)<br />
Se, <strong>de</strong>spois d'esperança tão perdida (1598 - soneto 049)<br />
Se <strong>de</strong> vosso fermoso e lin<strong>do</strong> gesto (1668 - soneto 142)<br />
Seguia aquele fogo, que o guiava (1616 - soneto 061)<br />
Sempre a Razão vencida foi <strong>de</strong> Amor (1616 - soneto 055)<br />
Sempre, cruel Senhora, receei (1668 - soneto 143).<br />
Senhor João Lopes, o meu baixo esta<strong>do</strong> (1616 - soneto 050)<br />
Senhora já <strong>de</strong>st'alma, per<strong>do</strong>ai (1668 - soneto 119)<br />
Sentin<strong>do</strong>-se tomada a bela esposa (1616 - soneto 063)<br />
Se pena por amar-vos se merece (1598 - soneto 034)<br />
Se tanta pena tenho merecida (1595 - soneto 053)<br />
Sete anos <strong>de</strong> pastor Jacob servia (1595 - soneto 030)<br />
Se tomar minha pena em penitência (1598 - soneto 033)<br />
Suspiros inflama<strong>do</strong>s, que cantais (1598 - soneto 059)<br />
Sustenta meu viver ua esperança (1668 - soneto 144)<br />
Tal mostra dá <strong>de</strong> si vossa figura (1616 - soneto 075)<br />
Tanto <strong>de</strong> meu esta<strong>do</strong> me acho incerto (1595 - soneto 004)<br />
Tempo é já que minha confiança (1595 - soneto 019)<br />
To<strong>do</strong> o animal da calma repousava (1595 - soneto 060)<br />
Tomava Daliana por vingança (1595 - soneto 069)<br />
Tomou-me vossa vista soberana (1595 - soneto 011)<br />
Transforma-se o ama<strong>do</strong>r na cousa amada (1595 - soneto 020)<br />
Um mover d'ollos, bran<strong>do</strong> e pia<strong>do</strong>so (1595 - soneto 090)<br />
Venci<strong>do</strong> está <strong>de</strong> amor meu pensamento (1685-1668 - soneto 145)<br />
Verda<strong>de</strong>, Amor, Razão, Merecimento (1598 - soneto 166)<br />
Vôs, Ninfas da gangética espessura (1598 - soneto 163)<br />
Vôs outros, que buscais repouso certo (1616 - soneto 165)<br />
Vôs, que d'olhos suaves e serenos (1598 - soneto 032)
Vossos olhos, Senhora, que competem (1595 - soneto 012)<br />
A fermosura fresca serra,<br />
e a sombra <strong>do</strong>s ver<strong>de</strong>s castanheiros,<br />
o manso caminhar <strong>de</strong>stes ribeiros,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> toda a tristeza se <strong>de</strong>sterra;<br />
o rouco som <strong>do</strong> mar, a estranha terra,<br />
o escon<strong>de</strong>r <strong>do</strong> sol pelos outeiros,<br />
o recolher <strong>do</strong>s ga<strong>do</strong>s <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros,<br />
das nuvens pelo ar a branda guerra;<br />
enfim, tu<strong>do</strong> o que a rara natureza<br />
com tanta varieda<strong>de</strong> nos ofrece,<br />
me está (se não te vejo) magoan<strong>do</strong>.<br />
Sem ti, tu<strong>do</strong> me enoja e me aborrece;<br />
sem ti, perpetuamente estou passan<strong>do</strong><br />
nas mores alegrias, mor tristeza.<br />
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fa<strong>do</strong>s!<br />
Quão asinha em meu dano vos mudastes!<br />
Passou o tempo que me <strong>de</strong>scansastes,<br />
agora <strong>de</strong>scansais com meus cuida<strong>do</strong>s.<br />
Deixastes-me sentir os bens passa<strong>do</strong>s,<br />
para mor <strong>do</strong>r da <strong>do</strong>r que me or<strong>de</strong>nastes;<br />
então nü'hora juntos mos levastes,<br />
<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> em seu lugar males <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s.<br />
Ah! quanto milhor fora não vos ver,<br />
gostos, que assi passais tão <strong>de</strong> corrida,<br />
que fico duvi<strong>do</strong>so se vos vi:<br />
sem vós já me não fica que per<strong>de</strong>r,<br />
se não se for esta cansada vida,<br />
que por mor perda minha não perdi.<br />
Ah! minha Dinamene! Assi <strong>de</strong>ixaste<br />
quem não <strong>de</strong>ixara nunca <strong>de</strong> querer-te?<br />
Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,<br />
tão asinha esta vida <strong>de</strong>sprezaste!<br />
Como já para sempre te apartaste<br />
<strong>de</strong> quem tão longe estava <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-te?<br />
Pu<strong>de</strong>ram estas ondas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-te,<br />
que não visses quem tanto magoaste?<br />
Nem falar-te somente a dura morte<br />
me <strong>de</strong>ixou, que tão ce<strong>do</strong> o negro manto<br />
em teus olhos <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> consentiste!<br />
Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!<br />
136<br />
114<br />
101
Que pena sentirei, que valha tanto,<br />
que inda tenho por pouco o viver triste?<br />
Alegres campos, ver<strong>de</strong>s arvore<strong>do</strong>s,<br />
claras e frescas águas <strong>de</strong> cristal,<br />
que em vós os <strong>de</strong>buxais ao natural,<br />
discorren<strong>do</strong> da altura <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s;<br />
Silvestres montes, ásperos pene<strong>do</strong>s,<br />
compostos em concerto <strong>de</strong>sigual,<br />
sabei que, sem licença <strong>de</strong> meu mal,<br />
já não po<strong>de</strong>is fazer meus olhos le<strong>do</strong>s.<br />
E, pois me já não ve<strong>de</strong>s como vistes,<br />
não me alegrem verduras <strong>de</strong>leitosas,<br />
nem águas que corren<strong>do</strong> alegres vêm.<br />
Semearei em vós lembranças tristes,<br />
regan<strong>do</strong>-vos com lágrimas sau<strong>do</strong>sas,<br />
e nascerão sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> meu bem.<br />
Alma minha gentil, que te partiste<br />
tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta vida <strong>de</strong>scontente,<br />
repousa lá no Céu eternamente,<br />
e viva eu cá na terra sempre triste.<br />
Se lá no assento etéreo, on<strong>de</strong> subiste,<br />
memória <strong>de</strong>sta vida se consente,<br />
não te esqueças daquele amor ar<strong>de</strong>nte<br />
que já nos olhos meus tão puro viste.<br />
E se vires que po<strong>de</strong> merecer te<br />
algüa causa a <strong>do</strong>r que me ficou<br />
da mágoa, sem remédio, <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r te,<br />
roga a Deus, que teus anos encurtou,<br />
que tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> cá me leve a ver te,<br />
quão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> meus olhos te levou.<br />
Amor, co a esperança já perdida,<br />
teu soberano templo visitei;<br />
por sinal <strong>do</strong> naufrágio que passei,<br />
em lugar <strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s, pus a vida.<br />
Que queres mais <strong>de</strong> mim, que <strong>de</strong>struída<br />
me tens a glória toda que alcancei?<br />
Não cui<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forçar me, que não sei<br />
tornar a entrar on<strong>de</strong> não há saída.<br />
Vês aqui alma, vida e esperança,<br />
<strong>de</strong>spojos <strong>do</strong>ces <strong>de</strong> meu bem passa<strong>do</strong>,<br />
enquanto quis aquela que eu a<strong>do</strong>ro:<br />
013<br />
080<br />
083
nelas po<strong>de</strong>s tomar <strong>de</strong> mim vingança;<br />
e se inda não estás <strong>de</strong> mim vinga<strong>do</strong>,<br />
contenta te com as lágrimas que choro.<br />
Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver,<br />
é ferida que dói, e não se sente;<br />
é um contentamento <strong>de</strong>scontente,<br />
é <strong>do</strong>r que <strong>de</strong>satina sem <strong>do</strong>er.<br />
É um não querer mais que bem querer;<br />
é um andar solitário entre a gente;<br />
é nunca contentar se <strong>de</strong> contente;<br />
é um cuidar que ganha em se per<strong>de</strong>r.<br />
É querer estar preso por vonta<strong>de</strong>;<br />
é servir a quem vence, o vence<strong>do</strong>r;<br />
é ter com quem nos mata, lealda<strong>de</strong>.<br />
Mas como causar po<strong>de</strong> seu favor<br />
nos corações humanos amiza<strong>de</strong>,<br />
se tão contrário a si é o mesmo Amor?<br />
Amor, que o gesto humano n'alma escreve,<br />
vivas faíscas me mostrou um dia,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> um puro cristal se <strong>de</strong>rretia<br />
por entre vivas rosas e alva neve.<br />
A vista, que em si mesma não se atreve,<br />
por se certificar <strong>do</strong> que ali via,<br />
foi convertida em fonte, que fazia<br />
a <strong>do</strong>r ao sofrimento <strong>do</strong>ce e leve.<br />
Jura Amor que brandura <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />
causa o primeiro efeito; o pensamento<br />
en<strong>do</strong>u<strong>de</strong>ce, se cuida que é verda<strong>de</strong>.<br />
Olhai como Amor gera num momento,<br />
<strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong> honesta pieda<strong>de</strong><br />
lágrimas <strong>de</strong> imortal contentamento.<br />
A Morte, que da vida o nó <strong>de</strong>sata,<br />
os nós, que dá o Amor, cortar quisera<br />
na Ausência, que é contr' ele espada fera,<br />
e co Tempo, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sbarata.<br />
Duas contrárias, que üa a outra mata,<br />
a Morte contra o Amor ajunta e altera:<br />
üa é Razão contra a Fortuna austera,<br />
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.<br />
Mas mostre a sua imperial potência<br />
a Morte em apartar dum corpo a alma,<br />
005<br />
042<br />
058
duas num corpo o Amor ajunte e una;<br />
porque assi leve triunfante a palma,<br />
Amor da Morte, apesar da Ausência,<br />
<strong>do</strong> Tempo, da Razão e da Fortuna.<br />
Apartava se Nise <strong>de</strong> Montano,<br />
em cuja alma partin<strong>do</strong> se ficava;<br />
que o pastor na memória a <strong>de</strong>buxava,<br />
por po<strong>de</strong>r sustentar se <strong>de</strong>ste engano.<br />
Pelas praias <strong>do</strong> Índico Oceano<br />
sobre o curvo caja<strong>do</strong> s'encostava,<br />
e os olhos pelas águas alongava,<br />
que pouco se <strong>do</strong>íam <strong>de</strong> seu dano.<br />
Pois com tamanha mágoa e sauda<strong>de</strong><br />
(<strong>de</strong>zia) quis <strong>de</strong>ixar me a que eu a<strong>do</strong>ro,<br />
por testemunhas tomo Céu e estrelas.<br />
Mas se em vós, ondas, mora pieda<strong>de</strong>,<br />
levai também as lágrimas que choro,<br />
pois assi me levais a causa <strong>de</strong>las!<br />
Apolo e as nove Musas, discantan<strong>do</strong><br />
com a <strong>do</strong>urada lira, me influíam<br />
na suave harmonia que faziam,<br />
quan<strong>do</strong> tomei a pena, começan<strong>do</strong>:<br />
— Ditoso seja o dia e hora, quan<strong>do</strong><br />
tão <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s olhos me feriam!<br />
Ditosos os senti<strong>do</strong>s que sentiam<br />
estar se em seu <strong>de</strong>sejo traspassan<strong>do</strong>!<br />
Assi cantava, quan<strong>do</strong> Amor virou<br />
a roda à esperança, que corria<br />
tão ligeira que quase era invisível.<br />
Converteu se me em noite o claro dia;<br />
e, se algüa esperança me ficou,<br />
será <strong>de</strong> maior mal, se for possível.<br />
Aquela fera humana que enriquece<br />
sua presuntuosa tirania<br />
<strong>de</strong>stas minhas entranhas, on<strong>de</strong> cria<br />
Amor um mal que falta quan<strong>do</strong> crece;<br />
Se nela o Céu mostrou (como parece)<br />
quanto mostrar ao mun<strong>do</strong> pretendia,<br />
porque <strong>de</strong> minha vida se injuria?<br />
Porque <strong>de</strong> minha morte s'enobrece?<br />
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,<br />
068<br />
051<br />
041
Senhora, com vencer me e cativar me:<br />
fazei disto no mun<strong>do</strong> larga história.<br />
Que, por mais que vos veja maltratar me,<br />
já me fico logran<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta glória<br />
<strong>de</strong> ver que ten<strong>de</strong>s tanta <strong>de</strong> matar me.<br />
Aquela que, <strong>de</strong> pura castida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> si mesma tomou cruel vingança<br />
por üa breve e súbita mudança,<br />
contrária a sua honra e qualida<strong>de</strong><br />
(venceu à fermosura a honestida<strong>de</strong>,<br />
venceu no fim da vida a esperança<br />
porque ficasse viva tal lembrança,<br />
tal amor, tanta fé, tanta verda<strong>de</strong>!),<br />
<strong>de</strong> si, da gente e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> esquecida,<br />
feriu com duro ferro o bran<strong>do</strong> peito,<br />
banhan<strong>do</strong> em sangue a força <strong>do</strong> tirano.<br />
[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !<br />
Que, dan<strong>do</strong> breve morte ao corpo humano,<br />
tenha sua memória larga vida!<br />
Fermosos olhos que na ida<strong>de</strong> nossa<br />
mostrais <strong>do</strong> Céu certissimos sinais,<br />
se quereis conhecer quanto possais,<br />
olhai me a mim, que sou feitura vossa.<br />
Vereis que <strong>de</strong> viver me <strong>de</strong>sapossa<br />
aquele riso com que a vida dais;<br />
vereis como <strong>de</strong> Amor não quero mais,<br />
por mais que o tempo corra e o dano possa.<br />
E se <strong>de</strong>ntro nest'alma ver quiser<strong>de</strong>s,<br />
como num claro espelho, ali vereis<br />
também a vossa, angélica e serena.<br />
Mas eu cui<strong>do</strong> que só por não me ver<strong>de</strong>s,<br />
ver vos em mim, Senhora, não quereis:<br />
tanto gosto levais <strong>de</strong> minha pena!<br />
Aqueles claros olhos que choran<strong>do</strong><br />
ficavam quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>les me partia,<br />
agora que farão? Quem mo diria?<br />
Se porventura estarão em mim cuidan<strong>do</strong>?<br />
Se terão na memória, como ou quan<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>les me vim tão longe <strong>de</strong> alegria?<br />
Ou s'estarão aquele alegre dia<br />
que torne a vê-los, n'alma figuran<strong>do</strong>?<br />
098<br />
091<br />
116
Se contarão as horas e os momentos?<br />
Se acharão num momento muitos anos?<br />
Se falarão co as aves e cos ventos?<br />
Oh! bem-aventura<strong>do</strong>s fingimentos,<br />
que, nesta ausência, tão <strong>do</strong>ces enganos<br />
sabeis fazer aos tristes pensamentos!<br />
Arvore, cujo pomo, belo e bran<strong>do</strong>,<br />
natureza <strong>de</strong> leite e sangue pinta,<br />
on<strong>de</strong> a pureza, <strong>de</strong> vergonha tinta,<br />
está virgíneas faces imitan<strong>do</strong>;<br />
nunca da ira e <strong>do</strong> vento, que arrancan<strong>do</strong><br />
os troncos vão, o teu injúria sinta;<br />
nem por malícia <strong>de</strong> ar te seja extinta<br />
a cor, que está teu fruto <strong>de</strong>buxan<strong>do</strong>;<br />
que, pois me emprestas <strong>do</strong>ce e idóneo abrigo<br />
a meu contentamento, e favoreces<br />
com teu suave cheiro minha glória,<br />
se não te celebrar como mereces,<br />
cantan<strong>do</strong> te, sequer farei contigo<br />
<strong>do</strong>ce, nos casos tristes, a memória.<br />
Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>screve<br />
tão ilustres sinais no forte escu<strong>do</strong>?<br />
- Ninguém; que nisso, enfim, se toma tu<strong>do</strong><br />
mas foi quem tu<strong>do</strong> pô<strong>de</strong> e tu<strong>do</strong> teve.<br />
Foi Rei?- Fez tu<strong>do</strong> quanto a Rei se <strong>de</strong>ve;<br />
pôs na guerra e na paz <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>;<br />
mas quão pesa<strong>do</strong> foi ao Mouro ru<strong>do</strong><br />
tanto lhe seja agora a terra leve.<br />
Alexandre será?- Ninguém se engane;<br />
que sustentar, mais que adquirir se estima.<br />
- Será Adriano, grão senhor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>?<br />
Mais observante foi da Lei <strong>de</strong> cima.<br />
- E Numa?- Numa, não; mas é Joane:<br />
<strong>de</strong> Portugal terceiro, sem segun<strong>do</strong>.<br />
038<br />
160<br />
À sepultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>l-Rei <strong>do</strong>m João Terceiro<br />
*001<br />
A ti, Senhor, a quem as sacras musas<br />
Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />
<br />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.
