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Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

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Que pena sentirei, que valha tanto,<br />

que inda tenho por pouco o viver triste?<br />

Alegres campos, ver<strong>de</strong>s arvore<strong>do</strong>s,<br />

claras e frescas águas <strong>de</strong> cristal,<br />

que em vós os <strong>de</strong>buxais ao natural,<br />

discorren<strong>do</strong> da altura <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s;<br />

Silvestres montes, ásperos pene<strong>do</strong>s,<br />

compostos em concerto <strong>de</strong>sigual,<br />

sabei que, sem licença <strong>de</strong> meu mal,<br />

já não po<strong>de</strong>is fazer meus olhos le<strong>do</strong>s.<br />

E, pois me já não ve<strong>de</strong>s como vistes,<br />

não me alegrem verduras <strong>de</strong>leitosas,<br />

nem águas que corren<strong>do</strong> alegres vêm.<br />

Semearei em vós lembranças tristes,<br />

regan<strong>do</strong>-vos com lágrimas sau<strong>do</strong>sas,<br />

e nascerão sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> meu bem.<br />

Alma minha gentil, que te partiste<br />

tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta vida <strong>de</strong>scontente,<br />

repousa lá no Céu eternamente,<br />

e viva eu cá na terra sempre triste.<br />

Se lá no assento etéreo, on<strong>de</strong> subiste,<br />

memória <strong>de</strong>sta vida se consente,<br />

não te esqueças daquele amor ar<strong>de</strong>nte<br />

que já nos olhos meus tão puro viste.<br />

E se vires que po<strong>de</strong> merecer te<br />

algüa causa a <strong>do</strong>r que me ficou<br />

da mágoa, sem remédio, <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r te,<br />

roga a Deus, que teus anos encurtou,<br />

que tão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> cá me leve a ver te,<br />

quão ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> meus olhos te levou.<br />

Amor, co a esperança já perdida,<br />

teu soberano templo visitei;<br />

por sinal <strong>do</strong> naufrágio que passei,<br />

em lugar <strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s, pus a vida.<br />

Que queres mais <strong>de</strong> mim, que <strong>de</strong>struída<br />

me tens a glória toda que alcancei?<br />

Não cui<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forçar me, que não sei<br />

tornar a entrar on<strong>de</strong> não há saída.<br />

Vês aqui alma, vida e esperança,<br />

<strong>de</strong>spojos <strong>do</strong>ces <strong>de</strong> meu bem passa<strong>do</strong>,<br />

enquanto quis aquela que eu a<strong>do</strong>ro:<br />

013<br />

080<br />

083

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