Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
duas num corpo o Amor ajunte e una;<br />
porque assi leve triunfante a palma,<br />
Amor da Morte, apesar da Ausência,<br />
<strong>do</strong> Tempo, da Razão e da Fortuna.<br />
Apartava se Nise <strong>de</strong> Montano,<br />
em cuja alma partin<strong>do</strong> se ficava;<br />
que o pastor na memória a <strong>de</strong>buxava,<br />
por po<strong>de</strong>r sustentar se <strong>de</strong>ste engano.<br />
Pelas praias <strong>do</strong> Índico Oceano<br />
sobre o curvo caja<strong>do</strong> s'encostava,<br />
e os olhos pelas águas alongava,<br />
que pouco se <strong>do</strong>íam <strong>de</strong> seu dano.<br />
Pois com tamanha mágoa e sauda<strong>de</strong><br />
(<strong>de</strong>zia) quis <strong>de</strong>ixar me a que eu a<strong>do</strong>ro,<br />
por testemunhas tomo Céu e estrelas.<br />
Mas se em vós, ondas, mora pieda<strong>de</strong>,<br />
levai também as lágrimas que choro,<br />
pois assi me levais a causa <strong>de</strong>las!<br />
Apolo e as nove Musas, discantan<strong>do</strong><br />
com a <strong>do</strong>urada lira, me influíam<br />
na suave harmonia que faziam,<br />
quan<strong>do</strong> tomei a pena, começan<strong>do</strong>:<br />
— Ditoso seja o dia e hora, quan<strong>do</strong><br />
tão <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s olhos me feriam!<br />
Ditosos os senti<strong>do</strong>s que sentiam<br />
estar se em seu <strong>de</strong>sejo traspassan<strong>do</strong>!<br />
Assi cantava, quan<strong>do</strong> Amor virou<br />
a roda à esperança, que corria<br />
tão ligeira que quase era invisível.<br />
Converteu se me em noite o claro dia;<br />
e, se algüa esperança me ficou,<br />
será <strong>de</strong> maior mal, se for possível.<br />
Aquela fera humana que enriquece<br />
sua presuntuosa tirania<br />
<strong>de</strong>stas minhas entranhas, on<strong>de</strong> cria<br />
Amor um mal que falta quan<strong>do</strong> crece;<br />
Se nela o Céu mostrou (como parece)<br />
quanto mostrar ao mun<strong>do</strong> pretendia,<br />
porque <strong>de</strong> minha vida se injuria?<br />
Porque <strong>de</strong> minha morte s'enobrece?<br />
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,<br />
068<br />
051<br />
041