Bem sei, Amor, que é certo o que receio;<br />
mas tu, porque com isso mais te apuras,<br />
<strong>de</strong> manhoso mo negas, e mo juras<br />
no teu <strong>do</strong>ura<strong>do</strong> arco; e eu to creio.<br />
A mão tenho metida no teu seio,<br />
e não vejo meus danos às escuras;<br />
e tu contu<strong>do</strong> tanto me asseguras,<br />
que me digo que minto, e que me enleio.<br />
Não somente consinto neste engano,<br />
mas inda to agra<strong>de</strong>ço, e a mim me nego<br />
tu<strong>do</strong> o que vejo e sinto <strong>de</strong> meu dano.<br />
Oh! po<strong>de</strong>roso mal a que me entrego!<br />
Que, no meio <strong>do</strong> justo <strong>de</strong>sengano,<br />
me possa inda cegar um Moço cego!<br />
096<br />
Busque Amor novas artes, novo engenho,<br />
para matar me, e novas esquivanças;<br />
que não po<strong>de</strong> tirar me as esperanças,<br />
que mal me tirará o que eu não tenho.<br />
Olhai <strong>de</strong> que esperanças me mantenho!<br />
Ve<strong>de</strong> que perigosas seguranças!<br />
Que não temo contrastes nem mudanças, andan<strong>do</strong> em bravo mar, perdi<strong>do</strong> o lenho.<br />
Mas, conquanto não po<strong>de</strong> haver <strong>de</strong>sgosto<br />
on<strong>de</strong> esperança falta, lá me escon<strong>de</strong><br />
Amor um mal, que mata e não se vê.<br />
Que dias há que n'alma me tem posto<br />
um não sei quê, que nasce não sei on<strong>de</strong>,<br />
vem não sei como, e dói não sei porquê.<br />
Cá nesta Babilónia, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> mana<br />
matéria a quanto mal o mun<strong>do</strong> cria;<br />
cá on<strong>de</strong> o puro Amor não tem valia,<br />
que a Mãe, que manda mais, tu<strong>do</strong> profana;<br />
cá, on<strong>de</strong> o mal se afina, e o bem se dana,<br />
e po<strong>de</strong> mais que a honra a tirania;<br />
cá, on<strong>de</strong> a errada e cega Monarquia<br />
cuida que um nome vão a <strong>de</strong>sengana;<br />
cá, neste labirinto, on<strong>de</strong> a nobreza<br />
com esforço e saber pedin<strong>do</strong> vão<br />
às portas da cobiça e da vileza;<br />
cá neste escuro caos <strong>de</strong> confusão,<br />
cumprin<strong>do</strong> o curso estou da natureza.<br />
Vê se me esquecerei <strong>de</strong> ti, Sião!<br />
003<br />
120
Cantan<strong>do</strong> estava um dia bem seguro quan<strong>do</strong>,<br />
passan<strong>do</strong>, Sílvio me dizia<br />
(Sílvio, pastor antigo, que sabia<br />
pelo canto das aves o futuro):<br />
—Méris, quan<strong>do</strong> quiser o fa<strong>do</strong> escuro,<br />
oprimir-te virão em um só dia<br />
<strong>do</strong>us lobos; logo a voz e a melodia<br />
te fugirão, e o som suave e puro.<br />
Bem foi assi: porque um me <strong>de</strong>golou<br />
quanto ga<strong>do</strong> vacum pastava e tinha,<br />
<strong>de</strong> que gran<strong>de</strong>s soldadas esperava;<br />
E outro por meu dano me matou<br />
a cor<strong>de</strong>ira gentil que eu tanto amava,<br />
perpétua sauda<strong>de</strong> da alma minha!<br />
Cara minha inimiga, em cuja mão<br />
pôs meus contentamentos a ventura,<br />
faltou te a ti na terra sepultura,<br />
porque me falte a mim consolação.<br />
Eternamente as águas lograrão<br />
a tua peregrina fermosura;<br />
mas, enquanto me a mim a vida dura,<br />
sempre viva em minh'alma te acharão.<br />
E se meus ru<strong>do</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />
que possam prometer te longa história<br />
daquele amor tão puro e verda<strong>de</strong>iro,<br />
celebrada serás sempre em meu canto;<br />
porque enquanto no mun<strong>do</strong> houver memória,<br />
será minha escritura teu letreiro.<br />
Chorai, Ninfas, os fa<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos<br />
daquela soberana fermosura!<br />
On<strong>de</strong> foram parar na sepultura<br />
aqueles reais olhos graciosos?<br />
Ó bens <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, falsos e enganosos!<br />
Que mágoas para ouvir! Que tal figura<br />
jaza sem resplan<strong>do</strong>r na terra dura,<br />
com tal rosto e cabelos tão fermosos!<br />
Das outras que será, pois po<strong>de</strong>r teve<br />
a morte sobre cousa tanto bela<br />
que ela eclipsava a luz <strong>do</strong> claro dia?<br />
Mas o mun<strong>do</strong> não era dino <strong>de</strong>la,<br />
por isso mais na terra não esteve;<br />
103<br />
086<br />
159
ao Céu subiu, que já *se* lhe <strong>de</strong>via.<br />
Com gran<strong>de</strong>s esperanças já cantei,<br />
com que os <strong>de</strong>uses no Olimpo conquistara;<br />
<strong>de</strong>spois vim a chorar porque cantara<br />
e agora choro já porque chorei.<br />
Se cui<strong>do</strong> nas passadas que já <strong>de</strong>i,<br />
custa me esta lembrança só tão cara<br />
que a <strong>do</strong>r <strong>de</strong> ver as mágoas que passara<br />
tenho pola mor mágoa que passei.<br />
Pois logo, se está claro que um tormento<br />
dá causa que outro n'alma se acrescente,<br />
já nunca posso ter contentamento.<br />
Mas esta fantasia se me mente?<br />
Oh! ocioso e cego pensamento!<br />
Ainda eu imagino em ser contente?<br />
Como fizeste, Pórcia, tal ferida?<br />
Foi voluntária, ou foi por inocência?<br />
—Mas foi fazer Amor experiência<br />
se podia sofrer tirar me a vida.<br />
—E com teu próprio sangue te convida<br />
a não pores à vida resistência?<br />
—An<strong>do</strong> me acostuman<strong>do</strong> à paciência,<br />
porque o temor a morte não impida.<br />
—Pois porque comes, logo, fogo ar<strong>de</strong>nte,<br />
se a ferro te costumas?—Porque or<strong>de</strong>na<br />
Amor que morra e pene juntamente.<br />
E tens a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> ferro por pequena?<br />
—Si: que a <strong>do</strong>r costumada não se sente;<br />
e eu não quero a morte sem a pena.<br />
Como quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar tempestuoso<br />
o marinheiro, lasso e trabalha<strong>do</strong>,<br />
d'um naufrágio cruel já salvo a na<strong>do</strong>,<br />
só ouvir falar nele o faz medroso;<br />
e jura que em que veja bonançoso<br />
o violento mar, e sossega<strong>do</strong><br />
não entre nele mais, mas vai, força<strong>do</strong><br />
pelo muito interesse cobiçoso;<br />
Assi, Senhora eu, que da tormenta,<br />
<strong>de</strong> vossa vista fujo, por salvar me,<br />
juran<strong>do</strong> <strong>de</strong> não mais em outra ver me;<br />
minh'alma que <strong>de</strong> vós nunca se ausenta,<br />
097<br />
071<br />
043
dá me por preço ver vos, faz tornar me<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fugi tão perto <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r me.<br />
Conversação <strong>do</strong>méstica afeiçoa,<br />
ora em forma <strong>de</strong> boa e sã vonta<strong>de</strong>,<br />
ora <strong>de</strong> üa amorosa pieda<strong>de</strong>,<br />
sem olhar qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa.<br />
Se <strong>de</strong>spois, porventura, vos magoa<br />
com <strong>de</strong>samor e pouca lealda<strong>de</strong>,<br />
logo vos faz mentira da verda<strong>de</strong><br />
o bran<strong>do</strong> Amor, que tu<strong>do</strong> em si per<strong>do</strong>a.<br />
Não são isto que falo conjecturas,<br />
que o pensamento julga na aparência,<br />
por fazer <strong>de</strong>licadas escrituras.<br />
Meti<strong>do</strong> tenho a mão na consciência,<br />
e não falo senão verda<strong>de</strong>s puras<br />
que me ensinou a viva experiência.<br />
Correm turvas as águas <strong>de</strong>ste rio,<br />
que as <strong>do</strong> Céu e as <strong>do</strong> monte as enturbaram;<br />
os campos floreci<strong>do</strong>s se secaram,<br />
intratável se fez o vale, e frio.<br />
Passou o Verão, passou o ar<strong>de</strong>nte Estio,<br />
üas cousas por outras se trocaram;<br />
os fementi<strong>do</strong>s Fa<strong>do</strong>s já <strong>de</strong>ixaram<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> o regimento, ou <strong>de</strong>svario.<br />
Tem o tempo sua or<strong>de</strong>m já sabida;<br />
o mun<strong>do</strong>, não; mas anda tão confuso,<br />
que parece que <strong>de</strong>le Deus se esquece.<br />
Casos, opiniões, natura e uso<br />
fazem que nos pareça <strong>de</strong>sta vida<br />
que não há nela mais que o que parece.<br />
Dai me üa lei, Senhora, <strong>de</strong> querer vos,<br />
que a guar<strong>de</strong>, sô pena <strong>de</strong> enojar vos;<br />
que a fé que me obriga a tanto amar vos<br />
fará que fique em lei <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer vos.<br />
Tu<strong>do</strong> me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>i, senão só ver vos,<br />
e <strong>de</strong>ntro na minh'alma contemplar vos;<br />
que, se assi não chegar a contentar vos,<br />
ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.<br />
E, se essa condição cruel e esquiva,<br />
que me <strong>do</strong>is lei <strong>de</strong> vida não consente,<br />
dai ma, Senhora, já, seja <strong>de</strong> morte.<br />
093<br />
104<br />
052
Se nem essa me dais, é bem que viva,<br />
sem saber como vivo, tristemente,<br />
mas contente porém <strong>de</strong> minha sorte.<br />
À sepultura <strong>de</strong> D. Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Castro<br />
Debaixo <strong>de</strong>sta pedra está meti<strong>do</strong>,<br />
das sanguinosas armas <strong>de</strong>scansa<strong>do</strong>,<br />
o capitão ilustre, assinala<strong>do</strong>,<br />
Dom Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Castro esclareci<strong>do</strong>.<br />
Por to<strong>do</strong> o Oriente tão temi<strong>do</strong>,<br />
e da enveja da fama tão canta<strong>do</strong>,<br />
este, pois, só agora sepulta<strong>do</strong>,<br />
está aqui já em terra converti<strong>do</strong>.<br />
Alegra-te, ó guerreira Lusitânia<br />
por este Viriato que criaste,<br />
e chora-o, perdi<strong>do</strong>, eternamente.<br />
Exemplo toma nisto <strong>de</strong> Dardânia;<br />
que, se a Roma co ele aniquilaste,<br />
nem por isso Cartago está contente.<br />
Despois que quis Amor que eu só<br />
passasse quanto mal já por muitos repartiu,<br />
entregou me à Fortuna, porque viu<br />
que não tinha mais mal que em mim mostrasse.<br />
Ela, porque <strong>do</strong> Amor se avantajasse<br />
no tormento que o Céu me permitiu,<br />
o que para ninguém se consentiu,<br />
para mim só man<strong>do</strong>u que se inventasse.<br />
Eis me aqui vou com vário som gritan<strong>do</strong>,<br />
copioso exemplário para a gente<br />
que <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>us tiranos é sujeita,<br />
<strong>de</strong>svarios em versos concertan<strong>do</strong>.<br />
Triste quem seu <strong>de</strong>scanso tanto estreita,<br />
que <strong>de</strong>ste tão pequeno está contente!<br />
Despois que viu Cibele o corpo humano<br />
<strong>do</strong> fermoso Átis seu ver<strong>de</strong> pinheiro,<br />
em pieda<strong>de</strong> o vão furar primeiro<br />
converti<strong>do</strong>, chorou seu grave dano.<br />
E, fazen<strong>do</strong> a sua <strong>do</strong>r ilustre engano,<br />
a Júpiter pediu que o verda<strong>de</strong>iro<br />
preço da nova palma e <strong>do</strong> loureiro,<br />
ao seu pinheiro <strong>de</strong>sse, soberano.<br />
Mais lhe conce<strong>de</strong> o filho po<strong>de</strong>roso<br />
150<br />
094<br />
152
que, as estrelas, subin<strong>do</strong>, tocar possa,<br />
ven<strong>do</strong> os segre<strong>do</strong>s lá <strong>do</strong> Céu superno.<br />
Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso<br />
quem se vir coroar da folha vossa,<br />
cantan<strong>do</strong> à vossa sombra verso eterno!<br />
De tão divino acento e voz humana,<br />
<strong>de</strong> tão <strong>do</strong>ces palavras peregrinas,<br />
bem sei que minhas obras não são dinas,<br />
que o ru<strong>do</strong> engenho meu me <strong>de</strong>sengana.<br />
Mas <strong>de</strong> vossos escritos corre e mana<br />
licor que vence as águas cabalinas;<br />
e convosco <strong>do</strong> Tejo as flores finas<br />
farão enveja à cópia mantuana.<br />
E pois, a vós <strong>de</strong> si não sen<strong>do</strong> avaras,<br />
as filhas <strong>de</strong> Mnemósine fermosa<br />
partes dadas vos tem, ao mun<strong>do</strong> caras,<br />
a minha Musa e a vossa tão famosa,<br />
ambas posso chamar ao mun<strong>do</strong> raras:<br />
a vossa d'alta, a minha d'envejosa.<br />
De um tão felice engenho, produzi<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> outro, que o claro Sol não viu maior,<br />
é trazer cousas altas no senti<strong>do</strong>,<br />
todas dinas <strong>de</strong> espanto e <strong>de</strong> louvor.<br />
Museu foi antiquíssimo escritor,<br />
filósofo e poeta conheci<strong>do</strong>,<br />
discípulo <strong>do</strong> Músico ama<strong>do</strong>r<br />
que co som teve o Inferno suspendi<strong>do</strong>.<br />
Este pô<strong>de</strong> abalar o monte mu<strong>do</strong>,<br />
cantan<strong>do</strong> aquele mal, que eu já passei,<br />
<strong>do</strong> mancebo <strong>de</strong> Abi<strong>do</strong> mal sisu<strong>do</strong>.<br />
Agora contam já (segun<strong>do</strong> achei),<br />
Passo, e o nosso Boscão, que disse tu<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s segre<strong>do</strong>s que move o cego Rei.<br />
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,<br />
sinto vivo da morte o sentimento.<br />
Não sei para que é ter contentamento,<br />
se mais há <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r quem mais alcança.<br />
Mas <strong>do</strong>u vos esta firme segurança<br />
que, posto que me mate meu tormento,<br />
pelas águas <strong>do</strong> eterno esquecimento<br />
segura passará minha lembrança.<br />
153<br />
151<br />
057
Antes sem vós meus olhos se entristeçam,<br />
que com qualquer cous' outra se contentem;<br />
antes os esqueçais, que vos esqueçam.<br />
Antes nesta lembrança se atormentem,<br />
que com esquecimento <strong>de</strong>smereçam<br />
a glória que em sofrer tal pena sentem.<br />
Diana prateada, esclarecia<br />
com a luz que <strong>do</strong> claro Febo ar<strong>de</strong>nte,<br />
por ser <strong>de</strong> natureza transparente,<br />
em si, como em espelho, reluzia.<br />
Cem mil milhões <strong>de</strong> graças lhe influía,<br />
quan<strong>do</strong> me apareceu o excelente<br />
raio <strong>de</strong> vosso aspecto, diferente<br />
em graça e em amor <strong>do</strong> que soía.<br />
Eu, ven<strong>do</strong>-me tão cheio <strong>de</strong> favores,<br />
e tão propínquo a ser <strong>de</strong> to<strong>do</strong> vosso,<br />
louvei a hora clara, e a noite escura,<br />
Sois nela <strong>de</strong>stes cor a meus amores;<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> colijo claro que não posso<br />
<strong>de</strong> dia para vós já ter ventura.<br />
Ditoso seja aquele que somente<br />
se queixa <strong>de</strong> amorosas esquivanças;<br />
pois por elas não per<strong>de</strong> as esperanças<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r n'algum tempo ser contente.<br />
Ditoso seja quem, estan<strong>do</strong> ausente,<br />
não sente mais que a pena das lembranças;<br />
porqu', inda que se tema <strong>de</strong> mudanças,<br />
menos se teme a <strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> se sente.<br />
Ditoso seja, enfim, qualquer esta<strong>do</strong><br />
on<strong>de</strong> enganos, <strong>de</strong>sprezos e isenção<br />
trazem o coração atormenta<strong>do</strong>.<br />
Mas triste quem se sente magoa<strong>do</strong><br />
d'erros em que não po<strong>de</strong> haver perdão,<br />
sem ficar n'alma a mágoa <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>.<br />
Diversos dões reparte o Céu benino,<br />
e quer que cada üa um só possua;<br />
assi, ornou <strong>de</strong> casto peito a Lüa,<br />
ornamento <strong>do</strong> assento cristalino.<br />
De graça, a Mãe fermosa <strong>do</strong> Minino,<br />
que nessa vista tem perdi<strong>do</strong> a sua;<br />
Palas, <strong>de</strong> discrição, que imite a tua;<br />
137<br />
044<br />
056
<strong>do</strong> valor, Juno, só <strong>de</strong> império dino.<br />
Mas junto agora o mesmo Céu <strong>de</strong>rrama<br />
em ti o mais que tinha, e foi o menos,<br />
em respeito <strong>do</strong> Autor da natureza;<br />
que, a seu pesar, te dão, fermosa Dama,<br />
Diana, honestida<strong>de</strong>, e graça, Vénus,<br />
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.<br />
Dizei, Senhora, da Beleza i<strong>de</strong>ia:<br />
para fazer<strong>de</strong>s esse áureo crino,<br />
