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Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

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<strong>Sonetos</strong>, <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />

<strong>Texto</strong>-<strong>base</strong>:<br />

CAMÕES, <strong>Luís</strong> Vaz <strong>de</strong>. Os Lusíadas <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>Camões</strong>. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão.<br />

<strong>Texto</strong> proveniente <strong>de</strong>:<br />

Biblioteca Virtual <strong>do</strong> <strong>Estudante</strong> <strong>de</strong> Língua Portuguesa <br />

A Escola <strong>do</strong> Futuro da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Permiti<strong>do</strong> o uso apenas para fins educacionais.<br />

<strong>Texto</strong>-<strong>base</strong> digitaliza<strong>do</strong> por:<br />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)<br />

IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro (http://www.ibl.pt)<br />

Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/in<strong>de</strong>x.html<br />

Agra<strong>de</strong>cimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, her<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> Dr. Álvaro<br />

Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da obra-<strong>base</strong>), que gentilmente autorizou-nos a<br />

publicação <strong>de</strong>sta obra.<br />

Este material po<strong>de</strong> ser redistribuí<strong>do</strong> livremente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja altera<strong>do</strong>, e que as informações acima sejam<br />

mantidas. Para maiores informações, escreva para .<br />

Estamos em busca <strong>de</strong> patrocina<strong>do</strong>res e voluntários para nos ajudar a manter este projeto. Se você quiser ajudar <strong>de</strong><br />

alguma forma, man<strong>de</strong> um e-mail para ou .<br />

SONETOS<br />

<strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />

A fermosura <strong>de</strong>sta fresca serra (1668 - soneto 136)<br />

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fa<strong>do</strong>s! (1685-1668 - soneto 114)<br />

Ah! Minha Dinamene! Assi <strong>de</strong>ixaste (1685-1668 - soneto 101)<br />

Alegres campos, ver<strong>de</strong>s arvore<strong>do</strong>s (1595 - soneto 013)<br />

Alma minha gentil, que te partiste (1595 - soneto 080)<br />

Amor, co a esperança perdida (1595 - soneto 083)<br />

Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver (soneto 005)<br />

Amor, que o gesto humano n'alma escreve (1598 - soneto 042)<br />

A morte, que da vida o no <strong>de</strong>sata (1616 - soneto 058)<br />

Apartava-se Nise <strong>de</strong> Montano (1595 - soneto 068)<br />

Apolo e as nove Musas, discantan<strong>do</strong> (1595 - soneto 051)<br />

Aquela fera humana, que enriquece (1598 - soneto 041)<br />

Aquela que, <strong>de</strong> pura castida<strong>de</strong> (1598 - soneto 098)<br />

Aquela triste e leda madrugada (1595 - soneto 091)<br />

Aqueles claros olhos que choran<strong>do</strong>(1860 - soneto 116)<br />

Árvore, cujo pomo, belo e bran<strong>do</strong> (1616 - soneto 038)<br />

A sepultura <strong>de</strong>l-Rei <strong>do</strong>m João Terceiro (soneto 160)<br />

*A ti, Senhor, a quem as sacras Musas (soneto 001)<br />

Bem sei, Amor, que é certo o quereceio (1598 - soneto 096)<br />

Busque Amor novas artes, novo engenho (l595 - soneto 003)<br />

Cá nesta Babilônia? <strong>do</strong>n<strong>de</strong> mana (1616 - soneto 120)<br />

Cantan<strong>do</strong> estava um dia bem seguro (1616 - soneto 103)


Cara minha inimiga, em cuja mão (1595 - soneto 086)<br />

Chorai, Ninfas, os fa<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos (1668 - soneto 159)<br />

Como fizeste, Pórcia, tal ferida? (1595 - soneto 071)<br />

Como quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar tempestuoso (1598 - soneto 043)<br />

Correm turvas as águas <strong>de</strong>ste rio (1616 - soneto 104)<br />

Conversação <strong>do</strong>méstica afeiçoa (1598 - soneto 093)<br />

Dai-me üa lei, Senhora, <strong>de</strong> querer-vos (1595 - soneto 052)<br />

Debaixo <strong>de</strong>sta pedra esta meti<strong>do</strong> (1595 - soneto 150)<br />

Depois que quis Amor que eu só passasse (1598 - soneto 094)<br />

Despois que viu Cibele o corpo humano (1616 – soneto 152)<br />

De tão divino acento e voz humana (1595 - soneto 153)<br />

De um tão felice engenho produzi<strong>do</strong> (1668 - soneto 151)<br />

De vos me aparto, ó vida! Em tal mudança (1595 - soneto 057)<br />

"Diana prateada, esclarecia (1668 - soneto 137)<br />

Ditoso seja aquele que somente (1598 - soneto 044)<br />

Diversos <strong>do</strong>es reparte o Céu benino (1616 - soneto 056)<br />

Dizei, Senhora, da beleza i<strong>de</strong>ia (1668 - soneto 121)<br />

Doce contentamento já passa<strong>do</strong> (1663 - soneto 122)<br />

Doce sonho, suave e soberano (1668 - soneto 123)<br />

Doces águas e claras <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go (1616 - soneto 006)<br />

Doces lembranças da passada gloria (1595 - soneto 082)<br />

Dos ilustres antigos que <strong>de</strong>ixaram (1598 - soneto 154)<br />

El vaso reluciente y cristalino (1668)<br />

Em fermosa Leteia se confia (1595 - soneto 072)<br />

Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida(1595 - soneto 149)<br />

Em prisões baixas fui um tempo ata<strong>do</strong> (1598 - soneto 085)<br />

Enquanto FeLo os montes acendia (1668 - soneto 124)<br />

Enquanto quis Fortuna que tivesse (1595 - soneto 001)<br />

Erros meus, ma fortuna, amor ar<strong>de</strong>nte (1 616 - soneto 108)<br />

Esforço gran<strong>de</strong>, igual ao pensamento (1598 - soneto 155)<br />

Esta lascivo e <strong>do</strong>ce passarinho (1595 - soneto 014)<br />

Estâ-se a Primavera trasladan<strong>do</strong> (1595 - soneto 024)<br />

Este amor que vos tenho, limpo e puro(1668 - soneto 125)<br />

Este amor que vos tenho, limpo e puro(1668 - soneto 125)<br />

Eu cantarei <strong>de</strong> amor tao <strong>do</strong>cemente (1595 - soneto 109)<br />

* Eu cantei la, e agora vou choran<strong>do</strong> (1616 - soneto 000)<br />

Eu vivia <strong>de</strong> lagrimas isento (1668 - soneto 111)<br />

Feri<strong>do</strong> sem ter cura parecia (1598 - soneto 065)<br />

Fermosos olhos, que na ida<strong>de</strong> nossa (1595 - soneto 091)<br />

Fiou-se o coração, <strong>de</strong> muito isento (1598 - soneto 066)<br />

Foi já; num tempo <strong>do</strong>ce cousa amar (1598 - soneto 087)<br />

Fortuna em mim guardan<strong>do</strong> seu direito (1685-1668 - soneto 126)<br />

Grão tempo ha já que soube da Ventura (1595 - soneto 026)<br />

Ilustre o dino ramo <strong>do</strong>s Meneses (1598 - soneto 162)<br />

In<strong>do</strong> o triste pastor to<strong>do</strong> embebi<strong>do</strong> (1668 - soneto 112)<br />

Já a sau<strong>do</strong>sa Aurora <strong>de</strong>stoucava (1598 - soneto 078)<br />

Já não sinto, Senhora, os <strong>de</strong>senganou (1668 - soneto 127)


Julga-me a gente toda por perdi<strong>do</strong> (1616 - soneto 105)<br />

Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa (1598 - soneto 045)<br />

Lembranças que lembrais o meu bem passa<strong>do</strong>(1685-1668 - soneto 113)<br />

Lembranças sau<strong>do</strong>sos, se cuidais (1595 - soneto 015)<br />

Lin<strong>do</strong> e sutil tranca<strong>do</strong>, que ficaste (1595 - soneto 023)<br />

Males, que contra mim vos con jurastes (1595 - soneto 084)<br />

Memória <strong>de</strong> meu bem, corta<strong>do</strong> em flores (1860 - soneto 128)<br />

Mudam-se os tempos, mudam-se as vonta<strong>de</strong>s (1595 - soneto 092)<br />

Na <strong>de</strong>sesperação já repousava (1616 - soneto 110)<br />

Náia<strong>de</strong>s, vos, que os rios habitais (1595 - soneto 073)<br />

Na meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> C&eacute;u subi<strong>do</strong> ardia (1598 - soneto 077)<br />

Não passes, caminhante! Quem me chama (1595 - soneto 156)<br />

No mun<strong>do</strong> poucos anos, e cansa<strong>do</strong>s (1598 - soneto 57)<br />

No mun<strong>do</strong> quis um tempo que se achasse (1598 - soneto 046)<br />

No tempo que <strong>de</strong> Amor viver soía (1598 - soneto 099)<br />

Num bosque que <strong>do</strong>s Ninfas se habitava (1595 - soneto 074)<br />

Num jardim a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> <strong>de</strong> verdura (1595 - soneto 022)<br />

Num tão alto lugar, <strong>de</strong> tanto preço (1668 - soneto 130)<br />

O Céu, a terra, o vento sossega<strong>do</strong> (1616 - soneto 106)<br />

* O cisne, quan<strong>do</strong> sente ser chegada (1595 - soneto 000)<br />

Oh como se me alonga, <strong>de</strong> ano em ano (soneto 025)<br />

O culto divinal se celebrava (1598 - soneto 039)<br />

O dia em que eu nasci, moura e pereça (1860 - v)<br />

O filho <strong>de</strong> Latona esclareci<strong>do</strong> (1616 - soneto 079)<br />

O fogo que na branda cera ardia (1595 - soneto 007)<br />

Olhos fermosos, em quem quis Natura (1668 - soneto 132)<br />

Onda<strong>do</strong>s fios d'ouro reluzente (1598 - soneto 095)<br />

Óh quão caro me custa o enten<strong>de</strong>r-te (1598 - soneto 047)<br />

O raio cristalino s'estendia (1598 - soneto 067)<br />

Os reinos e os impérios po<strong>de</strong>rosos (1595 - soneto 161)<br />

Os vesti<strong>do</strong>s Elisa revolvia (1598 - soneto 064)<br />

O tempo acaba o ano, o mês e a hora (1668 - soneto 133)<br />

Passo por meus trabalhos tão isento(1595 - soneto 021)<br />

Pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo, Dama, que vos veja (1595 - soneto 008)<br />

Pelos extremos raros que mostrou (1595 - soneto 076)<br />

Pensamentos, que agora novamente (1598 - soneto 031)<br />

Pois meus olhos não cansam <strong>de</strong> chorar (1595 - soneto 089)<br />

Por cima <strong>de</strong>stas águas, forte e firme (1616 - soneto 037)<br />

Porque quereis, Senhora, que ofereça (1595 - soneto 027)<br />

Por sua Ninfa, Céfalo <strong>de</strong>ixava (1616 - soneto 062)<br />

Posto me tem Fortuna em tal esta<strong>do</strong> (1668 – soneto 134)<br />

Presença bela, angélica figura (1616 - soneto 036)<br />

Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes (1685-1668 - soneto 147)<br />

Quan<strong>do</strong> a suprema <strong>do</strong>r muito me aperta (1685-1668 - soneto 138)<br />

Quan<strong>do</strong> cui<strong>do</strong> no tempo que, contente (1668 - soneto 117)<br />

Quan<strong>do</strong> da bela vista e <strong>do</strong>ce riso (1595 - soneto 009)<br />

Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida (soneto 100)


Quan<strong>do</strong> o sol encoberto vai mostran<strong>do</strong> (1595- soneto 018)<br />

Quan<strong>do</strong>, Senhora, quis Amor que amasse (1668 - soneto 139)<br />

Quan<strong>do</strong> se vir com água o fogo ar<strong>de</strong>r (1 685-1668 - soneto 135)<br />

Quan<strong>do</strong> vejo que meu <strong>de</strong>stino or<strong>de</strong>na (1595 - soneto 028)<br />

Quantas vezes <strong>do</strong> fuso s'esquecia (1595 - soneto 070)<br />

- Que levas, cruel Morte? - Um claro dia (1598 - soneto 158)<br />

Que me quereis, perpétuas sauda<strong>de</strong>s (1598 - soneto 107)<br />

Quem fosse acompanhan<strong>do</strong> juntamente (soneto 102)<br />

* - Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>s creve (1595 - soneto 000)<br />

Que mo<strong>do</strong> tão sutil da natureza (1616 - soneto 035)<br />

Quem po<strong>de</strong> livre ser, gentil Senhora (1595 - soneto 010)<br />

Quem presumir, Senhora, <strong>de</strong> louvar-vos (1685-1668 - soneto 141)<br />

Quem quiser ver d’amor üa excelência (1598 - soneto 048)<br />

Quem vê Senhora, claro e manifesto (1595 - soneto 017)<br />

Quem vos levou <strong>de</strong> mim, sau<strong>do</strong>so esta<strong>do</strong> (1668 - soneto 118)<br />

Que po<strong>de</strong> já fazer minha ventura (1668 - soneto 140)<br />

Que po<strong>de</strong>rei <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já querer (1598 - soneto 088)<br />

Que vençais no Oriente tantos teis (1595 - soneto 164)<br />

Se a Fortuna inquieta e mal olhada (1668 - soneto 148)<br />

Se algüa hora em vos a pieda<strong>de</strong> (1595 - soneto 029)<br />

Se as penas com que Amor tão mal me trata (1595 - soneto 016)<br />

Se, <strong>de</strong>spois d'esperança tão perdida (1598 - soneto 049)<br />

Se <strong>de</strong> vosso fermoso e lin<strong>do</strong> gesto (1668 - soneto 142)<br />

Seguia aquele fogo, que o guiava (1616 - soneto 061)<br />

Sempre a Razão vencida foi <strong>de</strong> Amor (1616 - soneto 055)<br />

Sempre, cruel Senhora, receei (1668 - soneto 143).<br />

Senhor João Lopes, o meu baixo esta<strong>do</strong> (1616 - soneto 050)<br />

Senhora já <strong>de</strong>st'alma, per<strong>do</strong>ai (1668 - soneto 119)<br />

Sentin<strong>do</strong>-se tomada a bela esposa (1616 - soneto 063)<br />

Se pena por amar-vos se merece (1598 - soneto 034)<br />

Se tanta pena tenho merecida (1595 - soneto 053)<br />

Sete anos <strong>de</strong> pastor Jacob servia (1595 - soneto 030)<br />

Se tomar minha pena em penitência (1598 - soneto 033)<br />

Suspiros inflama<strong>do</strong>s, que cantais (1598 - soneto 059)<br />

Sustenta meu viver ua esperança (1668 - soneto 144)<br />

Tal mostra dá <strong>de</strong> si vossa figura (1616 - soneto 075)<br />

Tanto <strong>de</strong> meu esta<strong>do</strong> me acho incerto (1595 - soneto 004)<br />

Tempo é já que minha confiança (1595 - soneto 019)<br />

To<strong>do</strong> o animal da calma repousava (1595 - soneto 060)<br />

Tomava Daliana por vingança (1595 - soneto 069)<br />

Tomou-me vossa vista soberana (1595 - soneto 011)<br />

Transforma-se o ama<strong>do</strong>r na cousa amada (1595 - soneto 020)<br />

Um mover d'ollos, bran<strong>do</strong> e pia<strong>do</strong>so (1595 - soneto 090)<br />

Venci<strong>do</strong> está <strong>de</strong> amor meu pensamento (1685-1668 - soneto 145)<br />

Verda<strong>de</strong>, Amor, Razão, Merecimento (1598 - soneto 166)<br />

Vôs, Ninfas da gang&eacute;tica espessura (1598 - soneto 163)<br />

Vôs outros, que buscais repouso certo (1616 - soneto 165)<br />

Vôs, que d'olhos suaves e serenos (1598 - soneto 032)


Vossos olhos, Senhora, que competem (1595 - soneto 012)<br />

A fermosura fresca serra,<br />

e a sombra <strong>do</strong>s ver<strong>de</strong>s castanheiros,<br />

o manso caminhar <strong>de</strong>stes ribeiros,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> toda a tristeza se <strong>de</strong>sterra;<br />

o rouco som <strong>do</strong> mar, a estranha terra,<br />

o escon<strong>de</strong>r <strong>do</strong> sol pelos outeiros,<br />

o recolher <strong>do</strong>s ga<strong>do</strong>s <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros,<br />

das nuvens pelo ar a branda guerra;<br />

enfim, tu<strong>do</strong> o que a rara natureza<br />

com tanta varieda<strong>de</strong> nos ofrece,<br />

me está (se não te vejo) magoan<strong>do</strong>.<br />

Sem ti, tu<strong>do</strong> me enoja e me aborrece;<br />

sem ti, perpetuamente estou passan<strong>do</strong><br />

nas mores alegrias, mor tristeza.<br />

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fa<strong>do</strong>s!<br />

Quão asinha em meu dano vos mudastes!<br />

Passou o tempo que me <strong>de</strong>scansastes,<br />

agora <strong>de</strong>scansais com meus cuida<strong>do</strong>s.<br />

Deixastes-me sentir os bens passa<strong>do</strong>s,<br />

para mor <strong>do</strong>r da <strong>do</strong>r que me or<strong>de</strong>nastes;<br />

então nü'hora juntos mos levastes,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> em seu lugar males <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s.<br />

Ah! quanto milhor fora não vos ver,<br />

gostos, que assi passais tão <strong>de</strong> corrida,<br />

que fico duvi<strong>do</strong>so se vos vi:<br />

sem vós já me não fica que per<strong>de</strong>r,<br />

se não se for esta cansada vida,<br />

que por mor perda minha não perdi.<br />

Ah! minha Dinamene! Assi <strong>de</strong>ixaste<br />

quem não <strong>de</strong>ixara nunca <strong>de</strong> querer-te?<br />

Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,<br />

tão asinha esta vida <strong>de</strong>sprezaste!<br />

Como já para sempre te apartaste<br />

<strong>de</strong> quem tão longe estava <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-te?<br />

Pu<strong>de</strong>ram estas ondas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-te,<br />

que não visses quem tanto magoaste?<br />

Nem falar-te somente a dura morte<br />

me <strong>de</strong>ixou, que tão ce<strong>do</strong> o negro manto<br />

em teus olhos <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> consentiste!<br />

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!<br />

136<br />

114<br />

101


Que pena sentirei, que valha tanto,<br />

que inda tenho por pouco o viver triste?<br />

Alegres campos, ver<strong>de</strong>s arvore<strong>do</strong>s,<br />

claras e frescas águas <strong>de</strong> cristal,<br />

que em vós os <strong>de</strong>buxais ao natural,<br />

discorren<strong>do</strong> da altura <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s;<br />

Silvestres montes, ásperos pene<strong>do</strong>s,<br />

compostos em concerto <strong>de</strong>sigual,<br />

sabei que, sem licença <strong>de</strong> meu mal,<br />

já não po<strong>de</strong>is fazer meus olhos le<strong>do</strong>s.<br />

E, pois me já não ve<strong>de</strong>s como vistes,<br />

não me alegrem verduras <strong>de</strong>leitosas,<br />

nem águas que corren<strong>do</strong> alegres vêm.<br />

Semearei em vós lembranças tristes,<br />

regan<strong>do</strong>-vos com lágrimas sau<strong>do</strong>sas,<br />

e nascerão sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> meu bem.<br />

Alma minha gentil, que te partiste<br />

tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta vida <strong>de</strong>scontente,<br />

repousa lá no Céu eternamente,<br />

e viva eu cá na terra sempre triste.<br />

Se lá no assento etéreo, on<strong>de</strong> subiste,<br />

memória <strong>de</strong>sta vida se consente,<br />

não te esqueças daquele amor ar<strong>de</strong>nte<br />

que já nos olhos meus tão puro viste.<br />

E se vires que po<strong>de</strong> merecer te<br />

algüa causa a <strong>do</strong>r que me ficou<br />

da mágoa, sem remédio, <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r te,<br />

roga a Deus, que teus anos encurtou,<br />

que tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> cá me leve a ver te,<br />

quão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> meus olhos te levou.<br />

