19.04.2013 Views

A presença das ligas camponesas na região nordeste - USP

A presença das ligas camponesas na região nordeste - USP

A presença das ligas camponesas na região nordeste - USP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-29.<br />

A PRESENÇA DAS LIGAS CAMPONESAS NA REGIÃO NORDESTE<br />

THE PRESENCE OF THE PEASANT IN THE NORTHEAST REGION<br />

Thiago Moreira Melo e Silva<br />

Pós-graduando em História<br />

Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP<br />

thiago.mms@ig.com.br<br />

Resumo: O cenário <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong> entre as déca<strong>das</strong> de 40, 50 e 60, foi permeado<br />

de conflitos entre camponeses e latifundiários. Esses camponeses após anos de<br />

exclusão social, passaram a mobilizar-se através de Ligas Camponesas <strong>na</strong> tentativa de<br />

defender seus interesses. A formação desses movimentos sociais colocou em questão<br />

a estrutura agrária presente no país, bem como procurou estabelecer novas relações<br />

entre o campesi<strong>na</strong>to e o latifúndio.<br />

Palavras-chave: Ligas Camponesas; PCB; Concentração Fundiária; Latifúndio.<br />

Abstract: The sce<strong>na</strong>rio in the Northeast region between the decades of 40, 50 and 60,<br />

was permeated of conflicts between peasants and landowners (large state owners).<br />

These peasants, after years of social exclusion, have mobilizing through Leagues of<br />

Peasants in an attempt to defend their interests. The reality of these social movements<br />

put in discussion the agrarian structure existent in the country, well as, sought to<br />

establish new relations between the peasant and landowners.<br />

Keywords: Peasant Leagues; PCB; Agrarian Concentration; Landowners.<br />

Introdução<br />

Em um momento que com freqüência notamos a pouca credibilidade e atenção<br />

dispensada aos movimentos sociais como resultado de uma crescente onda de ações<br />

que buscam desmoralizá-los, bem como depreciá-los, faz-se necessário a elaboração<br />

de novos estudos que apresentem outro viés que não o de crimi<strong>na</strong>lizar tais movimentos<br />

que no campo ou <strong>na</strong> cidade, sempre mantiveram sua atuação. No campo em alguns<br />

estados da <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong> pode-se destacar tal atuação por meio <strong>das</strong> Ligas<br />

Camponesas, sobretudo <strong>na</strong>s déca<strong>das</strong> de 50 e 60. Este trabalho pretende traçar o perfil,<br />

e parte da trajetória <strong>das</strong> Ligas Camponesas em seus momentos mais expressivos, bem<br />

como ressaltar parte dessa memória camponesa, destacando sua atuação em algumas<br />

localidades da <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>.


2<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Origem e Trajetória <strong>das</strong> Ligas Camponesas<br />

Origin and History of the Peasant Leagues<br />

Diante <strong>das</strong> limitações e dificuldades vivi<strong>das</strong> pelo campesi<strong>na</strong>to em diversas<br />

regiões do Brasil, sobretudo <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, junto a sua falta de perspectiva e de<br />

possíveis melhorias é que se originou em meados de 1940 um novo movimento social<br />

no campo, o qual buscava representar e discutir os interesses do campesi<strong>na</strong>to no plano<br />

político e social em um cenário em que o latifúndio exercia grande influência.<br />

Conforme Azevêdo (1982), surgi<strong>das</strong> em 1945 após o fim do governo do<br />

presidente Getúlio Vargas (1930-1945), às primeiras Ligas Camponesas sob a direção<br />

do recém legalizado Partido Comunista Brasileiro-PCB tinha como um de seus<br />

objetivos, obterem uma maior projeção para discussões acerca da situação e <strong>das</strong><br />

relações agrárias estabeleci<strong>das</strong> no país <strong>na</strong>quele período. Haja vista as barreiras<br />

impostas ao homem do campo ao tentar se organizar através de associações, ou<br />

expressar seus interesses, frente a um cenário em que predomi<strong>na</strong>va os interesses dos<br />

grandes proprietários de terras.<br />

Segundo ainda Azevêdo, a formação dessas Ligas Camponesas pelo PCB, não<br />

se deu ape<strong>na</strong>s para mobilizar o campesi<strong>na</strong>to em torno da questão da terra e dos<br />

problemas agrários <strong>na</strong> zo<strong>na</strong> rural brasileira, mas, sobretudo <strong>na</strong> tentativa de expandir<br />

sua área de influência do meio urbano para o meio rural gerando desta forma um elo<br />

entre operários e camponeses, além de possibilitar assim, sua luta contra o latifúndio e<br />

o imperialismo, pontos definidos como relevantes em seus congressos.<br />

Nota-se que a força de atuação e influência do PCB restringia-se até o<br />

momento ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s cidades, caracterizando-se como um movimento urbano, com<br />

intenções de estender-se ao campo.<br />

Mesmo não sendo a reforma agrária imediata o eixo central <strong>das</strong> Ligas<br />

Camponesas constituí<strong>das</strong> pelo PCB em 1945, mas, uma aliança operário-camponesa,<br />

nesse momento já se buscava ressaltar a necessidade de se (re) definir novas políticas<br />

no âmbito agrário, haja vista à importância de se repensar a posse da terra com<br />

relação ao latifúndio, o qual detinha intensa concentração de áreas ocupa<strong>das</strong> no país,<br />

excluindo assim grande parcela da população presente no campo.<br />

A obtenção de forças e a consolidação de sua base social para o embate com<br />

os latifundiários, bem como iniciar a discussão acerca da necessidade de uma reforma<br />

agrária para o país, seria o próximo passo <strong>das</strong> Ligas Camponesas do PCB, segundo


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Stedile (2005), em 1946 <strong>na</strong> Assembléia Nacio<strong>na</strong>l Constituinte, o se<strong>na</strong>dor Luiz Carlos<br />

Prestes representando a bancada do PCB apresentou um projeto de lei de reforma<br />

agrária, o qual criticava a forte concentração fundiária e, as condições que estava<br />

submetido o homem do campo, no entanto, passado pouco tempo da apresentação do<br />

projeto, as Ligas foram desmobiliza<strong>das</strong> durante o governo do presidente Eurico Gaspar<br />

Dutra (1946-1951), em função de terem seu principal articulador político o PCB, posto<br />

novamente em 1947 <strong>na</strong> ilegalidade. “Conhecida e perseguida, a Liga termi<strong>na</strong> a década<br />

de 50 com cerca de 40 mil associados no Estado de Per<strong>na</strong>mbuco e cerca de 70 mil no<br />

Nordeste.” (MEIRA, apud BASTOS, 1982, p. 74).<br />

Conforme Bastos (1984), no ano de 1954 no Estado de Per<strong>na</strong>mbuco,<br />

especificamente <strong>na</strong> <strong>região</strong> da zo<strong>na</strong> da mata, no município de Vitória de Santo Antão a<br />

aproximadamente a 60 km da capital, Recife, no Engenho Galiléia, surge novamente<br />

um movimento campesino o qual se aproximaria daquele existente com as Ligas dos<br />

anos 40, através da formação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de<br />

Per<strong>na</strong>mbuco – SAPPP.<br />

Essa associação seria posteriormente conhecida como Liga Camponesa, sendo<br />

este nome resultado da intenção de alguns jor<strong>na</strong>is conservadores de Recife em<br />

associar a imagem do então recém formado movimento, à imagem pejorativa que os<br />

mesmos construíram <strong>das</strong> Ligas do PCB <strong>na</strong> década 40, as quais constantemente<br />

compunham a pauta <strong>das</strong> pági<strong>na</strong>s policias. Segundo confirma Francisco Julião durante<br />

entrevista:<br />

Quem batizou a Sociedade Agrícola e Pecuária com esse nome “Liga”,<br />

em 1955 foram os jor<strong>na</strong>is do Recife para torná-la ilegal. A Liga<br />