on<strong>de</strong> fostes buscar esse ouro fino?<br />
<strong>de</strong> que escondida mina ou <strong>de</strong> que veia?<br />
Dos vossos olhos essa luz Febeia,<br />
esse respeito, <strong>de</strong> um império dino?<br />
Se o alcançastes com saber divino,<br />
se com encantamentos <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia?<br />
De que escondidas conchas escolhestes<br />
as perlas preciosas orientais<br />
que, falan<strong>do</strong>, mostrais no <strong>do</strong>ce riso?<br />
Pois vos formastes tal, como quisestes,<br />
vigiai-vos <strong>de</strong> vós, não vos vejais,<br />
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.<br />
Doce contentamento já passa<strong>do</strong>,<br />
em que to<strong>do</strong> meu bem já consistia,<br />
quem vos levou <strong>de</strong> minha companhia<br />
e me <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> vós tão aparta<strong>do</strong>?<br />
Quem cui<strong>do</strong>u que se visse neste esta<strong>do</strong><br />
naquelas breves horas <strong>de</strong> alegria,<br />
quan<strong>do</strong> minha ventura consentia<br />
que <strong>de</strong> enganos vivesse meu cuida<strong>do</strong>?<br />
Fortuna minha foi, cruel e dura,<br />
aquela que causou meu perdimento,<br />
com a qual ninguém po<strong>de</strong> ter cautela.<br />
Nem se engane nenhüa criatura,<br />
que não po<strong>de</strong> nenhum impedimento<br />
fugir <strong>do</strong> que [lhe] or<strong>de</strong>na sua estrela.<br />
Doce sonho, suave e soberano,<br />
se por mais longo tempo me durara!<br />
Ah! quem <strong>de</strong> sonho tal nunca acordara,<br />
pois havia <strong>de</strong> ver tal <strong>de</strong>sengano!<br />
Ah! <strong>de</strong>leitoso bem! ah! <strong>do</strong>ce engano!<br />
Se por mais largo espaço me enganara!<br />
121<br />
122<br />
123
Se então a vida mísera acabara,<br />
<strong>de</strong> alegria e prazer morrera ufano.<br />
Ditoso, não estan<strong>do</strong> em mim, pois tive,<br />
<strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, o que acorda<strong>do</strong> ter quisera.<br />
Olhai com que me paga meu <strong>de</strong>stino!<br />
Enfim, fora <strong>de</strong> mim, ditoso estive.<br />
Em mentiras ter dita razão era,<br />
pois sempre nas verda<strong>de</strong>s fui mofino.<br />
Doces águas e claras <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go,<br />
<strong>do</strong>ce repouso <strong>de</strong> minha lembrança,<br />
on<strong>de</strong> a comprida e pérfida esperança<br />
longo tempo após si me trouxe cego;<br />
<strong>de</strong> vós me aparto; mas, porém, não nego<br />
que inda a memória longa, que me alcança,<br />
me não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> vós fazer mudança,<br />
mas quanto mais me alongo, mais me achego.<br />
Bem pu<strong>de</strong>ra Fortuna este instrumento<br />
d'alma levar por terra nova e estranha,<br />
ofereci<strong>do</strong> ao mar remoto e vento;<br />
mas alma, que <strong>de</strong> cá vos acompanha,<br />
nas asas <strong>do</strong> ligeiro pensamento,<br />
para vós, águas, voa, e em vós se banha.<br />
Doces lembranças da passada glória,<br />
que me tirou Fortuna rouba<strong>do</strong>ra,<br />
<strong>de</strong>ixai me repousar em paz ü'hora,<br />
que comigo ganhais pouca vitória.<br />
Impressa tenho n'alma larga história<br />
<strong>de</strong>ste passa<strong>do</strong> bem que nunca fora;<br />
ou fora, e não passara; mas já agora<br />
em mim não po<strong>de</strong> haver mais que a memória.<br />
Vivo em lembranças, mouro d'esqueci<strong>do</strong>,<br />
<strong>de</strong> quem sempre <strong>de</strong>vera ser lembra<strong>do</strong>,<br />
se lhe lembrara esta<strong>do</strong> tão contente.<br />
Oh! quem tornar pu<strong>de</strong>ra a ser nasci<strong>do</strong>!<br />
Soubera me lograr <strong>do</strong> bem passa<strong>do</strong>,<br />
se conhecer soubera o mal presente.<br />
Dos ilustres antigos que <strong>de</strong>ixaram<br />
tal nome, que igualou fama à memória,<br />
ficou por luz <strong>do</strong> tempo a larga história<br />
<strong>do</strong>s feitos em que mais se assinalaram.<br />
Se se com cousas <strong>de</strong>stes cotejaram<br />
006<br />
082<br />
154
mil vossas, cada üa tão notória,<br />
vencera a menor <strong>de</strong>las a mor glória<br />
que eles em tantos anos alcançaram.<br />
A glória sua foi; ninguém lha tome.<br />
Seguin<strong>do</strong> cada um vários caminhos,<br />
estátuas levantan<strong>do</strong> no seu Templo.<br />
Vós, honra portuguesa e <strong>do</strong>s Coutinhos,<br />
ilustre Dom João, com melhor nome<br />
a vós encheis <strong>de</strong> glória e a nós <strong>de</strong> exemplo.<br />
El vaso reluciente y cristalino,<br />
<strong>de</strong> Ángeles agua clara y olorosa,<br />
<strong>de</strong> blancas e da orna<strong>do</strong> y fresca rosa<br />
liga<strong>do</strong> con cabellos <strong>de</strong> oro fino;<br />
bien claro parecía el <strong>do</strong>n divino<br />
labra<strong>do</strong> por la mano artificiosa<br />
<strong>de</strong> aquella blanca Ninfa, graciosa<br />
más que el rubio lucero matutino.<br />
Nel vaso vuestro cuerpo se afigura,<br />
raxa<strong>do</strong> <strong>de</strong> los blan<strong>do</strong>s miembros bellos,<br />
y en el agua vuestra ánima pura;<br />
la seda es la blancura, e los cabellos<br />
son las prisiones, y la ligadura<br />
con que mi libertad fue asida <strong>de</strong>llos.<br />
Em fermosa Leteia se confia,<br />
por on<strong>de</strong> vaïda<strong>de</strong> tanta alcança,<br />
que, tornada em soberba a confiança,<br />
com os <strong>de</strong>uses celestes competia.<br />
Porque não fosse avante esta ousadia<br />
(que nascem muitos erros da tardança),<br />
em efeito puseram a vingança,<br />
que tamanha <strong>do</strong>udice merecia.<br />
Mas Oleno, perdi<strong>do</strong> por Leteia,<br />
não lhe sofren<strong>do</strong> Amor que suportasse<br />
castigo duro tanta fermosura,<br />
quis pa<strong>de</strong>cer em si a pena alheia;<br />
mas, porque a morte Amor não apartasse,<br />
ambos torna<strong>do</strong>s são em pedra dura.<br />
[À morte <strong>de</strong> D. António <strong>de</strong> Noronha]<br />
Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida<br />
(Ah! senhor <strong>do</strong>m António!), a dura sorte,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fazen<strong>do</strong> andava o braço forte<br />
146<br />
072<br />
149
a fama <strong>do</strong>s Antigos esquecida.<br />
üa só razão tenho conhecida<br />
com que tamanha mágoa se conforte:<br />
que, pois no mun<strong>do</strong> havia honrada morte,<br />
que não podíeis ter mais larga a vida.<br />
Se meus humil<strong>de</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />
que co <strong>de</strong>sejo meu se iguale a arte,<br />
especial matéria me sereis.<br />
E, celebra<strong>do</strong> em triste e longo canto,<br />
se morrestes nas mãos <strong>do</strong> fero Marte,<br />
na memória das gentes vivereis.<br />
Em prisões baixas fui um tempo ata<strong>do</strong>,<br />
vergonhoso castigo <strong>de</strong> meus erros;<br />
inda agora arrojan<strong>do</strong> levo os ferros<br />
que a Morte, a meu pesar, tem já quebra<strong>do</strong>.<br />
Sacrifiquei a vida a meu cuida<strong>do</strong>,<br />
que Amor não quer cor<strong>de</strong>iros, nem bezerros;<br />
vi mágoas, vi misérias, vi <strong>de</strong>sterros:<br />
parece me que estava assi or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>.<br />
Contentei me com pouco, conhecen<strong>do</strong><br />
que era o contentamento vergonhoso,<br />
só por ver que cousa era viver le<strong>do</strong>.<br />
Mas minha estrela, que eu já'gora enten<strong>do</strong>,<br />
a Morte cega, e o Caso duvi<strong>do</strong>so,<br />
me fizeram <strong>de</strong> gostos haver me<strong>do</strong>.<br />
Enquanto Febo os montes acendia<br />
<strong>do</strong> Céu com luminosa clarida<strong>de</strong>,<br />
por evitar <strong>do</strong> ócio a castida<strong>de</strong><br />
na caça o tempo Délia <strong>de</strong>spendia.<br />
Vénus, que então <strong>de</strong> furto <strong>de</strong>scendia,<br />
por cativar <strong>de</strong> Anquises a vonta<strong>de</strong>,<br />
ven<strong>do</strong> Diana em tanta honestida<strong>de</strong>,<br />
quase zomban<strong>do</strong> <strong>de</strong>la, lhe dizia:<br />
-Tu vás com tuas re<strong>de</strong>s na espessura<br />
os fugitivos cervos enredan<strong>do</strong>,<br />
mas as minhas enredam o senti<strong>do</strong>.<br />
—Melhor é (respondia a <strong>de</strong>usa pura)<br />
nas re<strong>de</strong>s leves cervos ir toman<strong>do</strong><br />
que tomar-te a ti nelas teu mari<strong>do</strong>.<br />
Enquanto quis Fortuna que tivesse<br />
esperança <strong>de</strong> algum contentamento,<br />
085<br />
124<br />
001
o gosto <strong>de</strong> um suave pensamento<br />
me fez que seus efeitos escrevesse.<br />
Porém, temen<strong>do</strong> Amor que aviso <strong>de</strong>sse<br />
minha escritura a algum juízo isento,<br />
escureceu-me o engenho co tormento,<br />
para que seus enganos não dissesse.<br />
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos<br />
a diversas vonta<strong>de</strong>s! Quan<strong>do</strong> ler<strong>de</strong>s<br />
num breve livro casos tão diversos,<br />
verda<strong>de</strong>s puras são, e não <strong>de</strong>feitos...<br />
E sabei que, segun<strong>do</strong> o amor tiver<strong>de</strong>s,<br />
tereis o entendimento <strong>de</strong> meus versos!<br />
Erros meus, má fortuna, amor ar<strong>de</strong>nte<br />
em minha perdição se conjuraram;<br />
os erros e a fortuna sobejaram,<br />
que para mim bastava o amor somente.<br />
Tu<strong>do</strong> passei; mas tenho tão presente<br />
a gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r das cousas que passaram,<br />
que as magoadas iras me ensinaram<br />
a nao querer já nunca ser contente.<br />
Errei to<strong>do</strong> o discurso <strong>de</strong> meus anos;<br />
<strong>de</strong>i causa que a Fortuna castigasse<br />
as minhas mal fundadas esperanças.<br />
De amor não vi senão breves enganos.<br />
Oh! quem tanto pu<strong>de</strong>sse que fartasse<br />
este meu duro génio <strong>de</strong> vinganças!<br />
Esforço gran<strong>de</strong>, igual ao pensamento;<br />
pensamentos em obras divulga<strong>do</strong>s,<br />
e não em peito timi<strong>do</strong> encerra<strong>do</strong>s<br />
e <strong>de</strong>sfeitos <strong>de</strong>spois em chuva e vento;<br />
animo da cobiça baixa isento,<br />
dino por isso só <strong>de</strong> altos esta<strong>do</strong>s,<br />
fero açoute <strong>do</strong>s nunca bem <strong>do</strong>ma<strong>do</strong>s<br />
povos <strong>do</strong> Malabar sanguinolento;<br />
gentileza <strong>de</strong> membros corporais,<br />
orna<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pudica continência,<br />
obra por certo rara <strong>de</strong> natura:<br />
estas virtu<strong>de</strong>s e outras muitas mais,<br />
dinas todas da homérica eloquência,<br />
jazem <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sta sepultura<br />
Está o lascivo e <strong>do</strong>ce passarinho<br />
108<br />
155<br />
014
com o biquinho as penas or<strong>de</strong>nan<strong>do</strong>;<br />
o verso sem medida, alegre e bran<strong>do</strong>,<br />
espedin<strong>do</strong> no rústico raminho;<br />
o cruel caça<strong>do</strong>r (que <strong>do</strong> caminho<br />
se vem cala<strong>do</strong> e manso <strong>de</strong>svian<strong>do</strong>)<br />
na pronta vista a seta endireitan<strong>do</strong>,<br />
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.<br />
Dest' arte o coração, que livre andava,<br />
(posto que já <strong>de</strong> longe <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>)<br />
on<strong>de</strong> menos temia, foi feri<strong>do</strong>.<br />
Porque o Frecheiro cego me esperava,<br />
para que me tomasse <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong>,<br />
em vossos claros olhos escondi<strong>do</strong>.<br />
Está se a Primavera trasladan<strong>do</strong><br />
em vossa vista <strong>de</strong>leitosa e honesta;<br />
nas lindas faces, olhos, boca e testa,<br />
boninas, lírios, rosas <strong>de</strong>buxan<strong>do</strong>.<br />
De sorte, vosso gesto matizan<strong>do</strong>,<br />
Natura quanto po<strong>de</strong> manifesta<br />
que o monte, o campo, o rio e a floresta<br />
se estão <strong>de</strong> vós, Senhora, namoran<strong>do</strong>.<br />
Se agora não quereis que quem vos ama<br />
possa colher o fruito <strong>de</strong>stas flores,<br />
per<strong>de</strong>rão toda a graça vossos olhos.<br />
Porque pouco aproveita, linda Dama,<br />
que semeasse Amor em vós amores,<br />
se vossa condição produze abrolhos.<br />
Este amor que vos tenho, limpo e puro,<br />
<strong>de</strong> pensamento vil nunca toca<strong>do</strong>,<br />
em minha tenra ida<strong>de</strong> começa<strong>do</strong>,<br />
tê-lo <strong>de</strong>ntro nesta alma só procuro.<br />
De haver nele mudança estou seguro,<br />
sem temer nenhum caso ou duro Fa<strong>do</strong>,<br />
nem o supremo bem ou baixo esta<strong>do</strong>,<br />
nem o tempo presente nem futuro.<br />
A bonina e a flor asinha passa;<br />
tu<strong>do</strong> por terra o Inverno e Estio<br />
<strong>de</strong>ita, só para meu amor é sempre Maio.<br />
Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,<br />
e que essa ingratidão tu<strong>do</strong> me enjeita,<br />
traz este meu amor sempre em <strong>de</strong>smaio.<br />
024<br />
125<br />
109
Eu cantei já, e agora vou choran<strong>do</strong><br />
o tempo que cantei tão confia<strong>do</strong>;<br />
parece que no canto já passa<strong>do</strong><br />
se estavam minhas lágrimas crian<strong>do</strong>.<br />
Cantei; mas se me alguém pergunta: —Quan<strong>do</strong>?<br />
—Não sei; que também fui nisso engana<strong>do</strong>.<br />
É tão triste este meu presente esta<strong>do</strong><br />
que o passa<strong>do</strong>, por le<strong>do</strong>, estou julgan<strong>do</strong>.<br />
Fizeram-me cantar, manhosamente,<br />
contentamentos não, mas confianças;<br />
cantava, mas já era ao som <strong>do</strong>s ferros.<br />
De quem me queixarei, que tu<strong>do</strong> mente?<br />
Mas eu que culpa ponho às esperanças<br />
on<strong>de</strong> a Fortuna injusta é mais que os erros?<br />
000<br />
Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />
<br />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />
Eu vivia <strong>de</strong> lágrimas isento,<br />
num engano tão <strong>do</strong>ce e <strong>de</strong>leitoso<br />
que em que outro amante fosse mais ditoso,<br />
não valiam mil glórias um tormento.<br />
Ven<strong>do</strong>-me possuir tal pensamento,<br />
<strong>de</strong> nenhüa riqueza era envejoso;<br />
vivia bem, <strong>de</strong> nada receoso,<br />
com <strong>do</strong>ce amor e <strong>do</strong>ce sentimento.<br />
Cobiçosa, a Fortuna me tirou<br />
<strong>de</strong>ste meu tão contente e alegre esta<strong>do</strong>,<br />
e passou-me este bem, que nunca fora:<br />
em troco <strong>do</strong> qual bem só me <strong>de</strong>ixou<br />
lembranças, que me matam cada hora,<br />
trazen<strong>do</strong>-me à memória o bem passa<strong>do</strong>.<br />
O Feri<strong>do</strong> sem ter cura perecia<br />
o forte e duro Télefo temi<strong>do</strong>,<br />
por aquele que n'água foi meti<strong>do</strong>,<br />
a quem ferro nenhum cortar podia.<br />
Ao Apolíneo Oráculo pedia<br />
conselho para ser restituí<strong>do</strong>;<br />
respon<strong>de</strong>u que tornasse a ser feri<strong>do</strong><br />
por quem o já ferira, e sararia.<br />
111<br />
065
Assi, Senhora, quer minha ventura<br />
que, feri<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver vos, claramente<br />
com vos tornar a ver Amor me cura.<br />
Mas é tão <strong>do</strong>ce vossa fermosura,<br />
que fico como hidrópico <strong>do</strong>ente,<br />
que co beber lhe cresce mor secura.<br />
Fermosos olhos que na ida<strong>de</strong> nossa<br />
mostrais <strong>do</strong> Céu certissimos sinais,<br />
se quereis conhecer quanto possais,<br />
olhai me a mim, que sou feitura vossa.<br />
Vereis que <strong>de</strong> viver me <strong>de</strong>sapossa<br />
aquele riso com que a vida dais;<br />
vereis como <strong>de</strong> Amor não quero mais,<br />
por mais que o tempo corra e o dano possa.<br />
E se <strong>de</strong>ntro nest'alma ver quiser<strong>de</strong>s,<br />
como num claro espelho, ali vereis<br />
também a vossa, angélica e serena.<br />
Mas eu cui<strong>do</strong> que só por não me ver<strong>de</strong>s,<br />