Amor, co a esperança já perdida,<br />

teu soberano templo visitei;<br />

por sinal <strong>do</strong> naufrágio que passei,<br />

em lugar <strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s, pus a vida.<br />

Que queres mais <strong>de</strong> mim, que <strong>de</strong>struída<br />

me tens a glória toda que alcancei?<br />

Não cui<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forçar me, que não sei<br />

tornar a entrar on<strong>de</strong> não há saída.<br />

Vês aqui alma, vida e esperança,<br />

<strong>de</strong>spojos <strong>do</strong>ces <strong>de</strong> meu bem passa<strong>do</strong>,<br />

enquanto quis aquela que eu a<strong>do</strong>ro:<br />

013<br />

080<br />

083


nelas po<strong>de</strong>s tomar <strong>de</strong> mim vingança;<br />

e se inda não estás <strong>de</strong> mim vinga<strong>do</strong>,<br />

contenta te com as lágrimas que choro.<br />

Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver,<br />

é ferida que dói, e não se sente;<br />

é um contentamento <strong>de</strong>scontente,<br />

é <strong>do</strong>r que <strong>de</strong>satina sem <strong>do</strong>er.<br />

É um não querer mais que bem querer;<br />

é um andar solitário entre a gente;<br />

é nunca contentar se <strong>de</strong> contente;<br />

é um cuidar que ganha em se per<strong>de</strong>r.<br />

É querer estar preso por vonta<strong>de</strong>;<br />

é servir a quem vence, o vence<strong>do</strong>r;<br />

é ter com quem nos mata, lealda<strong>de</strong>.<br />

Mas como causar po<strong>de</strong> seu favor<br />

nos corações humanos amiza<strong>de</strong>,<br />

se tão contrário a si é o mesmo Amor?<br />

Amor, que o gesto humano n'alma escreve,<br />

vivas faíscas me mostrou um dia,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> um puro cristal se <strong>de</strong>rretia<br />

por entre vivas rosas e alva neve.<br />

A vista, que em si mesma não se atreve,<br />

por se certificar <strong>do</strong> que ali via,<br />

foi convertida em fonte, que fazia<br />

a <strong>do</strong>r ao sofrimento <strong>do</strong>ce e leve.<br />

Jura Amor que brandura <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />

causa o primeiro efeito; o pensamento<br />

en<strong>do</strong>u<strong>de</strong>ce, se cuida que é verda<strong>de</strong>.<br />

Olhai como Amor gera num momento,<br />

<strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong> honesta pieda<strong>de</strong><br />

lágrimas <strong>de</strong> imortal contentamento.<br />

A Morte, que da vida o nó <strong>de</strong>sata,<br />

os nós, que dá o Amor, cortar quisera<br />

na Ausência, que é contr' ele espada fera,<br />

e co Tempo, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sbarata.<br />

Duas contrárias, que üa a outra mata,<br />

a Morte contra o Amor ajunta e altera:<br />

üa é Razão contra a Fortuna austera,<br />

outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.<br />

Mas mostre a sua imperial potência<br />

a Morte em apartar dum corpo a alma,<br />

005<br />

042<br />

058


duas num corpo o Amor ajunte e una;<br />

porque assi leve triunfante a palma,<br />

Amor da Morte, apesar da Ausência,<br />

<strong>do</strong> Tempo, da Razão e da Fortuna.<br />

Apartava se Nise <strong>de</strong> Montano,<br />

em cuja alma partin<strong>do</strong> se ficava;<br />

que o pastor na memória a <strong>de</strong>buxava,<br />

por po<strong>de</strong>r sustentar se <strong>de</strong>ste engano.<br />

Pelas praias <strong>do</strong> Índico Oceano<br />

sobre o curvo caja<strong>do</strong> s'encostava,<br />

e os olhos pelas águas alongava,<br />

que pouco se <strong>do</strong>íam <strong>de</strong> seu dano.<br />

Pois com tamanha mágoa e sauda<strong>de</strong><br />

(<strong>de</strong>zia) quis <strong>de</strong>ixar me a que eu a<strong>do</strong>ro,<br />

por testemunhas tomo Céu e estrelas.<br />

Mas se em vós, ondas, mora pieda<strong>de</strong>,<br />

levai também as lágrimas que choro,<br />

pois assi me levais a causa <strong>de</strong>las!<br />

Apolo e as nove Musas, discantan<strong>do</strong><br />

com a <strong>do</strong>urada lira, me influíam<br />

na suave harmonia que faziam,<br />

quan<strong>do</strong> tomei a pena, começan<strong>do</strong>:<br />

— Ditoso seja o dia e hora, quan<strong>do</strong><br />

tão <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s olhos me feriam!<br />

Ditosos os senti<strong>do</strong>s que sentiam<br />

estar se em seu <strong>de</strong>sejo traspassan<strong>do</strong>!<br />

Assi cantava, quan<strong>do</strong> Amor virou<br />

a roda à esperança, que corria<br />

tão ligeira que quase era invisível.<br />

Converteu se me em noite o claro dia;<br />

e, se algüa esperança me ficou,<br />

será <strong>de</strong> maior mal, se for possível.<br />

Aquela fera humana que enriquece<br />

sua presuntuosa tirania<br />

<strong>de</strong>stas minhas entranhas, on<strong>de</strong> cria<br />

Amor um mal que falta quan<strong>do</strong> crece;<br />

Se nela o Céu mostrou (como parece)<br />

quanto mostrar ao mun<strong>do</strong> pretendia,<br />

porque <strong>de</strong> minha vida se injuria?<br />

Porque <strong>de</strong> minha morte s'enobrece?<br />

Ora, enfim, sublimai vossa vitória,<br />

068<br />

051<br />

041


Senhora, com vencer me e cativar me:<br />

fazei disto no mun<strong>do</strong> larga história.<br />

Que, por mais que vos veja maltratar me,<br />

já me fico logran<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta glória<br />

<strong>de</strong> ver que ten<strong>de</strong>s tanta <strong>de</strong> matar me.<br />

Aquela que, <strong>de</strong> pura castida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> si mesma tomou cruel vingança<br />

por üa breve e súbita mudança,<br />

contrária a sua honra e qualida<strong>de</strong><br />

(venceu à fermosura a honestida<strong>de</strong>,<br />

venceu no fim da vida a esperança<br />

porque ficasse viva tal lembrança,<br />

tal amor, tanta fé, tanta verda<strong>de</strong>!),<br />

<strong>de</strong> si, da gente e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> esquecida,<br />

feriu com duro ferro o bran<strong>do</strong> peito,<br />

banhan<strong>do</strong> em sangue a força <strong>do</strong> tirano.<br />

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !<br />

Que, dan<strong>do</strong> breve morte ao corpo humano,<br />

tenha sua memória larga vida!<br />

Fermosos olhos que na ida<strong>de</strong> nossa<br />

mostrais <strong>do</strong> Céu certissimos sinais,<br />

se quereis conhecer quanto possais,<br />

olhai me a mim, que sou feitura vossa.<br />

Vereis que <strong>de</strong> viver me <strong>de</strong>sapossa<br />

aquele riso com que a vida dais;<br />

vereis como <strong>de</strong> Amor não quero mais,<br />

por mais que o tempo corra e o dano possa.<br />

E se <strong>de</strong>ntro nest'alma ver quiser<strong>de</strong>s,<br />

como num claro espelho, ali vereis<br />

também a vossa, angélica e serena.<br />

Mas eu cui<strong>do</strong> que só por não me ver<strong>de</strong>s,<br />

ver vos em mim, Senhora, não quereis:<br />

tanto gosto levais <strong>de</strong> minha pena!<br />

Aqueles claros olhos que choran<strong>do</strong><br />

ficavam quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>les me partia,<br />

agora que farão? Quem mo diria?<br />

Se porventura estarão em mim cuidan<strong>do</strong>?<br />

Se terão na memória, como ou quan<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>les me vim tão longe <strong>de</strong> alegria?<br />

Ou s'estarão aquele alegre dia<br />

que torne a vê-los, n'alma figuran<strong>do</strong>?<br />

098<br />

091<br />

116


Se contarão as horas e os momentos?<br />

Se acharão num momento muitos anos?<br />

Se falarão co as aves e cos ventos?<br />

Oh! bem-aventura<strong>do</strong>s fingimentos,<br />

que, nesta ausência, tão <strong>do</strong>ces enganos<br />

sabeis fazer aos tristes pensamentos!<br />

Arvore, cujo pomo, belo e bran<strong>do</strong>,<br />

natureza <strong>de</strong> leite e sangue pinta,<br />

on<strong>de</strong> a pureza, <strong>de</strong> vergonha tinta,<br />

está virgíneas faces imitan<strong>do</strong>;<br />

nunca da ira e <strong>do</strong> vento, que arrancan<strong>do</strong><br />

os troncos vão, o teu injúria sinta;<br />

nem por malícia <strong>de</strong> ar te seja extinta<br />

a cor, que está teu fruto <strong>de</strong>buxan<strong>do</strong>;<br />

que, pois me emprestas <strong>do</strong>ce e idóneo abrigo<br />

a meu contentamento, e favoreces<br />

com teu suave cheiro minha glória,<br />

se não te celebrar como mereces,<br />

cantan<strong>do</strong> te, sequer farei contigo<br />

<strong>do</strong>ce, nos casos tristes, a memória.<br />

Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>screve<br />

tão ilustres sinais no forte escu<strong>do</strong>?<br />

- Ninguém; que nisso, enfim, se toma tu<strong>do</strong><br />

mas foi quem tu<strong>do</strong> pô<strong>de</strong> e tu<strong>do</strong> teve.<br />

Foi Rei?- Fez tu<strong>do</strong> quanto a Rei se <strong>de</strong>ve;<br />

pôs na guerra e na paz <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>;<br />

mas quão pesa<strong>do</strong> foi ao Mouro ru<strong>do</strong><br />

tanto lhe seja agora a terra leve.<br />

Alexandre será?- Ninguém se engane;<br />

que sustentar, mais que adquirir se estima.<br />

- Será Adriano, grão senhor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>?<br />

Mais observante foi da Lei <strong>de</strong> cima.<br />

- E Numa?- Numa, não; mas é Joane:<br />

<strong>de</strong> Portugal terceiro, sem segun<strong>do</strong>.<br />

038<br />

160<br />

À sepultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>l-Rei <strong>do</strong>m João Terceiro<br />

*001<br />

A ti, Senhor, a quem as sacras musas<br />

Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />

<br />

que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.


Bem sei, Amor, que é certo o que receio;<br />

mas tu, porque com isso mais te apuras,<br />

<strong>de</strong> manhoso mo negas, e mo juras<br />

no teu <strong>do</strong>ura<strong>do</strong> arco; e eu to creio.<br />

A mão tenho metida no teu seio,<br />

e não vejo meus danos às escuras;<br />

e tu contu<strong>do</strong> tanto me asseguras,<br />

que me digo que minto, e que me enleio.<br />

Não somente consinto neste engano,<br />

mas inda to agra<strong>de</strong>ço, e a mim me nego<br />

tu<strong>do</strong> o que vejo e sinto <strong>de</strong> meu dano.<br />

Oh! po<strong>de</strong>roso mal a que me entrego!<br />

Que, no meio <strong>do</strong> justo <strong>de</strong>sengano,<br />

me possa inda cegar um Moço cego!<br />

096<br />

Busque Amor novas artes, novo engenho,<br />

para matar me, e novas esquivanças;<br />

que não po<strong>de</strong> tirar me as esperanças,<br />

que mal me tirará o que eu não tenho.<br />

Olhai <strong>de</strong> que esperanças me mantenho!<br />

Ve<strong>de</strong> que perigosas seguranças!<br />

Que não temo contrastes nem mudanças, andan<strong>do</strong> em bravo mar, perdi<strong>do</strong> o lenho.<br />

Mas, conquanto não po<strong>de</strong> haver <strong>de</strong>sgosto<br />

on<strong>de</strong> esperança falta, lá me escon<strong>de</strong><br />

Amor um mal, que mata e não se vê.<br />

Que dias há que n'alma me tem posto<br />

um não sei quê, que nasce não sei on<strong>de</strong>,<br />

vem não sei como, e dói não sei porquê.<br />

Cá nesta Babilónia, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> mana<br />

matéria a quanto mal o mun<strong>do</strong> cria;<br />

cá on<strong>de</strong> o puro Amor não tem valia,<br />

que a Mãe, que manda mais, tu<strong>do</strong> profana;<br />

cá, on<strong>de</strong> o mal se afina, e o bem se dana,<br />

e po<strong>de</strong> mais que a honra a tirania;<br />

cá, on<strong>de</strong> a errada e cega Monarquia<br />

cuida que um nome vão a <strong>de</strong>sengana;<br />

cá, neste labirinto, on<strong>de</strong> a nobreza<br />

com esforço e saber pedin<strong>do</strong> vão<br />

às portas da cobiça e da vileza;<br />

cá neste escuro caos <strong>de</strong> confusão,<br />

cumprin<strong>do</strong> o curso estou da natureza.<br />

Vê se me esquecerei <strong>de</strong> ti, Sião!<br />

003<br />

120


Cantan<strong>do</strong> estava um dia bem seguro quan<strong>do</strong>,<br />

passan<strong>do</strong>, Sílvio me dizia<br />

(Sílvio, pastor antigo, que sabia<br />

pelo canto das aves o futuro):<br />

—Méris, quan<strong>do</strong> quiser o fa<strong>do</strong> escuro,<br />

oprimir-te virão em um só dia<br />

<strong>do</strong>us lobos; logo a voz e a melodia<br />

te fugirão, e o som suave e puro.<br />

Bem foi assi: porque um me <strong>de</strong>golou<br />

quanto ga<strong>do</strong> vacum pastava e tinha,<br />

<strong>de</strong> que gran<strong>de</strong>s soldadas esperava;<br />

E outro por meu dano me matou<br />

a cor<strong>de</strong>ira gentil que eu tanto amava,<br />

perpétua sauda<strong>de</strong> da alma minha!<br />

Cara minha inimiga, em cuja mão<br />

pôs meus contentamentos a ventura,<br />

faltou te a ti na terra sepultura,<br />

porque me falte a mim consolação.<br />

Eternamente as águas lograrão<br />

a tua peregrina fermosura;<br />

mas, enquanto me a mim a vida dura,<br />

sempre viva em minh'alma te acharão.<br />

E se meus ru<strong>do</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />

que possam prometer te longa história<br />

daquele amor tão puro e verda<strong>de</strong>iro,<br />

celebrada serás sempre em meu canto;<br />

porque enquanto no mun<strong>do</strong> houver memória,<br />

será minha escritura teu letreiro.<br />

Chorai, Ninfas, os fa<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos<br />

daquela soberana fermosura!<br />

On<strong>de</strong> foram parar na sepultura<br />

aqueles reais olhos graciosos?<br />

Ó bens <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, falsos e enganosos!<br />

Que mágoas para ouvir! Que tal figura<br />

jaza sem resplan<strong>do</strong>r na terra dura,<br />

com tal rosto e cabelos tão fermosos!<br />

Das outras que será, pois po<strong>de</strong>r teve<br />

a morte sobre cousa tanto bela<br />

que ela eclipsava a luz <strong>do</strong> claro dia?<br />

Mas o mun<strong>do</strong> não era dino <strong>de</strong>la,<br />

por isso mais na terra não esteve;<br />

103<br />

086<br />

159


ao Céu subiu, que já *se* lhe <strong>de</strong>via.<br />

Com gran<strong>de</strong>s esperanças já cantei,<br />

com que os <strong>de</strong>uses no Olimpo conquistara;<br />

<strong>de</strong>spois vim a chorar porque cantara<br />

e agora choro já porque chorei.<br />

Se cui<strong>do</strong> nas passadas que já <strong>de</strong>i,<br />

custa me esta lembrança só tão cara<br />

que a <strong>do</strong>r <strong>de</strong> ver as mágoas que passara<br />

tenho pola mor mágoa que passei.<br />

Pois logo, se está claro que um tormento<br />

dá causa que outro n'alma se acrescente,<br />

já nunca posso ter contentamento.<br />

Mas esta fantasia se me mente?<br />

Oh! ocioso e cego pensamento!<br />

Ainda eu imagino em ser contente?<br />

Como fizeste, Pórcia, tal ferida?<br />

Foi voluntária, ou foi por inocência?<br />

—Mas foi fazer Amor experiência<br />

se podia sofrer tirar me a vida.<br />

—E com teu próprio sangue te convida<br />

a não pores à vida resistência?<br />

—An<strong>do</strong> me acostuman<strong>do</strong> à paciência,<br />

porque o temor a morte não impida.<br />

—Pois porque comes, logo, fogo ar<strong>de</strong>nte,<br />

se a ferro te costumas?—Porque or<strong>de</strong>na<br />

Amor que morra e pene juntamente.<br />

E tens a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> ferro por pequena?<br />

—Si: que a <strong>do</strong>r costumada não se sente;<br />

e eu não quero a morte sem a pena.<br />

Como quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar tempestuoso<br />

o marinheiro, lasso e trabalha<strong>do</strong>,<br />

d'um naufrágio cruel já salvo a na<strong>do</strong>,<br />

só ouvir falar nele o faz medroso;<br />

e jura que em que veja bonançoso<br />

o violento mar, e sossega<strong>do</strong><br />

não entre nele mais, mas vai, força<strong>do</strong><br />

pelo muito interesse cobiçoso;<br />

Assi, Senhora eu, que da tormenta,<br />

<strong>de</strong> vossa vista fujo, por salvar me,<br />

juran<strong>do</strong> <strong>de</strong> não mais em outra ver me;<br />

minh'alma que <strong>de</strong> vós nunca se ausenta,<br />

097<br />

071<br />

043


dá me por preço ver vos, faz tornar me<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fugi tão perto <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r me.<br />

Conversação <strong>do</strong>méstica afeiçoa,<br />

ora em forma <strong>de</strong> boa e sã vonta<strong>de</strong>,<br />

ora <strong>de</strong> üa amorosa pieda<strong>de</strong>,<br />

sem olhar qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa.<br />

Se <strong>de</strong>spois, porventura, vos magoa<br />

com <strong>de</strong>samor e pouca lealda<strong>de</strong>,<br />

logo vos faz mentira da verda<strong>de</strong><br />

o bran<strong>do</strong> Amor, que tu<strong>do</strong> em si per<strong>do</strong>a.<br />

Não são isto que falo conjecturas,<br />

que o pensamento julga na aparência,<br />

por fazer <strong>de</strong>licadas escrituras.<br />

Meti<strong>do</strong> tenho a mão na consciência,<br />

e não falo senão verda<strong>de</strong>s puras<br />

que me ensinou a viva experiência.<br />

Correm turvas as águas <strong>de</strong>ste rio,<br />

que as <strong>do</strong> Céu e as <strong>do</strong> monte as enturbaram;<br />

os campos floreci<strong>do</strong>s se secaram,<br />

intratável se fez o vale, e frio.<br />

Passou o Verão, passou o ar<strong>de</strong>nte Estio,<br />

üas cousas por outras se trocaram;<br />

os fementi<strong>do</strong>s Fa<strong>do</strong>s já <strong>de</strong>ixaram<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> o regimento, ou <strong>de</strong>svario.<br />