Camponesa começou sendo crônica policial. Qualquer coisa<br />

relacio<strong>na</strong>da com a Liga estava <strong>na</strong> pági<strong>na</strong> policial, porque consideravam<br />

que tudo o que acontecia no campo não era senão uma série de delitos<br />

cometidos pelos camponeses sob a orientação desse fulano de tal, esse<br />

senhor advogado e agora deputado que criava conflitos, tirando a paz<br />

do campo. (Entrevista com Francisco Julião: Jor<strong>na</strong>l O Pasquim, edição<br />

de 12 de Janeiro de 1979).<br />

Essa postura evidencia a leitura que parte dos meios de comunicação faziam<br />

<strong>das</strong> questões sociais no campo, questões estas, forma<strong>das</strong> a partir da exclusão social<br />

que se colocava ao campesi<strong>na</strong>to, exclusão a qual ainda encontra-se sua continuidade<br />

no cerne desse grupo social, permanecendo atrelada aos trabalhadores, tanto no meio<br />

rural, quanto no meio urbano, os quais continuam sofrendo fortes críticas por parte dos<br />

meios de comunicação, ligados a setores mais conservadores que resumem os<br />

3


4<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

problemas sociais da classe, neste caso do campesi<strong>na</strong>to, a atuação de levianos,<br />

geradores de caos, constituindo-se assim em uma ameaça a ordem estabelecida.<br />

Como reflexo dessa resistência camponesa é que <strong>na</strong>scem os movimentos<br />

sociais no campo, a SAPPP fundada por trabalhadores rurais do Engenho Galiléia, de<br />

acordo com a versão mais conhecida tinha como intenção adquirir recursos para a<br />

construção de uma escola local que receberia seus moradores; a obtenção de fundos<br />

para um auxílio funerário, bem como de insumos agrícolas para o trabalho no campo.<br />

Para Azevêdo (1982), essa versão inocente e desvinculada a interesses<br />

políticos no que concerne a relação da terra pode ser aceita ape<strong>na</strong>s em parte,<br />

considerando-se o fato de que a partir dos anos cinqüenta já se havia a intenção por<br />

parte de integrantes do PCB, em rearticular a partir de novas denomi<strong>na</strong>ções as Ligas<br />

Camponesas.<br />

Segundo José dos Prazeres 1 , <strong>na</strong>quele momento fundar qualquer associação<br />

com a denomi<strong>na</strong>ção de sindicato seria motivo para forte repressão, não podendo o<br />

movimento tomar corpo em função dessa oposição oriunda <strong>das</strong> autoridades locais, e<br />

dos proprietários de engenho. 2 Diante disto se propõe estabelecer o quadro<br />

administrativo da SAPPP junto aos moradores e de convidar o proprietário do engenho<br />

Oscar Beltrão, a assumir a presidência de honra a fim de não despertar suspeitas ou<br />

intrigas, entre os moradores e o proprietário, tendo este último aceito o convite.<br />

Logo em seguida, no entanto, o proprietário foi alertado pelo seu<br />

próprio filho e por alguns fornecedores e usineiros, como Sadir Pinto do<br />

Rego (engenho Suribim) e Constâncio Maranhão (engenho<br />

Tamatamirim) que a organização dos foreiros representava uma<br />

ameaça potencial à “paz agrária” <strong>na</strong> área, e que a iniciativa “era obra<br />

dos comunistas”. Oscar Beltrão recusa, então, o cargo honorífico e<br />

orde<strong>na</strong> a dissolução da sociedade agrícola..., ameaçando represálias<br />

policiais, o aumento do foro anual e a expulsão em massa dos foreiros<br />

do engenho. (AZEVÊDO 1982, p. 61).<br />

A partir deste momento os membros da SAPPP se viram em situação de<br />

desamparo, pois estavam prestes a serem expulsos do engenho tendo que deixar a<br />

terra, suas moradias, e todo seu trabalho de lavouras para trás sem direito a<br />

indenização, situação comum nos engenhos nordestinos, haja vista que “a<br />

Consolidação <strong>das</strong> Leis do Trabalho, de 1943, não tinham nenhuma preocupação<br />

especial com o trabalhador agrícola”. (IANNI, 1971, p. 142). Devido a essa falta de<br />

respaldo, o camponês não dispunha de indenização sendo prejudicado por essas<br />

1 Antigo membro do PCB, agora dedicado a contatar camponeses em litígio com os proprietários.<br />

2 Entrevista concedida por José dos Prazeres a Eduardo Coutinho, em uma <strong>das</strong> ce<strong>na</strong>s que compõe o filme “Cabra<br />

Marcado para morrer”.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

restrições. Neste período “a propriedade congregava 140 famílias de foreiros nos<br />

quinhentos hectares de terra do engenho que estava de “fogo morto” 3 . (CAMARGO,<br />

A.).<br />

Ciente do grau da situação e da dificuldade em que se encontravam, os<br />

camponeses foram buscar ajuda em Recife, segundo Azevêdo (1982), as chances de<br />

resistência, só existiria se a SAPPP não se restringisse ao âmbito local e recorresse ao<br />

apoio Jurídico e político fora do município de Vitória de Santo Antão, o qual tanto a<br />

justiça como a polícia sofriam forte influência do poderio agrário.<br />

Situação ainda presente em alguns municípios brasileiros, os quais latifundiários<br />

e industriais fazendo uso de sua condição econômica <strong>na</strong> <strong>região</strong>, buscam estabelecer<br />

suas influências no âmbito político através do aparelho do Estado <strong>na</strong> tentativa de<br />

executarem seus interesses em detrimento do campesi<strong>na</strong>to.<br />

É nesse período em 1954 que o advogado e deputado estadual pelo Partido<br />

Socialista Brasileiro-PSB, Francisco Julião, toma ciência da situação dos foreiros no<br />

Engenho Galiléia, e aceita assumir a causa ao lado dos “galileus”, “Julião que já<br />

defendera inúmeras causas de camponeses, mas causas isola<strong>das</strong>. Percebe nesta, por<br />

tratar-se de grupo organizado, um grande potencial de desenvolvimento. (Bastos, 1984,<br />

p. 20). Para Souza (1982), neste momento a principal preocupação de Julião de<br />

imediato foi a de conferir base jurídica à SAPPP, podendo posteriormente enquadrar a<br />

luta dos camponeses a um processo jurídico<br />

Segundo Bastos (1984), no ano de 1957, o deputado Francisco Julião<br />

apresentou o primeiro projeto <strong>na</strong> Assembléia Legislativa de Per<strong>na</strong>mbuco, solicitando a<br />

desapropriação do Engenho Galiléia.<br />

A desapropriação, discutida e aprovada em 1959, foi antecedida por<br />

concentração de camponeses <strong>na</strong> cidade de Recife, reunindo cente<strong>na</strong>s<br />

de agricultores diante da Assembléia Legislativa e do Palácio do<br />

Governo, pressio<strong>na</strong>ndo os deputados a votarem de forma favorável ao<br />

projeto e o gover<strong>na</strong>dor a sancioná-lo, transformando-o em lei.<br />

(AZEVÊDO, 1982, p. 71).<br />

Em meio a esse contexto podemos constatar uma maior participação política por<br />

parte do campesi<strong>na</strong>to, e do aumento de sua politização, resultado <strong>das</strong> mobilizações e<br />

<strong>das</strong> discussões promovi<strong>das</strong> pelas Ligas que estavam começando a expandir sua<br />

organização e a tomar corpo <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, em especial no Estado de<br />

Per<strong>na</strong>mbuco, e <strong>na</strong> Paraíba com as Ligas de Sapé e Mari. Havendo assim uma<br />

3 Entende-se como engenho de fogo morto, os estabelecimentos agrícolas desti<strong>na</strong>dos à cultura de ca<strong>na</strong> e à fabricação<br />

do açúcar, e que, no entanto, não se encontram mais em atividade, como no caso do Engenho Galiléia.<br />

5


6<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

mudança no caráter do movimento, deixando este de ser um movimento ape<strong>na</strong>s<br />

assistencialista as peque<strong>na</strong>s causas locais dos camponeses, para tor<strong>na</strong>r-se um<br />

movimento de atuação e de possíveis mudanças em esfera mais representativa e<br />

influente.<br />

“Através da luta judicial, os “galileus” tor<strong>na</strong>ram-se conhecidos do grande público,<br />

ganhando espaço mesmo <strong>na</strong> imprensa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”. (Bastos, 1984, p. 20). O ato teve<br />

repercussão em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, tendo um editorial no jor<strong>na</strong>l O Estado de São Paulo,<br />

em 18 de Fevereiro de 1960 com o seguinte título.<br />

Editorial: Demagogia e Extremismo:<br />

“Ao criticarmos, não faz ainda muitos dias, a absurda iniciativa do<br />

gover<strong>na</strong>dor Cid Sampaio, de desapropriar as terras do Engenho<br />