ver vos em mim, Senhora, não quereis:<br />
tanto gosto levais <strong>de</strong> minha pena!<br />
Fiou se o coração, <strong>de</strong> muito isento,<br />
<strong>de</strong> si cuidan<strong>do</strong> mal, que tomaria<br />
tão ilícito amor tal ousadia,<br />
tal mo<strong>do</strong> nunca visto <strong>de</strong> tormento.<br />
Mas os olhos pintaram tão a tento<br />
outros que visto tem na fantasia,<br />
que a razão, temerosa <strong>do</strong> que via,<br />
fugiu, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o campo ao pensamento.<br />
Ó Hipólito casto, que, <strong>de</strong> jeito,<br />
<strong>de</strong> Fedra, tua madrasta, foste ama<strong>do</strong>,<br />
que não sabia ter nenhum respeito:<br />
em mim vingou o amor teu casto peito;<br />
mas está <strong>de</strong>sse agravo tão vinga<strong>do</strong>,<br />
que se arrepen<strong>de</strong> já <strong>do</strong> que tem feito.<br />
Foi já num tempo <strong>do</strong>ce cousa amar,<br />
enquanto m'enganava a esperança;<br />
O coração, com esta confiança,<br />
to<strong>do</strong> se <strong>de</strong>sfazia em <strong>de</strong>sejar.<br />
Ó vão, caduco e débil esperar!<br />
Como se <strong>de</strong>sengana üa mudança!<br />
Que, quanto é mor a bem aventurança,<br />
091<br />
066<br />
087
tanto menos se crê que há <strong>de</strong> durar!<br />
Quem já se viu contente e prospera<strong>do</strong>,<br />
ven<strong>do</strong> se em breve tempo em pena tanta,<br />
razão tem <strong>de</strong> viver bem magoa<strong>do</strong>.<br />
Porém quem tem o mun<strong>do</strong> exprimenta<strong>do</strong>,<br />
não o magoa a pena nem o espanta,<br />
que mal se estranhará o costuma<strong>do</strong>.<br />
Fortuna em mim guardan<strong>do</strong> seu direito<br />
em ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubou minha alegria.<br />
Oh! quanto se acabou naquele dia,<br />
cuja triste lembrança ar<strong>de</strong> em meu peito!<br />
Quan<strong>do</strong> contemplo tu<strong>do</strong>, bem suspeito<br />
que a tal bem, tal <strong>de</strong>scanso se <strong>de</strong>via,<br />
por não dizer o mun<strong>do</strong> que podia<br />
achar-se em seu engano bem perfeito.<br />
Mas se a Fortuna o fez por <strong>de</strong>scontar-me<br />
tamanho gosto, em cujo sentimento<br />
a memória não faz senão matar-me ,<br />
que culpa po<strong>de</strong> dar-me o sofrimento,<br />
se a causa que ele tem <strong>de</strong> atormentar-me,<br />
eu tenho <strong>de</strong> sofrer o seu tormento?<br />
Grão tempo há já que soube da Ventura<br />
a vida que me tinha <strong>de</strong>stinada;<br />
que a longa experiência da passada<br />
me dava claro indício da futura.<br />
Amor fero, cruel, Fortuna dura,<br />
bem ten<strong>de</strong>s vossa força exprimentada:<br />
assolai, <strong>de</strong>struí, não fique nada;<br />
vingai vos <strong>de</strong>sta vida, qu'inda dura.<br />
Soube Amor da Ventura, que a não tinha,<br />
e, por que mais sentisse a falta <strong>de</strong>la,<br />
<strong>de</strong> imagens impossíveis me mantinha.<br />
Mas vós, Senhora, pois que minha estrela<br />
não foi milhor, vivei nesta alma minha,<br />
que não tem a Fortuna po<strong>de</strong>r nela.<br />
Ilustre o dino ramo <strong>do</strong>s Meneses,<br />
aos quais o pru<strong>de</strong>nte e largo Céu<br />
(que errar não sabe), em <strong>do</strong>te conce<strong>de</strong>u<br />
rompesse os maométicos arneses;<br />
<strong>de</strong>sprezan<strong>do</strong> a Fortuna e seus reveses,<br />
i<strong>de</strong> para on<strong>de</strong> o Fa<strong>do</strong> vos moveu;<br />
126<br />
026<br />
162
erguei flamas no Mar alto Eritreu,<br />
e sereis nova luz aos Portugueses.<br />
Oprimi com tão firme e forte peito<br />
o Pirata insolente, que se espante<br />
e trema Taprobana e Gedrosia.<br />
Dai nova causa à cor <strong>do</strong> Arabo estreito:<br />
assi que o roxo mar, daqui em diante,<br />
o seja só co sangue <strong>de</strong> Turquia!<br />
In<strong>do</strong> o triste pastor to<strong>do</strong> embebi<strong>do</strong><br />
na sombra <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>ce pensamento,<br />
tais queixas espalhava ao leve vento<br />
cum bran<strong>do</strong> suspirar da alma saí<strong>do</strong>:<br />
—A quem me queixarei, cego, perdi<strong>do</strong>,<br />
pois nas pedras não acho sentimento?<br />
Com quem falo? A quem digo meu tormento<br />
que on<strong>de</strong> mais chamo, sou menos ouvi<strong>do</strong>?<br />
Oh! bela Ninfa, porque não respon<strong>de</strong>s?<br />
Porque o olhar-me tanto me encareces?<br />
Porque queres que sempre me querele?<br />
Eu quanto mais te vejo, mais te escon<strong>de</strong>s!<br />
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!<br />
Assi que co mal cresce a causa <strong>de</strong>le.<br />
Lá a sau<strong>do</strong>sa Aurora <strong>de</strong>stoucava<br />
os seus cabelos d'ouro <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s,<br />
e as flores, nos campos esmalta<strong>do</strong>s,<br />
<strong>do</strong> cristalino orvalho borrifava;<br />
quan<strong>do</strong> o fermoso ga<strong>do</strong> se espalhava<br />
<strong>de</strong> Sílvio e <strong>de</strong> Laurente pelos pra<strong>do</strong>s;<br />
pastores ambos, e ambos aparta<strong>do</strong>s,<br />
<strong>de</strong> quem o mesmo Amor não se apartava.<br />
Com verda<strong>de</strong>iras lágrimas, Laurente,<br />
—Não sei (dizia) ó Ninfa <strong>de</strong>licada,<br />
porque não morre já quem vive ausente,<br />
pois a vida sem ti não presta nada?<br />
Respon<strong>de</strong> Sílvio:—Amor não o consente,<br />
que ofen<strong>de</strong> as esperanças da tornada.<br />
Já não sinto, Senhora, os <strong>de</strong>senganas<br />
com que minha afeição sempre tratastes,<br />
nem ver o galardão que me negastes,<br />
mereci<strong>do</strong> por fé, há tantos anos.<br />
A mágoa choro só, só choro os danos<br />
112<br />
078<br />
127
<strong>de</strong> ver por quem, Senhora, me trocastes;<br />
mas em tal caso vós só me vingastes<br />
<strong>de</strong> vossa ingratidão, vossos enganos.<br />
Dobrada glória dá qualquer vingança,<br />
que o ofendi<strong>do</strong> toma <strong>do</strong> culpa<strong>do</strong>,<br />
quan<strong>do</strong> se satisfaz com cousa justa;<br />
mas eu <strong>de</strong> vossos males e esquivança,<br />
<strong>de</strong> que agora me vejo bem vinga<strong>do</strong>,<br />
não o quisera eu tanto à vossa custa.<br />
Julga-me a gente toda por perdi<strong>do</strong>,<br />
ven<strong>do</strong>-me, tão entregue a meu cuida<strong>do</strong>,<br />
andar sempre <strong>do</strong>s homens aparta<strong>do</strong>,<br />
e <strong>do</strong>s tratos humanos esqueci<strong>do</strong>.<br />
Mas eu, que tenho o mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>,<br />
e quase que sobre ele an<strong>do</strong> <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>,<br />
tenho por baixo, rústico, engana<strong>do</strong>,<br />
quem não é com meu mal engran<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>.<br />
Vão revolven<strong>do</strong> a terra, o mar e o vento,<br />
busquem riquezas, honras a outra gente,<br />
vencen<strong>do</strong> ferro, fogo, frio e calma;<br />
que eu só em humil<strong>de</strong> esta<strong>do</strong> me contento,<br />
<strong>de</strong> trazer esculpi<strong>do</strong> eternamente<br />
vosso fermoso gesto <strong>de</strong>ntro n'alma.<br />
Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa, que<br />
representa em terra um paraíso;<br />
entre rubis e perlas <strong>do</strong>ce riso;<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> ouro e neve, cor-<strong>de</strong>-rosa;<br />
presença mo<strong>de</strong>rada e graciosa,<br />
on<strong>de</strong> ensinan<strong>do</strong> estão <strong>de</strong>spejo e siso<br />
que se po<strong>de</strong> por arte e por aviso,<br />
como por natureza, ser fermosa;<br />
fala, <strong>de</strong> quem a morte e a vida pen<strong>de</strong>,<br />
rara, suave; enfim, Senhora, vossa;<br />
repouso, nela, alegre e comedi<strong>do</strong>;<br />
estas as armas são com que me ren<strong>de</strong><br />
e me cativa Amor; mas não que possa<br />
<strong>de</strong>spojar me da glória <strong>de</strong> rendi<strong>do</strong>.<br />
Lembranças que lembrais meu bem passa<strong>do</strong><br />
para que sinta mais o mal presente,<br />
<strong>de</strong>ixai-me (se quereis) viver contente,<br />
não me <strong>de</strong>ixeis morrer em tal esta<strong>do</strong>.<br />
105<br />
045<br />
113
Mas se também <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> está or<strong>de</strong>na<strong>do</strong><br />
viver (como se vê) tão <strong>de</strong>scontente,<br />
venha (se vier) o bem por aci<strong>de</strong>nte,<br />
e dê a morte fim a meu cuida<strong>do</strong>.<br />
Que muito milhor é per<strong>de</strong>r a vida,<br />
per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se as lembranças da memória,<br />
pois fazem tanto dano ao pensamento.<br />
Assi que nada per<strong>de</strong>, quem perdida<br />
a esperança traz <strong>de</strong> sua glória,<br />
se esta vida há-<strong>de</strong> ser sempre em tormento.<br />
Lembranças sau<strong>do</strong>sas, se cuidais<br />
<strong>de</strong> me acabar a vida neste esta<strong>do</strong>,<br />
não vivo com meu mal tão engana<strong>do</strong>,<br />
que não espere <strong>de</strong>le muito mais.<br />
De muito longe já me costumais<br />
a viver <strong>de</strong> algum bem <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>;<br />
já tenho co a Fortuna concerta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> sofrer os trabalhos que me dais.<br />
Ata<strong>do</strong> ao remo tenho a paciência,<br />
para quantos <strong>de</strong>sgostos <strong>de</strong>r a vida,<br />
cui<strong>de</strong> em quanto quiser o pensamento;<br />
que, pois não há i outra resistência<br />
para tão certa queda da caída,<br />
aparar-lhe hei <strong>de</strong>baixo o sofrimento.<br />
Lin<strong>do</strong> e sutil trança<strong>do</strong>, que ficaste<br />
em penhor <strong>do</strong> remédio que mereço,<br />
se só contigo, ven<strong>do</strong> te, en<strong>do</strong>u<strong>de</strong>ço,<br />
que fora cos cabelos que apertaste?<br />
Aquelas tranças d'ouro, que ligaste,<br />
que os raios <strong>do</strong> Sol têm em pouco preço,<br />
não sei se para engano <strong>do</strong> que peço<br />
se para me atar, os <strong>de</strong>sataste.<br />
Lin<strong>do</strong> trança<strong>do</strong>, em minhas mãos te vejo,<br />
e por satisfação <strong>de</strong> minhas <strong>do</strong>res<br />
como quem não tem outra, hei <strong>de</strong> tomar te.<br />
E se não for contente meu <strong>de</strong>sejo,<br />
dir lhe hei que, nesta regra <strong>do</strong>s amores,<br />
pelo to<strong>do</strong> também se toma a parte.<br />
Males, que contra mim vos conjurastes,<br />
quanto há <strong>de</strong> durar tão duro intento?<br />
Se dura porque dura meu tormento,<br />
015<br />
023<br />
084
aste vos quanto já me atormentastes.<br />
Mas se assi perfiais porque cuidastes<br />
<strong>de</strong>rrubar meu tão alto pensamento,<br />
mais po<strong>de</strong> a causa <strong>de</strong>le, em que o sustento,<br />
que vós, que <strong>de</strong>la mesma o ser tomastes.<br />
E, pois vossa tenção, com minha morte,<br />
há <strong>de</strong> acabar o mal <strong>de</strong>stes amores,<br />
dai já fim a um tormento tão compri<strong>do</strong>,<br />
porque d'ambos contente seja a sorte:<br />
vós, porque me acabastes, vence<strong>do</strong>res;<br />
e eu, porque acabei <strong>de</strong> vós venci<strong>do</strong>.<br />
Memória <strong>de</strong> meu bem, corta<strong>do</strong> em flores<br />
por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> meus tristes e maus Fa<strong>do</strong>s,<br />
<strong>de</strong>ixai-me <strong>de</strong>scansar com meus cuida<strong>do</strong>s<br />
nesta inquietação <strong>de</strong> meus amores.<br />
Basta-me o mal presente, e os temores<br />
<strong>do</strong>s sucessos que espero infortuna<strong>do</strong>s,<br />
sem que venham, <strong>de</strong> novo, bens passa<strong>do</strong>s<br />
afrontar meu repouso com suas <strong>do</strong>res.<br />
Perdi nua hora quanto em termos<br />
tão vagarosos e largos alcancei;<br />
leixai-me, pois, lembranças <strong>de</strong>sta glória.<br />
Cumpre acabe a vida nestes ermos,<br />
porque neles com meu mal acabarei<br />
mil vidas, não ua só, dura memória!<br />
Mudam se os tempos, mudam se as vonta<strong>de</strong>s,<br />
muda se o ser, muda se a confiança;<br />
to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é composto <strong>de</strong> mudança,<br />
toman<strong>do</strong> sempre novas qualida<strong>de</strong>s.<br />
Continuamente vemos novida<strong>de</strong>s,<br />
diferentes em tu<strong>do</strong> da esperança;<br />
<strong>do</strong> mal ficam as mágoas na lembrança,<br />
e <strong>do</strong> bem (se algum houve), as sauda<strong>de</strong>s.<br />
O tempo cobre o chão <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> manto,<br />
que já coberto foi <strong>de</strong> neve fria, e, enfim,<br />
converte em choro o <strong>do</strong>ce canto.<br />
E, afora este mudar se cada dia,<br />
outra mudança faz <strong>de</strong> mor espanto,<br />
que não se muda já como soía.<br />
Na <strong>de</strong>sesperação já repousava<br />
o peito longamente magoa<strong>do</strong>,<br />
128<br />
092<br />
110
e, com seu dano eterno concerta<strong>do</strong>,<br />
já não temia, já não <strong>de</strong>sejava;<br />
quan<strong>do</strong> üa sombra vã me assegurava<br />
que algum bem me podia estar guarda<strong>do</strong><br />
em tão fermosa imagem que o tresla<strong>do</strong><br />
n'alma ficou, que nela se enlevava.<br />
Que crédito que dá tão facilmente<br />
o coração áquilo que <strong>de</strong>seja,<br />
quan<strong>do</strong> lhe esquece o fero seu <strong>de</strong>stino!<br />
Oh! <strong>de</strong>ixem-me enganar, que eu sou<br />
contente; que, posto que maior meu dano seja,<br />
fica-me a glória já <strong>do</strong> que imagino.<br />
Náia<strong>de</strong>s, vós, que os rios habitais<br />
que os sau<strong>do</strong>sos campos vão regan<strong>do</strong>,<br />
<strong>de</strong> meus olhos vereis estar manan<strong>do</strong><br />
outros, que quase aos vossos são iguais.<br />
Dría<strong>de</strong>s, vós, que as setas atirais,<br />
os fugitivos cervos <strong>de</strong>rruban<strong>do</strong>,<br />
outros olhos vereis que triunfan<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>rrubam corações, que valem mais.<br />
Deixai as aljavas logo, e as águas frias,<br />
e vin<strong>de</strong>, Ninfas minhas, se quereis<br />
saber como <strong>de</strong> uns olhos nascem mágoas;<br />
vereis como se passam em vão os dias;<br />
mas não vireis em vão, que cá achareis<br />
nos seus as setas, e nos meus as águas.<br />
Na meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Céu subi<strong>do</strong> ardia<br />
o claro, almo Pastor, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixavam<br />
o ver<strong>de</strong> pasto as cabras, e buscavam<br />
a frescura suave da água fria.<br />
Co a folha da árvore sombria,<br />
<strong>do</strong> raio ar<strong>de</strong>nte as aves s'emparavam;<br />
o módulo cantar, <strong>de</strong> que cessavam,<br />
só nas roucas cigarras se sentia;<br />
quan<strong>do</strong> Liso pastor, num campo ver<strong>de</strong><br />
Natércia, crua Ninfa, só buscava<br />
com mil suspiros tristes que <strong>de</strong>rrama.<br />
Porque te vás <strong>de</strong> quem por ti se per<strong>de</strong>,<br />
para quem pouco te ama? (suspirava).<br />
[E] o Eco lhe respon<strong>de</strong>: Pouco te ama.<br />
Não passes, caminhante! Quem me chama ?<br />
073<br />
077<br />
156
—üa memória nova e nunca ouvida,<br />
<strong>de</strong> um que trocou finita e humana vida,<br />
por divina, infinita e clara fama.<br />
Quem é que tão gentil louvor <strong>de</strong>rrama?<br />
—Quem <strong>de</strong>rramar seu sangue não duvida<br />
por seguir a ban<strong>de</strong>ira esclarecida<br />
<strong>de</strong> um capitão <strong>de</strong> Cristo, que mais ama.<br />
Ditoso fim, ditoso sacrificio,<br />
que a Deus se fez e ao mun<strong>do</strong> juntamente,<br />
apregoan<strong>do</strong> direi tão alta sorte.<br />
Mais po<strong>de</strong>rás contar a toda a gente,<br />
que sempre <strong>de</strong>u sua vida claro indício<br />
<strong>de</strong> vir a merecer tão santa morte.<br />
Na ribeira <strong>do</strong> Eufrates assenta<strong>do</strong>,<br />
discorren<strong>do</strong> me achei pela memória<br />
