Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Sonetos, de Luís de Camões Texto-base - Canal do Estudante
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Que vençais no Oriente tantos Reis,<br />
que <strong>de</strong> novo nos <strong>de</strong>is da Índia o Esta<strong>do</strong>,<br />
que escureceis a fama que ganha<strong>do</strong><br />
tinham os que a ganharam a infiéis;<br />
que <strong>do</strong> tempo tenhais venci<strong>do</strong> as leis,<br />
que tu<strong>do</strong>, enfim, vençais co tempo arma<strong>do</strong>,<br />
mais é vencer na pátria, <strong>de</strong>sarma<strong>do</strong>,<br />
os monstros e as Quimeras que venceis.<br />
E assi, sobre vencer<strong>de</strong>s tanto imigo,<br />
e por armas fazer que, sem segun<strong>do</strong>,<br />
vosso nome no mun<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> seja,<br />
o que vos dá mais nome inda no mun<strong>do</strong>,<br />
é vencer<strong>de</strong>s, Senhor, no Reino amigo,<br />
tantas ingratidões, tão gran<strong>de</strong> enveja!<br />
Se a Fortuna inquieta e mal olhada,<br />
que a justa lei <strong>do</strong> Céu consigo infama,<br />
a vida quieta, que ela mais <strong>de</strong>sama,<br />
me conce<strong>de</strong>ra, honesta e repousada;<br />
pu<strong>de</strong>ra ser que a Musa, alevantada<br />
com luz <strong>de</strong> mais ar<strong>de</strong>nte e viva flama.<br />
fizera ao Tejo lá na pátria cama<br />
a<strong>do</strong>rmecer co som da lira amada.<br />
Porém, pois o <strong>de</strong>stino trabalhoso,<br />
que me escurece a Musa fraca e lassa,<br />
louvor <strong>de</strong> tanto preço não sustenta;<br />
a vossa <strong>de</strong> louvar-me pouco escassa,<br />
outro sujeito busque valeroso,<br />
tal qual em vós ao mun<strong>do</strong> se apresenta.<br />
Se algü'hora em vós a pieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> tão longo tormento se sentira,<br />
não consentira Amor que me partira<br />
<strong>de</strong> vossos olhos, minha saüda<strong>de</strong>.<br />
Apartei me <strong>de</strong> vós, mas a vonta<strong>de</strong>,<br />
que pelo natural n'alma vos tira,<br />
me faz crer que esta ausência é <strong>de</strong> mentira;<br />
mas inda mal, porém, porque é verda<strong>de</strong>.<br />
Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,<br />
tomarão tristes lágrimas vingança<br />
nos olhos <strong>de</strong> quem fostes mantimento.<br />
E assi darei vida a meu tormento;<br />
que, enfim, cá me achará minha lembrança<br />
sepulta<strong>do</strong> no vosso esquecimento.<br />
148<br />
029<br />
016