Galiléia para, num ilícito e violento golpe no princípio da propriedade,<br />

distribuí-las aos empregados daquela empresa, prevíamos o que disso<br />

poderia resultar. A violência seria como foi, considerada uma conquista<br />

<strong>das</strong> Ligas Camponesas, e acenderia a ambição dos demais<br />

campesinos assalariados, desejosos de favores idênticos (...). O<br />

movimento ganhará novas proporções, atingindo as classes proletárias<br />

<strong>das</strong> cidades, com invasão de ofici<strong>na</strong>s, com o apossamento violento <strong>das</strong><br />

fábricas, com assaltos a casas de residências, com depredações de<br />

bancos e estabelecimentos comerciais. A revolução é assim. E o que,<br />

com sua cegueira, o Governo per<strong>na</strong>mbucano incentivou foi à<br />

revolução”. (Jor<strong>na</strong>l: O Estado de São Paulo 18 de Fevereiro de 1960<br />

(primeiro caderno) apud SANTIAGO, 2001, p. 28).<br />

Neste contexto de crítica, de conquista e resistência, as Ligas Camponesas se<br />

fortaleceram dispondo agora de uma relevante vitória no plano jurídico e sócio-político<br />

frente ao latifúndio.<br />

Para Santiago (2001), a dimensão do exagero presente no editorial expressava<br />

o pensamento de muitas pessoas, pois as Ligas além de disporem agora de uma vitória<br />

no campo jurídico e político, também dispunham de uma vitória no plano simbólico, fato<br />

que expressou uma inversão de forças e de posição, entre o latifundiário e o<br />

campesi<strong>na</strong>to, sendo que nunca este último havia levado adiante suas reivindicações.<br />

Conforme Toledo (1982), no fi<strong>na</strong>l dos anos 50, houve uma intensa politização<br />

dos movimentos de trabalhadores do campo formando-se assim um novo momento da<br />

História Política do Brasil. Para Bastos (1984), alguns fatores contribuíram para que o<br />

movimento se expandisse rapidamente, não só no Engenho Galiléia, mas em outras<br />

regiões, dentre eles deve-se ao fato de sua base social – o foreiro – representar uma<br />

categoria social, ameaçada e em extinção, frente à crescente expansão do latifúndio<br />

sobre as peque<strong>na</strong>s propriedades e as produções de subsistência. De acordo com Ianni<br />

(1971), ao passo que as reivindicações dos trabalhadores rurais foram se


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

concretizando, por novos meios propostos pelos mesmos trabalhadores, aumentaram-<br />

se os antagonismos. Na medida em que se desapareciam as fronteiras entre campo e<br />

cidade, a partir do desenvolvimento <strong>das</strong> relações políticas que se iniciaram com as<br />

mudanças <strong>das</strong> relações sociais de produção, engendrando-se assim em pouco tempo<br />

o proletariado rural, com uma categoria política nova.<br />

Esse processo de massificação que passou a dar corpo aos movimentos sociais<br />

no campo, segundo WANDERLEY (apud Toledo, 1982), ocorreu devido à dimensão<br />

que tomou a proletarização da força de trabalho no contexto político do período dos<br />

anos 50, possibilitando a mobilização de foreiros e trabalhadores rurais origi<strong>na</strong>ndo o<br />

que se entende por movimento camponês. “Esse é o contexto em que surge a liga<br />

camponesa, simbolizando a reação do trabalhador rural, às precárias condições de<br />

vida vigentes no mundo agrícola. (IANNI, 1971, p. 139).<br />

Após a vitória da Liga Camponesa no Engenho Galiléia em 1959 e com a<br />

projeção que o movimento ganhou, as Ligas passaram a preocupar-se, não somente<br />

no que se refere a melhores condições de trabalho ao campesi<strong>na</strong>to, mas também com<br />

a questão do acesso a terra, terra esta que estava cada vez mais i<strong>na</strong>cessível ao<br />

homem do campo, resultado da crescente concentração fundiária <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong><br />

<strong>na</strong>quele momento.<br />

Para Silva (2001) nos primeiros anos da década de 60 houve um aumento<br />

generalizado entre as propriedades de todos os tamanhos. No entanto, ainda assim<br />

destacaram-se o crescimento <strong>das</strong> grandes propriedades em detrimento <strong>das</strong> peque<strong>na</strong>s,<br />

segundo informações do Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Colonização e Reforma Agrária-INCRA e<br />

o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE.<br />

Em consulta aos dados do INCRA E IBGE pode-se constatar tal afirmação de<br />

maneira melhor detalhada.<br />

O índice de Gini1 4 da distribuição da terra, no Brasil, passou de 0,731<br />

(1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Esse cálculo inclui somente a<br />

distribuição da terra entre os proprietários. Se forem considera<strong>das</strong><br />

também as famílias sem terra, o índice de Gini evidencia maior<br />

concentração ainda: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). 5<br />

A situação em meio a esse quadro de mudanças ocorri<strong>das</strong> no que tange à<br />

concentração fundiária no país, tornou-se ainda pior, conforme apresenta o gráfico<br />

abaixo.<br />

4 O Índice de Gini é uma medida do grau de desigualdade da distribuição de renda ou de um recurso. O índice varia<br />

de um mínimo de zero a um máximo de um. "Zero" representa nenhuma desigualdade e "um" representa grau<br />

máximo de desigualdade.<br />

5 Disponível em: http://www.pla<strong>na</strong>lto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM<br />

7


8<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

GRÁFICO - I<br />

Concentração Fundiária - Índice de Gini - INCRA e IBGE<br />

Fonte: http://www.pla<strong>na</strong>lto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM<br />

O índice demonstrado no gráfico que apresenta um pouco menos de 0,879<br />

(1950), 0,879 (1960), e 0,938 (1970) ressalta a crescente exclusão do campesi<strong>na</strong>to no<br />

que diz respeito ao acesso a terra, através do aumento da concentração fundiária no<br />

país, concentração a qual mesmo se não tivesse se intensificado, já era preocupante<br />

ainda <strong>na</strong> década de 50.<br />

Conforme Silva (2001), <strong>na</strong> medida em que houve um crescimento econômico, as<br />

grandes propriedades incorporavam as peque<strong>na</strong>s à sua volta, enquanto <strong>na</strong> recessão se<br />

retraíam, nesses momentos de “crise” os proprietários minimizavam os custos e os<br />

riscos através do repasse do direito de exploração de parte de suas terras aos<br />

arrendatários, atividade comum também em engenhos de “fogo morto”, a fim de se<br />

conter os custos com a terra ociosa e de levantar receita através do arrendamento da<br />

terra, além de concentrar <strong>na</strong> propriedade o contingente de mão de obra necessário<br />

para iminentes safras (colheitas) ao término destas crises, evitando-se assim a<br />

dispersão da mão de obra.<br />

A tabela a seguir apresenta alguns dados com relação à concentração fundiária<br />

nordesti<strong>na</strong>, e do aumento da produção de ca<strong>na</strong>.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

TABELA - I<br />

Sistema Ca<strong>na</strong>vieiro – Quantidade, área, e rendimento da lavoura ca<strong>na</strong>vieira<br />

(médias anuais – 1950/1973)<br />

Período 1950/54 1955/59 1960/64 1965/69 1970/73<br />

Item: Quantidade (t) 10.420.092 13.588.609 16.954.861 18.651.233 21.471.049<br />

Área (há) 275.003 340.299 398.734 417.411 468.544<br />

Rendimento (t/ha) 37,8 39,9 42,5 44,6 45,8<br />

FONTE: BRASIL. Ministério da Agricultura. Estatísticas Agropecuárias, 1976 in: Evolução recente e<br />

situação atual da agricultura brasileira, CPDA/ EIAP/ FGV, Bi<strong>na</strong>gri, 1979, (Apud AZEVÊDO, 1982, p. 50).<br />

Segundo Azevêdo (1982), o aumento dessa produção, entretanto, ocorreu<br />

devido ao crescimento horizontal da lavoura, pois, no mesmo período a agroindústria<br />

incorporou no interior de sua própria fronteira agrícola mais de 12.373 ha.<br />

