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Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante

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aste vos quanto já me atormentastes.<br />

Mas se assi perfiais porque cuidastes<br />

<strong>de</strong>rrubar meu tão alto pensamento,<br />

mais po<strong>de</strong> a causa <strong>de</strong>le, em que o sustento,<br />

que vós, que <strong>de</strong>la mesma o ser tomastes.<br />

E, pois vossa tenção, com minha morte,<br />

há <strong>de</strong> acabar o mal <strong>de</strong>stes amores,<br />

dai já fim a um tormento tão compri<strong>do</strong>,<br />

porque d'ambos contente seja a sorte:<br />

vós, porque me acabastes, vence<strong>do</strong>res;<br />

e eu, porque acabei <strong>de</strong> vós venci<strong>do</strong>.<br />

Memória <strong>de</strong> meu bem, corta<strong>do</strong> em flores<br />

por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> meus tristes e maus Fa<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>ixai-me <strong>de</strong>scansar com meus cuida<strong>do</strong>s<br />

nesta inquietação <strong>de</strong> meus amores.<br />

Basta-me o mal presente, e os temores<br />

<strong>do</strong>s sucessos que espero infortuna<strong>do</strong>s,<br />

sem que venham, <strong>de</strong> novo, bens passa<strong>do</strong>s<br />

afrontar meu repouso com suas <strong>do</strong>res.<br />

Perdi nua hora quanto em termos<br />

tão vagarosos e largos alcancei;<br />

leixai-me, pois, lembranças <strong>de</strong>sta glória.<br />

Cumpre acabe a vida nestes ermos,<br />

porque neles com meu mal acabarei<br />

mil vidas, não ua só, dura memória!<br />

Mudam se os tempos, mudam se as vonta<strong>de</strong>s,<br />

muda se o ser, muda se a confiança;<br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é composto <strong>de</strong> mudança,<br />

toman<strong>do</strong> sempre novas qualida<strong>de</strong>s.<br />

Continuamente vemos novida<strong>de</strong>s,<br />

diferentes em tu<strong>do</strong> da esperança;<br />

<strong>do</strong> mal ficam as mágoas na lembrança,<br />

e <strong>do</strong> bem (se algum houve), as sauda<strong>de</strong>s.<br />

O tempo cobre o chão <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> manto,<br />

que já coberto foi <strong>de</strong> neve fria, e, enfim,<br />

converte em choro o <strong>do</strong>ce canto.<br />

E, afora este mudar se cada dia,<br />

outra mudança faz <strong>de</strong> mor espanto,<br />

que não se muda já como soía.<br />

Na <strong>de</strong>sesperação já repousava<br />

o peito longamente magoa<strong>do</strong>,<br />

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