aquele breve bem, aquela glória,<br />
que em ti, <strong>do</strong>ce Sião, tinha passa<strong>do</strong>.<br />
Da causa <strong>de</strong> meus males pergunta<strong>do</strong><br />
me foi: Como não cantas a história<br />
<strong>de</strong> teu passa<strong>do</strong> bem, e da vitória<br />
que sempre <strong>de</strong> teu mal hás alcança<strong>do</strong>?<br />
Não sabes, que a quem canta se lhe esquece<br />
o mal, inda que grave e rigoroso?<br />
Canta, pois, e não chores <strong>de</strong>ssa sorte.<br />
Respon<strong>do</strong> com suspiros: Quan<strong>do</strong> crece<br />
a muita sauda<strong>de</strong>, o pia<strong>do</strong>so<br />
remédio é não cantar senso a morte.<br />
No mun<strong>do</strong> poucos anos, e cansa<strong>do</strong>s,<br />
vivi, cheios <strong>de</strong> vil miséria dura;<br />
foi-me tão ce<strong>do</strong> a luz <strong>do</strong> dia escura,<br />
que não vi cinco lustros acaba<strong>do</strong>s.<br />
Corri terras e mares aparta<strong>do</strong>s<br />
buscan<strong>do</strong> à vida algum remédio ou cura;<br />
mas aquilo que, enfim, não quer ventura,<br />
não o alcançam trabalhos arrisca<strong>do</strong>s.<br />
Criou-me Portugal na ver<strong>de</strong> e cara<br />
pátria minha Alenquer; mas ar corruto<br />
que neste meu terreno vaso tinha,<br />
me fez manjar <strong>de</strong> peixes em ti, bruto<br />
mar, que bates na Abássia fera e avara,<br />
tão longe da ditosa pátria minha!<br />
129<br />
157<br />
046
No mun<strong>do</strong> quis um tempo que se achasse<br />
o bem que por acerto ou sorte vinha;<br />
e, por exprimentar que dita tinha,<br />
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.<br />
Mas, por que meu <strong>de</strong>stino me mostrasse<br />
que nem ter esperanças me convinha,<br />
nunca nesta tão longa vida minha<br />
cousa me <strong>de</strong>ixou ver que <strong>de</strong>sejasse.<br />
Mudan<strong>do</strong> an<strong>de</strong>i costume, terra e esta<strong>do</strong>,<br />
por ver se se mudava a sorte dura;<br />
a vida pus nas mãos <strong>de</strong> um leve lenho.<br />
Mas (segun<strong>do</strong> o que o Céu me tem mostra<strong>do</strong>)<br />
já sei que <strong>de</strong>ste meu buscar ventura,<br />
acha<strong>do</strong> tenho já, que não a tenho.<br />
No tempo que <strong>de</strong> Amor viver soía,<br />
nem sempre andava ao remo ferrolha<strong>do</strong>;<br />
antes agora livre, agora ata<strong>do</strong>,<br />
em várias flamas variamente ardia.<br />
Que ar<strong>de</strong>sse num só fogo, não queria<br />
O Céu, porque tivesse exprimenta<strong>do</strong><br />
que nem mudar as causas ao cuida<strong>do</strong><br />
mudança na ventura me faria.<br />
E se algum pouco tempo andava isento,<br />
foi como quem co peso <strong>de</strong>scansou,<br />
por tornar a cansar com mais alento.<br />
Louva<strong>do</strong> seja Amor em meu tormento,<br />
pois para passatempo seu tomou<br />
este meu tão cansa<strong>do</strong> sofrimento!<br />
Num bosque que das Ninfas se habitava<br />
Sílvia, Ninfa linda, andava um dia;<br />
subida nüa árvore sombria,<br />
as amarelas flores apanhava.<br />
Cupi<strong>do</strong>, que ali sempre costumava<br />
a vir passar a sesta à sombra fria,<br />
num ramo o arco e setas que trazia,<br />
antes que a<strong>do</strong>rmecesse, pendurava.<br />
A Ninfa, como idóneo tempo vira<br />
para tamanha empresa, não dilata,<br />
mas com as armas foge ao Moço esquivo.<br />
As setas traz nos olhos, com que tira:<br />
—Ó pastores! fugi, que a to<strong>do</strong>s mata,<br />
senão a mim, que <strong>de</strong> matar me vivo.<br />
099<br />
074<br />
022
Num jardim a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> <strong>de</strong> verdura,<br />
a que esmaltam por cima várias flores,<br />
entrou um dia a <strong>de</strong>usa <strong>do</strong>s amores,<br />
com a <strong>de</strong>usa da caça e da espessura.<br />
Diana tomou logo üa rosa pura,<br />
Vénus um roxo lírio, <strong>do</strong>s milhores;<br />
mas excediam muito às outras flores<br />
as violas, na graça e fermosura.<br />
Perguntam a Cupi<strong>do</strong>, que ali estava,<br />
qual daquelas três flores tomaria,<br />
por mais suave, pura e mais fermosa?<br />
Sorrin<strong>do</strong> se, o Minino lhe tornava:<br />
todas fermosas são, mas eu queria<br />
V i o l 'a n t e s que lírio, nem que rosa.<br />
Num tão alto lugar, <strong>de</strong> tanto preço,<br />
este meu pensamento posto vejo,<br />
que <strong>de</strong>sfalece nele inda o <strong>de</strong>sejo,<br />
ven<strong>do</strong> quanto por mim o <strong>de</strong>smereço.<br />
Quan<strong>do</strong> esta tal baixesa em mim conheço,<br />
acho que cuidar nele é grão <strong>de</strong>spejo,<br />
e que morrer por ele me é sobejo<br />
e mor bem para mim, <strong>do</strong> que mereço.<br />
O mais que natural merecimento<br />
<strong>de</strong> quem me causa um mal tão duro e forte,<br />
o faz que vá crecen<strong>do</strong> <strong>de</strong> hora em hora.<br />
Mas eu não <strong>de</strong>ixarei meu pensamento,<br />
porque inda que este mal me causa a morte,<br />
Un bel morir tutta la vita onora.<br />
O céu, a terra, o vento sossega<strong>do</strong>...<br />
As ondas, que se esten<strong>de</strong>m pela areia...<br />
Os peixes, que no mar o sono enfreia...<br />
O nocturno silêncio repousa<strong>do</strong>...<br />
O pesca<strong>do</strong>r Aónio, que, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong><br />
on<strong>de</strong> co vento a água se meneia,<br />
choran<strong>do</strong>, o nome ama<strong>do</strong> em vão nomeia,<br />
que não po<strong>de</strong> ser mais que nomea<strong>do</strong>:<br />
Ondas (<strong>de</strong>zia), antes que Amor me mate,<br />
torna-me a minha Ninfa, que tão ce<strong>do</strong><br />
me fizestes à morte estar sujeita.<br />
Ninguém lhe fala; o mar <strong>de</strong> longe bate;<br />
move-se brandamente o arvore<strong>do</strong>;<br />
leva-lhe o vento a voz, que ao vento <strong>de</strong>ita.<br />
130<br />
106
*000<br />
Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />
<br />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />
Oh! como se me alonga, <strong>de</strong> ano em ano,<br />
a peregrinação cansada minha!<br />
Como se encurta, e como ao fim caminha<br />
este meu breve e vão discurso humano!<br />
Vai se gastan<strong>do</strong> a ida<strong>de</strong> e cresce o dano;<br />
per<strong>de</strong> se me um remédio, que inda tinha;<br />
se por experiência se adivinha,<br />
qualquer gran<strong>de</strong> esperança é gran<strong>de</strong> engano.<br />
Corro após este bem que não se alcança;<br />
no meio <strong>do</strong> caminho me falece,<br />
mil vezes caio, e perco a confiança.<br />
Quan<strong>do</strong> ele foge, eu tar<strong>do</strong>; e, na tardança,<br />
se os olhos ergo a ver se inda parece,<br />
da vista se me per<strong>de</strong>, e da esperança<br />
O culto divinal se celebrava<br />
no templo <strong>do</strong>n<strong>de</strong> toda a criatura<br />
louva o Feitor divino, que a feitura<br />
com seu sagra<strong>do</strong> sangue restaurava.<br />
Ali Amor, que o tempo me aguardava<br />
on<strong>de</strong> a vonta<strong>de</strong> tinha mais segura,<br />
nüa celeste e angélica figura<br />
a vista da razão me salteava.<br />
Eu, cren<strong>do</strong> que o lugar me <strong>de</strong>fendia,<br />
e seu livre costume não saben<strong>do</strong><br />
que nenhum confia<strong>do</strong> lhe fugia,<br />
<strong>de</strong>ixei me cativar; mas já que enten<strong>do</strong>,<br />
Senhora, que por vosso me queria,<br />
<strong>do</strong> tempo que fui livre me arrepen<strong>do</strong>.<br />
O dia em que eu nasci, moura e pereça,<br />
não o queira jamais o tempo dar,<br />
não torne mais ao mun<strong>do</strong>, e, se tornar,<br />
eclipse nesse passo o sol pa<strong>de</strong>ça.<br />
luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,<br />
mostre o mun<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong> se acabar,<br />
025<br />
039<br />
131
nasçam-lhe monstros, sangue chova<br />
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.<br />
as pessoas pasmadas <strong>de</strong> ignorantes,<br />
as lágrimas no rosto, a cor perdida,<br />
cui<strong>de</strong>m que o mun<strong>do</strong> já se <strong>de</strong>struiu.<br />
Ó gente temerosa, não te espantes,<br />
que este dia <strong>de</strong>itou ao mun<strong>do</strong> a vida<br />
mais <strong>de</strong>sgraçada que jamais se viu!<br />
O filho <strong>de</strong> Latona esclareci<strong>do</strong>,<br />
que com seu raio alegra a humana gente,<br />
o hórri<strong>do</strong> Piton, brava serpente,<br />
matou, sen<strong>do</strong> das gentes tão temi<strong>do</strong>.<br />
Feriu com arco, e <strong>de</strong> arco foi feri<strong>do</strong>,<br />
com ponta aguda d'ouro reluzente;<br />
nas tessálicas praias, <strong>do</strong>cemente,<br />
pela Ninfa Peneia an<strong>do</strong>u perdi<strong>do</strong>.<br />
Não lhe pô<strong>de</strong> valer, para seu dano,<br />
ciência, diligências, nem respeito<br />
<strong>de</strong> ser alto, celeste e soberano.<br />
Se este nunca alcançou nem um engano<br />
<strong>de</strong> quem era tão pouco em seu respeito,<br />
eu que espero <strong>de</strong> um ser que é mais que humano?<br />
O fogo que na branda cera ardia,<br />
ven<strong>do</strong> o rosto gentil que eu n'alma vejo,<br />
se acen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> outro fogo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo,<br />
por alcançar a luz que vence o dia.<br />
Como <strong>de</strong> <strong>do</strong>us ar<strong>do</strong>res se encendia,<br />
da gran<strong>de</strong> impaciência fez <strong>de</strong>spejo,<br />
e remeten<strong>do</strong> com furor sobejo<br />
vos foi beijar na parte on<strong>de</strong> se via.<br />
Ditosa aquela flama, que se atreve<br />
[a] apagar seus ar<strong>do</strong>res e tormentos<br />
na vista <strong>de</strong> que o mun<strong>do</strong> tremer <strong>de</strong>ve.<br />
Namoram se, Senhora, os Elementos<br />
<strong>de</strong> vós, e queima o fogo aquela neve<br />
que queima corações e pensamentos.<br />
Olhos fermosos, em quem quis Natura<br />
mostrar <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r altos sinais,<br />
se quiser<strong>de</strong>s saber quanto possais,<br />
ve<strong>de</strong>-me a mim, que sou vossa feitura.<br />
Pintada em mim se vê vossa figura,<br />
079<br />
007<br />
132
no que eu pa<strong>de</strong>ço retratada estais;<br />
que, se eu passo tormentos <strong>de</strong>siguais,<br />
muito mais po<strong>de</strong> vossa fermosura.<br />
De mim não quero mais que o meu <strong>de</strong>sejo:<br />
ser vosso; e só <strong>de</strong> ser vosso me arreio,<br />
porque o vosso penhor em mim se assele.<br />
!Tão me lembro <strong>de</strong> mim quan<strong>do</strong> vos vejo,<br />
nem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; e não erro, porque creio,<br />
que, em lembrar-me <strong>de</strong> vós, cumpro com ele.<br />
Onda<strong>do</strong>s fios d'ouro reluzente,<br />
que, agora da mão bela recolhi<strong>do</strong>s,<br />
agora sobre as rosas estendi<strong>do</strong>s,<br />
fazeis que sua beleza se acrecente;<br />
Olhos, que vos moveis tão <strong>do</strong>cemente,<br />
em mil divinos raios entendi<strong>do</strong>s,<br />
se <strong>de</strong> cá me levais alma e senti<strong>do</strong>s,<br />
que fora, se <strong>de</strong> vós não fora ausente?<br />
Honesto riso, que entre a mor fineza<br />
<strong>de</strong> perlas e corais nasce e parece,<br />
se n'alma em <strong>do</strong>ces ecos não o ouvisse!<br />
Se imaginan<strong>do</strong> só tanta beleza<br />
<strong>de</strong> si, em nova glória, a alma se esquece,<br />
que fará quan<strong>do</strong> a vir? Ah! quem a visse!<br />
Oh! quão caro me custa o enten<strong>de</strong>r te,<br />
molesto Amor, que, só por alcançar te,<br />
<strong>de</strong> <strong>do</strong>r em <strong>do</strong>r me tens trazi<strong>do</strong> a parte<br />
on<strong>de</strong> em ti ódio e ira se converte!<br />
Cui<strong>de</strong>i que para em tu<strong>do</strong> conhecer te,<br />
me não faltasse experiência e arte;<br />
agora vejo n'alma acrecentar te<br />
aquilo que era causa <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r te.<br />
Estavas tão secreto no meu peito<br />
que eu mesmo, que te tinha, não sabia<br />
que me senhoreavas <strong>de</strong>ste jeito.<br />
Descobriste t'agora; e foi por via<br />
que teu <strong>de</strong>scobrimento e meu <strong>de</strong>feito,<br />
um me envergonha e outro m'injuria.<br />
O raio cristalino s'estendia<br />
pelo mun<strong>do</strong>, da Aurora marchetada,<br />
quan<strong>do</strong> Nise, pastora <strong>de</strong>licada,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> a vida <strong>de</strong>ixava, se partia.<br />
095<br />
047<br />
067
Dos olhos, com que o Sol escurecia,<br />
levan<strong>do</strong> a vista em lágrimas banhada,<br />
<strong>de</strong> si, <strong>do</strong> Fa<strong>do</strong> e Tempo magoada,<br />
pon<strong>do</strong> os olhos no Céu, assi <strong>de</strong>zia:<br />
—Nasce, sereno Sol, puro e luzente;<br />
resplan<strong>de</strong>ce, fermosa e roxa Aurora,<br />
qualquer alma alegran<strong>do</strong> <strong>de</strong>scontente;<br />
que a minha, sabe tu que, <strong>de</strong>sd'agora,<br />
jamais na vida a po<strong>de</strong>s ver contente,<br />
nem tão triste nenhüa outra pastora.<br />
Os reinos e os impérios po<strong>de</strong>rosos<br />
que em gran<strong>de</strong>za no mun<strong>do</strong> mais cresceram,<br />
ou por valor <strong>de</strong> esforço floreceram<br />
ou por varões nas letras espantosos.<br />
Teve Grécia Temístocles famosos;<br />
os Cipiões a Roma engran<strong>de</strong>ceram;<br />
<strong>do</strong>ze pares a França glória <strong>de</strong>ram;<br />
Ci<strong>de</strong>s a Espanha, e Laras belicosas.<br />
Ao nosso Portugal (que agora vemos<br />
tão diferente <strong>de</strong> seu ser primeiro),<br />
os vossos <strong>de</strong>ram honra e liberda<strong>de</strong>.<br />
E em vós, grão sucessor e novo her<strong>de</strong>iro<br />
<strong>do</strong> braganção esta<strong>do</strong>, há mil extremos<br />
iguais ao sangue, e mores que a ida<strong>de</strong>.<br />
Os vesti<strong>do</strong>s Elisa revolvia<br />
que lh'Eneias <strong>de</strong>ixara por memória:<br />
<strong>do</strong>ces <strong>de</strong>spojos da passada glória,<br />
<strong>do</strong>ces, quan<strong>do</strong> seu Fa<strong>do</strong> o consentia.<br />
Entr'eles a fermosa espada via<br />
que instrumento foi da triste história;<br />
e, como quem <strong>de</strong> si tinha a vitória,<br />
falan<strong>do</strong> só com ela, assi <strong>de</strong>zia:<br />
—Fermosa e nova espada, se ficaste<br />
só para executares os enganos<br />
<strong>de</strong> quem te quis <strong>de</strong>ixar, em minha vida,<br />
Sabe que tu comigo t'enganaste;<br />
que, para me tirar <strong>de</strong> tantos danos,<br />
sobeja me a tristeza da partida.<br />
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,<br />
a força, a arte, a manha, a fortaleza;<br />
o tempo acaba a fama e a riqueza,<br />
161<br />
064<br />
133
o tempo o mesmo tempo <strong>de</strong> si chora.<br />
tempo busca e acaba o on<strong>de</strong> mora<br />
qualquer ingratidão, qualquer dureza;<br />
mas neo po<strong>de</strong> acabar minha tristeza,<br />
enquanto não quiser<strong>de</strong>s vós, Senhora.<br />
O tempo o claro dia torna escuro,<br />
e o mais le<strong>do</strong> prazer em choro triste;<br />
o tempo a tempesta<strong>de</strong> em grã bonança.<br />
Mas <strong>de</strong> abrandar o tempo estou seguro<br />
o peito <strong>de</strong> diamante, on<strong>de</strong> consiste<br />
a pena e o prazer <strong>de</strong>sta esperança.<br />
Passo por meus trabalhos tão isento<br />
<strong>de</strong> sentimento gran<strong>de</strong> nem pequeno,<br />
que só pola vonta<strong>de</strong> com que peno<br />
me fica Amor <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> mais tormento.<br />
Mas vai me Amor matan<strong>do</strong> tanto a tento,<br />
temperan<strong>do</strong> a triaga co veneno,<br />
que <strong>do</strong> penar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>no,<br />
porque não mo consente o sofrimento.<br />
Porém, se esta fineza o Amor sente,<br />
e pagar me meu mal com mal preten<strong>de</strong>,<br />
torna me com prazer como ao Sol neve.<br />
Mas se me vês cos males tão contente,<br />
faz se avaro da pena, porque enten<strong>de</strong><br />
que quanto mais me paga, mais me <strong>de</strong>ve.<br />
Pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo, Dama, que vos veja,<br />
não enten<strong>de</strong> o que pe<strong>de</strong>; está engana<strong>do</strong>.<br />
É este amor tão fino e tão <strong>de</strong>lga<strong>do</strong>,<br />
que quem o tem não sabe o que <strong>de</strong>seja.<br />
Não há cousa a qual natural seja<br />
que não queira perpétuo seu esta<strong>do</strong>;<br />
não quer logo o <strong>de</strong>sejo o <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>,<br />
porque não falte nunca on<strong>de</strong> sobeja.<br />
Mas este puro afeito em mim se dana;<br />
que, como a grave pedra tem por arte<br />
o centro <strong>de</strong>sejar da natureza,<br />
assi o pensamento (pola parte que<br />
vai tomar <strong>de</strong> mim, terreste [e] humana)<br />
foi, Senhora, pedir esta baixeza.<br />
Pelos extremos raros que mostrou<br />
em saber, Palas, Vénus em fermosa,<br />
021<br />
008<br />
076
Diana em casta, Juno em animosa,<br />
África, Europa e Asia as a<strong>do</strong>rou.<br />
Aquele saber gran<strong>de</strong> que ajuntou<br />
esprito e corpo em liga generosa,<br />
esta mundana máquina lustrosa,<br />
<strong>de</strong> só quatro Elementos fabricou.<br />
Mas mor milagre fez a natureza<br />
em vós, Senhoras, pon<strong>do</strong> em cada üa<br />
o que por todas quatro repartiu.<br />
A vós seu resplan<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u Sol e Lüa,<br />
a vós com viva luz, graça e pureza,<br />
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.<br />
Pensamentos, que agora novamente<br />
cuida<strong>do</strong>s vãos em mim ressuscitais,<br />
dizei me: ainda não vos contentais<br />
<strong>de</strong> ter<strong>de</strong>s, quem vos tem, tão <strong>de</strong>scontente?<br />
Que fantasia é esta, que presente<br />
cad'hora ante meus olhos me mostrais?<br />
Com sonhos e com sombras atentais<br />
quem nem por sonhos po<strong>de</strong> ser contente?<br />
Vejo vos, pensamentos, altera<strong>do</strong>s<br />
e não quereis, d'esquivos, <strong>de</strong>clarar me<br />
que é isto que vos traz tão enlea<strong>do</strong>s?<br />
Não me negueis, se andais para negar me;<br />
que, se contra mim estais alevanta<strong>do</strong>s,<br />
eu vos ajudarei mesmo a matar me.<br />
Pois meus olhos não cansam <strong>de</strong> chorar<br />
tristezas, que não cansam <strong>de</strong> cansar me;<br />
pois não abranda o fogo em que abrasar me<br />
pô<strong>de</strong> quem eu jamais pu<strong>de</strong> abrandar;<br />
não canse o cego Amor <strong>de</strong> me guiar<br />
a parte <strong>do</strong>n<strong>de</strong> não saiba tornar me;<br />
nem <strong>de</strong>ixe o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>de</strong> escutar me,<br />
enquanto me a voz fraca não <strong>de</strong>ixar.<br />
E se nos montes, rios, ou em vales,<br />
pieda<strong>de</strong> mora, ou <strong>de</strong>ntro mora Amor<br />
em feras, aves, plantas, pedras, águas,<br />
ouçam a longa história <strong>de</strong> meus males<br />
e curem sua <strong>do</strong>r com minha <strong>do</strong>r;<br />
que gran<strong>de</strong>s mágoas po<strong>de</strong>m curar mágoas.<br />
Por cima <strong>de</strong>stas águas, forte e firme,<br />
031<br />
089<br />
037
irei por on<strong>de</strong> as sortes or<strong>de</strong>naram,<br />
pois, por cima <strong>de</strong> quantas me choraram<br />
aqueles claros olhos, pu<strong>de</strong> vir me.<br />
Já chega<strong>do</strong> era o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedir me,<br />
já mil impedimentos se acabaram,<br />
quan<strong>do</strong> rios <strong>de</strong> amor se atravessaram<br />
a me impedir o passo <strong>de</strong> partir me.<br />
Passei os eu com ânimo obstina<strong>do</strong>,<br />
com que a morte forçada e gloriosa<br />
faz o venci<strong>do</strong> já <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>.<br />
Em que figura, ou gesto <strong>de</strong>susa<strong>do</strong>,<br />
po<strong>de</strong> já fazer me<strong>do</strong> a morte irosa,<br />
a quem tem a seus pés rendi<strong>do</strong> e ata<strong>do</strong>?<br />
Porque quereis, Senhora, que ofereça<br />
a vida a tanto mal como pa<strong>de</strong>ço?<br />
Se vos nasce <strong>do</strong> pouco que mereço,<br />
bem por nascer está quem vos mereça.<br />
Sabei que, enfim, por muito que vos peça,<br />
que posso merecer quanto vos peço;<br />
que não consente Amor que em baixo preço<br />
tão alto pensamento se conheça.<br />
Assi que a paga igual <strong>de</strong> minhas <strong>do</strong>res,<br />
com nada se restaura, mas <strong>de</strong>veis ma,<br />
por ser capaz <strong>de</strong> tantos disfavores.<br />
E se o valor <strong>de</strong> vossos servi<strong>do</strong>res<br />
houver <strong>de</strong> ser igual convosco mesma,<br />
vós só convosco mesma andai d'amores.<br />
Por sua Ninfa, Céfalo <strong>de</strong>ixava<br />
Aurora, que por ele se perdia,<br />
posto que dá princípio ao claro dia,<br />
posto que as roxas flores imitava.<br />
Ele, que a bela Prócris tanto amava<br />
que só por ela tu<strong>do</strong> enjeitaria,<br />
<strong>de</strong>seja <strong>de</strong> atentar se lhe acharia<br />
tão firme fé como nele achava.<br />
Muda<strong>do</strong> o trajo, tece o duro engano:<br />
outro se finge, preço põe diante,<br />
quebra se a fé mudável, e consente.<br />
Ó engenho sutil para seu dano!<br />
Ve<strong>de</strong> que manhas busca um cego amante<br />
para que sempre seja <strong>de</strong>scontente!<br />
027<br />
062<br />
134
Posto me tem Fortuna em tal esta<strong>do</strong>,<br />
e tanto a seus pés me tem rendi<strong>do</strong>!<br />
Não tenho que per<strong>de</strong>r já, <strong>de</strong> perdi<strong>do</strong>,<br />
não tenho que mudar já, <strong>de</strong> muda<strong>do</strong>.<br />
To<strong>do</strong> o bem para mim é acaba<strong>do</strong>;<br />
daqui <strong>do</strong>u o viver já por vivi<strong>do</strong>;<br />
que, aon<strong>de</strong> o mal é tão conheci<strong>do</strong>,<br />
também o viver mais será escusa<strong>do</strong>.<br />
Se me basta querer, a morte quero,<br />
que bem outra esperança não convém,<br />
e curarei um mal com outro mal<br />
E, pois <strong>do</strong> bem tão pouco bem espero,<br />
já que o mel este só remédio tem,<br />
não me culpem em querer remédio tal.<br />
Presença bela, angélica figura,<br />
em quem, quanto o Céu tinha, nos tem da<strong>do</strong>;<br />
gesto alegre, <strong>de</strong> rosas semea<strong>do</strong>,<br />
entre as quais se está rin<strong>do</strong> a Fermosura;<br />
olhos, on<strong>de</strong> tem feito tal mistura<br />
em cristal branco o preto marcheta<strong>do</strong>,<br />
que vemos já no ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />
não esperança, mas enveja escura;<br />
brandura, aviso e graça, que aumentan<strong>do</strong><br />
a natural beleza cum <strong>de</strong>sprezo,<br />
com que, mais <strong>de</strong>sprezada, mais se aumenta;<br />
são as prisões <strong>de</strong> um coração que, preso,<br />
seu mal ao som <strong>do</strong>s ferros vai cantan<strong>do</strong>,<br />
como faz a sereia na tormenta.<br />
Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes,<br />
y en lágrimas pasáis la noche y día,<br />
mirad si es llanto este que os envia<br />
aquella por quien vos tantas vertistes<br />
Sentid, mis ojos, bien esta que vistes,<br />
y si ella lo es, oh gran ventura mia!<br />
por muy bien empleadas las habría<br />
mil cuentas que por esta sola distes.<br />
Mas una cosa mucho <strong>de</strong>seada,<br />
aunque se vea cierta, no es creída,<br />
cuanto más esta, que me es enviada.<br />
Pero digo que aunque sea fingida,<br />
que basta que por lágrima sea dada,<br />
porque sea por lágrima tenida.<br />
036<br />
147<br />
138
Quan<strong>do</strong> a suprema <strong>do</strong>r muito me aperta,<br />
se digo que <strong>de</strong>sejo esquecimento,<br />
é força que se faz ao pensamento,<br />
<strong>de</strong> que a vonta<strong>de</strong> livre <strong>de</strong>sconserta.<br />
Assi, <strong>de</strong> erro tão grave me <strong>de</strong>sperta<br />
a luz <strong>do</strong> bem regi<strong>do</strong> entendimento,<br />
que mostra ser engano ou fingimento<br />
dizer que em tal <strong>de</strong>scanso mais se acerta.<br />
Porque essa própria imagem, que na mente<br />
me representa o bem <strong>de</strong> que careço,<br />
faz-mo <strong>de</strong> um certo mo<strong>do</strong> ser presente.<br />
Ditosa é, logo, a pena que pa<strong>de</strong>ço,<br />
pois que da causa <strong>de</strong>la em mim se sente<br />
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.<br />
Quan<strong>do</strong> cui<strong>do</strong> no tempo que, contente,<br />
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,<br />
como quem vê por sonhos um tesouro,<br />
parece tenho tu<strong>do</strong> aqui presente.<br />
Mas tanto que se passa este aci<strong>de</strong>nte,<br />
e vejo o quão distante <strong>de</strong> vós mouro,<br />
temo quanto imagino por agouro,<br />
porque d'imaginar também me ausente.<br />
Já foram dias em que por ventura<br />
vos vi, Senhora (se, assi dizen<strong>do</strong>, posso<br />
co coração seguro estar sem me<strong>do</strong>);<br />
Agora, em tanto mal não mo assegura<br />
a própria fantasia e nojo vosso:<br />
eu não posso enten<strong>de</strong>r este segre<strong>do</strong>!<br />
Quan<strong>do</strong> da bela vista e <strong>do</strong>ce riso,<br />
toman<strong>do</strong> estão meus olhos mantimento,<br />
tão enleva<strong>do</strong> sinto o pensamento<br />
que me faz ver na terra o Paraíso.<br />
Tanto <strong>do</strong> bem humano estou diviso,<br />
que qualquer outro bem julgo por vento;<br />
assi, que em caso tal, segun<strong>do</strong> sento,<br />
assaz <strong>de</strong> pouco faz quem per<strong>de</strong> o siso.<br />
Em vos louvar, Senhora, não me fun<strong>do</strong>,<br />
porque quem vossas cousas claro sente,<br />
sentirá que não po<strong>de</strong> merecê las.<br />
Que <strong>de</strong> tanta estranheza sois ao mun<strong>do</strong>,<br />
que não é <strong>de</strong> estranhar, Dama excelente,<br />
que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.<br />
117<br />
009
Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida<br />
maginação os olhos me a<strong>do</strong>rmece,<br />
em sonhos aquela alma me aparece<br />
que para mim foi sonho nesta vida.<br />
Lá nüa soïda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> estendida<br />
a vista pelo campo <strong>de</strong>sfalece,<br />
corro par'ela; e ela então parece<br />
que mais <strong>de</strong> mim se alonga, compelida.<br />
Bra<strong>do</strong>: Não me fujais, sombra benina!<br />
Ela (os olhos em mim cum bran<strong>do</strong> pejo,<br />
como quem diz que já não po<strong>de</strong> ser),<br />
torna a fugir-me; e eu, gritan<strong>do</strong>: Dina...<br />
antes que diga mene, alar<strong>do</strong>, e vejo<br />
que nem um breve engano posso ter.<br />
Quan<strong>do</strong> o Sol encoberto vai mostran<strong>do</strong><br />
ao mun<strong>do</strong> a luz quieta e duvi<strong>do</strong>sa,<br />
ao longo <strong>de</strong> üa praia <strong>de</strong>leitosa,<br />
vou na minha inimiga imaginan<strong>do</strong>.<br />
Aqui a vi, os cabelos concertan<strong>do</strong>;<br />
ali, co a mão na face tão fermosa;<br />
aqui, falan<strong>do</strong> alegre, ali cui<strong>do</strong>sa;<br />
agora estan<strong>do</strong> queda, agora andan<strong>do</strong>.<br />
aqui esteve sentada, ali me viu,<br />
erguen<strong>do</strong> aqueles olhos tão isentos;<br />
aqui movida um pouco, ali segura;<br />
qui se entristeceu, ali se riu;<br />
enfim, nestes cansa<strong>do</strong>s pensamentos<br />
passo esta vida vã, que sempre dura.<br />
Quan<strong>do</strong>, Senhora, quis Amor que amasse<br />
essa grã perfeição e gentileza,<br />
logo <strong>de</strong>u por sentença que a crueza<br />
em vosso peito amor acrescentasse.<br />
Determinou que nada me apartasse,<br />
nem <strong>de</strong>sfavor cruel, nem aspereza;<br />
mas que em minha raríssima firmeza<br />
vossa isenção cruel se executasse.<br />
E, pois ten<strong>de</strong>s aqui oferecida e<br />
sta alma vossa a vosso sacrifício,<br />
acabai <strong>de</strong> fartar vossa vonta<strong>de</strong>.<br />
Não lhe alargueis, Senhora, mais a vida;<br />
acabará morren<strong>do</strong> em seu oficio,<br />
sua fé <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e lealda<strong>de</strong>.<br />
100<br />
018<br />
139
Quan<strong>do</strong> se vir com água o fogo ar<strong>de</strong>r,<br />
e misturar co dia a noite escura,<br />
e a terra se vir naquela altura<br />
em que se vem os Céus prevalecer;<br />
o Amor por razão manda<strong>do</strong> ser,<br />
e a to<strong>do</strong>s ser igual nossa ventura,<br />
com tal mudança, vossa formosura<br />
então a po<strong>de</strong>rei <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver.<br />
Porém não sen<strong>do</strong> vista esta mudança<br />
no mun<strong>do</strong> (como claro está não ver-se),<br />
não se espere <strong>de</strong> mim <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver-vos.<br />
Que basta estar em vós minha esperança,<br />
o ganho <strong>de</strong> minha alma, e o per<strong>de</strong>r-se,<br />
para não <strong>de</strong>ixar nunca <strong>de</strong> querer-vos.<br />
Quan<strong>do</strong> vejo que meu <strong>de</strong>stino or<strong>de</strong>na<br />
que por me exprimentar <strong>de</strong> vós me aparte,<br />
<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> meu bem tão gran<strong>de</strong> parte<br />
que a mesma culpa fica grave pena;<br />
o duro disfavor que me con<strong>de</strong>na,<br />
quan<strong>do</strong> pela memória se reparte,<br />
endurece os senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tal arte<br />
que a <strong>do</strong>r da ausência fica mais pequena.<br />
Pois como po<strong>de</strong> ser que na mudança<br />
daquilo que mais quero estê tão fora<br />
<strong>de</strong> me não apartar também da vida?<br />
Eu refrearei tão áspera esquivança;<br />
porque mais sentirei partir, Senhora,<br />
sem sentir muito a pena da partida.<br />
Quantas vezes <strong>do</strong> fuso s'esquecia<br />
Daliana, banhan<strong>do</strong> o lin<strong>do</strong> seio,<br />
tantas vezes <strong>de</strong> um áspero receio<br />
saltea<strong>do</strong>, Laurénio a cor perdia.<br />
Ela, que a Sílvio mais que a si queria,<br />
para podê lo ver não tinha meio:<br />
ora, como curara o mal alheio<br />
quem o seu mal tão mal curar sabia?<br />
Ele, que viu tão clara esta verda<strong>de</strong>,<br />
com soluços, <strong>de</strong>zia (que a espessura<br />
comovia, <strong>de</strong> mágoa, a pieda<strong>de</strong>):<br />
—Como po<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m da Natura<br />
fazer tão diferentes na vonta<strong>de</strong><br />
a quem fez tão conformes na ventura?<br />
135<br />
028<br />
070
Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.<br />
- A que horas o tomaste?- Amanhecen<strong>do</strong>.<br />
- Enten<strong>de</strong>s o que levas?- Não o enten<strong>do</strong>.<br />
- Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.<br />
Seu corpo quem o goza?- A terra fria.<br />
- Como ficou sua luz?- Anoitecen<strong>do</strong>.<br />
- Lusitânia que diz?- Fica dizen<strong>do</strong>:<br />
Enfim, não mereci Dona Maria.<br />
Mataste quem a viu?- Já morto estava.<br />
- Que diz o cru Amor?- Falar não ousa.<br />
- E quem o faz calar?- Minha vonta<strong>de</strong>.<br />
Na corte que ficou?- Sauda<strong>de</strong> brava.<br />
- Que fica lá que ver?- Nenhüa cousa;<br />
mas fica que chorar sua belda<strong>de</strong>.<br />
Que me quereis, perpétuas sauda<strong>de</strong>s?<br />
Com que esperança ainda me enganais?<br />
Que o tempo que se vai não torna mais,<br />
e se torna, não tornam as ida<strong>de</strong>s.<br />
Razão é já, ó anos!, que vos va<strong>de</strong>s,<br />
porque estes tão ligeiros que passais,<br />
nem to<strong>do</strong>s para um gosto são iguais,<br />
nem sempre são conformes as vonta<strong>de</strong>s.<br />
Aquilo a que já quis é tão muda<strong>do</strong><br />
que quase é outra causa: porque os dias<br />
têm o primeiro gosto já dana<strong>do</strong>.<br />
Esperanças <strong>de</strong> novas alegrias<br />
não mas <strong>de</strong>ixa a Fortuna e o Tempo erra<strong>do</strong>,<br />
que <strong>do</strong> contentamento são espias.<br />
Quem fosse acompanhan<strong>do</strong> juntamente<br />
por esses ver<strong>de</strong>s campos a avezinha<br />
que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r um bem que tinha,<br />