Diante desses números, prossegue o autor:<br />

Não resta dúvida, portanto que, a partir da década de cinqüenta,<br />

ocorreu uma expulsão em massa do morador e a expropriação dos<br />

lotes arrendados aos foreiros. Esses contingentes expropriados ou se<br />

deslocaram para as terras menos férteis e afasta<strong>das</strong> da Zo<strong>na</strong> da Mata,<br />

<strong>na</strong>s linhas limítrofes com o Agreste, recriando assim um campesi<strong>na</strong>to<br />

margi<strong>na</strong>l com a sua dupla função de produtor de alimentos e exército<br />

agrário reserva; ou se proletarizaram de maneira irreversível, migrando<br />

para as cidades e vilas circunvizinhas aos engenhos e usi<strong>na</strong>s, onde<br />

tor<strong>na</strong>ram-se trabalhadores volantes. (AZEVÊDO, 1982, p.51).<br />

Se o resultado do gráfico I, exposto anteriormente viria mostrar a crescente<br />

concentração fundiária em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a tabela I, destaca essa questão <strong>na</strong> <strong>região</strong><br />

<strong>nordeste</strong>, a qual também era afetada por alguns problemas presente no cenário<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, sofrendo pela falta de investimentos e de políticas agrárias por parte do<br />

Estado, as quais possibilitassem uma maior modernização no campo, em especial <strong>na</strong><br />

<strong>região</strong> da zo<strong>na</strong> da mata, onde se concentrava a maior parte <strong>das</strong> propriedades<br />

responsáveis pela produção da ca<strong>na</strong>-de-açúcar, bem como a aquisição de insumos<br />

agrícolas para o melhoramento <strong>das</strong> condições de produção. Evitando-se, assim um<br />

possível crescimento horizontal do espaço físico dos latifúndios sobre as peque<strong>na</strong>s<br />

propriedades e conseqüentemente o aumento da concentração fundiária.<br />

Desse modo, tor<strong>na</strong>va-se cada vez mais necessária o (re) planejamento da<br />

estrutura agrária no país, pois, sem uma alteração deste porte, o campesi<strong>na</strong>to<br />

dificilmente mudaria sua condição nesse cenário rural.<br />

Cabe destacar que para a realização <strong>das</strong> ações desti<strong>na</strong><strong>das</strong> a tal, seria<br />

necessária uma legislação que amparasse e permitisse estabelecer diretrizes políticas<br />

9


10<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

que possibilitassem o Estado estruturar um (re) planejamento da estrutura agrária. De<br />

acordo com Veiga (1986), a carta mag<strong>na</strong> de 1946, colocava que toda desapropriação<br />

por interesse social ou por utilidade pública realizar-se-ia mediante a prévia<br />

indenização em dinheiro. Diante deste empecilho não havia, portanto, condições reais<br />

de efetuar-se qualquer reforma com relação à questão da posse da terra e de sua<br />

melhor distribuição, pois, não havia recursos em caixa para o Estado executar a<br />

redistribuição de terras dependendo da sua demanda, da forma colocada no Art. 141<br />

§16 da constituição federal.<br />

Como se vê, a carta mag<strong>na</strong> de 1946 não somente descartou o projeto de<br />

reforma agrária apresentado pela bancada do PCB, que tencio<strong>na</strong>va diminuir<br />

significativamente os latifúndios, como incorporou mecanismo os quais dificultavam a<br />

implementação de qualquer alteração mais estrutural com relação à posse da terra.<br />

Tal distribuição, longe de se circunscrever ape<strong>na</strong>s ao campo, produzia<br />

efeitos negativos para a <strong>na</strong>ção como um todo. A pobreza gerada<br />

excluía do acesso ao mercado de bens industrializados a maior parcela<br />

da população do país, uma vez que cerca de 70% dos brasileiros<br />

habitavam a área rural até os anos 1950. (Grynszpan. M.)<br />

Entretanto, mesmo passado algumas déca<strong>das</strong> desde a formação <strong>das</strong> Ligas em<br />

meio a toda essa discussão, ainda encontra-se presente a necessidade de se refletir<br />

acerca <strong>das</strong> relações e da concentração fundiária no cenário rural brasileiro através de<br />

pontos que perpassaram no tempo colocando-se como grandes obstáculos a serem<br />

superados, sendo, portanto, atual o problema da concentração fundiária no Brasil, o<br />

que demanda se (re) pensar em políticas e ações que possam interferir nessa<br />

estrutura, em conjunto a uma possível reforma agrária.<br />

Para Veiga (1986), pode-se entender a reforma agrária como uma intervenção<br />

deliberada do Estado sobre a estrutura agrária de um país, ou <strong>região</strong>, a qual seu<br />

planejamento é composto de vários critérios que vão definir o modelo dessa reforma, a<br />

fim de verificar suas possibilidades e implementação. Nesse sentido, a ação e a<br />

<strong>presença</strong> do Estado tor<strong>na</strong>-se imprescindível para que tais mudanças existam. Bem<br />

como o campesi<strong>na</strong>to exercendo papel ativo para acompanhá-las. Ressalta o mesmo<br />

autor que a reforma agrária não surge de súbitas decisões de gover<strong>na</strong>ntes, mas sim<br />

como resultado de pressões sociais contrárias ao governo.<br />

É nesse contexto que as Ligas Camponesas junto a outros movimentos<br />

campesinos destacam-se como principais lideranças no que se refere ao papel de


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

pressio<strong>na</strong>r, e buscar junto ao governo condições favoráveis a abertura de negociações,<br />

<strong>na</strong> tentativa de uma mudança <strong>na</strong> estrutura fundiária vigente no país.<br />

O movimento <strong>das</strong> Ligas Camponesas tem, portanto, que ser entendido,<br />

não como um movimento local, mas como manifestação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de um<br />

estado de tensão e injustiças a que estavam submetidos os<br />

camponeses e trabalhadores assalariados do campo e as profun<strong>das</strong><br />

desigualdades <strong>na</strong>s condições gerais do desenvolvimento capitalista no<br />

país. (OLIVEIRA, Ariovaldo U. de, 2007, p. 108).<br />

Neste cenário, as Ligas assumiram um relevante papel frente às articulações<br />

entre o Estado e os camponeses, com relação à discussão e a tentativa de efetuar<br />

alterações <strong>na</strong> estrutura agrária do país, “contestando (...) abertamente, a domi<strong>na</strong>ção<br />

política e econômica a que estavam secularmente submeti<strong>das</strong> às massas rurais”<br />

(TOLEDO, 1982, p.58).<br />

A projeção <strong>das</strong> Ligas nos primeiros anos da década de 60 se deu em parte pela<br />

ausência de sindicatos rurais no país, em especial <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, e como<br />

resultado da exclusão e <strong>das</strong> duras condições impostas ao campesi<strong>na</strong>to, fatores que<br />

possibilitariam o surgimento de diversas associações com o objetivo de representar e<br />

defender os interesses do campesi<strong>na</strong>to no <strong>nordeste</strong>, bem como a busca por melhores<br />

condições de vida e trabalho.<br />

Segundo Azevêdo (1982), as Ligas passaram a expandir suas áreas de atuação<br />

tanto no norte quanto ao sul, ganhando projeção em escala <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l fortalecendo-se<br />

principalmente no <strong>nordeste</strong> em destaque ao Estado da Paraíba nos munícipio de Mari e<br />

Sapé.<br />

A Liga Camponesa em Sapé-PB<br />

The Peasant League in Sapé-PB<br />

O município de Sapé localiza-se <strong>na</strong> <strong>região</strong> da zo<strong>na</strong> da mata paraiba<strong>na</strong>, a<br />

aproximadamente 55 km da capital João Pessoa, tendo a cidade de Sapé sua<br />

fundação segundo o IBGE durante a gestão do gover<strong>na</strong>dor João Suassu<strong>na</strong> em 1925.<br />

Ainda conforme o IBGE no ano de 2006, o município de Sapé tinha sua população<br />

estimada em 47.220 habitantes.<br />

De acordo com Aued (1981), o município de Sapé tinha como principais<br />

produtos agrícolas a ca<strong>na</strong>-de-açúcar, o Abacaxi, e a mandioca. Sendo a maior parte da<br />

lavoura <strong>na</strong> déca<strong>das</strong> de 50 e 60 composta pela ca<strong>na</strong>-de-açúcar.<br />

