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Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

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Num jardim a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> <strong>de</strong> verdura,<br />

a que esmaltam por cima várias flores,<br />

entrou um dia a <strong>de</strong>usa <strong>do</strong>s amores,<br />

com a <strong>de</strong>usa da caça e da espessura.<br />

Diana tomou logo üa rosa pura,<br />

Vénus um roxo lírio, <strong>do</strong>s milhores;<br />

mas excediam muito às outras flores<br />

as violas, na graça e fermosura.<br />

Perguntam a Cupi<strong>do</strong>, que ali estava,<br />

qual daquelas três flores tomaria,<br />

por mais suave, pura e mais fermosa?<br />

Sorrin<strong>do</strong> se, o Minino lhe tornava:<br />

todas fermosas são, mas eu queria<br />

V i o l 'a n t e s que lírio, nem que rosa.<br />

Num tão alto lugar, <strong>de</strong> tanto preço,<br />

este meu pensamento posto vejo,<br />

que <strong>de</strong>sfalece nele inda o <strong>de</strong>sejo,<br />

ven<strong>do</strong> quanto por mim o <strong>de</strong>smereço.<br />

Quan<strong>do</strong> esta tal baixesa em mim conheço,<br />

acho que cuidar nele é grão <strong>de</strong>spejo,<br />

e que morrer por ele me é sobejo<br />

e mor bem para mim, <strong>do</strong> que mereço.<br />

O mais que natural merecimento<br />

<strong>de</strong> quem me causa um mal tão duro e forte,<br />

o faz que vá crecen<strong>do</strong> <strong>de</strong> hora em hora.<br />

Mas eu não <strong>de</strong>ixarei meu pensamento,<br />

porque inda que este mal me causa a morte,<br />

Un bel morir tutta la vita onora.<br />

O céu, a terra, o vento sossega<strong>do</strong>...<br />

As ondas, que se esten<strong>de</strong>m pela areia...<br />

Os peixes, que no mar o sono enfreia...<br />

O nocturno silêncio repousa<strong>do</strong>...<br />

O pesca<strong>do</strong>r Aónio, que, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong><br />

on<strong>de</strong> co vento a água se meneia,<br />

choran<strong>do</strong>, o nome ama<strong>do</strong> em vão nomeia,<br />

que não po<strong>de</strong> ser mais que nomea<strong>do</strong>:<br />

Ondas (<strong>de</strong>zia), antes que Amor me mate,<br />

torna-me a minha Ninfa, que tão ce<strong>do</strong><br />

me fizestes à morte estar sujeita.<br />

Ninguém lhe fala; o mar <strong>de</strong> longe bate;<br />

move-se brandamente o arvore<strong>do</strong>;<br />

leva-lhe o vento a voz, que ao vento <strong>de</strong>ita.<br />

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