Tem o tempo sua or<strong>de</strong>m já sabida;<br />

o mun<strong>do</strong>, não; mas anda tão confuso,<br />

que parece que <strong>de</strong>le Deus se esquece.<br />

Casos, opiniões, natura e uso<br />

fazem que nos pareça <strong>de</strong>sta vida<br />

que não há nela mais que o que parece.<br />

Dai me üa lei, Senhora, <strong>de</strong> querer vos,<br />

que a guar<strong>de</strong>, sô pena <strong>de</strong> enojar vos;<br />

que a fé que me obriga a tanto amar vos<br />

fará que fique em lei <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer vos.<br />

Tu<strong>do</strong> me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>i, senão só ver vos,<br />

e <strong>de</strong>ntro na minh'alma contemplar vos;<br />

que, se assi não chegar a contentar vos,<br />

ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.<br />

E, se essa condição cruel e esquiva,<br />

que me <strong>do</strong>is lei <strong>de</strong> vida não consente,<br />

dai ma, Senhora, já, seja <strong>de</strong> morte.<br />

093<br />

104<br />

052


Se nem essa me dais, é bem que viva,<br />

sem saber como vivo, tristemente,<br />

mas contente porém <strong>de</strong> minha sorte.<br />

À sepultura <strong>de</strong> D. Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Castro<br />

Debaixo <strong>de</strong>sta pedra está meti<strong>do</strong>,<br />

das sanguinosas armas <strong>de</strong>scansa<strong>do</strong>,<br />

o capitão ilustre, assinala<strong>do</strong>,<br />

Dom Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Castro esclareci<strong>do</strong>.<br />

Por to<strong>do</strong> o Oriente tão temi<strong>do</strong>,<br />

e da enveja da fama tão canta<strong>do</strong>,<br />

este, pois, só agora sepulta<strong>do</strong>,<br />

está aqui já em terra converti<strong>do</strong>.<br />

Alegra-te, ó guerreira Lusitânia<br />

por este Viriato que criaste,<br />

e chora-o, perdi<strong>do</strong>, eternamente.<br />

Exemplo toma nisto <strong>de</strong> Dardânia;<br />

que, se a Roma co ele aniquilaste,<br />

nem por isso Cartago está contente.<br />

Despois que quis Amor que eu só<br />

passasse quanto mal já por muitos repartiu,<br />

entregou me à Fortuna, porque viu<br />

que não tinha mais mal que em mim mostrasse.<br />

Ela, porque <strong>do</strong> Amor se avantajasse<br />

no tormento que o Céu me permitiu,<br />

o que para ninguém se consentiu,<br />

para mim só man<strong>do</strong>u que se inventasse.<br />

Eis me aqui vou com vário som gritan<strong>do</strong>,<br />

copioso exemplário para a gente<br />

que <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>us tiranos é sujeita,<br />

<strong>de</strong>svarios em versos concertan<strong>do</strong>.<br />

Triste quem seu <strong>de</strong>scanso tanto estreita,<br />

que <strong>de</strong>ste tão pequeno está contente!<br />

Despois que viu Cibele o corpo humano<br />

<strong>do</strong> fermoso Átis seu ver<strong>de</strong> pinheiro,<br />

em pieda<strong>de</strong> o vão furar primeiro<br />

converti<strong>do</strong>, chorou seu grave dano.<br />

E, fazen<strong>do</strong> a sua <strong>do</strong>r ilustre engano,<br />

a Júpiter pediu que o verda<strong>de</strong>iro<br />

preço da nova palma e <strong>do</strong> loureiro,<br />

ao seu pinheiro <strong>de</strong>sse, soberano.<br />

Mais lhe conce<strong>de</strong> o filho po<strong>de</strong>roso<br />

150<br />

094<br />

152


que, as estrelas, subin<strong>do</strong>, tocar possa,<br />

ven<strong>do</strong> os segre<strong>do</strong>s lá <strong>do</strong> Céu superno.<br />

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso<br />

quem se vir coroar da folha vossa,<br />

cantan<strong>do</strong> à vossa sombra verso eterno!<br />

De tão divino acento e voz humana,<br />

<strong>de</strong> tão <strong>do</strong>ces palavras peregrinas,<br />

bem sei que minhas obras não são dinas,<br />

que o ru<strong>do</strong> engenho meu me <strong>de</strong>sengana.<br />

Mas <strong>de</strong> vossos escritos corre e mana<br />

licor que vence as águas cabalinas;<br />

e convosco <strong>do</strong> Tejo as flores finas<br />

farão enveja à cópia mantuana.<br />

E pois, a vós <strong>de</strong> si não sen<strong>do</strong> avaras,<br />

as filhas <strong>de</strong> Mnemósine fermosa<br />

partes dadas vos tem, ao mun<strong>do</strong> caras,<br />

a minha Musa e a vossa tão famosa,<br />

ambas posso chamar ao mun<strong>do</strong> raras:<br />

a vossa d'alta, a minha d'envejosa.<br />

De um tão felice engenho, produzi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> outro, que o claro Sol não viu maior,<br />

é trazer cousas altas no senti<strong>do</strong>,<br />

todas dinas <strong>de</strong> espanto e <strong>de</strong> louvor.<br />

Museu foi antiquíssimo escritor,<br />

filósofo e poeta conheci<strong>do</strong>,<br />

discípulo <strong>do</strong> Músico ama<strong>do</strong>r<br />

que co som teve o Inferno suspendi<strong>do</strong>.<br />

Este pô<strong>de</strong> abalar o monte mu<strong>do</strong>,<br />

cantan<strong>do</strong> aquele mal, que eu já passei,<br />

<strong>do</strong> mancebo <strong>de</strong> Abi<strong>do</strong> mal sisu<strong>do</strong>.<br />

Agora contam já (segun<strong>do</strong> achei),<br />

Passo, e o nosso Boscão, que disse tu<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s segre<strong>do</strong>s que move o cego Rei.<br />

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,<br />

sinto vivo da morte o sentimento.<br />

Não sei para que é ter contentamento,<br />

se mais há <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r quem mais alcança.<br />

Mas <strong>do</strong>u vos esta firme segurança<br />

que, posto que me mate meu tormento,<br />

pelas águas <strong>do</strong> eterno esquecimento<br />

segura passará minha lembrança.<br />

153<br />

151<br />

057


Antes sem vós meus olhos se entristeçam,<br />

que com qualquer cous' outra se contentem;<br />

antes os esqueçais, que vos esqueçam.<br />

Antes nesta lembrança se atormentem,<br />

que com esquecimento <strong>de</strong>smereçam<br />

a glória que em sofrer tal pena sentem.<br />

Diana prateada, esclarecia<br />

com a luz que <strong>do</strong> claro Febo ar<strong>de</strong>nte,<br />

por ser <strong>de</strong> natureza transparente,<br />

em si, como em espelho, reluzia.<br />

Cem mil milhões <strong>de</strong> graças lhe influía,<br />

quan<strong>do</strong> me apareceu o excelente<br />

raio <strong>de</strong> vosso aspecto, diferente<br />

em graça e em amor <strong>do</strong> que soía.<br />

Eu, ven<strong>do</strong>-me tão cheio <strong>de</strong> favores,<br />

e tão propínquo a ser <strong>de</strong> to<strong>do</strong> vosso,<br />

louvei a hora clara, e a noite escura,<br />

Sois nela <strong>de</strong>stes cor a meus amores;<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> colijo claro que não posso<br />

<strong>de</strong> dia para vós já ter ventura.<br />

Ditoso seja aquele que somente<br />

se queixa <strong>de</strong> amorosas esquivanças;<br />

pois por elas não per<strong>de</strong> as esperanças<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r n'algum tempo ser contente.<br />

Ditoso seja quem, estan<strong>do</strong> ausente,<br />

não sente mais que a pena das lembranças;<br />

porqu', inda que se tema <strong>de</strong> mudanças,<br />

menos se teme a <strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> se sente.<br />

Ditoso seja, enfim, qualquer esta<strong>do</strong><br />

on<strong>de</strong> enganos, <strong>de</strong>sprezos e isenção<br />

trazem o coração atormenta<strong>do</strong>.<br />

Mas triste quem se sente magoa<strong>do</strong><br />

d'erros em que não po<strong>de</strong> haver perdão,<br />

sem ficar n'alma a mágoa <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>.<br />

Diversos dões reparte o Céu benino,<br />

e quer que cada üa um só possua;<br />

assi, ornou <strong>de</strong> casto peito a Lüa,<br />

ornamento <strong>do</strong> assento cristalino.<br />

De graça, a Mãe fermosa <strong>do</strong> Minino,<br />

que nessa vista tem perdi<strong>do</strong> a sua;<br />

Palas, <strong>de</strong> discrição, que imite a tua;<br />

137<br />

044<br />

056


<strong>do</strong> valor, Juno, só <strong>de</strong> império dino.<br />

Mas junto agora o mesmo Céu <strong>de</strong>rrama<br />

em ti o mais que tinha, e foi o menos,<br />

em respeito <strong>do</strong> Autor da natureza;<br />

que, a seu pesar, te dão, fermosa Dama,<br />

Diana, honestida<strong>de</strong>, e graça, Vénus,<br />

Palas o aviso seu, Juno a nobreza.<br />

Dizei, Senhora, da Beleza i<strong>de</strong>ia:<br />

para fazer<strong>de</strong>s esse áureo crino,<br />

on<strong>de</strong> fostes buscar esse ouro fino?<br />

<strong>de</strong> que escondida mina ou <strong>de</strong> que veia?<br />

Dos vossos olhos essa luz Febeia,<br />

esse respeito, <strong>de</strong> um império dino?<br />

Se o alcançastes com saber divino,<br />

se com encantamentos <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia?<br />

De que escondidas conchas escolhestes<br />

as perlas preciosas orientais<br />

que, falan<strong>do</strong>, mostrais no <strong>do</strong>ce riso?<br />

Pois vos formastes tal, como quisestes,<br />

vigiai-vos <strong>de</strong> vós, não vos vejais,<br />

fugi das fontes: lembre-vos Narciso.<br />

Doce contentamento já passa<strong>do</strong>,<br />

em que to<strong>do</strong> meu bem já consistia,<br />

quem vos levou <strong>de</strong> minha companhia<br />

e me <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> vós tão aparta<strong>do</strong>?<br />

Quem cui<strong>do</strong>u que se visse neste esta<strong>do</strong><br />

naquelas breves horas <strong>de</strong> alegria,<br />

quan<strong>do</strong> minha ventura consentia<br />

que <strong>de</strong> enganos vivesse meu cuida<strong>do</strong>?<br />

Fortuna minha foi, cruel e dura,<br />

aquela que causou meu perdimento,<br />

com a qual ninguém po<strong>de</strong> ter cautela.<br />

Nem se engane nenhüa criatura,<br />

que não po<strong>de</strong> nenhum impedimento<br />

fugir <strong>do</strong> que [lhe] or<strong>de</strong>na sua estrela.<br />

Doce sonho, suave e soberano,<br />

se por mais longo tempo me durara!<br />

Ah! quem <strong>de</strong> sonho tal nunca acordara,<br />

pois havia <strong>de</strong> ver tal <strong>de</strong>sengano!<br />

Ah! <strong>de</strong>leitoso bem! ah! <strong>do</strong>ce engano!<br />

Se por mais largo espaço me enganara!<br />

121<br />

122<br />

123


Se então a vida mísera acabara,<br />

<strong>de</strong> alegria e prazer morrera ufano.<br />

Ditoso, não estan<strong>do</strong> em mim, pois tive,<br />

<strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, o que acorda<strong>do</strong> ter quisera.<br />

Olhai com que me paga meu <strong>de</strong>stino!<br />

Enfim, fora <strong>de</strong> mim, ditoso estive.<br />

Em mentiras ter dita razão era,<br />

pois sempre nas verda<strong>de</strong>s fui mofino.<br />

Doces águas e claras <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go,<br />

<strong>do</strong>ce repouso <strong>de</strong> minha lembrança,<br />

on<strong>de</strong> a comprida e pérfida esperança<br />

longo tempo após si me trouxe cego;<br />

<strong>de</strong> vós me aparto; mas, porém, não nego<br />

que inda a memória longa, que me alcança,<br />

me não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> vós fazer mudança,<br />

mas quanto mais me alongo, mais me achego.<br />

Bem pu<strong>de</strong>ra Fortuna este instrumento<br />

d'alma levar por terra nova e estranha,<br />

ofereci<strong>do</strong> ao mar remoto e vento;<br />

mas alma, que <strong>de</strong> cá vos acompanha,<br />

nas asas <strong>do</strong> ligeiro pensamento,<br />

para vós, águas, voa, e em vós se banha.<br />

Doces lembranças da passada glória,<br />

que me tirou Fortuna rouba<strong>do</strong>ra,<br />

<strong>de</strong>ixai me repousar em paz ü'hora,<br />

que comigo ganhais pouca vitória.<br />

Impressa tenho n'alma larga história<br />

<strong>de</strong>ste passa<strong>do</strong> bem que nunca fora;<br />

ou fora, e não passara; mas já agora<br />

em mim não po<strong>de</strong> haver mais que a memória.<br />

Vivo em lembranças, mouro d'esqueci<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong> quem sempre <strong>de</strong>vera ser lembra<strong>do</strong>,<br />

se lhe lembrara esta<strong>do</strong> tão contente.<br />

Oh! quem tornar pu<strong>de</strong>ra a ser nasci<strong>do</strong>!<br />

Soubera me lograr <strong>do</strong> bem passa<strong>do</strong>,<br />

se conhecer soubera o mal presente.<br />

Dos ilustres antigos que <strong>de</strong>ixaram<br />

tal nome, que igualou fama à memória,<br />

ficou por luz <strong>do</strong> tempo a larga história<br />

<strong>do</strong>s feitos em que mais se assinalaram.<br />

Se se com cousas <strong>de</strong>stes cotejaram<br />

006<br />

082<br />

154


mil vossas, cada üa tão notória,<br />

vencera a menor <strong>de</strong>las a mor glória<br />

que eles em tantos anos alcançaram.<br />

A glória sua foi; ninguém lha tome.<br />

Seguin<strong>do</strong> cada um vários caminhos,<br />

estátuas levantan<strong>do</strong> no seu Templo.<br />

Vós, honra portuguesa e <strong>do</strong>s Coutinhos,<br />

ilustre Dom João, com melhor nome<br />

a vós encheis <strong>de</strong> glória e a nós <strong>de</strong> exemplo.<br />

El vaso reluciente y cristalino,<br />

<strong>de</strong> Ángeles agua clara y olorosa,<br />

<strong>de</strong> blancas e da orna<strong>do</strong> y fresca rosa<br />

liga<strong>do</strong> con cabellos <strong>de</strong> oro fino;<br />

bien claro parecía el <strong>do</strong>n divino<br />

labra<strong>do</strong> por la mano artificiosa<br />

<strong>de</strong> aquella blanca Ninfa, graciosa<br />

más que el rubio lucero matutino.<br />

Nel vaso vuestro cuerpo se afigura,<br />

raxa<strong>do</strong> <strong>de</strong> los blan<strong>do</strong>s miembros bellos,<br />

y en el agua vuestra ánima pura;<br />

la seda es la blancura, e los cabellos<br />

son las prisiones, y la ligadura<br />

con que mi libertad fue asida <strong>de</strong>llos.<br />

Em fermosa Leteia se confia,<br />

por on<strong>de</strong> vaïda<strong>de</strong> tanta alcança,<br />

que, tornada em soberba a confiança,<br />

com os <strong>de</strong>uses celestes competia.<br />

Porque não fosse avante esta ousadia<br />

(que nascem muitos erros da tardança),<br />

em efeito puseram a vingança,<br />

que tamanha <strong>do</strong>udice merecia.<br />

Mas Oleno, perdi<strong>do</strong> por Leteia,<br />

não lhe sofren<strong>do</strong> Amor que suportasse<br />

castigo duro tanta fermosura,<br />

quis pa<strong>de</strong>cer em si a pena alheia;<br />

mas, porque a morte Amor não apartasse,<br />

ambos torna<strong>do</strong>s são em pedra dura.<br />

[À morte <strong>de</strong> D. António <strong>de</strong> Noronha]<br />

Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida<br />

(Ah! senhor <strong>do</strong>m António!), a dura sorte,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fazen<strong>do</strong> andava o braço forte<br />

146<br />

072<br />

149


a fama <strong>do</strong>s Antigos esquecida.<br />

üa só razão tenho conhecida<br />

com que tamanha mágoa se conforte:<br />

que, pois no mun<strong>do</strong> havia honrada morte,<br />

que não podíeis ter mais larga a vida.<br />

Se meus humil<strong>de</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />

que co <strong>de</strong>sejo meu se iguale a arte,<br />

especial matéria me sereis.<br />

E, celebra<strong>do</strong> em triste e longo canto,<br />

se morrestes nas mãos <strong>do</strong> fero Marte,<br />

na memória das gentes vivereis.<br />

Em prisões baixas fui um tempo ata<strong>do</strong>,<br />

vergonhoso castigo <strong>de</strong> meus erros;<br />

inda agora arrojan<strong>do</strong> levo os ferros<br />

que a Morte, a meu pesar, tem já quebra<strong>do</strong>.<br />

Sacrifiquei a vida a meu cuida<strong>do</strong>,<br />

que Amor não quer cor<strong>de</strong>iros, nem bezerros;<br />

vi mágoas, vi misérias, vi <strong>de</strong>sterros:<br />

parece me que estava assi or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>.<br />