11


12<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Croqui -1<br />

Estado da Paraíba<br />

Fonte: http://www.santiagosiqueira.pro.br/mapas/brasil/estados_municipios/paraiba.JPG<br />

Assim como apresentado no croqui acima, Sapé situa-se <strong>na</strong> <strong>região</strong> da Zo<strong>na</strong> da<br />

Mata (faixa litorânea), local onde predomí<strong>na</strong> o cultivo da ca<strong>na</strong>-de-açúcar.<br />

Segundo Novaes (1997), a cidade de Sapé destacava-se <strong>na</strong> <strong>região</strong> como uma<br />

<strong>das</strong> maiores produtoras de açúcar da Paraíba, sendo sede também de uma <strong>das</strong> mais<br />

influentes usi<strong>na</strong> da <strong>região</strong> e do Estado, a Usi<strong>na</strong> Santa Hele<strong>na</strong>.<br />

Em meio a esse contexto é que João Pedro Teixeira, em 1958 juntamente com<br />

outros camponeses, fundariam a Associação de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas<br />

de Sapé, conhecida como Liga Camponesa de Sapé. João Pedro de origem<br />

camponesa era filho de foreiros, quando jovem residiu nos arredores do município de<br />

Guarabira, cidade vizinha a Sapé.<br />

Nos anos posteriores sob a liderança de João Pedro a Liga Camponesa de<br />

Sapé, tornou-se um dos mais expressivos núcleos <strong>das</strong> Ligas no <strong>nordeste</strong>, desde a sua<br />

criação a Associação tinha a preocupação de conceder assistência e suporte ao<br />

camponês, conforme definia seu Estatuto:


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

A Associação de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé tem<br />

por fi<strong>na</strong>lidade a prestação de assistência social aos arrendatários,<br />

assalariados, e pequenos proprietários agrícolas do município e áreas<br />

vizinhas, bem como a defesa de seus legítimos direitos de acordo com<br />

as leis do país.<br />

Estatuto da Liga Camponesa de Sapé. Capítulo I, artigo primeiro (apud<br />

NOVAES, 1997, p. 39).<br />

Como apresenta o Estatuto da Liga de Sapé, o movimento tinha um caráter<br />

assistencialista, o qual buscava atender não somente os associados da cidade , mas<br />

também, os demais associados nos arredores do município. Para Novaes (1997), essa<br />

assistência aos camponeses da <strong>região</strong> foi um dos grandes impulsores do movimento.<br />

Esse suporte concedido pela Liga do município, não restringia-se ape<strong>na</strong>s a<br />

assistência médica, funerária ou alimentícia, mas também no que tange as pendência<br />

júridicas envolvendo foreiros e latifúndiários.<br />

Na comarca de Sapé (que envolve os municípios de Sapé e Mari)<br />

correm <strong>na</strong> justiça de trinta a cinquenta processos em torno de<br />

pendengas entre proprietários e camponeses. No ano de 1962 ape<strong>na</strong>s<br />

uma única ação civil foi concluída, com vantangem para o proprietário<br />

(...) Mas de maneira geral, enquanto a ação não é concluída, a demora<br />

favorece o camponês, que deixa de pagar o foro ao proprietário, não<br />

pode ser expulso e, e geralmente, deposita seu foro em cartório e<br />

continua a colher os frutos da terra, sem dá o dia de trabalho ao patrão.<br />

Carneiro (apud NOVAES, 1997, p. 38).<br />

Novaes (1997), ressalta que por meio da Liga o Poder Judiciário tornou-se<br />

intermediador entre os camponeses e o Latifundiário. Portanto, sendo perceptível a<br />

evolução da área de atuação de Liga de Sapé, em meio a diferentes setores que<br />

operavam no município, expandindo assim, sua articulação não somente no campo<br />

sócio-político, mas no judiciário também.<br />

13


14<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Croqui – 2<br />

Comarca de Sapé-PB<br />

Fonte: ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/tematicos/politico/PB_Politico.pdf<br />

Limite da Comarca de Sapé:____<br />

O croqui acima, destaca a cidade de Sapé <strong>na</strong> <strong>região</strong> da zo<strong>na</strong> da mata paraiba<strong>na</strong>,<br />

bem com sua comarca, que envolve o município de Sapé e Mari, outro importante<br />

núcleo da Liga Camponesa <strong>na</strong> Paraíba. Conforme Novaes (1997) o Estado da Paraíba<br />

chegou a abrigar 19 Ligas Camponesas, sendo boa parte delas <strong>na</strong> <strong>região</strong> da zo<strong>na</strong> da<br />

mata, em virtude da <strong>região</strong> possuir uma grande concentração de engenhos, quanto aos<br />

movimentos, o fato de terem existido 19 Ligas não quer dizer que to<strong>das</strong> tenham sido<br />

registrada em cartório, ou que tenha tido significativa expressão política tal qual a de<br />

Sapé.<br />

O município de Sapé como grande produtor de ca<strong>na</strong>-de-açúcar, foi cenário de<br />

intensos conflitos entre trabalhadores, frente aos latifundiários e usineiros, sendo<br />

comum as paralisações e greves realiza<strong>das</strong> pelos trabalhadores <strong>na</strong> tentativa de


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

defenderem seus interesses. De acordo com Novaes (1997), <strong>na</strong> Paraíba, neste<br />

período, os acordos trabalhistas se davam por meio de pressão direta e por momentos<br />

de greve, liderados pelos próprios camponeses, vinculados a Liga. Nesse contexto<br />

João Pedro Teixeira destacou-se como importante articulador da resistência e luta do<br />

campesi<strong>na</strong>to frente ao poderio agrário <strong>na</strong> Paraíba, em especial no município de Sapé.<br />

Ainda segundo Novaes, em meio a esse cenário de greves os camponeses não<br />

contavam com o respaldo Judiciário, depedendo neste casos somente da pressão<br />

oriunda de suas ações para obterem sucesso em determi<strong>na</strong>dos acordos estabelecidos<br />

entre os proprietários e o campesi<strong>na</strong>to. Ao passo que a Liga foi ganhando mais<br />

associados, e aumentando sua expressão no município de Sapé através de seu apoio<br />

e assistência ao homem do campo, também intensificaram-se as preocupações dos<br />

latifundiários, no que tange o suporte ao camponês, papel exercido pelas Ligas, função<br />

esta que o latinfúndio de forma intencio<strong>na</strong>l e propagandista também efetuava.<br />

O artigo publicado no Diário da Borborema, em 19 de março de 1961, dizia:<br />

Companhia Usi<strong>na</strong>s São João e Santa Hele<strong>na</strong> cumprem acima <strong>das</strong><br />

expectativas seu programa de assistência.<br />

Nenhuma Liga camponesa, mesmo organizada, jamais conseguirá<br />

prestar a assistência que o industrial Re<strong>na</strong>to Ribeiro proporcio<strong>na</strong> aos<br />

trabalhadores, em todos os setores que dirige, sem o emprego da<br />

violência e sem a prática de idéias subversivas, mas num regime de<br />

pura democracia, os camponeses ali são beneficiados com a mais<br />

efeciente assistência (...) e assim pode-se dizer que veremos em breve<br />

um sistema de completo amparo aos nossos camponeses.<br />

Uma afirmativa podemos antecipar, é que por maior que seja a<br />

assistência já adotada em algumas organizações (LIGAS), nunca<br />

poderá se comparar com o que o industrial Re<strong>na</strong>to Ribeiro Coutinho<br />

vem proporcio<strong>na</strong>ndo aos seus trabalhadores. Artigo publicado, no<br />

Diário da Borborema, em 19 de março de 1961 (apud NOVAES, 1997,<br />

p. 40).<br />

Portanto, nota-se uma contra-ofensiva por parte do latinfúndio para tentar conter<br />

a crescente aceitação a qual a Liga de Sapé estava alcançando.<br />

Os camponeses de Sapé não diferente <strong>das</strong> outras regiões e Estados do<br />