não sabe mais que cousa é ser contente!<br />
[E] quem fosse apartan<strong>do</strong>-se da gente,<br />
ela, por companheira e por vizinha,<br />
me ajudasse a chorar a pena minha,<br />
eu a ela o pesar que tanto sente!<br />
Ditosa ave! que, ao menos, se a Natura<br />
a seu primeiro bem não dá segun<strong>do</strong>,<br />
dá-lhe o ser triste a seu contentamento.<br />
Mas triste quem <strong>de</strong> longe quis ventura,<br />
que, para respirar, lhe falte o vento,<br />
e, para tu<strong>do</strong>, enfim, lhe falte o mun<strong>do</strong>!<br />
158<br />
107<br />
102
*000<br />
* Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>s creve<br />
Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />
<br />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />
Que mo<strong>do</strong> tão sutil da natureza,<br />
para fugir ao mun<strong>do</strong>, e seus enganos,<br />
permite que se esconda em tenros anos,<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um burel tanta beleza!<br />
Mas escon<strong>de</strong>r se não po<strong>de</strong> aquela alteza<br />
e gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhos soberanos,<br />
a cujo resplan<strong>do</strong>r entre os humanos<br />
resistência não sinto, ou fortaleza.<br />
Quem quer livre ficar <strong>de</strong> <strong>do</strong>r e pena,<br />
ven<strong>do</strong> a ou trazen<strong>do</strong> a na memória,<br />
da mesma razão sua se con<strong>de</strong>na.<br />
Porque quem mereceu ver tanta glória,<br />
cativo há <strong>de</strong> ficar; que Amor or<strong>de</strong>na<br />
que <strong>de</strong> juro tenha ela esta vitória.<br />
Quem po<strong>de</strong> livre ser, gentil Senhora,<br />
ven<strong>do</strong>-vos com juízo sossega<strong>do</strong>,<br />
se o Minino que <strong>de</strong> olhos é priva<strong>do</strong>,<br />
nas mininas <strong>do</strong>s vossos olhos mora?<br />
Ali manda, ali reina, ali namora,<br />
ali vive das gentes venera<strong>do</strong>;<br />
que o vivo lume e o rosto <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>,<br />
imagens são, nas quais o Amor se a<strong>do</strong>ra.<br />
Quem vê que em branca neve nascem rosas<br />
que fios crespos <strong>de</strong> ouro vão cercan<strong>do</strong>,<br />
se por entre esta luz a vista passa,<br />
raios <strong>de</strong> ouro verá, que as duvi<strong>do</strong>sas<br />
almas estão no peito traspassan<strong>do</strong>,<br />
assi como um cristal o Sol traspassa...<br />
Quem presumir, Senhora, <strong>de</strong> louvar-vos<br />
com humano saber, e não divino,<br />
ficará <strong>de</strong> tamanha culpa dino<br />
035<br />
010<br />
141
quamanha ficais ten<strong>do</strong> em contemplar-vos.<br />
Não pretenda ninguém <strong>de</strong> louvar dar-vos,<br />
por mais que raro seja e peregrino:<br />
que vossa fermosura eu imagino<br />
que Deus a Ele só quis comparar-vos.<br />
Ditosa esta alma vossa, que quisestes<br />
em posse pôr <strong>de</strong> prenda tão subida,<br />
como, Senhora, foi a que me <strong>de</strong>stes.<br />
Melhor a guardarei que a própria vida;<br />
que, pois mercê tamanha me fizestes,<br />
<strong>de</strong> mim será jamais nunca esquecida.<br />
Quem quiser ver d'Amor üa excelência<br />
on<strong>de</strong> sua fineza mais se apura,<br />
atente on<strong>de</strong> me põe minha ventura,<br />
por ter <strong>de</strong> minha fé experiência.<br />
On<strong>de</strong> lembranças mata a longa ausência,<br />
em temeroso mar, em guerra dura,<br />
ali a sauda<strong>de</strong> está segura,<br />
quan<strong>do</strong> mor risco corre a paciência.<br />
Mas ponha me Fortuna e o duro Fa<strong>do</strong><br />
em nojo, morte, dano e perdição,<br />
ou em sublime e próspera ventura;<br />
Ponha me, enfim, em baixo ou alto esta<strong>do</strong>;<br />
que até na dura morte me acharão<br />
na língua o nome, n'alma a vista pura.<br />
Quem vê, Senhora, claro e manifesto<br />
o lin<strong>do</strong> ser <strong>de</strong> vossos olhos belos,<br />
se não per<strong>de</strong>r a vista só em vê los,<br />
já não paga o que <strong>de</strong>ve a vosso gesto.<br />
Este me parecia preço honesto;<br />
mas eu, por <strong>de</strong> vantagem merecê los,<br />
<strong>de</strong>i mais a vida e alma por querê los,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> já me não fica mais <strong>de</strong> resto.<br />
Assi que a vida e alma e esperança<br />
e tu<strong>do</strong> quanto tenho, tu<strong>do</strong> é vosso,<br />
e o proveito disso eu só o levo.<br />
Porque é tamanha bem aventurança<br />
o dar vos quanto tenho e quanto posso<br />
que, quanto mais vos pago, mais vos <strong>de</strong>vo.<br />
Quem vos levou <strong>de</strong> mim, sau<strong>do</strong>so esta<strong>do</strong>,<br />
que tanta sem-razão comigo usastes?<br />
048<br />
017<br />
118
Quem foi, por quem tão presto me negastes,<br />
esqueci<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o bem passa<strong>do</strong>?<br />
Trocastes-me um <strong>de</strong>scanso em um cuida<strong>do</strong><br />
tão duro, tão cruel, qual m'or<strong>de</strong>nastes;<br />
a fé, que tínheis da<strong>do</strong>, me negastes,<br />
quan<strong>do</strong> mais nela estava confia<strong>do</strong>.<br />
Vivia sem receio <strong>de</strong>ste mal;<br />
Fortuna, que tem tu<strong>do</strong> a sua mercê,<br />
amor com <strong>de</strong>samor me revolveu.<br />
Bem sei que neste caso nada val,<br />
que quem naceu choran<strong>do</strong>, justo é<br />
que pague com chorar o que per<strong>de</strong>u.<br />
Que po<strong>de</strong> já fazer minha ventura<br />
que seja para meu contentamento.,<br />
Ou como fazer <strong>de</strong>vo fundamento<br />
<strong>de</strong> cousa que o não tem, nem é segura?<br />
Que pena po<strong>de</strong> ser tão certa e dura<br />
que possa ser maior que meu tormento?<br />
Ou como receará meu pensamento<br />
os males, se com eles mais se apura?<br />
Como quem se costuma <strong>de</strong> pequeno<br />
com peçonha criar por mão ciente,<br />
da qual o uso já o tem seguro;<br />
assi <strong>de</strong> acostuma<strong>do</strong> co veneno,<br />
o uso <strong>de</strong> sofrer meu mal presente<br />
me faz não sentir já nada o futuro.<br />
Que po<strong>de</strong>rei <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já querer,<br />
que naquilo em que pus tamanho amor,<br />
não vi senão `<strong>de</strong>sgosto e <strong>de</strong>samor,<br />
e morte, enfim, que mais não po<strong>de</strong> ser!<br />
Pois vida me não farta <strong>de</strong> viver,<br />
pois já sei que não mata gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r,<br />
se cousa há que mágoa dê maior,<br />
eu a verei; que tu<strong>do</strong> posso ver.<br />
A morte, a meu pesar, me assegurou<br />
<strong>de</strong> quanto mal me vinha; já perdi<br />
o que per<strong>de</strong>r o me<strong>do</strong> me ensinou.<br />
Na vida <strong>de</strong>samor somente vi,<br />
na morte a gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r que me ficou:<br />
parece que para isto só nasci!<br />
A D. <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>, Vizo-Rei<br />
140<br />
088<br />
164
Que vençais no Oriente tantos Reis,<br />
que <strong>de</strong> novo nos <strong>de</strong>is da Índia o Esta<strong>do</strong>,<br />
que escureceis a fama que ganha<strong>do</strong><br />
tinham os que a ganharam a infiéis;<br />
que <strong>do</strong> tempo tenhais venci<strong>do</strong> as leis,<br />
que tu<strong>do</strong>, enfim, vençais co tempo arma<strong>do</strong>,<br />
mais é vencer na pátria, <strong>de</strong>sarma<strong>do</strong>,<br />
os monstros e as Quimeras que venceis.<br />
E assi, sobre vencer<strong>de</strong>s tanto imigo,<br />
e por armas fazer que, sem segun<strong>do</strong>,<br />
vosso nome no mun<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> seja,<br />
o que vos dá mais nome inda no mun<strong>do</strong>,<br />
é vencer<strong>de</strong>s, Senhor, no Reino amigo,<br />
tantas ingratidões, tão gran<strong>de</strong> enveja!<br />
Se a Fortuna inquieta e mal olhada,<br />
que a justa lei <strong>do</strong> Céu consigo infama,<br />
a vida quieta, que ela mais <strong>de</strong>sama,<br />
me conce<strong>de</strong>ra, honesta e repousada;<br />
pu<strong>de</strong>ra ser que a Musa, alevantada<br />
com luz <strong>de</strong> mais ar<strong>de</strong>nte e viva flama.<br />
fizera ao Tejo lá na pátria cama<br />
a<strong>do</strong>rmecer co som da lira amada.<br />
Porém, pois o <strong>de</strong>stino trabalhoso,<br />
que me escurece a Musa fraca e lassa,<br />
louvor <strong>de</strong> tanto preço não sustenta;<br />
a vossa <strong>de</strong> louvar-me pouco escassa,<br />
outro sujeito busque valeroso,<br />
tal qual em vós ao mun<strong>do</strong> se apresenta.<br />
Se algü'hora em vós a pieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> tão longo tormento se sentira,<br />
não consentira Amor que me partira<br />
<strong>de</strong> vossos olhos, minha saüda<strong>de</strong>.<br />
Apartei me <strong>de</strong> vós, mas a vonta<strong>de</strong>,<br />
que pelo natural n'alma vos tira,<br />
me faz crer que esta ausência é <strong>de</strong> mentira;<br />
mas inda mal, porém, porque é verda<strong>de</strong>.<br />
Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,<br />
tomarão tristes lágrimas vingança<br />
nos olhos <strong>de</strong> quem fostes mantimento.<br />
E assi darei vida a meu tormento;<br />
que, enfim, cá me achará minha lembrança<br />
sepulta<strong>do</strong> no vosso esquecimento.<br />
148<br />
029<br />
016
Se as penas com que Amor tão mal me trata<br />
quiser que tanto tempo viva <strong>de</strong>las<br />
que veja escuro o lume das estrelas<br />
em cuja vista o meu se acen<strong>de</strong> e mata;<br />
e se o tempo, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sbarata,<br />
secar as frescas rosas sem colhê-las,<br />
mostran<strong>do</strong> a linda cor das tranças belas<br />
mudada <strong>de</strong> ouro fino em bela prata;<br />
vereis, Senhora, então também muda<strong>do</strong><br />
o pensamento e aspereza vossa,<br />
quan<strong>do</strong> não sirva já sua mudança.<br />
Suspirareis então pelo passa<strong>do</strong>,<br />
em tempo quan<strong>do</strong> executar-se possa<br />
em vosso arrepen<strong>de</strong>r minha vingança.<br />
[À morte <strong>de</strong> D. António <strong>de</strong> Noronha]<br />
Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida<br />
(Ah! senhor <strong>do</strong>m António!), a dura sorte,<br />
<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fazen<strong>do</strong> andava o braço forte<br />
a fama <strong>do</strong>s Antigos esquecida.<br />
üa só razão tenho conhecida<br />
com que tamanha mágoa se conforte:<br />
que, pois no mun<strong>do</strong> havia honrada morte,<br />
que não podíeis ter mais larga a vida.<br />
Se meus humil<strong>de</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />
que co <strong>de</strong>sejo meu se iguale a arte,<br />
especial matéria me sereis.<br />
E, celebra<strong>do</strong> em triste e longo canto,<br />
se morrestes nas mãos <strong>do</strong> fero Marte,<br />
na memória das gentes vivereis.<br />
Se <strong>de</strong> vosso fermoso e lin<strong>do</strong> gesto<br />
nasceram lindas flores para os olhos,<br />
que para o peito são duros abrolhos,<br />
em mim se vê mui claro e manifesto:<br />
52<br />
pois vossa fermosura e vulto honesto<br />
em os ver, <strong>de</strong> boninas vi mil molhos;<br />
mas se meu coração tivera antolhos,<br />
não vira em vós seu dano o mal funesto.<br />
Um mal visto por bem, um bem tristonho,<br />
que me traz eleva<strong>do</strong> o pensamento<br />
em mil, porém diversas, fantasias,<br />
nas quais eu sempre an<strong>do</strong>, e sempre sonho;<br />
e vós não cuidais mais que em meu tormento,<br />
em que fundais as vossas alegrias.<br />
049<br />
142
Seguia aquele fogo, que o guiava,<br />
Leandro, contra o mar e contra o vento;<br />
as forças lhe faltavam já e o alento,<br />
Amor lhas refazia e renovava.<br />
Despois que viu que a alma lhe faltava,<br />
não esmorece; mas, no pensamento,<br />
(que a língua já não po<strong>de</strong>) seu intento<br />
ao mar que lho cumprisse, encomendava.<br />
Ó mar (<strong>de</strong>zia o moço só consigo),<br />
já te não peço a vida; só queria<br />
que a <strong>de</strong> Hero me salves; não me veja...<br />
Este meu corpo morto, lá o <strong>de</strong>svia<br />
daquela torre. Sê me nisto amigo,<br />
pois no meu maior bem me houveste enveja!<br />
Sempre a Razão vencida foi <strong>de</strong> Amor;<br />
mas, porque assi o pedia o coração,<br />
quis Amor ser venci<strong>do</strong> da Razão.<br />
Ora que caso po<strong>de</strong> haver maior!<br />
Novo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> morte, e nova <strong>do</strong>r!<br />
Estranheza <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> admiração,<br />
que per<strong>de</strong> suas forças a afeição,<br />
porque não perca a pena o seu rigor.<br />
Pois nunca houve fraqueza no querer,<br />
mas antes muito mais se esforça assim<br />
um contrário com outro por vencer.<br />
Mas a Razão, que a luta vence, enfim,<br />
não creio que é razão; mas há <strong>de</strong> ser<br />
inclinação que eu tenho contra mim.<br />
Sempre, cruel Senhora, receei,<br />
medin<strong>do</strong> vossa grã <strong>de</strong>sconfiança,<br />
que <strong>de</strong>sse em <strong>de</strong>samor vossa tardança,<br />
e que me per<strong>de</strong>sse eu, pois vos amei.<br />
Perca-se, enfim, já tu<strong>do</strong> o que esperei,<br />
pois noutro amor já ten<strong>de</strong>s esperança.<br />
Tão patente será vossa mudança,<br />
quanto eu encobri sempre o que vos <strong>de</strong>i.<br />
Dei-vos a alma, a vida e o senti<strong>do</strong>;<br />
<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que em mim há vos fiz s<br />
enhora. Prometeis e negais o mesmo Amor.<br />
Agora tal estou que, <strong>de</strong> perdi<strong>do</strong>,<br />
não sei por on<strong>de</strong> vou, mas algü'hora<br />
vos dará tal lembrança gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r.<br />
061<br />
055<br />
143
Senhor João Lopes, o meu baixo esta<strong>do</strong><br />
ontem vi posto em grau tão excelente,<br />
que vós, que sois enveja a toda a gente,<br />
só por mim vos quiséreis ver troca<strong>do</strong>.<br />
Vi o gesto suave e <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />
que já vos fez, contente e <strong>de</strong>scontente,<br />
lançar ao vento a voz tão <strong>do</strong>cemente<br />
que fez o ar sereno e sossega<strong>do</strong>.<br />
Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto<br />
ninguém diria em muitas; eu só, cego,<br />
magoa<strong>do</strong> fiquei na <strong>do</strong>ce fala.<br />
Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!<br />
Um, porque os corações obriga a tanto;<br />
outra, porque os esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>siguala.<br />
Senhora já <strong>de</strong>st'alma, per<strong>do</strong>ai<br />
<strong>de</strong> um venci<strong>do</strong> <strong>de</strong> Amor os <strong>de</strong>satinos,<br />
e sejam vossos olhos tão beninos<br />
com este puro amor, que d'alma sai.<br />
A minha pura fé somente olhai,<br />
e ve<strong>de</strong> meus extremos se são finos;<br />
e se <strong>de</strong> algüa pena forem dinos,<br />
em mim, Senhora minha, vos vingai.<br />
Não seja a <strong>do</strong>r que abrasa o triste peito<br />
causa por on<strong>de</strong> pene o coração,<br />
que tanto em firme amor vos é sujeito.<br />
Guardai-vos <strong>do</strong> que alguns, Dama, dirão,<br />
que, sen<strong>do</strong> raro em tu<strong>do</strong> vosso objeito,<br />
possa morar em vós ingratidão.<br />
Senhora minha, se a Fortuna imiga,<br />
que em minha fim com to<strong>do</strong> o Céu conspira,<br />
os olhos meus <strong>de</strong> ver os vossos tira,<br />
porque em mais graves casos me persiga;<br />
comigo levo esta alma, que se obriga,<br />
na mor pressa <strong>de</strong> mar, <strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong> ira,<br />
a dar vos a memória, que suspira,<br />
só por fazer convosco eterna liga.<br />
Nest'alma, on<strong>de</strong> a Fortuna po<strong>de</strong> pouco,<br />
tão viva vos terei, que frio e fome<br />
vos não possam tirar, nem vãos perigos.<br />
Antes co som da voz, trémulo e rouco,<br />
bradan<strong>do</strong> por vós, só com vosso nome<br />
050<br />
119<br />
040
farei fugir os ventos e os imigos.<br />
Sentin<strong>do</strong> se tomada a bela esposa<br />
<strong>de</strong> Céfalo, no crime consenti<strong>do</strong>,<br />
para os montes fugia <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>;<br />