Contentei me com pouco, conhecen<strong>do</strong><br />

que era o contentamento vergonhoso,<br />

só por ver que cousa era viver le<strong>do</strong>.<br />

Mas minha estrela, que eu já'gora enten<strong>do</strong>,<br />

a Morte cega, e o Caso duvi<strong>do</strong>so,<br />

me fizeram <strong>de</strong> gostos haver me<strong>do</strong>.<br />

Enquanto Febo os montes acendia<br />

<strong>do</strong> Céu com luminosa clarida<strong>de</strong>,<br />

por evitar <strong>do</strong> ócio a castida<strong>de</strong><br />

na caça o tempo Délia <strong>de</strong>spendia.<br />

Vénus, que então <strong>de</strong> furto <strong>de</strong>scendia,<br />

por cativar <strong>de</strong> Anquises a vonta<strong>de</strong>,<br />

ven<strong>do</strong> Diana em tanta honestida<strong>de</strong>,<br />

quase zomban<strong>do</strong> <strong>de</strong>la, lhe dizia:<br />

-Tu vás com tuas re<strong>de</strong>s na espessura<br />

os fugitivos cervos enredan<strong>do</strong>,<br />

mas as minhas enredam o senti<strong>do</strong>.<br />

—Melhor é (respondia a <strong>de</strong>usa pura)<br />

nas re<strong>de</strong>s leves cervos ir toman<strong>do</strong><br />

que tomar-te a ti nelas teu mari<strong>do</strong>.<br />

Enquanto quis Fortuna que tivesse<br />

esperança <strong>de</strong> algum contentamento,<br />

085<br />

124<br />

001


o gosto <strong>de</strong> um suave pensamento<br />

me fez que seus efeitos escrevesse.<br />

Porém, temen<strong>do</strong> Amor que aviso <strong>de</strong>sse<br />

minha escritura a algum juízo isento,<br />

escureceu-me o engenho co tormento,<br />

para que seus enganos não dissesse.<br />

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos<br />

a diversas vonta<strong>de</strong>s! Quan<strong>do</strong> ler<strong>de</strong>s<br />

num breve livro casos tão diversos,<br />

verda<strong>de</strong>s puras são, e não <strong>de</strong>feitos...<br />

E sabei que, segun<strong>do</strong> o amor tiver<strong>de</strong>s,<br />

tereis o entendimento <strong>de</strong> meus versos!<br />

Erros meus, má fortuna, amor ar<strong>de</strong>nte<br />

em minha perdição se conjuraram;<br />

os erros e a fortuna sobejaram,<br />

que para mim bastava o amor somente.<br />

Tu<strong>do</strong> passei; mas tenho tão presente<br />

a gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r das cousas que passaram,<br />

que as magoadas iras me ensinaram<br />

a nao querer já nunca ser contente.<br />

Errei to<strong>do</strong> o discurso <strong>de</strong> meus anos;<br />

<strong>de</strong>i causa que a Fortuna castigasse<br />

as minhas mal fundadas esperanças.<br />

De amor não vi senão breves enganos.<br />

Oh! quem tanto pu<strong>de</strong>sse que fartasse<br />

este meu duro génio <strong>de</strong> vinganças!<br />

Esforço gran<strong>de</strong>, igual ao pensamento;<br />

pensamentos em obras divulga<strong>do</strong>s,<br />

e não em peito timi<strong>do</strong> encerra<strong>do</strong>s<br />

e <strong>de</strong>sfeitos <strong>de</strong>spois em chuva e vento;<br />

animo da cobiça baixa isento,<br />

dino por isso só <strong>de</strong> altos esta<strong>do</strong>s,<br />

fero açoute <strong>do</strong>s nunca bem <strong>do</strong>ma<strong>do</strong>s<br />

povos <strong>do</strong> Malabar sanguinolento;<br />

gentileza <strong>de</strong> membros corporais,<br />

orna<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pudica continência,<br />

obra por certo rara <strong>de</strong> natura:<br />

estas virtu<strong>de</strong>s e outras muitas mais,<br />

dinas todas da homérica eloquência,<br />

jazem <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sta sepultura<br />

Está o lascivo e <strong>do</strong>ce passarinho<br />

108<br />

155<br />

014


com o biquinho as penas or<strong>de</strong>nan<strong>do</strong>;<br />

o verso sem medida, alegre e bran<strong>do</strong>,<br />

espedin<strong>do</strong> no rústico raminho;<br />

o cruel caça<strong>do</strong>r (que <strong>do</strong> caminho<br />

se vem cala<strong>do</strong> e manso <strong>de</strong>svian<strong>do</strong>)<br />

na pronta vista a seta endireitan<strong>do</strong>,<br />

lhe dá no Estígio lago eterno ninho.<br />

Dest' arte o coração, que livre andava,<br />

(posto que já <strong>de</strong> longe <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>)<br />

on<strong>de</strong> menos temia, foi feri<strong>do</strong>.<br />

Porque o Frecheiro cego me esperava,<br />

para que me tomasse <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong>,<br />

em vossos claros olhos escondi<strong>do</strong>.<br />

Está se a Primavera trasladan<strong>do</strong><br />

em vossa vista <strong>de</strong>leitosa e honesta;<br />

nas lindas faces, olhos, boca e testa,<br />

boninas, lírios, rosas <strong>de</strong>buxan<strong>do</strong>.<br />

De sorte, vosso gesto matizan<strong>do</strong>,<br />

Natura quanto po<strong>de</strong> manifesta<br />

que o monte, o campo, o rio e a floresta<br />

se estão <strong>de</strong> vós, Senhora, namoran<strong>do</strong>.<br />

Se agora não quereis que quem vos ama<br />

possa colher o fruito <strong>de</strong>stas flores,<br />

per<strong>de</strong>rão toda a graça vossos olhos.<br />

Porque pouco aproveita, linda Dama,<br />

que semeasse Amor em vós amores,<br />

se vossa condição produze abrolhos.<br />

Este amor que vos tenho, limpo e puro,<br />

<strong>de</strong> pensamento vil nunca toca<strong>do</strong>,<br />

em minha tenra ida<strong>de</strong> começa<strong>do</strong>,<br />

tê-lo <strong>de</strong>ntro nesta alma só procuro.<br />

De haver nele mudança estou seguro,<br />

sem temer nenhum caso ou duro Fa<strong>do</strong>,<br />

nem o supremo bem ou baixo esta<strong>do</strong>,<br />

nem o tempo presente nem futuro.<br />

A bonina e a flor asinha passa;<br />

tu<strong>do</strong> por terra o Inverno e Estio<br />

<strong>de</strong>ita, só para meu amor é sempre Maio.<br />

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,<br />

e que essa ingratidão tu<strong>do</strong> me enjeita,<br />

traz este meu amor sempre em <strong>de</strong>smaio.<br />

024<br />

125<br />

109


Eu cantei já, e agora vou choran<strong>do</strong><br />

o tempo que cantei tão confia<strong>do</strong>;<br />

parece que no canto já passa<strong>do</strong><br />

se estavam minhas lágrimas crian<strong>do</strong>.<br />

Cantei; mas se me alguém pergunta: —Quan<strong>do</strong>?<br />

—Não sei; que também fui nisso engana<strong>do</strong>.<br />

É tão triste este meu presente esta<strong>do</strong><br />

que o passa<strong>do</strong>, por le<strong>do</strong>, estou julgan<strong>do</strong>.<br />

Fizeram-me cantar, manhosamente,<br />

contentamentos não, mas confianças;<br />

cantava, mas já era ao som <strong>do</strong>s ferros.<br />

De quem me queixarei, que tu<strong>do</strong> mente?<br />

Mas eu que culpa ponho às esperanças<br />

on<strong>de</strong> a Fortuna injusta é mais que os erros?<br />

000<br />

Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />

<br />

que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />

Eu vivia <strong>de</strong> lágrimas isento,<br />

num engano tão <strong>do</strong>ce e <strong>de</strong>leitoso<br />

que em que outro amante fosse mais ditoso,<br />

não valiam mil glórias um tormento.<br />

Ven<strong>do</strong>-me possuir tal pensamento,<br />

<strong>de</strong> nenhüa riqueza era envejoso;<br />

vivia bem, <strong>de</strong> nada receoso,<br />

com <strong>do</strong>ce amor e <strong>do</strong>ce sentimento.<br />

Cobiçosa, a Fortuna me tirou<br />

<strong>de</strong>ste meu tão contente e alegre esta<strong>do</strong>,<br />

e passou-me este bem, que nunca fora:<br />

em troco <strong>do</strong> qual bem só me <strong>de</strong>ixou<br />

lembranças, que me matam cada hora,<br />

trazen<strong>do</strong>-me à memória o bem passa<strong>do</strong>.<br />

O Feri<strong>do</strong> sem ter cura perecia<br />

o forte e duro Télefo temi<strong>do</strong>,<br />

por aquele que n'água foi meti<strong>do</strong>,<br />

a quem ferro nenhum cortar podia.<br />

Ao Apolíneo Oráculo pedia<br />

conselho para ser restituí<strong>do</strong>;<br />

respon<strong>de</strong>u que tornasse a ser feri<strong>do</strong><br />

por quem o já ferira, e sararia.<br />

111<br />

065


Assi, Senhora, quer minha ventura<br />

que, feri<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver vos, claramente<br />

com vos tornar a ver Amor me cura.<br />

Mas é tão <strong>do</strong>ce vossa fermosura,<br />

que fico como hidrópico <strong>do</strong>ente,<br />

que co beber lhe cresce mor secura.<br />

Fermosos olhos que na ida<strong>de</strong> nossa<br />

mostrais <strong>do</strong> Céu certissimos sinais,<br />

se quereis conhecer quanto possais,<br />

olhai me a mim, que sou feitura vossa.<br />

Vereis que <strong>de</strong> viver me <strong>de</strong>sapossa<br />

aquele riso com que a vida dais;<br />

vereis como <strong>de</strong> Amor não quero mais,<br />

por mais que o tempo corra e o dano possa.<br />

E se <strong>de</strong>ntro nest'alma ver quiser<strong>de</strong>s,<br />

como num claro espelho, ali vereis<br />

também a vossa, angélica e serena.<br />

Mas eu cui<strong>do</strong> que só por não me ver<strong>de</strong>s,<br />

ver vos em mim, Senhora, não quereis:<br />

tanto gosto levais <strong>de</strong> minha pena!<br />

Fiou se o coração, <strong>de</strong> muito isento,<br />

<strong>de</strong> si cuidan<strong>do</strong> mal, que tomaria<br />

tão ilícito amor tal ousadia,<br />

tal mo<strong>do</strong> nunca visto <strong>de</strong> tormento.<br />

Mas os olhos pintaram tão a tento<br />

outros que visto tem na fantasia,<br />

que a razão, temerosa <strong>do</strong> que via,<br />

fugiu, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o campo ao pensamento.<br />

Ó Hipólito casto, que, <strong>de</strong> jeito,<br />

<strong>de</strong> Fedra, tua madrasta, foste ama<strong>do</strong>,<br />

que não sabia ter nenhum respeito:<br />

em mim vingou o amor teu casto peito;<br />

mas está <strong>de</strong>sse agravo tão vinga<strong>do</strong>,<br />

que se arrepen<strong>de</strong> já <strong>do</strong> que tem feito.<br />

Foi já num tempo <strong>do</strong>ce cousa amar,<br />

enquanto m'enganava a esperança;<br />

O coração, com esta confiança,<br />

to<strong>do</strong> se <strong>de</strong>sfazia em <strong>de</strong>sejar.<br />

Ó vão, caduco e débil esperar!<br />

Como se <strong>de</strong>sengana üa mudança!<br />

Que, quanto é mor a bem aventurança,<br />

091<br />

066<br />

087


tanto menos se crê que há <strong>de</strong> durar!<br />

Quem já se viu contente e prospera<strong>do</strong>,<br />

ven<strong>do</strong> se em breve tempo em pena tanta,<br />

razão tem <strong>de</strong> viver bem magoa<strong>do</strong>.<br />

Porém quem tem o mun<strong>do</strong> exprimenta<strong>do</strong>,<br />

não o magoa a pena nem o espanta,<br />

que mal se estranhará o costuma<strong>do</strong>.<br />

Fortuna em mim guardan<strong>do</strong> seu direito<br />

em ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubou minha alegria.<br />

Oh! quanto se acabou naquele dia,<br />

cuja triste lembrança ar<strong>de</strong> em meu peito!<br />

Quan<strong>do</strong> contemplo tu<strong>do</strong>, bem suspeito<br />

que a tal bem, tal <strong>de</strong>scanso se <strong>de</strong>via,<br />

por não dizer o mun<strong>do</strong> que podia<br />

achar-se em seu engano bem perfeito.<br />

Mas se a Fortuna o fez por <strong>de</strong>scontar-me<br />

tamanho gosto, em cujo sentimento<br />

a memória não faz senão matar-me ,<br />

que culpa po<strong>de</strong> dar-me o sofrimento,<br />

se a causa que ele tem <strong>de</strong> atormentar-me,<br />

eu tenho <strong>de</strong> sofrer o seu tormento?<br />

Grão tempo há já que soube da Ventura<br />

a vida que me tinha <strong>de</strong>stinada;<br />

que a longa experiência da passada<br />

me dava claro indício da futura.<br />

Amor fero, cruel, Fortuna dura,<br />

bem ten<strong>de</strong>s vossa força exprimentada:<br />

assolai, <strong>de</strong>struí, não fique nada;<br />

vingai vos <strong>de</strong>sta vida, qu'inda dura.<br />

Soube Amor da Ventura, que a não tinha,<br />

e, por que mais sentisse a falta <strong>de</strong>la,<br />

<strong>de</strong> imagens impossíveis me mantinha.<br />

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela<br />

não foi milhor, vivei nesta alma minha,<br />

que não tem a Fortuna po<strong>de</strong>r nela.<br />

Ilustre o dino ramo <strong>do</strong>s Meneses,<br />

aos quais o pru<strong>de</strong>nte e largo Céu<br />

(que errar não sabe), em <strong>do</strong>te conce<strong>de</strong>u<br />

rompesse os maométicos arneses;<br />

<strong>de</strong>sprezan<strong>do</strong> a Fortuna e seus reveses,<br />

i<strong>de</strong> para on<strong>de</strong> o Fa<strong>do</strong> vos moveu;<br />

126<br />

026<br />

162


erguei flamas no Mar alto Eritreu,<br />

e sereis nova luz aos Portugueses.<br />

Oprimi com tão firme e forte peito<br />

o Pirata insolente, que se espante<br />

e trema Taprobana e Gedrosia.<br />

Dai nova causa à cor <strong>do</strong> Arabo estreito:<br />

assi que o roxo mar, daqui em diante,<br />

o seja só co sangue <strong>de</strong> Turquia!<br />

In<strong>do</strong> o triste pastor to<strong>do</strong> embebi<strong>do</strong><br />

na sombra <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>ce pensamento,<br />

tais queixas espalhava ao leve vento<br />

cum bran<strong>do</strong> suspirar da alma saí<strong>do</strong>:<br />

—A quem me queixarei, cego, perdi<strong>do</strong>,<br />

pois nas pedras não acho sentimento?<br />

Com quem falo? A quem digo meu tormento<br />

que on<strong>de</strong> mais chamo, sou menos ouvi<strong>do</strong>?<br />

Oh! bela Ninfa, porque não respon<strong>de</strong>s?<br />

Porque o olhar-me tanto me encareces?<br />

Porque queres que sempre me querele?<br />

Eu quanto mais te vejo, mais te escon<strong>de</strong>s!<br />

Quanto mais mal me vês, mais te endureces!<br />

Assi que co mal cresce a causa <strong>de</strong>le.<br />

Lá a sau<strong>do</strong>sa Aurora <strong>de</strong>stoucava<br />

os seus cabelos d'ouro <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s,<br />

e as flores, nos campos esmalta<strong>do</strong>s,<br />

<strong>do</strong> cristalino orvalho borrifava;<br />

quan<strong>do</strong> o fermoso ga<strong>do</strong> se espalhava<br />

<strong>de</strong> Sílvio e <strong>de</strong> Laurente pelos pra<strong>do</strong>s;<br />

pastores ambos, e ambos aparta<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong> quem o mesmo Amor não se apartava.<br />

Com verda<strong>de</strong>iras lágrimas, Laurente,<br />

—Não sei (dizia) ó Ninfa <strong>de</strong>licada,<br />

porque não morre já quem vive ausente,<br />

pois a vida sem ti não presta nada?<br />

Respon<strong>de</strong> Sílvio:—Amor não o consente,<br />

que ofen<strong>de</strong> as esperanças da tornada.<br />

Já não sinto, Senhora, os <strong>de</strong>senganas<br />

com que minha afeição sempre tratastes,<br />

nem ver o galardão que me negastes,<br />

mereci<strong>do</strong> por fé, há tantos anos.<br />

A mágoa choro só, só choro os danos<br />

112<br />

078<br />

127


<strong>de</strong> ver por quem, Senhora, me trocastes;<br />

mas em tal caso vós só me vingastes<br />

<strong>de</strong> vossa ingratidão, vossos enganos.<br />

Dobrada glória dá qualquer vingança,<br />

que o ofendi<strong>do</strong> toma <strong>do</strong> culpa<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> se satisfaz com cousa justa;<br />

mas eu <strong>de</strong> vossos males e esquivança,<br />

<strong>de</strong> que agora me vejo bem vinga<strong>do</strong>,<br />

não o quisera eu tanto à vossa custa.<br />

Julga-me a gente toda por perdi<strong>do</strong>,<br />

ven<strong>do</strong>-me, tão entregue a meu cuida<strong>do</strong>,<br />

andar sempre <strong>do</strong>s homens aparta<strong>do</strong>,<br />

e <strong>do</strong>s tratos humanos esqueci<strong>do</strong>.<br />

Mas eu, que tenho o mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>,<br />

e quase que sobre ele an<strong>do</strong> <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>,<br />

tenho por baixo, rústico, engana<strong>do</strong>,<br />

quem não é com meu mal engran<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>.<br />

Vão revolven<strong>do</strong> a terra, o mar e o vento,<br />

busquem riquezas, honras a outra gente,<br />

vencen<strong>do</strong> ferro, fogo, frio e calma;<br />

que eu só em humil<strong>de</strong> esta<strong>do</strong> me contento,<br />

<strong>de</strong> trazer esculpi<strong>do</strong> eternamente<br />

vosso fermoso gesto <strong>de</strong>ntro n'alma.<br />

Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa, que<br />

representa em terra um paraíso;<br />

entre rubis e perlas <strong>do</strong>ce riso;<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> ouro e neve, cor-<strong>de</strong>-rosa;<br />

presença mo<strong>de</strong>rada e graciosa,<br />

on<strong>de</strong> ensinan<strong>do</strong> estão <strong>de</strong>spejo e siso<br />

que se po<strong>de</strong> por arte e por aviso,<br />

como por natureza, ser fermosa;<br />

fala, <strong>de</strong> quem a morte e a vida pen<strong>de</strong>,<br />

rara, suave; enfim, Senhora, vossa;<br />

repouso, nela, alegre e comedi<strong>do</strong>;<br />

estas as armas são com que me ren<strong>de</strong><br />

e me cativa Amor; mas não que possa<br />

<strong>de</strong>spojar me da glória <strong>de</strong> rendi<strong>do</strong>.<br />

Lembranças que lembrais meu bem passa<strong>do</strong><br />

para que sinta mais o mal presente,<br />

<strong>de</strong>ixai-me (se quereis) viver contente,<br />

não me <strong>de</strong>ixeis morrer em tal esta<strong>do</strong>.<br />

105<br />

045<br />

113


Mas se também <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> está or<strong>de</strong>na<strong>do</strong><br />

viver (como se vê) tão <strong>de</strong>scontente,<br />

venha (se vier) o bem por aci<strong>de</strong>nte,<br />

e dê a morte fim a meu cuida<strong>do</strong>.<br />

Que muito milhor é per<strong>de</strong>r a vida,<br />

per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se as lembranças da memória,<br />

pois fazem tanto dano ao pensamento.<br />

Assi que nada per<strong>de</strong>, quem perdida<br />

a esperança traz <strong>de</strong> sua glória,<br />

se esta vida há-<strong>de</strong> ser sempre em tormento.<br />

Lembranças sau<strong>do</strong>sas, se cuidais<br />

<strong>de</strong> me acabar a vida neste esta<strong>do</strong>,<br />

não vivo com meu mal tão engana<strong>do</strong>,<br />

que não espere <strong>de</strong>le muito mais.<br />

De muito longe já me costumais<br />

a viver <strong>de</strong> algum bem <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>;<br />

já tenho co a Fortuna concerta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> sofrer os trabalhos que me dais.<br />