Nordeste, também sofreram com a concentração fundiária presente no município, bem<br />

como a baixa mecanização no campo. Segundo Marília Castro Conforti, no município<br />

de Sapé em 1950 existia aproximadamente 18 tratores 6 , e em virtude de não haver<br />

uma maior mecanização para intensificar a produção, aumentava-se a aréa física ,<br />

havendo assim um crescimento <strong>das</strong> propriedades também nesse município, e cada vez<br />

6 Dados fornecidos pela autora durante sua exposição no Centro de Educação e Assessoria Popular-CEDAP.<br />

15


16<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

menos áreas desti<strong>na</strong><strong>das</strong> ao cultivo de subsistência , ocorrendo um avanço dos<br />

latifundiários sobre o roçado dos camponeses. 7<br />

É diante do crescimento dos latifúndios em detrimento <strong>das</strong> peque<strong>na</strong>s<br />

propriedades e, da cultura de subsistência, bem como as duras condições de trabalho,<br />

é que a Liga deste município vai articular-se para representar e colocar em pauta os<br />

interesses dos camponeses, no que concerne a melhores condições de trabalho no<br />

campo.<br />

Em meio a esse contexto de luta e de defesa de seus interesses é que<br />

intensifica-se a violência contra os camponeses, através de ameaças por parte dos<br />

usineiros e latifundiários, os quais passaram a exercer forte pressão sobre alguns<br />

líderes da Liga. Como ocorreu com João Pedro Teixeira, que viu-se sem saída em<br />

meio a uma emboscada engendrada sob ordens do latifúndio. Conforme <strong>na</strong>rra sua<br />

esposa Elizabeth Teixeira:<br />

Foi assassi<strong>na</strong>do por pistoleiros que estavam de emboscada. Eram dois<br />

policiais, um cabo e um soldado da polícia, e o vaqueiro Agui<strong>na</strong>ldo<br />

Veloso Borges. O cabo da polícia chamava-se Francisco Pedro,<br />

apelido de Chiquinho, o soldado, Antonio Alexandre. O vaqueiro estava<br />

<strong>na</strong> estrada, esperando João Pedro para dar o aviso aos pistoleiros, que<br />

estavam em emboscada. Uma senhora que morava perto do local<br />

disse que depois de ter levado os três tiros, João Pedro dizia,<br />

levantando a mão e ainda em pé: "Tentaram, tentaram até que tiraram<br />

a minha vida. Sei que não reencontro mais a minha mulher e meus<br />

filhos", deu alguns gemidos e já estava no chão. O primeiro que o<br />

encontrou foi o companheiro Antonio José Dantas, que estava <strong>na</strong><br />

estrada com o prefeito de Santa Rita, cidade da Paraíba. João Pedro<br />

saltava do carro que ligava João Pessoa a Campi<strong>na</strong> Grande, e<br />

caminhava para chegar até em casa. Segundo as informações, não foi<br />

somente uma emboscada, foram três <strong>na</strong>quele dia, porque se ele<br />

passasse pela primeira, teria outra no rio, que ele tinha que atravessar.<br />

E a terceira era <strong>na</strong> nossa própria casa. Naquele dia não tinha como<br />

escapar. 8<br />

Morto em abril de 1962, o líder camponês João Pedro Teixeira, teve a notícia de<br />

sua morte repercutida em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ocorrendo <strong>na</strong> cidade de Sapé, passeatas<br />

contra a violência oriunda do latifúndio. Bem como um ato público.<br />

Segundo descreve Elizabeth Teixeira:<br />

7 Disponível em: http://www.cedap.org.br/publicacoes_<strong>ligas</strong>_<strong>camponesas</strong>.htm<br />

8 Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=989


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Recebi solidariedade de to<strong>das</strong> as classes trabalhadoras, dos<br />

estudantes e muitas delegações <strong>camponesas</strong> vieram ao ato público em<br />

Sapé. Os companheiros que não eram da Liga se revoltaram e<br />

acabaram se filiando, todos os companheiros, de outros municípios,<br />

que ainda não estavam filiados, se filiaram em protesto ao assassi<strong>na</strong>to<br />

de João Pedro. Foi a coisa mais linda da minha vida, a fraternidade, o<br />

amor do homem do campo para com João Pedro e para comigo e os<br />

filhos dele. Todos os companheiros da Liga se aproximavam de mim e<br />

até queriam incendiar a cidade de Sapé. A revolta foi tão grande que,<br />

em 64, dois anos depois, a Liga chegou a ter 30 mil companheiros. 9<br />

Assim , após a morte de João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira sua esposa<br />

assumiu a liderança da Liga de Sapé continuando a luta, e a resistência juntamente<br />

com outros 10 mil camponeses associados <strong>na</strong> Liga <strong>na</strong>quele momento, contra a<br />

exclusão e as dificuldades imposta aos camponeses da <strong>região</strong>.<br />

Se observarmos que segundo o IBGE no ano 2006 o município de Sapé possuia<br />

47.220 habitantes, e se considerarmos que essa população <strong>na</strong> década de 1950<br />

segundo AUED (1981, p. 38), era de 37.918 pessoas, e nos remetermos à quantidade<br />

de associados <strong>na</strong>quele período, ou seja, cerca de 10 mil camponeses que compunham<br />

essa Liga, pode-se ter uma dimensão deste movimento no município em fins da<br />

década de 50 e início de 60 e de seu poder de atuação e influência sobre a <strong>região</strong><br />

embora ainda encontrasse diversos empecilhos.<br />

Essa idéia nos apresenta e reforça o quanto os movimentos socias, quando<br />

unidos, e coesos, podem refletir <strong>na</strong>s estruturas econômicas e sociais estabeleci<strong>das</strong> de<br />

uma sociedade. E o quanto esses movimentos, podem influir <strong>na</strong> ordem estabelecida,<br />

quando buscam espaços para representar seus interesses, mesmo quando setores<br />

conservadores se colocam <strong>na</strong> tentativa de desvalorizá-los e de constituir sua imagem<br />

de forma pejorativa.<br />

Ligas Camponesas: crise e enfraquecimento<br />

Peasant Leagues: crisis and weakening<br />

Em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l essas mobilizações realiza<strong>das</strong> pelas Ligas Camponesas<br />

juntamente a sua luta <strong>na</strong> tentativa de articular uma (re) estruturação agrária no país por<br />

vias institucio<strong>na</strong>is, foram se esvaecendo devido a falta de mudanças no que concerne a<br />

uma transformação mais efetiva <strong>na</strong> estrutura fundiária, bem como a constante violência<br />

sofrida pelas Ligas e aos empecilhos colocados pela oligárquia agrária a qual detinham<br />

9 Ibid.<br />

17


18<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

intensa influência no cenário político. As Ligas Camponesas em meados de 1961,<br />

assumiam de forma efetiva uma postura mais radical no que diz respeito a questão e a<br />

sua percepção quanto a situação agrária no país.<br />

Para Bastos (1984), desde a desapropriação do Engenho Galiléia em 1959,<br />

principal vitória da Liga, sobretudo simbolicamente, mas nenhuma ação efetiva no que<br />

tange a conquista de novas terras ou no que implicasse <strong>na</strong> diminuição da<br />

concentração fundiária e a redistribuição de terras aos camponeses, se concretizou.<br />

Essa radicalização passou a tomar corpo sobretudo a partir do I Congresso<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas em 1961 (Congresso de Belo-<br />

Horizonte-MG). Azevêdo (1982), caracteriza esse momento entre 1960 e 1961 <strong>na</strong><br />

dissidência <strong>das</strong> Ligas Camponesas com o PCB, como um processo de<br />

amadurecimento ideológico <strong>das</strong> Ligas frente as questões políticas e estruturais que<br />

permeavam o cenário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, havendo como palavra de ordem a reforma agrária<br />

radical e uma outra leitura acerca do cenário agrário presente no país.<br />

Ainda conforme Azevêdo, o PCB e a União dos Lavradores e Trabalhadores<br />

Agrícolas do Brasil-ULTAB, organizadores do evento, durante o congresso tiveram<br />

alguns desentendimentos políticos e ideológicos com a Liga Camponesa, saindo o PCB<br />

e a ULTAB derrotados neste congresso, frente ao apoio conquistado pelas Ligas<br />

