Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida<br />
maginação os olhos me a<strong>do</strong>rmece,<br />
em sonhos aquela alma me aparece<br />
que para mim foi sonho nesta vida.<br />
Lá nüa soïda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> estendida<br />
a vista pelo campo <strong>de</strong>sfalece,<br />
corro par'ela; e ela então parece<br />
que mais <strong>de</strong> mim se alonga, compelida.<br />
Bra<strong>do</strong>: Não me fujais, sombra benina!<br />
Ela (os olhos em mim cum bran<strong>do</strong> pejo,<br />
como quem diz que já não po<strong>de</strong> ser),<br />
torna a fugir-me; e eu, gritan<strong>do</strong>: Dina...<br />
antes que diga mene, alar<strong>do</strong>, e vejo<br />
que nem um breve engano posso ter.<br />
Quan<strong>do</strong> o Sol encoberto vai mostran<strong>do</strong><br />
ao mun<strong>do</strong> a luz quieta e duvi<strong>do</strong>sa,<br />
ao longo <strong>de</strong> üa praia <strong>de</strong>leitosa,<br />
vou na minha inimiga imaginan<strong>do</strong>.<br />
Aqui a vi, os cabelos concertan<strong>do</strong>;<br />
ali, co a mão na face tão fermosa;<br />
aqui, falan<strong>do</strong> alegre, ali cui<strong>do</strong>sa;<br />
agora estan<strong>do</strong> queda, agora andan<strong>do</strong>.<br />
aqui esteve sentada, ali me viu,<br />
erguen<strong>do</strong> aqueles olhos tão isentos;<br />
aqui movida um pouco, ali segura;<br />
qui se entristeceu, ali se riu;<br />
enfim, nestes cansa<strong>do</strong>s pensamentos<br />
passo esta vida vã, que sempre dura.<br />
Quan<strong>do</strong>, Senhora, quis Amor que amasse<br />
essa grã perfeição e gentileza,<br />
logo <strong>de</strong>u por sentença que a crueza<br />
em vosso peito amor acrescentasse.<br />
Determinou que nada me apartasse,<br />
nem <strong>de</strong>sfavor cruel, nem aspereza;<br />
mas que em minha raríssima firmeza<br />
vossa isenção cruel se executasse.<br />
E, pois ten<strong>de</strong>s aqui oferecida e<br />
sta alma vossa a vosso sacrifício,<br />
acabai <strong>de</strong> fartar vossa vonta<strong>de</strong>.<br />
Não lhe alargueis, Senhora, mais a vida;<br />
acabará morren<strong>do</strong> em seu oficio,<br />
sua fé <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e lealda<strong>de</strong>.<br />
100<br />
018<br />
139