Ata<strong>do</strong> ao remo tenho a paciência,<br />

para quantos <strong>de</strong>sgostos <strong>de</strong>r a vida,<br />

cui<strong>de</strong> em quanto quiser o pensamento;<br />

que, pois não há i outra resistência<br />

para tão certa queda da caída,<br />

aparar-lhe hei <strong>de</strong>baixo o sofrimento.<br />

Lin<strong>do</strong> e sutil trança<strong>do</strong>, que ficaste<br />

em penhor <strong>do</strong> remédio que mereço,<br />

se só contigo, ven<strong>do</strong> te, en<strong>do</strong>u<strong>de</strong>ço,<br />

que fora cos cabelos que apertaste?<br />

Aquelas tranças d'ouro, que ligaste,<br />

que os raios <strong>do</strong> Sol têm em pouco preço,<br />

não sei se para engano <strong>do</strong> que peço<br />

se para me atar, os <strong>de</strong>sataste.<br />

Lin<strong>do</strong> trança<strong>do</strong>, em minhas mãos te vejo,<br />

e por satisfação <strong>de</strong> minhas <strong>do</strong>res<br />

como quem não tem outra, hei <strong>de</strong> tomar te.<br />

E se não for contente meu <strong>de</strong>sejo,<br />

dir lhe hei que, nesta regra <strong>do</strong>s amores,<br />

pelo to<strong>do</strong> também se toma a parte.<br />

Males, que contra mim vos conjurastes,<br />

quanto há <strong>de</strong> durar tão duro intento?<br />

Se dura porque dura meu tormento,<br />

015<br />

023<br />

084


aste vos quanto já me atormentastes.<br />

Mas se assi perfiais porque cuidastes<br />

<strong>de</strong>rrubar meu tão alto pensamento,<br />

mais po<strong>de</strong> a causa <strong>de</strong>le, em que o sustento,<br />

que vós, que <strong>de</strong>la mesma o ser tomastes.<br />

E, pois vossa tenção, com minha morte,<br />

há <strong>de</strong> acabar o mal <strong>de</strong>stes amores,<br />

dai já fim a um tormento tão compri<strong>do</strong>,<br />

porque d'ambos contente seja a sorte:<br />

vós, porque me acabastes, vence<strong>do</strong>res;<br />

e eu, porque acabei <strong>de</strong> vós venci<strong>do</strong>.<br />

Memória <strong>de</strong> meu bem, corta<strong>do</strong> em flores<br />

por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> meus tristes e maus Fa<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>ixai-me <strong>de</strong>scansar com meus cuida<strong>do</strong>s<br />

nesta inquietação <strong>de</strong> meus amores.<br />

Basta-me o mal presente, e os temores<br />

<strong>do</strong>s sucessos que espero infortuna<strong>do</strong>s,<br />

sem que venham, <strong>de</strong> novo, bens passa<strong>do</strong>s<br />

afrontar meu repouso com suas <strong>do</strong>res.<br />

Perdi nua hora quanto em termos<br />

tão vagarosos e largos alcancei;<br />

leixai-me, pois, lembranças <strong>de</strong>sta glória.<br />

Cumpre acabe a vida nestes ermos,<br />

porque neles com meu mal acabarei<br />

mil vidas, não ua só, dura memória!<br />

Mudam se os tempos, mudam se as vonta<strong>de</strong>s,<br />

muda se o ser, muda se a confiança;<br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é composto <strong>de</strong> mudança,<br />

toman<strong>do</strong> sempre novas qualida<strong>de</strong>s.<br />

Continuamente vemos novida<strong>de</strong>s,<br />

diferentes em tu<strong>do</strong> da esperança;<br />

<strong>do</strong> mal ficam as mágoas na lembrança,<br />

e <strong>do</strong> bem (se algum houve), as sauda<strong>de</strong>s.<br />

O tempo cobre o chão <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> manto,<br />

que já coberto foi <strong>de</strong> neve fria, e, enfim,<br />

converte em choro o <strong>do</strong>ce canto.<br />

E, afora este mudar se cada dia,<br />

outra mudança faz <strong>de</strong> mor espanto,<br />

que não se muda já como soía.<br />

Na <strong>de</strong>sesperação já repousava<br />

o peito longamente magoa<strong>do</strong>,<br />

128<br />

092<br />

110


e, com seu dano eterno concerta<strong>do</strong>,<br />

já não temia, já não <strong>de</strong>sejava;<br />

quan<strong>do</strong> üa sombra vã me assegurava<br />

que algum bem me podia estar guarda<strong>do</strong><br />

em tão fermosa imagem que o tresla<strong>do</strong><br />

n'alma ficou, que nela se enlevava.<br />

Que crédito que dá tão facilmente<br />

o coração áquilo que <strong>de</strong>seja,<br />

quan<strong>do</strong> lhe esquece o fero seu <strong>de</strong>stino!<br />

Oh! <strong>de</strong>ixem-me enganar, que eu sou<br />

contente; que, posto que maior meu dano seja,<br />

fica-me a glória já <strong>do</strong> que imagino.<br />

Náia<strong>de</strong>s, vós, que os rios habitais<br />

que os sau<strong>do</strong>sos campos vão regan<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong> meus olhos vereis estar manan<strong>do</strong><br />

outros, que quase aos vossos são iguais.<br />

Dría<strong>de</strong>s, vós, que as setas atirais,<br />

os fugitivos cervos <strong>de</strong>rruban<strong>do</strong>,<br />

outros olhos vereis que triunfan<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>rrubam corações, que valem mais.<br />

Deixai as aljavas logo, e as águas frias,<br />

e vin<strong>de</strong>, Ninfas minhas, se quereis<br />

saber como <strong>de</strong> uns olhos nascem mágoas;<br />

vereis como se passam em vão os dias;<br />

mas não vireis em vão, que cá achareis<br />

nos seus as setas, e nos meus as águas.<br />

Na meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Céu subi<strong>do</strong> ardia<br />

o claro, almo Pastor, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixavam<br />

o ver<strong>de</strong> pasto as cabras, e buscavam<br />

a frescura suave da água fria.<br />

Co a folha da árvore sombria,<br />

<strong>do</strong> raio ar<strong>de</strong>nte as aves s'emparavam;<br />

o módulo cantar, <strong>de</strong> que cessavam,<br />

só nas roucas cigarras se sentia;<br />

quan<strong>do</strong> Liso pastor, num campo ver<strong>de</strong><br />

Natércia, crua Ninfa, só buscava<br />

com mil suspiros tristes que <strong>de</strong>rrama.<br />

Porque te vás <strong>de</strong> quem por ti se per<strong>de</strong>,<br />

para quem pouco te ama? (suspirava).<br />

[E] o Eco lhe respon<strong>de</strong>: Pouco te ama.<br />

Não passes, caminhante! Quem me chama ?<br />

073<br />

077<br />

156


—üa memória nova e nunca ouvida,<br />

<strong>de</strong> um que trocou finita e humana vida,<br />

por divina, infinita e clara fama.<br />

Quem é que tão gentil louvor <strong>de</strong>rrama?<br />

—Quem <strong>de</strong>rramar seu sangue não duvida<br />

por seguir a ban<strong>de</strong>ira esclarecida<br />

<strong>de</strong> um capitão <strong>de</strong> Cristo, que mais ama.<br />

Ditoso fim, ditoso sacrificio,<br />

que a Deus se fez e ao mun<strong>do</strong> juntamente,<br />

apregoan<strong>do</strong> direi tão alta sorte.<br />

Mais po<strong>de</strong>rás contar a toda a gente,<br />

que sempre <strong>de</strong>u sua vida claro indício<br />

<strong>de</strong> vir a merecer tão santa morte.<br />

Na ribeira <strong>do</strong> Eufrates assenta<strong>do</strong>,<br />

discorren<strong>do</strong> me achei pela memória<br />

aquele breve bem, aquela glória,<br />

que em ti, <strong>do</strong>ce Sião, tinha passa<strong>do</strong>.<br />

Da causa <strong>de</strong> meus males pergunta<strong>do</strong><br />

me foi: Como não cantas a história<br />

<strong>de</strong> teu passa<strong>do</strong> bem, e da vitória<br />

que sempre <strong>de</strong> teu mal hás alcança<strong>do</strong>?<br />

Não sabes, que a quem canta se lhe esquece<br />

o mal, inda que grave e rigoroso?<br />

Canta, pois, e não chores <strong>de</strong>ssa sorte.<br />

Respon<strong>do</strong> com suspiros: Quan<strong>do</strong> crece<br />

a muita sauda<strong>de</strong>, o pia<strong>do</strong>so<br />

remédio é não cantar senso a morte.<br />

No mun<strong>do</strong> poucos anos, e cansa<strong>do</strong>s,<br />

vivi, cheios <strong>de</strong> vil miséria dura;<br />

foi-me tão ce<strong>do</strong> a luz <strong>do</strong> dia escura,<br />

que não vi cinco lustros acaba<strong>do</strong>s.<br />

Corri terras e mares aparta<strong>do</strong>s<br />

buscan<strong>do</strong> à vida algum remédio ou cura;<br />

mas aquilo que, enfim, não quer ventura,<br />

não o alcançam trabalhos arrisca<strong>do</strong>s.<br />

Criou-me Portugal na ver<strong>de</strong> e cara<br />

pátria minha Alenquer; mas ar corruto<br />

que neste meu terreno vaso tinha,<br />

me fez manjar <strong>de</strong> peixes em ti, bruto<br />

mar, que bates na Abássia fera e avara,<br />

tão longe da ditosa pátria minha!<br />

129<br />

157<br />

046


No mun<strong>do</strong> quis um tempo que se achasse<br />

o bem que por acerto ou sorte vinha;<br />

e, por exprimentar que dita tinha,<br />

quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.<br />

Mas, por que meu <strong>de</strong>stino me mostrasse<br />

que nem ter esperanças me convinha,<br />

nunca nesta tão longa vida minha<br />

cousa me <strong>de</strong>ixou ver que <strong>de</strong>sejasse.<br />

Mudan<strong>do</strong> an<strong>de</strong>i costume, terra e esta<strong>do</strong>,<br />

por ver se se mudava a sorte dura;<br />

a vida pus nas mãos <strong>de</strong> um leve lenho.<br />

Mas (segun<strong>do</strong> o que o Céu me tem mostra<strong>do</strong>)<br />

já sei que <strong>de</strong>ste meu buscar ventura,<br />

acha<strong>do</strong> tenho já, que não a tenho.<br />

No tempo que <strong>de</strong> Amor viver soía,<br />

nem sempre andava ao remo ferrolha<strong>do</strong>;<br />

antes agora livre, agora ata<strong>do</strong>,<br />

em várias flamas variamente ardia.<br />

Que ar<strong>de</strong>sse num só fogo, não queria<br />

O Céu, porque tivesse exprimenta<strong>do</strong><br />

que nem mudar as causas ao cuida<strong>do</strong><br />

mudança na ventura me faria.<br />

E se algum pouco tempo andava isento,<br />

foi como quem co peso <strong>de</strong>scansou,<br />

por tornar a cansar com mais alento.<br />

Louva<strong>do</strong> seja Amor em meu tormento,<br />

pois para passatempo seu tomou<br />

este meu tão cansa<strong>do</strong> sofrimento!<br />

Num bosque que das Ninfas se habitava<br />

Sílvia, Ninfa linda, andava um dia;<br />

subida nüa árvore sombria,<br />

as amarelas flores apanhava.<br />

Cupi<strong>do</strong>, que ali sempre costumava<br />

a vir passar a sesta à sombra fria,<br />

num ramo o arco e setas que trazia,<br />

antes que a<strong>do</strong>rmecesse, pendurava.<br />

A Ninfa, como idóneo tempo vira<br />

para tamanha empresa, não dilata,<br />

mas com as armas foge ao Moço esquivo.<br />

As setas traz nos olhos, com que tira:<br />

—Ó pastores! fugi, que a to<strong>do</strong>s mata,<br />

senão a mim, que <strong>de</strong> matar me vivo.<br />

099<br />

074<br />

022


Num jardim a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> <strong>de</strong> verdura,<br />

a que esmaltam por cima várias flores,<br />

entrou um dia a <strong>de</strong>usa <strong>do</strong>s amores,<br />

com a <strong>de</strong>usa da caça e da espessura.<br />

Diana tomou logo üa rosa pura,<br />

Vénus um roxo lírio, <strong>do</strong>s milhores;<br />

mas excediam muito às outras flores<br />

as violas, na graça e fermosura.<br />

Perguntam a Cupi<strong>do</strong>, que ali estava,<br />

qual daquelas três flores tomaria,<br />

por mais suave, pura e mais fermosa?<br />

Sorrin<strong>do</strong> se, o Minino lhe tornava:<br />

todas fermosas são, mas eu queria<br />

V i o l 'a n t e s que lírio, nem que rosa.<br />

Num tão alto lugar, <strong>de</strong> tanto preço,<br />

este meu pensamento posto vejo,<br />

que <strong>de</strong>sfalece nele inda o <strong>de</strong>sejo,<br />

ven<strong>do</strong> quanto por mim o <strong>de</strong>smereço.<br />

Quan<strong>do</strong> esta tal baixesa em mim conheço,<br />

acho que cuidar nele é grão <strong>de</strong>spejo,<br />

e que morrer por ele me é sobejo<br />

e mor bem para mim, <strong>do</strong> que mereço.<br />

O mais que natural merecimento<br />

<strong>de</strong> quem me causa um mal tão duro e forte,<br />

o faz que vá crecen<strong>do</strong> <strong>de</strong> hora em hora.<br />

Mas eu não <strong>de</strong>ixarei meu pensamento,<br />

porque inda que este mal me causa a morte,<br />

Un bel morir tutta la vita onora.<br />

O céu, a terra, o vento sossega<strong>do</strong>...<br />

As ondas, que se esten<strong>de</strong>m pela areia...<br />

Os peixes, que no mar o sono enfreia...<br />

O nocturno silêncio repousa<strong>do</strong>...<br />

O pesca<strong>do</strong>r Aónio, que, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong><br />

on<strong>de</strong> co vento a água se meneia,<br />

choran<strong>do</strong>, o nome ama<strong>do</strong> em vão nomeia,<br />

que não po<strong>de</strong> ser mais que nomea<strong>do</strong>:<br />

Ondas (<strong>de</strong>zia), antes que Amor me mate,<br />

torna-me a minha Ninfa, que tão ce<strong>do</strong><br />

me fizestes à morte estar sujeita.<br />

Ninguém lhe fala; o mar <strong>de</strong> longe bate;<br />

move-se brandamente o arvore<strong>do</strong>;<br />

leva-lhe o vento a voz, que ao vento <strong>de</strong>ita.<br />

130<br />

106


*000<br />

Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />

<br />

que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />

Oh! como se me alonga, <strong>de</strong> ano em ano,<br />

a peregrinação cansada minha!<br />

Como se encurta, e como ao fim caminha<br />

este meu breve e vão discurso humano!<br />

Vai se gastan<strong>do</strong> a ida<strong>de</strong> e cresce o dano;<br />

per<strong>de</strong> se me um remédio, que inda tinha;<br />

se por experiência se adivinha,<br />

qualquer gran<strong>de</strong> esperança é gran<strong>de</strong> engano.<br />

Corro após este bem que não se alcança;<br />

no meio <strong>do</strong> caminho me falece,<br />

mil vezes caio, e perco a confiança.<br />

Quan<strong>do</strong> ele foge, eu tar<strong>do</strong>; e, na tardança,<br />

se os olhos ergo a ver se inda parece,<br />

da vista se me per<strong>de</strong>, e da esperança<br />

O culto divinal se celebrava<br />

no templo <strong>do</strong>n<strong>de</strong> toda a criatura<br />

louva o Feitor divino, que a feitura<br />

com seu sagra<strong>do</strong> sangue restaurava.<br />

Ali Amor, que o tempo me aguardava<br />

on<strong>de</strong> a vonta<strong>de</strong> tinha mais segura,<br />

nüa celeste e angélica figura<br />

a vista da razão me salteava.<br />

Eu, cren<strong>do</strong> que o lugar me <strong>de</strong>fendia,<br />

e seu livre costume não saben<strong>do</strong><br />

que nenhum confia<strong>do</strong> lhe fugia,<br />

<strong>de</strong>ixei me cativar; mas já que enten<strong>do</strong>,<br />

Senhora, que por vosso me queria,<br />

<strong>do</strong> tempo que fui livre me arrepen<strong>do</strong>.<br />

O dia em que eu nasci, moura e pereça,<br />

não o queira jamais o tempo dar,<br />

não torne mais ao mun<strong>do</strong>, e, se tornar,<br />

eclipse nesse passo o sol pa<strong>de</strong>ça.<br />

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,<br />

mostre o mun<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong> se acabar,<br />

025<br />

039<br />

131


nasçam-lhe monstros, sangue chova<br />

o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.<br />

as pessoas pasmadas <strong>de</strong> ignorantes,<br />

as lágrimas no rosto, a cor perdida,<br />

cui<strong>de</strong>m que o mun<strong>do</strong> já se <strong>de</strong>struiu.<br />

Ó gente temerosa, não te espantes,<br />

que este dia <strong>de</strong>itou ao mun<strong>do</strong> a vida<br />

mais <strong>de</strong>sgraçada que jamais se viu!<br />

O filho <strong>de</strong> Latona esclareci<strong>do</strong>,<br />

que com seu raio alegra a humana gente,<br />

o hórri<strong>do</strong> Piton, brava serpente,<br />

matou, sen<strong>do</strong> das gentes tão temi<strong>do</strong>.<br />

Feriu com arco, e <strong>de</strong> arco foi feri<strong>do</strong>,<br />

com ponta aguda d'ouro reluzente;<br />

nas tessálicas praias, <strong>do</strong>cemente,<br />

pela Ninfa Peneia an<strong>do</strong>u perdi<strong>do</strong>.<br />

Não lhe pô<strong>de</strong> valer, para seu dano,<br />

ciência, diligências, nem respeito<br />

<strong>de</strong> ser alto, celeste e soberano.<br />

Se este nunca alcançou nem um engano<br />

<strong>de</strong> quem era tão pouco em seu respeito,<br />

eu que espero <strong>de</strong> um ser que é mais que humano?<br />

O fogo que na branda cera ardia,<br />

ven<strong>do</strong> o rosto gentil que eu n'alma vejo,<br />

se acen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> outro fogo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo,<br />

por alcançar a luz que vence o dia.<br />

Como <strong>de</strong> <strong>do</strong>us ar<strong>do</strong>res se encendia,<br />

da gran<strong>de</strong> impaciência fez <strong>de</strong>spejo,<br />

e remeten<strong>do</strong> com furor sobejo<br />

vos foi beijar na parte on<strong>de</strong> se via.<br />

Ditosa aquela flama, que se atreve<br />

[a] apagar seus ar<strong>do</strong>res e tormentos<br />

na vista <strong>de</strong> que o mun<strong>do</strong> tremer <strong>de</strong>ve.<br />

Namoram se, Senhora, os Elementos<br />

<strong>de</strong> vós, e queima o fogo aquela neve<br />

que queima corações e pensamentos.<br />

Olhos fermosos, em quem quis Natura<br />

mostrar <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r altos sinais,<br />

se quiser<strong>de</strong>s saber quanto possais,<br />

ve<strong>de</strong>-me a mim, que sou vossa feitura.<br />

Pintada em mim se vê vossa figura,<br />

079<br />

007<br />

132


no que eu pa<strong>de</strong>ço retratada estais;<br />

que, se eu passo tormentos <strong>de</strong>siguais,<br />

muito mais po<strong>de</strong> vossa fermosura.<br />

De mim não quero mais que o meu <strong>de</strong>sejo:<br />

ser vosso; e só <strong>de</strong> ser vosso me arreio,<br />

porque o vosso penhor em mim se assele.<br />

!Tão me lembro <strong>de</strong> mim quan<strong>do</strong> vos vejo,<br />

nem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; e não erro, porque creio,<br />

que, em lembrar-me <strong>de</strong> vós, cumpro com ele.<br />

Onda<strong>do</strong>s fios d'ouro reluzente,<br />

que, agora da mão bela recolhi<strong>do</strong>s,<br />

agora sobre as rosas estendi<strong>do</strong>s,<br />

fazeis que sua beleza se acrecente;<br />

Olhos, que vos moveis tão <strong>do</strong>cemente,<br />

em mil divinos raios entendi<strong>do</strong>s,<br />

se <strong>de</strong> cá me levais alma e senti<strong>do</strong>s,<br />

que fora, se <strong>de</strong> vós não fora ausente?<br />

Honesto riso, que entre a mor fineza<br />

<strong>de</strong> perlas e corais nasce e parece,<br />

se n'alma em <strong>do</strong>ces ecos não o ouvisse!<br />

Se imaginan<strong>do</strong> só tanta beleza<br />

<strong>de</strong> si, em nova glória, a alma se esquece,<br />

que fará quan<strong>do</strong> a vir? Ah! quem a visse!<br />

Oh! quão caro me custa o enten<strong>de</strong>r te,<br />

molesto Amor, que, só por alcançar te,<br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong>r em <strong>do</strong>r me tens trazi<strong>do</strong> a parte<br />

on<strong>de</strong> em ti ódio e ira se converte!<br />

Cui<strong>de</strong>i que para em tu<strong>do</strong> conhecer te,<br />

me não faltasse experiência e arte;<br />

agora vejo n'alma acrecentar te<br />

aquilo que era causa <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r te.<br />