Camponesas, no que se refere a uma maior radicalização em detrimento de uma<br />

posição mais moderada e institucio<strong>na</strong>l adotada pelo PCB. “Desses atritos resulta que,<br />

desde 1961, rompe-se a unidade tática do movimento camponês, unidade proposta<br />

pela ULTAB e buscada durante anos de trabalho e arregimentação camponesa”.<br />

(Bastos, 1984, p. 100).<br />

No documento declarado em Belo-Horizonte apresentam-se alguns pontos<br />

relevantes da situação agrária do país e, sobretudo acerca do posicio<strong>na</strong>mento<br />

ideológico tomado pela Liga, como destacado a seguir:<br />

As massas <strong>camponesas</strong> oprimi<strong>das</strong> e explora<strong>das</strong> de nosso país reuni<strong>das</strong><br />

em seu I Congresso Nacio<strong>na</strong>l, vêm, por meio desta Declaração,<br />

manifestar a sua decisão i<strong>na</strong>balável de lutar por uma reforma agrária<br />

radical. Uma tal reforma <strong>na</strong>da tem a ver com as medi<strong>das</strong> paliativas<br />

propostas pelas forças retrógra<strong>das</strong> da Nação, cujo objetivo é adiar por<br />

mais algum tempo a liquidação da propriedade latifundiária. A bandeira<br />

da reforma agrária radical é a única bandeira capaz de unir e organizar<br />

as forças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que desejam o bem-estar e a felicidade <strong>das</strong> massas<br />

trabalhadoras rurais e o progresso do Brasil.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

A característica principal da situação agrária brasileira é o forte<br />

predomínio da propriedade latifundiária. Com a população rural de cerca<br />

de 38 milhões de habitantes, existem no Brasil ape<strong>na</strong>s 2.065.000<br />

propriedades agrícolas. Neste número incluem-se 70.000 propriedades<br />

latifundiárias, que representam 3,39% do total dos estabelecimentos<br />

agrícolas existentes, mas que possuem 62,33% da área total ocupada<br />

do país.<br />

A reforma agrária não poderá ter êxito se não partir da cultura imediata<br />

e da mais completa liquidação dos monopólios da terra exercidos pelas<br />

forças retrógra<strong>das</strong> do latifúndio e o conseqüente estabelecimento do<br />

livre e fácil acesso à terra para os que a queiram trabalhar. (Declaração<br />

do I Congresso Nacio<strong>na</strong>l dos Lavradores e Trabalhadores<br />

Agrícolas Sobre o Caráter da Reforma Agrária 1961). 10<br />

Nessa declaração é perceptível a mudança de posição <strong>das</strong> Ligas Camponesas<br />

com relação ao entendimento <strong>das</strong> possibilidades de seus direitos, se antes a luta era<br />

para obter seus direitos a partir do congresso evidencia-se uma outra postura, inicia-se<br />

assim uma nova luta, sendo esta para que haja não somente os direitos, mas sim, a<br />

sua aplicação.<br />

Há neste momento, também entre as Ligas e o PCB, um embate ideológico<br />

acerca do caráter da Revolução Brasileira. Para Azevêdo (1982), as Ligas<br />

Camponesas sob a liderança de Francisco Julião, colocavam a possibilidade de uma<br />

Revolução socialista, queimando etapas, tal como tinha se passado <strong>na</strong> Chi<strong>na</strong> e em<br />

Cuba. Devendo ter como base inicial o campesi<strong>na</strong>to, pois o movimento tinha ple<strong>na</strong><br />

relevância dentro do processo de uma possível “Revolução”, devendo esta realizar-se<br />

do campo para a cidade, partindo de pontos importantes como à reforma agrária.<br />

Segundo RIDENTI (1993), pode-se entender as propostas do PCB como<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is-reformistas, as quais influenciavam diversos setores sociais, e que pretendia-<br />

se realizar a “Revolução Burguesa” no Brasil, pois de acordo com a leitura do partido, a<br />

sociedade brasileira ainda apresentava aspectos feudais e semi-feudais <strong>na</strong> zo<strong>na</strong> rural,<br />

os quais atrapalhavam o avanço <strong>das</strong> forças produtivas capitalistas, ainda segundo<br />

RIDENTI, a leitura do PCB acerca de seu projeto político o qual intensio<strong>na</strong>va pela via<br />

institucio<strong>na</strong>l fazer algumas reformas estruturais, colocava as conquistas do<br />

campesi<strong>na</strong>to, bem como do operariado e de outros setores da esquerda brasileira<br />

somente como elementos fortalecedores da base principal de seu projeto político,<br />

gerando com isso grande insatisfação em muitos setores da esquerda.<br />

Conforme Santiago (2001):<br />

10 Texto disponível em sua totalidade junto aos anexos.<br />

19


20<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

A linha do partido (PCB) – que definira isso no seu V Congresso (...)<br />

era a de conquistar a reforma agrária por etapas,sem radicalismos.<br />

Fazia parte de sua nova estratégia de “frente única”, que estimulava a<br />

aliança com a burguesia e até com latifundiários. O inimigo, entendia o<br />

PCB, era o “imperialismo americano”. A nova estratégia dos<br />

comunistas descartava a revolução pelas armas; clamava, agora, pela<br />

chamada “via pacífica”. (SANTIAGO, 2001, p. 30).<br />

Tor<strong>na</strong>-se evidente, assim, um dos pontos que enfraqueceram não somente o<br />

PCB, e as Ligas Camponesas, mas, boa parte dos movimentos de esquerda no Brasil<br />

nesse período, seus intensos debates de como deveria ser a Revolução Brasileira, bem<br />

como suas etapas, ou seja, seu caráter. O sociólogo Marcelo Ridenti, em seu livro “O<br />

Fantasma da Revolução Brasileira”, síntetiza muito bem esse contexto no título de um<br />

de seus capítulos o qual denomi<strong>na</strong> de “A constelação <strong>das</strong> esquer<strong>das</strong> brasileira”, a qual<br />

existe diversos movimentos que ao se fragmentarem em debates ideológicos,<br />

tor<strong>na</strong>ram-se cada vez mais suscetíveis a uma iminente derrota.<br />

Segundo Santiago (2001), as Ligas foram combati<strong>das</strong> por vários setores, e<br />

sofrendo agressões impunes por parte dos latifundiários <strong>na</strong> tentativa de obter a<br />

hegemonia sobre os camponeses, as Ligas entraram numa escalada de radicalização<br />

política e ideológica que as isolou ainda mais, criando assim uma dissidência ainda<br />

maior no movimento, e posteriormente o seu enfraquecimento, que ia de encontro aos<br />

interesses tanto da esquerda como da direita. “A partir de 1962, quando Goulart<br />

estimula a sindicalização no campo, numa tentativa de controlar a mobilização agrária,<br />

vamos assitir a um enfraquecimento cada vez maior <strong>das</strong> “<strong>ligas</strong>”. (Bastos, 1984, p. 104).<br />

A sindicalização rural foi o último acontecimento político importante no<br />

processo de transforamação do camponês em proletário. Entretanto,<br />

depois da fase excepicio<strong>na</strong>l <strong>das</strong> <strong>ligas</strong>, quando o proletariado parecia<br />

empenhado em definir um projeto político mais próximo de seus<br />

interesses, a sindicalização rural teve o caráter de uma reação<br />

moderadora. (IANNI, 1971, p. 143).<br />

Fragmenta<strong>das</strong> e enfraqueci<strong>das</strong> frente as diversas dissidências existentes em<br />

torno de si, o golpe militar de 1964 veio contextualizar a derrota efetiva deste<br />

movimento campesino. Estabelecendo-se assim, uma diminuição no ritmo dos debates<br />

que vinham desenvolvendo-se em torno da questão agrária no país, bem como <strong>das</strong><br />

relações que encontravam-se presentes no campo e as quais permeavam aquele<br />

cenário de luta contra a exclusão social, política e econômica imposta ao campesi<strong>na</strong>to<br />

brasileiro em especial, <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Considerações fi<strong>na</strong>is<br />

A organização e a projeção do campesi<strong>na</strong>to em algumas localidades do<br />

<strong>nordeste</strong>, por meio <strong>das</strong> Ligas <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> medida que trouxe para a discussão uma<br />

série de questões e denúncias acerca da situação a qual estava submetido o<br />

campesi<strong>na</strong>to, bem como o problema da posse da terra no Brasil e em especial no<br />