e não sei se <strong>de</strong> astuta, ou vergonhosa.<br />
Porque ele, enfim, sofren<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r ciosa,<br />
<strong>de</strong> amor cego e forçoso compeli<strong>do</strong>,<br />
após ela se vai como perdi<strong>do</strong>,<br />
já per<strong>do</strong>an<strong>do</strong> a culpa criminosa.<br />
Deita se aos pés da Ninfa endurecida,<br />
que <strong>do</strong> cioso engano está agravada;<br />
já lhe pe<strong>de</strong> perdão, já pe<strong>de</strong> a vida.<br />
Ó força <strong>de</strong> afeição <strong>de</strong>satinada!<br />
Que da culpa contra ele cometida,<br />
perdão pedia à parte que é culpada!<br />
Se pena por amar vos se merece,<br />
quem <strong>de</strong>la livre está? Ou quem isento?<br />
Que alma, que razão, qu'entendimento,<br />
em ver vos se não ren<strong>de</strong> e obe<strong>de</strong>ce?<br />
Que mor glória na vida s'oferece<br />
que ocupar se em vós o pensamento?<br />
Toda a pena cruel, to<strong>do</strong> o tormento<br />
em ver vos se não sente, mas esquece.<br />
Mas se merece pena quem aman<strong>do</strong><br />
contino vos está, se vos ofen<strong>de</strong>,<br />
o mun<strong>do</strong> matareis, que to<strong>do</strong> é vosso.<br />
Em mim po<strong>de</strong>is, Senhora, ir começan<strong>do</strong>,<br />
que claro se conhece e bem se enten<strong>de</strong><br />
amar vos quanto <strong>de</strong>vo e quanto posso.<br />
Se tanta pena tenho merecida<br />
em pago <strong>de</strong> sofrer tantas durezas,<br />
provai, Senhora, em mim vossas cruezas,<br />
que aqui ten<strong>de</strong>s ua alma oferecida.<br />
Nela experimental, se sois servida,<br />
<strong>de</strong>sprezos, disfavores e asperezas;<br />
que mores sofrimentos e firmezas<br />
sustentarei na guerra <strong>de</strong>sta vida.<br />
Mas contra vossos olhos quais serão?<br />
Força<strong>do</strong> é que tu<strong>do</strong> se lhe renda;<br />
mas porei por escu<strong>do</strong> o coração.<br />
Porque em tão dura e áspera contenda,<br />
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é bem que, pois não acho <strong>de</strong>fensão,<br />
com me meter nas lanças me <strong>de</strong>fenda.<br />
Sete anos <strong>de</strong> pastor Jacob servia<br />
Labão, pai <strong>de</strong> Raquel, serrana bela;<br />
mas não servia ao pai, servia a ela,<br />
e a ela só por prémio pretendia.<br />
Os dias, na esperança <strong>de</strong> um só dia,<br />
passava, contentan<strong>do</strong> se com vê la;<br />
porém o pai, usan<strong>do</strong> <strong>de</strong> cautela,<br />
em lugar <strong>de</strong> Raquel lhe dava Lia.<br />
Ven<strong>do</strong> o triste pastor que com enganos<br />
lhe fora assi negada a sua pastora,<br />
como se a não tivera merecida;<br />
começa <strong>de</strong> servir outros sete anos,<br />
dizen<strong>do</strong>: —Mais servira, se não fora<br />
para tão longo amor tão curta a vida.<br />
Se tomar minha pena em penitência<br />
<strong>do</strong> erro em que caiu o pensamento,<br />
não abranda, mas <strong>do</strong>bra meu tormento,<br />
a isto, e a mais, obriga a paciência.<br />
E se üa cor <strong>de</strong> morto na aparência,<br />
um espalhar suspiros vãos ao vento,<br />
em vós não faz, Senhora, movimento,<br />
fique meu mal em vossa consciência.<br />
E se <strong>de</strong> qualquer áspera mudança<br />
toda a vonta<strong>de</strong> isenta Amor castiga<br />
(como eu vi bem no mal que me con<strong>de</strong>na);<br />
e se em vós não s'enten<strong>de</strong> haver vingança,<br />
será força<strong>do</strong> (pois Amor me obriga)<br />
que eu só <strong>de</strong> vossa culpa pague a pena.<br />
Suspiros inflama<strong>do</strong>s, que cantais<br />
a tristeza com que eu vivi tão le<strong>do</strong>!<br />
Eu mouro e não vos levo, porque hei me<strong>do</strong><br />
que ao passar <strong>do</strong> Lete vos percais.<br />
Escritos para sempre já ficais<br />
on<strong>de</strong> vos mostrarão to<strong>do</strong>s co <strong>de</strong><strong>do</strong><br />
como exemplo <strong>de</strong> males; que eu conce<strong>do</strong><br />
que para aviso d'outros estejais.<br />
Em quem, pois, vir<strong>de</strong>s falsas esperanças<br />
d'Amor e da Fortuna, cujos danos<br />
alguns terão por bem aventuranças,<br />
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dizei lhe que os servistes muitos anos,<br />
e que em Fortuna tu<strong>do</strong> são mudanças,<br />
e que em Amor não há senão enganos.<br />
Sustenta meu viver üa esperança<br />
<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um bem tão <strong>de</strong>seja<strong>do</strong><br />
que, quan<strong>do</strong> nela estou mais confia<strong>do</strong>,<br />
mor dúvida me põe qualquer mudança.<br />
E quan<strong>do</strong> inda este bem na mor pujança<br />
<strong>de</strong> seus gostos me tem mais enleva<strong>do</strong>,<br />
me atormenta então ver eu que, alcança<strong>do</strong><br />
será por quem <strong>de</strong> vós não tem lembrança.<br />
Assi, que nestas re<strong>de</strong>s enlaça<strong>do</strong>,<br />
a penas <strong>do</strong>u a vida , sustentan<strong>do</strong><br />
üa nova matéria a meu cuida<strong>do</strong> .<br />
Suspiros d'alma tristes arrancan<strong>do</strong>,<br />
<strong>do</strong>s silvos <strong>de</strong> ua pedra acompanha<strong>do</strong>,<br />
estou matérias tristes lamentan<strong>do</strong>.<br />
Tal mostra dá <strong>de</strong> si vossa figura,<br />
Sibela, clara luz da re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>za,<br />
que as forças e o po<strong>de</strong>r da natureza<br />
com sua clarida<strong>de</strong> mais apura.<br />
Quem viu üa confiança tão segura,<br />
tão singular esmalte da beleza,<br />
que não pa<strong>de</strong>ça mais, se ter <strong>de</strong>fesa<br />
contra vossa gentil vista procura?<br />
Eu, pois, por escusar essa esquivança,<br />
a razão sujeitei ao pensamento,<br />
que, rendida, os senti<strong>do</strong>s lhe entregaram.<br />
Se vos ofen<strong>de</strong> o meu atrevimento,<br />
inda po<strong>de</strong>is tomar nova vingança<br />
nas relíquias da vida, que escaparam.<br />
Tanto <strong>de</strong> meu esta<strong>do</strong> me acho incerto,<br />
que em vivo ar<strong>do</strong>r tremen<strong>do</strong> estou <strong>de</strong> frio;<br />
sem causa, juntamente choro e rio,<br />
o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> abarco e nada aperto.<br />
É tu<strong>do</strong> quanto sinto, um <strong>de</strong>sconcerto;<br />
da alma um fogo me sai, da vista um rio;<br />
agora espero, agora <strong>de</strong>sconfio,<br />
agora <strong>de</strong>svario, agora acerto.<br />
Estan<strong>do</strong> em terra, chego ao Céu voan<strong>do</strong>,<br />
num'hora acho mil anos, e é <strong>de</strong> jeito<br />
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que em mil anos não posso achar ü'hora.<br />
Se me pergunta alguém porque assi an<strong>do</strong>,<br />
respon<strong>do</strong> que não sei; porém suspeito<br />
que só porque vos vi, minha Senhora.<br />
Tempo é já que minha confiança<br />
se <strong>de</strong>sça <strong>de</strong> üa falsa opinião;<br />
mas Amor não se rege por razão;<br />
não posso per<strong>de</strong>r, logo, a esperança.<br />
A vida, si; que üa áspera mudança<br />
não <strong>de</strong>ixa viver tanto um coração.<br />
E eu na morte tenho a salvação?<br />
Si, mas quem a <strong>de</strong>seja não a alcança.<br />
Força<strong>do</strong> é logo que eu espere e viva.<br />
Ah! dura lei <strong>de</strong> Amor, que não consente<br />
quietação nüa alma que é cativa!<br />
Se hei <strong>de</strong> viver, enfim, forçadamente,<br />
para que quero a glória fugitiva<br />
<strong>de</strong> üa esperança vã que me atormente?<br />
To<strong>do</strong> o animal da calma repousava,<br />
só Liso o ar<strong>do</strong>r <strong>de</strong>la não sentia;<br />
que o repouso <strong>do</strong> fogo em que ardia<br />
consistia na Ninfa que buscava.<br />
Os montes parecia que abalava<br />
o triste som das mágoas que <strong>de</strong>zia;<br />
mas nada o duro peito comovia,<br />
que na vonta<strong>de</strong> d'outrem posto estava.<br />
Cansa<strong>do</strong> já <strong>de</strong> andar pela espessura,<br />
no tronco d'üa faia, por lembrança,<br />
escreveu estas palavras <strong>de</strong> tristeza:<br />
«Nunca ponha ninguém sua esperança<br />
em peito feminil, que, <strong>de</strong> natura,<br />
somente em ser mudável tem firmeza».<br />
Tomava Daliana por vingança<br />
da culpa <strong>do</strong> pastor que tanto amava,<br />
casar com Gil vaqueiro; e em si vingava<br />
o erro alheio e pérfida esquivança.<br />
A discrição segura, a confiança,<br />
as rosas que seu rosto <strong>de</strong>buxava,<br />
o <strong>de</strong>scontentamento lhas secava,<br />
que tu<strong>do</strong> muda üa áspera mudança.<br />
Gentil planta disposta em seca terra,<br />
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lin<strong>do</strong> fruito <strong>de</strong> dura mão colhi<strong>do</strong>,<br />
lembranças d'outro amor, e fé perjura,<br />
tornaram ver<strong>de</strong> pra<strong>do</strong> em dura serra;<br />
interesse enganoso, amor fingi<strong>do</strong>,<br />
fizeram <strong>de</strong>sditosa a fermosura.<br />
Tomou-me vossa vista soberana<br />
a<strong>do</strong>n<strong>de</strong> tinha armas mais à mão,<br />
por mostrar que quem busca <strong>de</strong>fensão<br />
contra esses belos olhos, que se engana.<br />
Por ficar da vitória mais ufana,<br />
<strong>de</strong>ixou-me armar primeiro da Razão;<br />
cui<strong>de</strong>i <strong>de</strong> me salvar, mas foi em vão,<br />
que contra o Céu não val <strong>de</strong>fensa humana.<br />
Mas porém se vos tinha prometi<strong>do</strong><br />
o vosso alto <strong>de</strong>stino esta vitória,<br />
ser-vos tu<strong>do</strong> bem pouco está sabi<strong>do</strong>.<br />
Que, posto que estivesse apercebi<strong>do</strong>,<br />
não levais <strong>de</strong> vencer-me gran<strong>de</strong> glória:<br />
maior a levo eu <strong>de</strong> ser venci<strong>do</strong>.<br />
Transforma se o ama<strong>do</strong>r na cousa amada,<br />
por virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> muito imaginar;<br />
não tenho, logo, mais que <strong>de</strong>sejar,<br />
pois em mim tenho a parte <strong>de</strong>sejada.<br />
Se nela está minha alma transformada,<br />
que mais <strong>de</strong>seja o corpo <strong>de</strong> alcançar?<br />
Em si sòmente po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar,<br />
pois consigo tal alma está liada.<br />
Mas esta linda e pura semi<strong>de</strong>ia,<br />
que, como um aci<strong>de</strong>nte em seu sujeito,<br />
assi co a alma minha se conforma,<br />
está no pensamento como i<strong>de</strong>ia:<br />
[e] o vivo e puro amor <strong>de</strong> que sou feito,<br />
como a matéria simples busca a forma.<br />
Um mover d'olhos, bran<strong>do</strong> e pia<strong>do</strong>so,<br />
sem ver <strong>de</strong> quê; um riso bran<strong>do</strong> e honesto,<br />
quase força<strong>do</strong>; um <strong>do</strong>ce e humil<strong>de</strong> gesto,<br />
<strong>de</strong> qualquer alegria duvi<strong>do</strong>so;<br />
um <strong>de</strong>spejo quieto e vergonhoso;<br />
um repouso gravíssimo e mo<strong>de</strong>sto;<br />
üa pura bonda<strong>de</strong>, manifesto<br />
indício da alma, limpo e gracioso;<br />
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um encolhi<strong>do</strong> ousar; üa brandura;<br />
um me<strong>do</strong> sem ter culpa; um ar sereno;<br />
um longo e obediente sofrimento;<br />
esta foi a celeste fermosura<br />
da minha Circe, e o mágico veneno<br />
que pô<strong>de</strong> transformar meu pensamento.<br />
Venci<strong>do</strong> está <strong>de</strong> Amor<br />
o mais que po<strong>de</strong><br />
sujeita a vos servir<br />
oferecen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong><br />
Contente <strong>de</strong>ste bem,<br />
ou hora em que se viu<br />
mil vezes <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong><br />
outra vez renovar<br />
Com essa pretensão<br />
a causa que me guia<br />
tão estranha, tão <strong>do</strong>ce,<br />
Juran<strong>do</strong> não seguir<br />
votan<strong>do</strong> só por vós<br />
ou ser no vosso amor<br />
Verda<strong>de</strong>, Amor, Razão, Merecimento,<br />
qualquer alma farão segura e forte;<br />
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,<br />
têm <strong>do</strong> confuso mun<strong>do</strong> o regimento.<br />
Efeitos mil revolve o pensamento<br />
e nao sa ~e a que causa se reporte;<br />
mas sabe que o que é mais que vida e morte,<br />
que não o alcança humano entendimento.<br />
Doctos varões darão razões subidas,<br />
mas são experiências mais provadas,<br />
e por isso é melhor ter muito visto.<br />
Cousas há i que passam sem ser cridas<br />
e cousas cridas há sem ser passadas,<br />
mas o melhor <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é crer em Cristo.<br />
A D. Leonis Pereira<br />
Vós, Ninfas da gangética espessura,<br />
cantai suavemente, em vez sonora,<br />
145<br />
meu pensamento<br />
vencida a vida,<br />
instituída,<br />
a vosso intento.<br />
louva o momento,<br />
tão bem perdida;<br />
a tal ferida,<br />
seu perdimento.<br />
está segura<br />
nesta empresa,<br />
honrosa e alta.<br />
outra ventura,<br />
rara firmeza,<br />
acha<strong>do</strong> em falta.<br />
166<br />
163
um gran<strong>de</strong> Capitão, que a roxa Aurora<br />
<strong>do</strong>s filhos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u da noite escura.<br />
Ajuntou-se a caterva negra e dura,<br />
que na Áurea Quersoneso afouta mora,<br />
para lançar <strong>do</strong> caro ninho fora<br />
aqueles que mais po<strong>de</strong>m que a ventura.<br />
Mas um forte Leão, com pouca gente,<br />
a multidão tão fera como nécia<br />
<strong>de</strong>struin<strong>do</strong> castiga e torna fraca.<br />
Pois, ó Ninfas, cantai! que claramente<br />
mais <strong>do</strong> que Leonidas fez em Grécia,<br />
o nobre Leonis fez em Malaca.<br />
Vós outros, que buscais repouso certo<br />
na vida, com diversos exercícios;<br />
a quem, ven<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> os benefícios,<br />
o regimento seu está encoberto;<br />
<strong>de</strong>dicai, se quereis, ao <strong>de</strong>sconcerto<br />
novas hontas e cegos sacrifícios;<br />
que, por castigo igual <strong>de</strong> antigos vícios,<br />
quer Deus que an<strong>de</strong>m as cousas por acerto.<br />
Não caiu neste mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> castigo<br />
quem pôs culpa à Fortuna, quem sòmente<br />
crê que acontecimentos há no mun<strong>do</strong>.<br />
A gran<strong>de</strong> experiência é grão perigo;<br />
mas o que a Deus é justo e evi<strong>de</strong>nte<br />
parece injusto aos homens e profun<strong>do</strong>.<br />
Vós que, d'olhos suaves e serenos,<br />
com justa causa a vida cativais,<br />
e que os outros cuida<strong>do</strong>s con<strong>de</strong>nais<br />
por in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s, baixos e pequenos;<br />
se ainda <strong>do</strong> Amor <strong>do</strong>mésticos venenos<br />
nunca provastes, quero que saibais<br />
que é tanto mais o amor <strong>de</strong>spois que amais, quanto são mais as causas <strong>de</strong> ser menos.<br />
E não cui<strong>de</strong> ninguém que algum <strong>de</strong>feito,<br />
quan<strong>do</strong> na cousa amada s'apresenta,<br />
possa <strong>de</strong>minuir o amor perfeito;<br />
antes o <strong>do</strong>bra mais; e se atormenta,<br />
pouco e pouco o <strong>de</strong>sculpa o bran<strong>do</strong> peito;<br />
que Amor com seus contrairos s'acrescenta.<br />
Vossos olhos, Senhora, que competem<br />
co Sol em fermosura e clarida<strong>de</strong>,<br />
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032<br />
012
enchem os meus <strong>de</strong> tal suavida<strong>de</strong><br />
que em lágrimas, <strong>de</strong> vê-los, se <strong>de</strong>rretem.<br />
Meus senti<strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s se sometem<br />
assi cegos a tanta majesta<strong>de</strong>;<br />
e da triste prisão, da escurida<strong>de</strong>,<br />
cheios <strong>de</strong> me<strong>do</strong>, por fugir remetem.<br />
Mas se nisto me ve<strong>de</strong>s por acerto,<br />
o áspero <strong>de</strong>sprezo com que olhais<br />
torna a espertar a alma enfraquecida.<br />
Ó gentil cura e estranho <strong>de</strong>sconcerto!<br />
Que fará o favor que vós não dais,<br />
quan<strong>do</strong> o vosso <strong>de</strong>sprezo torna a vida?<br />
FIM