Estavas tão secreto no meu peito<br />

que eu mesmo, que te tinha, não sabia<br />

que me senhoreavas <strong>de</strong>ste jeito.<br />

Descobriste t'agora; e foi por via<br />

que teu <strong>de</strong>scobrimento e meu <strong>de</strong>feito,<br />

um me envergonha e outro m'injuria.<br />

O raio cristalino s'estendia<br />

pelo mun<strong>do</strong>, da Aurora marchetada,<br />

quan<strong>do</strong> Nise, pastora <strong>de</strong>licada,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> a vida <strong>de</strong>ixava, se partia.<br />

095<br />

047<br />

067


Dos olhos, com que o Sol escurecia,<br />

levan<strong>do</strong> a vista em lágrimas banhada,<br />

<strong>de</strong> si, <strong>do</strong> Fa<strong>do</strong> e Tempo magoada,<br />

pon<strong>do</strong> os olhos no Céu, assi <strong>de</strong>zia:<br />

—Nasce, sereno Sol, puro e luzente;<br />

resplan<strong>de</strong>ce, fermosa e roxa Aurora,<br />

qualquer alma alegran<strong>do</strong> <strong>de</strong>scontente;<br />

que a minha, sabe tu que, <strong>de</strong>sd'agora,<br />

jamais na vida a po<strong>de</strong>s ver contente,<br />

nem tão triste nenhüa outra pastora.<br />

Os reinos e os impérios po<strong>de</strong>rosos<br />

que em gran<strong>de</strong>za no mun<strong>do</strong> mais cresceram,<br />

ou por valor <strong>de</strong> esforço floreceram<br />

ou por varões nas letras espantosos.<br />

Teve Grécia Temístocles famosos;<br />

os Cipiões a Roma engran<strong>de</strong>ceram;<br />

<strong>do</strong>ze pares a França glória <strong>de</strong>ram;<br />

Ci<strong>de</strong>s a Espanha, e Laras belicosas.<br />

Ao nosso Portugal (que agora vemos<br />

tão diferente <strong>de</strong> seu ser primeiro),<br />

os vossos <strong>de</strong>ram honra e liberda<strong>de</strong>.<br />

E em vós, grão sucessor e novo her<strong>de</strong>iro<br />

<strong>do</strong> braganção esta<strong>do</strong>, há mil extremos<br />

iguais ao sangue, e mores que a ida<strong>de</strong>.<br />

Os vesti<strong>do</strong>s Elisa revolvia<br />

que lh'Eneias <strong>de</strong>ixara por memória:<br />

<strong>do</strong>ces <strong>de</strong>spojos da passada glória,<br />

<strong>do</strong>ces, quan<strong>do</strong> seu Fa<strong>do</strong> o consentia.<br />

Entr'eles a fermosa espada via<br />

que instrumento foi da triste história;<br />

e, como quem <strong>de</strong> si tinha a vitória,<br />

falan<strong>do</strong> só com ela, assi <strong>de</strong>zia:<br />

—Fermosa e nova espada, se ficaste<br />

só para executares os enganos<br />

<strong>de</strong> quem te quis <strong>de</strong>ixar, em minha vida,<br />

Sabe que tu comigo t'enganaste;<br />

que, para me tirar <strong>de</strong> tantos danos,<br />

sobeja me a tristeza da partida.<br />

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,<br />

a força, a arte, a manha, a fortaleza;<br />

o tempo acaba a fama e a riqueza,<br />

161<br />

064<br />

133


o tempo o mesmo tempo <strong>de</strong> si chora.<br />

tempo busca e acaba o on<strong>de</strong> mora<br />

qualquer ingratidão, qualquer dureza;<br />

mas neo po<strong>de</strong> acabar minha tristeza,<br />

enquanto não quiser<strong>de</strong>s vós, Senhora.<br />

O tempo o claro dia torna escuro,<br />

e o mais le<strong>do</strong> prazer em choro triste;<br />

o tempo a tempesta<strong>de</strong> em grã bonança.<br />

Mas <strong>de</strong> abrandar o tempo estou seguro<br />

o peito <strong>de</strong> diamante, on<strong>de</strong> consiste<br />

a pena e o prazer <strong>de</strong>sta esperança.<br />

Passo por meus trabalhos tão isento<br />

<strong>de</strong> sentimento gran<strong>de</strong> nem pequeno,<br />

que só pola vonta<strong>de</strong> com que peno<br />

me fica Amor <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> mais tormento.<br />

Mas vai me Amor matan<strong>do</strong> tanto a tento,<br />

temperan<strong>do</strong> a triaga co veneno,<br />

que <strong>do</strong> penar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>no,<br />

porque não mo consente o sofrimento.<br />

Porém, se esta fineza o Amor sente,<br />

e pagar me meu mal com mal preten<strong>de</strong>,<br />

torna me com prazer como ao Sol neve.<br />

Mas se me vês cos males tão contente,<br />

faz se avaro da pena, porque enten<strong>de</strong><br />

que quanto mais me paga, mais me <strong>de</strong>ve.<br />

Pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo, Dama, que vos veja,<br />

não enten<strong>de</strong> o que pe<strong>de</strong>; está engana<strong>do</strong>.<br />

É este amor tão fino e tão <strong>de</strong>lga<strong>do</strong>,<br />

que quem o tem não sabe o que <strong>de</strong>seja.<br />

Não há cousa a qual natural seja<br />

que não queira perpétuo seu esta<strong>do</strong>;<br />

não quer logo o <strong>de</strong>sejo o <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>,<br />

porque não falte nunca on<strong>de</strong> sobeja.<br />

Mas este puro afeito em mim se dana;<br />

que, como a grave pedra tem por arte<br />

o centro <strong>de</strong>sejar da natureza,<br />

assi o pensamento (pola parte que<br />

vai tomar <strong>de</strong> mim, terreste [e] humana)<br />

foi, Senhora, pedir esta baixeza.<br />

Pelos extremos raros que mostrou<br />

em saber, Palas, Vénus em fermosa,<br />

021<br />

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076


Diana em casta, Juno em animosa,<br />

África, Europa e Asia as a<strong>do</strong>rou.<br />

Aquele saber gran<strong>de</strong> que ajuntou<br />

esprito e corpo em liga generosa,<br />

esta mundana máquina lustrosa,<br />

<strong>de</strong> só quatro Elementos fabricou.<br />

Mas mor milagre fez a natureza<br />

em vós, Senhoras, pon<strong>do</strong> em cada üa<br />

o que por todas quatro repartiu.<br />

A vós seu resplan<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u Sol e Lüa,<br />

a vós com viva luz, graça e pureza,<br />

Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.<br />

Pensamentos, que agora novamente<br />

cuida<strong>do</strong>s vãos em mim ressuscitais,<br />

dizei me: ainda não vos contentais<br />

<strong>de</strong> ter<strong>de</strong>s, quem vos tem, tão <strong>de</strong>scontente?<br />

Que fantasia é esta, que presente<br />

cad'hora ante meus olhos me mostrais?<br />

Com sonhos e com sombras atentais<br />

quem nem por sonhos po<strong>de</strong> ser contente?<br />

Vejo vos, pensamentos, altera<strong>do</strong>s<br />

e não quereis, d'esquivos, <strong>de</strong>clarar me<br />

que é isto que vos traz tão enlea<strong>do</strong>s?<br />

Não me negueis, se andais para negar me;<br />

que, se contra mim estais alevanta<strong>do</strong>s,<br />

eu vos ajudarei mesmo a matar me.<br />

Pois meus olhos não cansam <strong>de</strong> chorar<br />

tristezas, que não cansam <strong>de</strong> cansar me;<br />

pois não abranda o fogo em que abrasar me<br />

pô<strong>de</strong> quem eu jamais pu<strong>de</strong> abrandar;<br />

não canse o cego Amor <strong>de</strong> me guiar<br />

a parte <strong>do</strong>n<strong>de</strong> não saiba tornar me;<br />

nem <strong>de</strong>ixe o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>de</strong> escutar me,<br />

enquanto me a voz fraca não <strong>de</strong>ixar.<br />

E se nos montes, rios, ou em vales,<br />

pieda<strong>de</strong> mora, ou <strong>de</strong>ntro mora Amor<br />

em feras, aves, plantas, pedras, águas,<br />

ouçam a longa história <strong>de</strong> meus males<br />

e curem sua <strong>do</strong>r com minha <strong>do</strong>r;<br />

que gran<strong>de</strong>s mágoas po<strong>de</strong>m curar mágoas.<br />

Por cima <strong>de</strong>stas águas, forte e firme,<br />

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irei por on<strong>de</strong> as sortes or<strong>de</strong>naram,<br />

pois, por cima <strong>de</strong> quantas me choraram<br />

aqueles claros olhos, pu<strong>de</strong> vir me.<br />

Já chega<strong>do</strong> era o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedir me,<br />

já mil impedimentos se acabaram,<br />

quan<strong>do</strong> rios <strong>de</strong> amor se atravessaram<br />

a me impedir o passo <strong>de</strong> partir me.<br />

Passei os eu com ânimo obstina<strong>do</strong>,<br />

com que a morte forçada e gloriosa<br />

faz o venci<strong>do</strong> já <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>.<br />

Em que figura, ou gesto <strong>de</strong>susa<strong>do</strong>,<br />

po<strong>de</strong> já fazer me<strong>do</strong> a morte irosa,<br />

a quem tem a seus pés rendi<strong>do</strong> e ata<strong>do</strong>?<br />

Porque quereis, Senhora, que ofereça<br />

a vida a tanto mal como pa<strong>de</strong>ço?<br />

Se vos nasce <strong>do</strong> pouco que mereço,<br />

bem por nascer está quem vos mereça.<br />

Sabei que, enfim, por muito que vos peça,<br />

que posso merecer quanto vos peço;<br />

que não consente Amor que em baixo preço<br />

tão alto pensamento se conheça.<br />

Assi que a paga igual <strong>de</strong> minhas <strong>do</strong>res,<br />

com nada se restaura, mas <strong>de</strong>veis ma,<br />

por ser capaz <strong>de</strong> tantos disfavores.<br />

E se o valor <strong>de</strong> vossos servi<strong>do</strong>res<br />

houver <strong>de</strong> ser igual convosco mesma,<br />

vós só convosco mesma andai d'amores.<br />

Por sua Ninfa, Céfalo <strong>de</strong>ixava<br />

Aurora, que por ele se perdia,<br />

posto que dá princípio ao claro dia,<br />

posto que as roxas flores imitava.<br />

Ele, que a bela Prócris tanto amava<br />

que só por ela tu<strong>do</strong> enjeitaria,<br />

<strong>de</strong>seja <strong>de</strong> atentar se lhe acharia<br />

tão firme fé como nele achava.<br />

Muda<strong>do</strong> o trajo, tece o duro engano:<br />

outro se finge, preço põe diante,<br />

quebra se a fé mudável, e consente.<br />

Ó engenho sutil para seu dano!<br />

Ve<strong>de</strong> que manhas busca um cego amante<br />

para que sempre seja <strong>de</strong>scontente!<br />

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062<br />

134


Posto me tem Fortuna em tal esta<strong>do</strong>,<br />

e tanto a seus pés me tem rendi<strong>do</strong>!<br />

Não tenho que per<strong>de</strong>r já, <strong>de</strong> perdi<strong>do</strong>,<br />

não tenho que mudar já, <strong>de</strong> muda<strong>do</strong>.<br />

To<strong>do</strong> o bem para mim é acaba<strong>do</strong>;<br />

daqui <strong>do</strong>u o viver já por vivi<strong>do</strong>;<br />

que, aon<strong>de</strong> o mal é tão conheci<strong>do</strong>,<br />

também o viver mais será escusa<strong>do</strong>.<br />

Se me basta querer, a morte quero,<br />

que bem outra esperança não convém,<br />

e curarei um mal com outro mal<br />

E, pois <strong>do</strong> bem tão pouco bem espero,<br />

já que o mel este só remédio tem,<br />

não me culpem em querer remédio tal.<br />

Presença bela, angélica figura,<br />

em quem, quanto o Céu tinha, nos tem da<strong>do</strong>;<br />

gesto alegre, <strong>de</strong> rosas semea<strong>do</strong>,<br />

entre as quais se está rin<strong>do</strong> a Fermosura;<br />

olhos, on<strong>de</strong> tem feito tal mistura<br />

em cristal branco o preto marcheta<strong>do</strong>,<br />

que vemos já no ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />

não esperança, mas enveja escura;<br />

brandura, aviso e graça, que aumentan<strong>do</strong><br />

a natural beleza cum <strong>de</strong>sprezo,<br />

com que, mais <strong>de</strong>sprezada, mais se aumenta;<br />

são as prisões <strong>de</strong> um coração que, preso,<br />

seu mal ao som <strong>do</strong>s ferros vai cantan<strong>do</strong>,<br />

como faz a sereia na tormenta.<br />

Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes,<br />

y en lágrimas pasáis la noche y día,<br />

mirad si es llanto este que os envia<br />

aquella por quien vos tantas vertistes<br />

Sentid, mis ojos, bien esta que vistes,<br />

y si ella lo es, oh gran ventura mia!<br />

por muy bien empleadas las habría<br />

mil cuentas que por esta sola distes.<br />

Mas una cosa mucho <strong>de</strong>seada,<br />

aunque se vea cierta, no es creída,<br />

cuanto más esta, que me es enviada.<br />

Pero digo que aunque sea fingida,<br />

que basta que por lágrima sea dada,<br />

porque sea por lágrima tenida.<br />

036<br />

147<br />

138


Quan<strong>do</strong> a suprema <strong>do</strong>r muito me aperta,<br />

se digo que <strong>de</strong>sejo esquecimento,<br />

é força que se faz ao pensamento,<br />

<strong>de</strong> que a vonta<strong>de</strong> livre <strong>de</strong>sconserta.<br />

Assi, <strong>de</strong> erro tão grave me <strong>de</strong>sperta<br />

a luz <strong>do</strong> bem regi<strong>do</strong> entendimento,<br />

que mostra ser engano ou fingimento<br />

dizer que em tal <strong>de</strong>scanso mais se acerta.<br />

Porque essa própria imagem, que na mente<br />

me representa o bem <strong>de</strong> que careço,<br />

faz-mo <strong>de</strong> um certo mo<strong>do</strong> ser presente.<br />

Ditosa é, logo, a pena que pa<strong>de</strong>ço,<br />

pois que da causa <strong>de</strong>la em mim se sente<br />

um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.<br />

Quan<strong>do</strong> cui<strong>do</strong> no tempo que, contente,<br />

vi as pérolas, neve, rosa e ouro,<br />

como quem vê por sonhos um tesouro,<br />

parece tenho tu<strong>do</strong> aqui presente.<br />

Mas tanto que se passa este aci<strong>de</strong>nte,<br />

e vejo o quão distante <strong>de</strong> vós mouro,<br />

temo quanto imagino por agouro,<br />

porque d'imaginar também me ausente.<br />

Já foram dias em que por ventura<br />

vos vi, Senhora (se, assi dizen<strong>do</strong>, posso<br />

co coração seguro estar sem me<strong>do</strong>);<br />

Agora, em tanto mal não mo assegura<br />

a própria fantasia e nojo vosso:<br />

eu não posso enten<strong>de</strong>r este segre<strong>do</strong>!<br />

Quan<strong>do</strong> da bela vista e <strong>do</strong>ce riso,<br />

toman<strong>do</strong> estão meus olhos mantimento,<br />

tão enleva<strong>do</strong> sinto o pensamento<br />

que me faz ver na terra o Paraíso.<br />

Tanto <strong>do</strong> bem humano estou diviso,<br />

que qualquer outro bem julgo por vento;<br />

assi, que em caso tal, segun<strong>do</strong> sento,<br />

assaz <strong>de</strong> pouco faz quem per<strong>de</strong> o siso.<br />

Em vos louvar, Senhora, não me fun<strong>do</strong>,<br />

porque quem vossas cousas claro sente,<br />

sentirá que não po<strong>de</strong> merecê las.<br />

Que <strong>de</strong> tanta estranheza sois ao mun<strong>do</strong>,<br />

que não é <strong>de</strong> estranhar, Dama excelente,<br />

que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.<br />

117<br />

009


Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida<br />

maginação os olhos me a<strong>do</strong>rmece,<br />

em sonhos aquela alma me aparece<br />

que para mim foi sonho nesta vida.<br />

Lá nüa soïda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> estendida<br />

a vista pelo campo <strong>de</strong>sfalece,<br />

corro par'ela; e ela então parece<br />

que mais <strong>de</strong> mim se alonga, compelida.<br />

Bra<strong>do</strong>: Não me fujais, sombra benina!<br />

Ela (os olhos em mim cum bran<strong>do</strong> pejo,<br />

como quem diz que já não po<strong>de</strong> ser),<br />

torna a fugir-me; e eu, gritan<strong>do</strong>: Dina...<br />

antes que diga mene, alar<strong>do</strong>, e vejo<br />

que nem um breve engano posso ter.<br />

Quan<strong>do</strong> o Sol encoberto vai mostran<strong>do</strong><br />

ao mun<strong>do</strong> a luz quieta e duvi<strong>do</strong>sa,<br />

ao longo <strong>de</strong> üa praia <strong>de</strong>leitosa,<br />

vou na minha inimiga imaginan<strong>do</strong>.<br />

Aqui a vi, os cabelos concertan<strong>do</strong>;<br />

ali, co a mão na face tão fermosa;<br />

aqui, falan<strong>do</strong> alegre, ali cui<strong>do</strong>sa;<br />

agora estan<strong>do</strong> queda, agora andan<strong>do</strong>.<br />

aqui esteve sentada, ali me viu,<br />

erguen<strong>do</strong> aqueles olhos tão isentos;<br />

aqui movida um pouco, ali segura;<br />

qui se entristeceu, ali se riu;<br />

enfim, nestes cansa<strong>do</strong>s pensamentos<br />

passo esta vida vã, que sempre dura.<br />

Quan<strong>do</strong>, Senhora, quis Amor que amasse<br />

essa grã perfeição e gentileza,<br />

logo <strong>de</strong>u por sentença que a crueza<br />

em vosso peito amor acrescentasse.<br />

Determinou que nada me apartasse,<br />

nem <strong>de</strong>sfavor cruel, nem aspereza;<br />

mas que em minha raríssima firmeza<br />

vossa isenção cruel se executasse.<br />

E, pois ten<strong>de</strong>s aqui oferecida e<br />

sta alma vossa a vosso sacrifício,<br />

acabai <strong>de</strong> fartar vossa vonta<strong>de</strong>.<br />

Não lhe alargueis, Senhora, mais a vida;<br />

acabará morren<strong>do</strong> em seu oficio,<br />

sua fé <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e lealda<strong>de</strong>.<br />

100<br />

018<br />

139


Quan<strong>do</strong> se vir com água o fogo ar<strong>de</strong>r,<br />

e misturar co dia a noite escura,<br />

e a terra se vir naquela altura<br />

em que se vem os Céus prevalecer;<br />

o Amor por razão manda<strong>do</strong> ser,<br />

e a to<strong>do</strong>s ser igual nossa ventura,<br />

com tal mudança, vossa formosura<br />

então a po<strong>de</strong>rei <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver.<br />

Porém não sen<strong>do</strong> vista esta mudança<br />

no mun<strong>do</strong> (como claro está não ver-se),<br />

não se espere <strong>de</strong> mim <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver-vos.<br />

Que basta estar em vós minha esperança,<br />

o ganho <strong>de</strong> minha alma, e o per<strong>de</strong>r-se,<br />

para não <strong>de</strong>ixar nunca <strong>de</strong> querer-vos.<br />

Quan<strong>do</strong> vejo que meu <strong>de</strong>stino or<strong>de</strong>na<br />

que por me exprimentar <strong>de</strong> vós me aparte,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> meu bem tão gran<strong>de</strong> parte<br />

que a mesma culpa fica grave pena;<br />

o duro disfavor que me con<strong>de</strong>na,<br />

quan<strong>do</strong> pela memória se reparte,<br />

endurece os senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tal arte<br />

que a <strong>do</strong>r da ausência fica mais pequena.<br />

Pois como po<strong>de</strong> ser que na mudança<br />

daquilo que mais quero estê tão fora<br />

<strong>de</strong> me não apartar também da vida?<br />

Eu refrearei tão áspera esquivança;<br />

porque mais sentirei partir, Senhora,<br />

sem sentir muito a pena da partida.<br />

Quantas vezes <strong>do</strong> fuso s'esquecia<br />

Daliana, banhan<strong>do</strong> o lin<strong>do</strong> seio,<br />

tantas vezes <strong>de</strong> um áspero receio<br />

saltea<strong>do</strong>, Laurénio a cor perdia.<br />

Ela, que a Sílvio mais que a si queria,<br />

para podê lo ver não tinha meio:<br />

ora, como curara o mal alheio<br />

quem o seu mal tão mal curar sabia?<br />

Ele, que viu tão clara esta verda<strong>de</strong>,<br />

com soluços, <strong>de</strong>zia (que a espessura<br />

comovia, <strong>de</strong> mágoa, a pieda<strong>de</strong>):<br />

—Como po<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m da Natura<br />

fazer tão diferentes na vonta<strong>de</strong><br />

a quem fez tão conformes na ventura?<br />

135<br />

028<br />

070


Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.<br />

- A que horas o tomaste?- Amanhecen<strong>do</strong>.<br />

- Enten<strong>de</strong>s o que levas?- Não o enten<strong>do</strong>.<br />

- Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.<br />

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.<br />

- Como ficou sua luz?- Anoitecen<strong>do</strong>.<br />

- Lusitânia que diz?- Fica dizen<strong>do</strong>:<br />

Enfim, não mereci Dona Maria.<br />

Mataste quem a viu?- Já morto estava.<br />

- Que diz o cru Amor?- Falar não ousa.<br />

- E quem o faz calar?- Minha vonta<strong>de</strong>.<br />

Na corte que ficou?- Sauda<strong>de</strong> brava.<br />

- Que fica lá que ver?- Nenhüa cousa;<br />

mas fica que chorar sua belda<strong>de</strong>.<br />

Que me quereis, perpétuas sauda<strong>de</strong>s?<br />

Com que esperança ainda me enganais?<br />

Que o tempo que se vai não torna mais,<br />

e se torna, não tornam as ida<strong>de</strong>s.<br />

Razão é já, ó anos!, que vos va<strong>de</strong>s,<br />

porque estes tão ligeiros que passais,<br />

nem to<strong>do</strong>s para um gosto são iguais,<br />

nem sempre são conformes as vonta<strong>de</strong>s.<br />

Aquilo a que já quis é tão muda<strong>do</strong><br />

que quase é outra causa: porque os dias<br />

têm o primeiro gosto já dana<strong>do</strong>.<br />

Esperanças <strong>de</strong> novas alegrias<br />

não mas <strong>de</strong>ixa a Fortuna e o Tempo erra<strong>do</strong>,<br />

que <strong>do</strong> contentamento são espias.<br />

Quem fosse acompanhan<strong>do</strong> juntamente<br />

por esses ver<strong>de</strong>s campos a avezinha<br />

que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r um bem que tinha,<br />

não sabe mais que cousa é ser contente!<br />

[E] quem fosse apartan<strong>do</strong>-se da gente,<br />

ela, por companheira e por vizinha,<br />

me ajudasse a chorar a pena minha,<br />

eu a ela o pesar que tanto sente!<br />

Ditosa ave! que, ao menos, se a Natura<br />

a seu primeiro bem não dá segun<strong>do</strong>,<br />

dá-lhe o ser triste a seu contentamento.<br />

Mas triste quem <strong>de</strong> longe quis ventura,<br />

que, para respirar, lhe falte o vento,<br />

e, para tu<strong>do</strong>, enfim, lhe falte o mun<strong>do</strong>!<br />

158<br />

107<br />

102


*000<br />

* Quem jaz no grão sepulcro, que <strong>de</strong>s creve<br />

Este soneto não foi disponibiliza<strong>do</strong> pela<br />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<br />

<br />

que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta obra.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos sua compreensão.<br />

Que mo<strong>do</strong> tão sutil da natureza,<br />

para fugir ao mun<strong>do</strong>, e seus enganos,<br />

permite que se esconda em tenros anos,<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um burel tanta beleza!<br />

Mas escon<strong>de</strong>r se não po<strong>de</strong> aquela alteza<br />

e gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhos soberanos,<br />

a cujo resplan<strong>do</strong>r entre os humanos<br />

resistência não sinto, ou fortaleza.<br />

Quem quer livre ficar <strong>de</strong> <strong>do</strong>r e pena,<br />

ven<strong>do</strong> a ou trazen<strong>do</strong> a na memória,<br />

da mesma razão sua se con<strong>de</strong>na.<br />

Porque quem mereceu ver tanta glória,<br />

cativo há <strong>de</strong> ficar; que Amor or<strong>de</strong>na<br />

que <strong>de</strong> juro tenha ela esta vitória.<br />

Quem po<strong>de</strong> livre ser, gentil Senhora,<br />

ven<strong>do</strong>-vos com juízo sossega<strong>do</strong>,<br />

se o Minino que <strong>de</strong> olhos é priva<strong>do</strong>,<br />

nas mininas <strong>do</strong>s vossos olhos mora?<br />

Ali manda, ali reina, ali namora,<br />

ali vive das gentes venera<strong>do</strong>;<br />

que o vivo lume e o rosto <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>,<br />

imagens são, nas quais o Amor se a<strong>do</strong>ra.<br />

Quem vê que em branca neve nascem rosas<br />

que fios crespos <strong>de</strong> ouro vão cercan<strong>do</strong>,<br />

se por entre esta luz a vista passa,<br />

raios <strong>de</strong> ouro verá, que as duvi<strong>do</strong>sas<br />

almas estão no peito traspassan<strong>do</strong>,<br />

assi como um cristal o Sol traspassa...<br />

Quem presumir, Senhora, <strong>de</strong> louvar-vos<br />

com humano saber, e não divino,<br />

ficará <strong>de</strong> tamanha culpa dino<br />

035<br />

010<br />

141


quamanha ficais ten<strong>do</strong> em contemplar-vos.<br />

Não pretenda ninguém <strong>de</strong> louvar dar-vos,<br />

por mais que raro seja e peregrino:<br />

que vossa fermosura eu imagino<br />

que Deus a Ele só quis comparar-vos.<br />

Ditosa esta alma vossa, que quisestes<br />

em posse pôr <strong>de</strong> prenda tão subida,<br />

como, Senhora, foi a que me <strong>de</strong>stes.<br />

Melhor a guardarei que a própria vida;<br />

que, pois mercê tamanha me fizestes,<br />

<strong>de</strong> mim será jamais nunca esquecida.<br />

Quem quiser ver d'Amor üa excelência<br />

on<strong>de</strong> sua fineza mais se apura,<br />

atente on<strong>de</strong> me põe minha ventura,<br />

por ter <strong>de</strong> minha fé experiência.<br />

On<strong>de</strong> lembranças mata a longa ausência,<br />

em temeroso mar, em guerra dura,<br />

ali a sauda<strong>de</strong> está segura,<br />

quan<strong>do</strong> mor risco corre a paciência.<br />

Mas ponha me Fortuna e o duro Fa<strong>do</strong><br />

em nojo, morte, dano e perdição,<br />

ou em sublime e próspera ventura;<br />

Ponha me, enfim, em baixo ou alto esta<strong>do</strong>;<br />

que até na dura morte me acharão<br />

na língua o nome, n'alma a vista pura.<br />

Quem vê, Senhora, claro e manifesto<br />

o lin<strong>do</strong> ser <strong>de</strong> vossos olhos belos,<br />

se não per<strong>de</strong>r a vista só em vê los,<br />

já não paga o que <strong>de</strong>ve a vosso gesto.<br />

Este me parecia preço honesto;<br />

mas eu, por <strong>de</strong> vantagem merecê los,<br />

<strong>de</strong>i mais a vida e alma por querê los,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> já me não fica mais <strong>de</strong> resto.<br />

Assi que a vida e alma e esperança<br />

e tu<strong>do</strong> quanto tenho, tu<strong>do</strong> é vosso,<br />

e o proveito disso eu só o levo.<br />

Porque é tamanha bem aventurança<br />

o dar vos quanto tenho e quanto posso<br />

que, quanto mais vos pago, mais vos <strong>de</strong>vo.<br />

Quem vos levou <strong>de</strong> mim, sau<strong>do</strong>so esta<strong>do</strong>,<br />

que tanta sem-razão comigo usastes?<br />

048<br />

017<br />

118


Quem foi, por quem tão presto me negastes,<br />

esqueci<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o bem passa<strong>do</strong>?<br />

Trocastes-me um <strong>de</strong>scanso em um cuida<strong>do</strong><br />

tão duro, tão cruel, qual m'or<strong>de</strong>nastes;<br />

a fé, que tínheis da<strong>do</strong>, me negastes,<br />

quan<strong>do</strong> mais nela estava confia<strong>do</strong>.<br />

Vivia sem receio <strong>de</strong>ste mal;<br />

Fortuna, que tem tu<strong>do</strong> a sua mercê,<br />

amor com <strong>de</strong>samor me revolveu.<br />

Bem sei que neste caso nada val,<br />

que quem naceu choran<strong>do</strong>, justo é<br />

que pague com chorar o que per<strong>de</strong>u.<br />

Que po<strong>de</strong> já fazer minha ventura<br />

que seja para meu contentamento.,<br />

Ou como fazer <strong>de</strong>vo fundamento<br />

<strong>de</strong> cousa que o não tem, nem é segura?<br />

Que pena po<strong>de</strong> ser tão certa e dura<br />

que possa ser maior que meu tormento?<br />

Ou como receará meu pensamento<br />

os males, se com eles mais se apura?<br />

Como quem se costuma <strong>de</strong> pequeno<br />

com peçonha criar por mão ciente,<br />

da qual o uso já o tem seguro;<br />

assi <strong>de</strong> acostuma<strong>do</strong> co veneno,<br />

o uso <strong>de</strong> sofrer meu mal presente<br />

me faz não sentir já nada o futuro.<br />

Que po<strong>de</strong>rei <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já querer,<br />

que naquilo em que pus tamanho amor,<br />

não vi senão `<strong>de</strong>sgosto e <strong>de</strong>samor,<br />

e morte, enfim, que mais não po<strong>de</strong> ser!<br />

Pois vida me não farta <strong>de</strong> viver,<br />

pois já sei que não mata gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r,<br />

se cousa há que mágoa dê maior,<br />

eu a verei; que tu<strong>do</strong> posso ver.<br />

A morte, a meu pesar, me assegurou<br />

<strong>de</strong> quanto mal me vinha; já perdi<br />

o que per<strong>de</strong>r o me<strong>do</strong> me ensinou.<br />

Na vida <strong>de</strong>samor somente vi,<br />

na morte a gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r que me ficou:<br />

parece que para isto só nasci!<br />

A D. <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>, Vizo-Rei<br />

140<br />

088<br />

164


Que vençais no Oriente tantos Reis,<br />

que <strong>de</strong> novo nos <strong>de</strong>is da Índia o Esta<strong>do</strong>,<br />

que escureceis a fama que ganha<strong>do</strong><br />

tinham os que a ganharam a infiéis;<br />

que <strong>do</strong> tempo tenhais venci<strong>do</strong> as leis,<br />

que tu<strong>do</strong>, enfim, vençais co tempo arma<strong>do</strong>,<br />

mais é vencer na pátria, <strong>de</strong>sarma<strong>do</strong>,<br />

os monstros e as Quimeras que venceis.<br />

E assi, sobre vencer<strong>de</strong>s tanto imigo,<br />

e por armas fazer que, sem segun<strong>do</strong>,<br />

vosso nome no mun<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> seja,<br />

o que vos dá mais nome inda no mun<strong>do</strong>,<br />

é vencer<strong>de</strong>s, Senhor, no Reino amigo,<br />

tantas ingratidões, tão gran<strong>de</strong> enveja!<br />

Se a Fortuna inquieta e mal olhada,<br />

que a justa lei <strong>do</strong> Céu consigo infama,<br />

a vida quieta, que ela mais <strong>de</strong>sama,<br />

me conce<strong>de</strong>ra, honesta e repousada;<br />

pu<strong>de</strong>ra ser que a Musa, alevantada<br />

com luz <strong>de</strong> mais ar<strong>de</strong>nte e viva flama.<br />

fizera ao Tejo lá na pátria cama<br />

a<strong>do</strong>rmecer co som da lira amada.<br />

Porém, pois o <strong>de</strong>stino trabalhoso,<br />

que me escurece a Musa fraca e lassa,<br />

louvor <strong>de</strong> tanto preço não sustenta;<br />

a vossa <strong>de</strong> louvar-me pouco escassa,<br />

outro sujeito busque valeroso,<br />

tal qual em vós ao mun<strong>do</strong> se apresenta.<br />

Se algü'hora em vós a pieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tão longo tormento se sentira,<br />

não consentira Amor que me partira<br />

<strong>de</strong> vossos olhos, minha saüda<strong>de</strong>.<br />

Apartei me <strong>de</strong> vós, mas a vonta<strong>de</strong>,<br />

que pelo natural n'alma vos tira,<br />

me faz crer que esta ausência é <strong>de</strong> mentira;<br />

mas inda mal, porém, porque é verda<strong>de</strong>.<br />

Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,<br />

tomarão tristes lágrimas vingança<br />

nos olhos <strong>de</strong> quem fostes mantimento.<br />

E assi darei vida a meu tormento;<br />

que, enfim, cá me achará minha lembrança<br />

sepulta<strong>do</strong> no vosso esquecimento.<br />

148<br />

029<br />

016


Se as penas com que Amor tão mal me trata<br />

quiser que tanto tempo viva <strong>de</strong>las<br />

que veja escuro o lume das estrelas<br />

em cuja vista o meu se acen<strong>de</strong> e mata;<br />

e se o tempo, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sbarata,<br />

secar as frescas rosas sem colhê-las,<br />

mostran<strong>do</strong> a linda cor das tranças belas<br />

mudada <strong>de</strong> ouro fino em bela prata;<br />

vereis, Senhora, então também muda<strong>do</strong><br />

o pensamento e aspereza vossa,<br />

quan<strong>do</strong> não sirva já sua mudança.<br />

Suspirareis então pelo passa<strong>do</strong>,<br />

em tempo quan<strong>do</strong> executar-se possa<br />

em vosso arrepen<strong>de</strong>r minha vingança.<br />

[À morte <strong>de</strong> D. António <strong>de</strong> Noronha]<br />

Em flor vos arrancou, <strong>de</strong> então crecida<br />

(Ah! senhor <strong>do</strong>m António!), a dura sorte,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> fazen<strong>do</strong> andava o braço forte<br />

a fama <strong>do</strong>s Antigos esquecida.<br />

üa só razão tenho conhecida<br />

com que tamanha mágoa se conforte:<br />

que, pois no mun<strong>do</strong> havia honrada morte,<br />

que não podíeis ter mais larga a vida.<br />

Se meus humil<strong>de</strong>s versos po<strong>de</strong>m tanto<br />

que co <strong>de</strong>sejo meu se iguale a arte,<br />

especial matéria me sereis.<br />

E, celebra<strong>do</strong> em triste e longo canto,<br />

se morrestes nas mãos <strong>do</strong> fero Marte,<br />

na memória das gentes vivereis.<br />

Se <strong>de</strong> vosso fermoso e lin<strong>do</strong> gesto<br />

nasceram lindas flores para os olhos,<br />

que para o peito são duros abrolhos,<br />

em mim se vê mui claro e manifesto:<br />

52<br />

pois vossa fermosura e vulto honesto<br />

em os ver, <strong>de</strong> boninas vi mil molhos;<br />

mas se meu coração tivera antolhos,<br />

não vira em vós seu dano o mal funesto.<br />

Um mal visto por bem, um bem tristonho,<br />

que me traz eleva<strong>do</strong> o pensamento<br />

em mil, porém diversas, fantasias,<br />

nas quais eu sempre an<strong>do</strong>, e sempre sonho;<br />

e vós não cuidais mais que em meu tormento,<br />

em que fundais as vossas alegrias.<br />

049<br />

142


Seguia aquele fogo, que o guiava,<br />

Leandro, contra o mar e contra o vento;<br />

as forças lhe faltavam já e o alento,<br />

Amor lhas refazia e renovava.<br />

Despois que viu que a alma lhe faltava,<br />

não esmorece; mas, no pensamento,<br />

(que a língua já não po<strong>de</strong>) seu intento<br />

ao mar que lho cumprisse, encomendava.<br />

Ó mar (<strong>de</strong>zia o moço só consigo),<br />

já te não peço a vida; só queria<br />

que a <strong>de</strong> Hero me salves; não me veja...<br />

Este meu corpo morto, lá o <strong>de</strong>svia<br />

daquela torre. Sê me nisto amigo,<br />

pois no meu maior bem me houveste enveja!<br />

Sempre a Razão vencida foi <strong>de</strong> Amor;<br />

mas, porque assi o pedia o coração,<br />

quis Amor ser venci<strong>do</strong> da Razão.<br />

Ora que caso po<strong>de</strong> haver maior!<br />

Novo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> morte, e nova <strong>do</strong>r!<br />

Estranheza <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> admiração,<br />

que per<strong>de</strong> suas forças a afeição,<br />

porque não perca a pena o seu rigor.<br />

Pois nunca houve fraqueza no querer,<br />

mas antes muito mais se esforça assim<br />

um contrário com outro por vencer.<br />

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,<br />

não creio que é razão; mas há <strong>de</strong> ser<br />

inclinação que eu tenho contra mim.<br />

Sempre, cruel Senhora, receei,<br />

medin<strong>do</strong> vossa grã <strong>de</strong>sconfiança,<br />

que <strong>de</strong>sse em <strong>de</strong>samor vossa tardança,<br />

e que me per<strong>de</strong>sse eu, pois vos amei.<br />

Perca-se, enfim, já tu<strong>do</strong> o que esperei,<br />

pois noutro amor já ten<strong>de</strong>s esperança.<br />

Tão patente será vossa mudança,<br />

quanto eu encobri sempre o que vos <strong>de</strong>i.<br />

Dei-vos a alma, a vida e o senti<strong>do</strong>;<br />

<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que em mim há vos fiz s<br />

enhora. Prometeis e negais o mesmo Amor.<br />

Agora tal estou que, <strong>de</strong> perdi<strong>do</strong>,<br />

não sei por on<strong>de</strong> vou, mas algü'hora<br />

vos dará tal lembrança gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>r.<br />

061<br />

055<br />

143


Senhor João Lopes, o meu baixo esta<strong>do</strong><br />

ontem vi posto em grau tão excelente,<br />

que vós, que sois enveja a toda a gente,<br />

só por mim vos quiséreis ver troca<strong>do</strong>.<br />

Vi o gesto suave e <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />

que já vos fez, contente e <strong>de</strong>scontente,<br />

lançar ao vento a voz tão <strong>do</strong>cemente<br />

que fez o ar sereno e sossega<strong>do</strong>.<br />

Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto<br />

ninguém diria em muitas; eu só, cego,<br />

magoa<strong>do</strong> fiquei na <strong>do</strong>ce fala.<br />

Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!<br />

Um, porque os corações obriga a tanto;<br />

outra, porque os esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>siguala.<br />

Senhora já <strong>de</strong>st'alma, per<strong>do</strong>ai<br />

<strong>de</strong> um venci<strong>do</strong> <strong>de</strong> Amor os <strong>de</strong>satinos,<br />

e sejam vossos olhos tão beninos<br />

com este puro amor, que d'alma sai.<br />

A minha pura fé somente olhai,<br />

e ve<strong>de</strong> meus extremos se são finos;<br />

e se <strong>de</strong> algüa pena forem dinos,<br />

em mim, Senhora minha, vos vingai.<br />

Não seja a <strong>do</strong>r que abrasa o triste peito<br />

causa por on<strong>de</strong> pene o coração,<br />

que tanto em firme amor vos é sujeito.<br />

Guardai-vos <strong>do</strong> que alguns, Dama, dirão,<br />

que, sen<strong>do</strong> raro em tu<strong>do</strong> vosso objeito,<br />

possa morar em vós ingratidão.<br />

Senhora minha, se a Fortuna imiga,<br />

que em minha fim com to<strong>do</strong> o Céu conspira,<br />

os olhos meus <strong>de</strong> ver os vossos tira,<br />

porque em mais graves casos me persiga;<br />

comigo levo esta alma, que se obriga,<br />

na mor pressa <strong>de</strong> mar, <strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong> ira,<br />

a dar vos a memória, que suspira,<br />

só por fazer convosco eterna liga.<br />

Nest'alma, on<strong>de</strong> a Fortuna po<strong>de</strong> pouco,<br />

tão viva vos terei, que frio e fome<br />

vos não possam tirar, nem vãos perigos.<br />

Antes co som da voz, trémulo e rouco,<br />

bradan<strong>do</strong> por vós, só com vosso nome<br />

050<br />

119<br />

040


farei fugir os ventos e os imigos.<br />

Sentin<strong>do</strong> se tomada a bela esposa<br />

<strong>de</strong> Céfalo, no crime consenti<strong>do</strong>,<br />

para os montes fugia <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>;<br />

e não sei se <strong>de</strong> astuta, ou vergonhosa.<br />

Porque ele, enfim, sofren<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r ciosa,<br />

<strong>de</strong> amor cego e forçoso compeli<strong>do</strong>,<br />

após ela se vai como perdi<strong>do</strong>,<br />

já per<strong>do</strong>an<strong>do</strong> a culpa criminosa.<br />

Deita se aos pés da Ninfa endurecida,<br />

que <strong>do</strong> cioso engano está agravada;<br />

já lhe pe<strong>de</strong> perdão, já pe<strong>de</strong> a vida.<br />

Ó força <strong>de</strong> afeição <strong>de</strong>satinada!<br />

Que da culpa contra ele cometida,<br />

perdão pedia à parte que é culpada!<br />

Se pena por amar vos se merece,<br />

quem <strong>de</strong>la livre está? Ou quem isento?<br />

Que alma, que razão, qu'entendimento,<br />

em ver vos se não ren<strong>de</strong> e obe<strong>de</strong>ce?<br />

Que mor glória na vida s'oferece<br />

que ocupar se em vós o pensamento?<br />

Toda a pena cruel, to<strong>do</strong> o tormento<br />

em ver vos se não sente, mas esquece.<br />

Mas se merece pena quem aman<strong>do</strong><br />

contino vos está, se vos ofen<strong>de</strong>,<br />

o mun<strong>do</strong> matareis, que to<strong>do</strong> é vosso.<br />

Em mim po<strong>de</strong>is, Senhora, ir começan<strong>do</strong>,<br />

que claro se conhece e bem se enten<strong>de</strong><br />

amar vos quanto <strong>de</strong>vo e quanto posso.<br />

Se tanta pena tenho merecida<br />

em pago <strong>de</strong> sofrer tantas durezas,<br />

provai, Senhora, em mim vossas cruezas,<br />

que aqui ten<strong>de</strong>s ua alma oferecida.<br />

Nela experimental, se sois servida,<br />

<strong>de</strong>sprezos, disfavores e asperezas;<br />

que mores sofrimentos e firmezas<br />

sustentarei na guerra <strong>de</strong>sta vida.<br />

Mas contra vossos olhos quais serão?<br />

Força<strong>do</strong> é que tu<strong>do</strong> se lhe renda;<br />

mas porei por escu<strong>do</strong> o coração.<br />

Porque em tão dura e áspera contenda,<br />

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é bem que, pois não acho <strong>de</strong>fensão,<br />

com me meter nas lanças me <strong>de</strong>fenda.<br />

Sete anos <strong>de</strong> pastor Jacob servia<br />

Labão, pai <strong>de</strong> Raquel, serrana bela;<br />

mas não servia ao pai, servia a ela,<br />

e a ela só por prémio pretendia.<br />

Os dias, na esperança <strong>de</strong> um só dia,<br />

passava, contentan<strong>do</strong> se com vê la;<br />

porém o pai, usan<strong>do</strong> <strong>de</strong> cautela,<br />

em lugar <strong>de</strong> Raquel lhe dava Lia.<br />

Ven<strong>do</strong> o triste pastor que com enganos<br />

lhe fora assi negada a sua pastora,<br />

como se a não tivera merecida;<br />

começa <strong>de</strong> servir outros sete anos,<br />

dizen<strong>do</strong>: —Mais servira, se não fora<br />

para tão longo amor tão curta a vida.<br />

Se tomar minha pena em penitência<br />

<strong>do</strong> erro em que caiu o pensamento,<br />

não abranda, mas <strong>do</strong>bra meu tormento,<br />

a isto, e a mais, obriga a paciência.<br />

E se üa cor <strong>de</strong> morto na aparência,<br />

um espalhar suspiros vãos ao vento,<br />

em vós não faz, Senhora, movimento,<br />

fique meu mal em vossa consciência.<br />

E se <strong>de</strong> qualquer áspera mudança<br />

toda a vonta<strong>de</strong> isenta Amor castiga<br />

(como eu vi bem no mal que me con<strong>de</strong>na);<br />

e se em vós não s'enten<strong>de</strong> haver vingança,<br />

será força<strong>do</strong> (pois Amor me obriga)<br />

que eu só <strong>de</strong> vossa culpa pague a pena.<br />

Suspiros inflama<strong>do</strong>s, que cantais<br />

a tristeza com que eu vivi tão le<strong>do</strong>!<br />

Eu mouro e não vos levo, porque hei me<strong>do</strong><br />

que ao passar <strong>do</strong> Lete vos percais.<br />

Escritos para sempre já ficais<br />

on<strong>de</strong> vos mostrarão to<strong>do</strong>s co <strong>de</strong><strong>do</strong><br />

como exemplo <strong>de</strong> males; que eu conce<strong>do</strong><br />

que para aviso d'outros estejais.<br />

Em quem, pois, vir<strong>de</strong>s falsas esperanças<br />

d'Amor e da Fortuna, cujos danos<br />

alguns terão por bem aventuranças,<br />

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dizei lhe que os servistes muitos anos,<br />

e que em Fortuna tu<strong>do</strong> são mudanças,<br />

e que em Amor não há senão enganos.<br />

Sustenta meu viver üa esperança<br />

<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um bem tão <strong>de</strong>seja<strong>do</strong><br />

que, quan<strong>do</strong> nela estou mais confia<strong>do</strong>,<br />

mor dúvida me põe qualquer mudança.<br />

E quan<strong>do</strong> inda este bem na mor pujança<br />

<strong>de</strong> seus gostos me tem mais enleva<strong>do</strong>,<br />

me atormenta então ver eu que, alcança<strong>do</strong><br />

será por quem <strong>de</strong> vós não tem lembrança.<br />

Assi, que nestas re<strong>de</strong>s enlaça<strong>do</strong>,<br />

a penas <strong>do</strong>u a vida , sustentan<strong>do</strong><br />

üa nova matéria a meu cuida<strong>do</strong> .<br />

Suspiros d'alma tristes arrancan<strong>do</strong>,<br />

<strong>do</strong>s silvos <strong>de</strong> ua pedra acompanha<strong>do</strong>,<br />

estou matérias tristes lamentan<strong>do</strong>.<br />

Tal mostra dá <strong>de</strong> si vossa figura,<br />

Sibela, clara luz da re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>za,<br />

que as forças e o po<strong>de</strong>r da natureza<br />

com sua clarida<strong>de</strong> mais apura.<br />

Quem viu üa confiança tão segura,<br />

tão singular esmalte da beleza,<br />

que não pa<strong>de</strong>ça mais, se ter <strong>de</strong>fesa<br />

contra vossa gentil vista procura?<br />

Eu, pois, por escusar essa esquivança,<br />

a razão sujeitei ao pensamento,<br />

que, rendida, os senti<strong>do</strong>s lhe entregaram.<br />

Se vos ofen<strong>de</strong> o meu atrevimento,<br />

inda po<strong>de</strong>is tomar nova vingança<br />

nas relíquias da vida, que escaparam.<br />

Tanto <strong>de</strong> meu esta<strong>do</strong> me acho incerto,<br />

que em vivo ar<strong>do</strong>r tremen<strong>do</strong> estou <strong>de</strong> frio;<br />

sem causa, juntamente choro e rio,<br />

o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> abarco e nada aperto.<br />

É tu<strong>do</strong> quanto sinto, um <strong>de</strong>sconcerto;<br />

da alma um fogo me sai, da vista um rio;<br />

agora espero, agora <strong>de</strong>sconfio,<br />

agora <strong>de</strong>svario, agora acerto.<br />

Estan<strong>do</strong> em terra, chego ao Céu voan<strong>do</strong>,<br />

num'hora acho mil anos, e é <strong>de</strong> jeito<br />

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que em mil anos não posso achar ü'hora.<br />

Se me pergunta alguém porque assi an<strong>do</strong>,<br />

respon<strong>do</strong> que não sei; porém suspeito<br />

que só porque vos vi, minha Senhora.<br />

Tempo é já que minha confiança<br />

se <strong>de</strong>sça <strong>de</strong> üa falsa opinião;<br />

mas Amor não se rege por razão;<br />

não posso per<strong>de</strong>r, logo, a esperança.<br />

A vida, si; que üa áspera mudança<br />

não <strong>de</strong>ixa viver tanto um coração.<br />

E eu na morte tenho a salvação?<br />

Si, mas quem a <strong>de</strong>seja não a alcança.<br />

Força<strong>do</strong> é logo que eu espere e viva.<br />

Ah! dura lei <strong>de</strong> Amor, que não consente<br />

quietação nüa alma que é cativa!<br />

Se hei <strong>de</strong> viver, enfim, forçadamente,<br />

para que quero a glória fugitiva<br />

<strong>de</strong> üa esperança vã que me atormente?<br />

To<strong>do</strong> o animal da calma repousava,<br />

só Liso o ar<strong>do</strong>r <strong>de</strong>la não sentia;<br />

que o repouso <strong>do</strong> fogo em que ardia<br />

consistia na Ninfa que buscava.<br />

Os montes parecia que abalava<br />

o triste som das mágoas que <strong>de</strong>zia;<br />

mas nada o duro peito comovia,<br />

que na vonta<strong>de</strong> d'outrem posto estava.<br />

Cansa<strong>do</strong> já <strong>de</strong> andar pela espessura,<br />

no tronco d'üa faia, por lembrança,<br />

escreveu estas palavras <strong>de</strong> tristeza:<br />

«Nunca ponha ninguém sua esperança<br />

em peito feminil, que, <strong>de</strong> natura,<br />

somente em ser mudável tem firmeza».<br />

Tomava Daliana por vingança<br />

da culpa <strong>do</strong> pastor que tanto amava,<br />

casar com Gil vaqueiro; e em si vingava<br />

o erro alheio e pérfida esquivança.<br />

A discrição segura, a confiança,<br />

as rosas que seu rosto <strong>de</strong>buxava,<br />

o <strong>de</strong>scontentamento lhas secava,<br />

que tu<strong>do</strong> muda üa áspera mudança.<br />

Gentil planta disposta em seca terra,<br />

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lin<strong>do</strong> fruito <strong>de</strong> dura mão colhi<strong>do</strong>,<br />

lembranças d'outro amor, e fé perjura,<br />

tornaram ver<strong>de</strong> pra<strong>do</strong> em dura serra;<br />

interesse enganoso, amor fingi<strong>do</strong>,<br />

fizeram <strong>de</strong>sditosa a fermosura.<br />

Tomou-me vossa vista soberana<br />

a<strong>do</strong>n<strong>de</strong> tinha armas mais à mão,<br />

por mostrar que quem busca <strong>de</strong>fensão<br />

contra esses belos olhos, que se engana.<br />

Por ficar da vitória mais ufana,<br />

<strong>de</strong>ixou-me armar primeiro da Razão;<br />

cui<strong>de</strong>i <strong>de</strong> me salvar, mas foi em vão,<br />

que contra o Céu não val <strong>de</strong>fensa humana.<br />

Mas porém se vos tinha prometi<strong>do</strong><br />

o vosso alto <strong>de</strong>stino esta vitória,<br />

ser-vos tu<strong>do</strong> bem pouco está sabi<strong>do</strong>.<br />

Que, posto que estivesse apercebi<strong>do</strong>,<br />

não levais <strong>de</strong> vencer-me gran<strong>de</strong> glória:<br />

maior a levo eu <strong>de</strong> ser venci<strong>do</strong>.<br />

Transforma se o ama<strong>do</strong>r na cousa amada,<br />

por virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> muito imaginar;<br />

não tenho, logo, mais que <strong>de</strong>sejar,<br />

pois em mim tenho a parte <strong>de</strong>sejada.<br />

Se nela está minha alma transformada,<br />

que mais <strong>de</strong>seja o corpo <strong>de</strong> alcançar?<br />

Em si sòmente po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar,<br />

pois consigo tal alma está liada.<br />

Mas esta linda e pura semi<strong>de</strong>ia,<br />

que, como um aci<strong>de</strong>nte em seu sujeito,<br />

assi co a alma minha se conforma,<br />

está no pensamento como i<strong>de</strong>ia:<br />

[e] o vivo e puro amor <strong>de</strong> que sou feito,<br />

como a matéria simples busca a forma.<br />

Um mover d'olhos, bran<strong>do</strong> e pia<strong>do</strong>so,<br />

sem ver <strong>de</strong> quê; um riso bran<strong>do</strong> e honesto,<br />

quase força<strong>do</strong>; um <strong>do</strong>ce e humil<strong>de</strong> gesto,<br />

<strong>de</strong> qualquer alegria duvi<strong>do</strong>so;<br />

um <strong>de</strong>spejo quieto e vergonhoso;<br />

um repouso gravíssimo e mo<strong>de</strong>sto;<br />

üa pura bonda<strong>de</strong>, manifesto<br />

indício da alma, limpo e gracioso;<br />

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um encolhi<strong>do</strong> ousar; üa brandura;<br />

um me<strong>do</strong> sem ter culpa; um ar sereno;<br />

um longo e obediente sofrimento;<br />

esta foi a celeste fermosura<br />

da minha Circe, e o mágico veneno<br />

que pô<strong>de</strong> transformar meu pensamento.<br />

Venci<strong>do</strong> está <strong>de</strong> Amor<br />

o mais que po<strong>de</strong><br />

sujeita a vos servir<br />

oferecen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong><br />

Contente <strong>de</strong>ste bem,<br />

ou hora em que se viu<br />

mil vezes <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong><br />

outra vez renovar<br />

Com essa pretensão<br />

a causa que me guia<br />

tão estranha, tão <strong>do</strong>ce,<br />

Juran<strong>do</strong> não seguir<br />

votan<strong>do</strong> só por vós<br />

ou ser no vosso amor<br />

Verda<strong>de</strong>, Amor, Razão, Merecimento,<br />

qualquer alma farão segura e forte;<br />

porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,<br />

têm <strong>do</strong> confuso mun<strong>do</strong> o regimento.<br />

Efeitos mil revolve o pensamento<br />

e nao sa ~e a que causa se reporte;<br />

mas sabe que o que é mais que vida e morte,<br />

que não o alcança humano entendimento.<br />

Doctos varões darão razões subidas,<br />

mas são experiências mais provadas,<br />

e por isso é melhor ter muito visto.<br />

Cousas há i que passam sem ser cridas<br />

e cousas cridas há sem ser passadas,<br />

mas o melhor <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é crer em Cristo.<br />

A D. Leonis Pereira<br />

Vós, Ninfas da gangética espessura,<br />

cantai suavemente, em vez sonora,<br />

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meu pensamento<br />

vencida a vida,<br />

instituída,<br />

a vosso intento.<br />

louva o momento,<br />

tão bem perdida;<br />

a tal ferida,<br />

seu perdimento.<br />

está segura<br />

nesta empresa,<br />

honrosa e alta.<br />

outra ventura,<br />

rara firmeza,<br />

acha<strong>do</strong> em falta.<br />

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um gran<strong>de</strong> Capitão, que a roxa Aurora<br />

<strong>do</strong>s filhos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u da noite escura.<br />

Ajuntou-se a caterva negra e dura,<br />

que na Áurea Quersoneso afouta mora,<br />

para lançar <strong>do</strong> caro ninho fora<br />

aqueles que mais po<strong>de</strong>m que a ventura.<br />

Mas um forte Leão, com pouca gente,<br />

a multidão tão fera como nécia<br />

<strong>de</strong>struin<strong>do</strong> castiga e torna fraca.<br />

Pois, ó Ninfas, cantai! que claramente<br />

mais <strong>do</strong> que Leonidas fez em Grécia,<br />

o nobre Leonis fez em Malaca.<br />

Vós outros, que buscais repouso certo<br />

na vida, com diversos exercícios;<br />

a quem, ven<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> os benefícios,<br />

o regimento seu está encoberto;<br />

<strong>de</strong>dicai, se quereis, ao <strong>de</strong>sconcerto<br />

novas hontas e cegos sacrifícios;<br />

que, por castigo igual <strong>de</strong> antigos vícios,<br />

quer Deus que an<strong>de</strong>m as cousas por acerto.<br />

Não caiu neste mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> castigo<br />

quem pôs culpa à Fortuna, quem sòmente<br />

crê que acontecimentos há no mun<strong>do</strong>.<br />

A gran<strong>de</strong> experiência é grão perigo;<br />

mas o que a Deus é justo e evi<strong>de</strong>nte<br />

parece injusto aos homens e profun<strong>do</strong>.<br />

Vós que, d'olhos suaves e serenos,<br />

com justa causa a vida cativais,<br />

e que os outros cuida<strong>do</strong>s con<strong>de</strong>nais<br />

por in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s, baixos e pequenos;<br />

se ainda <strong>do</strong> Amor <strong>do</strong>mésticos venenos<br />

nunca provastes, quero que saibais<br />

que é tanto mais o amor <strong>de</strong>spois que amais, quanto são mais as causas <strong>de</strong> ser menos.<br />

E não cui<strong>de</strong> ninguém que algum <strong>de</strong>feito,<br />

quan<strong>do</strong> na cousa amada s'apresenta,<br />

possa <strong>de</strong>minuir o amor perfeito;<br />

antes o <strong>do</strong>bra mais; e se atormenta,<br />

pouco e pouco o <strong>de</strong>sculpa o bran<strong>do</strong> peito;<br />

que Amor com seus contrairos s'acrescenta.<br />

Vossos olhos, Senhora, que competem<br />

co Sol em fermosura e clarida<strong>de</strong>,<br />

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enchem os meus <strong>de</strong> tal suavida<strong>de</strong><br />

que em lágrimas, <strong>de</strong> vê-los, se <strong>de</strong>rretem.<br />

Meus senti<strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s se sometem<br />

assi cegos a tanta majesta<strong>de</strong>;<br />

e da triste prisão, da escurida<strong>de</strong>,<br />

cheios <strong>de</strong> me<strong>do</strong>, por fugir remetem.<br />

Mas se nisto me ve<strong>de</strong>s por acerto,<br />

o áspero <strong>de</strong>sprezo com que olhais<br />

torna a espertar a alma enfraquecida.<br />

Ó gentil cura e estranho <strong>de</strong>sconcerto!<br />

Que fará o favor que vós não dais,<br />

quan<strong>do</strong> o vosso <strong>de</strong>sprezo torna a vida?<br />

FIM

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