<strong>nordeste</strong>, somado a algumas conquistas do movimento, como a sindicalização <strong>na</strong> zo<strong>na</strong><br />

rural e a ínfimas melhorias <strong>na</strong>s condições de trabalho, não foram suficientes para<br />

alterar radicalmente, ou siginificativamente o quadro da concentração fundiária<br />

brasileira.<br />

A estrutura fundiária no Brasil a qual ainda apresenta-se de forma<br />

expressivamente concentrada sob domínio de uma peque<strong>na</strong> parcela de proprietários,<br />

requer especial atenção para melhor se entender o cenário agrário brasileiro o qual<br />

ainda constitui ao campesi<strong>na</strong>to uma exclusão social.<br />

Nesta perspectiva, o estudo sobre o papel e atuação desses movimentos se faz<br />

necessário para compreender o processo <strong>das</strong> relações <strong>na</strong> zo<strong>na</strong> rural brasileira e<br />

fomentar a continuidade de novas discussões acerca <strong>das</strong> melhores ações que<br />

permitam se (re) definir, e (re) pensar a atual estrutura fundiária no Brasil <strong>na</strong> tentativa<br />

de possibilitar uma maior projeção dos movimentos sociais campesinos, bem como de<br />

alterar as relações existentes no campo.<br />

21


22<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Referências<br />

AUED, Ber<strong>na</strong>dete Wrublevski. A vitória dos vencidos. Partido Comunista Brasileiro<br />

e as Ligas Camponesas (1955-64). 1981. Dissertação (Mestrado em<br />

Sociologia). - Centro de Humanidades da UFPB, Campi<strong>na</strong> Grande, 1981. p. 23<br />

– 48. 201 f.<br />

AZEVÊDO, Fer<strong>na</strong>ndo Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,<br />

1982. 145 p.<br />

BASTOS, Elide Rugai. As Ligas Camponesas. Petrópolis; Vozes, 1984. 141 p.<br />

IANNI, Octavio. A formação do proletariado rural no Brasil. In: STEDILE, João Pedro<br />

(org.) e ESTEVAM, Douglas (assistente de pesquisa). A questão agrária no<br />

Brasil: O debate <strong>na</strong> esquerda: 1960-1980. Expressão Popular, 2005. p127-146.<br />

320 p.<br />

NOVAES, R. C. R. De Corpo e Alma. Catolicismo, classes sociais e conflitos no<br />

campo. Rio de Janeiro: Ed. Graphia, 1997. p. 35-71. 238 p.<br />

PRESTES, Luiz C. Proposta de Reforma Agrária da bancada do PCB <strong>na</strong> constituinte de<br />

1946. In: STEDILE, João Pedro (org.) e ESTEVAM, Douglas (assistente de<br />

pesquisa). A questão agrária no Brasil: Programa de reforma agrária 1946-<br />

2003. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 09-28. 240 p.<br />

RIDENTI, Marcelo S. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Unesp, 1993.<br />

p. 25-60. 276 p.<br />

SANTIAGO, Vandeck. FRANCISCO JULIÃO: Luta, paixão e morte de um agitador.<br />

Recife; ALEP, 2001. 69 p.<br />

SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária?. São Paulo; Brasiliense, 2001.<br />

106 p<br />

SILVA, J. M. da; SILVEIRA, E S. da. Apresentação de trabalhos acadêmicos:<br />

normas e técnicas. 3. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 215 p.<br />

SOUZA, Itamar. A luta da Igreja contra os coronéis. Petrópolis; Vozes. 1982. p. 69-<br />

83. 97 p.<br />

TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo;<br />

Brasiliense, 1982. 123 p.<br />

VEIGA, José Eli. O que é reforma agrária?. São Paulo; Brasiliense, 1986. 87 p.<br />

Vídeo<br />

CABRA MARCADO para morrer. Produção: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Globo<br />

Vídeo, 1984. VHS. 120 mim.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Sites<br />

CAMARGO, A. Verbete temático – Ligas Camponesas.<br />

Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/7794_1.asp<br />

Acesso em 19/08/2008<br />

Declaração do I Congresso Nacio<strong>na</strong>l dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas<br />

Sobre o Caráter da Reforma Agrária – 1961.<br />

Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/tematica/1961/11/17.html<br />

Acesso em 10/07/2008<br />

Entrevista com Elizabeth Teixeira: Por Alípio Freire e Hamilton Pereira, em<br />

31/1/1997.<br />

Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=989<br />

Acesso em 10/07/2008.<br />

Entrevista com Francisco Julião: Jor<strong>na</strong>l O Pasquim, edição de 12 de janeiro de 1979.<br />

Disponível em: http://www.pe-az.com.br/biografias/francisco_juliao.htm<br />

Acesso em 15/07/2008.<br />

GRYNZPAN, Mario. Seção João Goulart – A questão agrária no governo Jango.<br />

Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/<br />

Acesso em 19/08/2008<br />

OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma<br />

agrária. São Paulo; FFLCH/Labur Edições. 2007. p.66-71; p.104-126. 185 p.<br />

Disponível em: http://www.fflch.usp.br/dg/gesp/baixar/livro_ariovaldo.pdf<br />

Acesso em 19/08/2008<br />

23


24<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Anexo(s)<br />

Anexo I - Declaração do I Congresso Nacio<strong>na</strong>l dos Lavradores e Trabalhadores<br />

Agrícolas Sobre o Caráter da Reforma Agrária<br />

1961<br />

As massas <strong>camponesas</strong> oprimi<strong>das</strong> e explora<strong>das</strong> de nosso país reuni<strong>das</strong> em seu I Congresso<br />

Nacio<strong>na</strong>l vêm, por meio desta Declaração, manifestar a sua decisão i<strong>na</strong>balável de lutar por uma reforma<br />

agrária radical. Uma tal reforma <strong>na</strong>da tem a ver com as medi<strong>das</strong> paliativas propostas pelas forças<br />

retrógra<strong>das</strong> da Nação, cujo objetivo é adiar por mais algum tempo a liquidação da propriedade<br />

latifundiária. A bandeira da reforma agrária radical é a única bandeira capaz de unir e organizar as forças<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que desejam o bem-estar e a felicidade <strong>das</strong> massas trabalhadoras rurais e o progresso do<br />

Brasil.<br />

O I Congresso Nacio<strong>na</strong>l de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, após os debates travados<br />

durante o período de sua realização definiu os elementos básicos que caracterizam a situação <strong>das</strong><br />

massas <strong>camponesas</strong> e fixou os princípios gerais a que deve subordi<strong>na</strong>r-se uma reforma agrária radical.<br />

A característica principal da situação agrária brasileira é o forte predomínio da propriedade<br />

latifundiária. Com a população rural de cerca de 38 milhões de habitantes, existem no Brasil ape<strong>na</strong>s<br />

2.065.000 propriedades agrícolas. Neste número incluem-se 70.000 propriedades latifundiárias, que<br />

representam 3,39% do total dos estabelecimentos agrícolas existentes, mas que possuem 62,33% da<br />

área total ocupada do país.<br />

É o monopólio da terra, vinculado ao capital colonizador estrangeiro, notadamente o norteamericano,<br />

que nele se apóia, para domi<strong>na</strong>r a vida política brasileira e melhor explorar a riqueza do<br />

Brasil. É ainda o monopólio da terra o responsável pela baixa produtividade de nossa agricultura, pelo<br />

alto custo de vida e por to<strong>das</strong> as formas atrasa<strong>das</strong>, retrógra<strong>das</strong>, e extremamente penosas de exploração<br />

semi-feudal, que escravizam e brutalizam milhões de camponeses sem terra. Essa estrutura agrária<br />

caduca, atrasada, bárbara e desuma<strong>na</strong> constitui um entrave decisivo ao desenvolvimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e é<br />

uma <strong>das</strong> formas mais evidentes do processo espoliativo interno. A fim de superar a atual situação de<br />

subdesenvolvimento crônico, de profunda instabilidade econômica, política e social, e, sobretudo, para<br />

deter a miséria e a fome crescentes e elevar o baixo nível de vida do povo em geral e melhorar as<br />

insuportáveis condições de vida e de trabalho a que estão submeti<strong>das</strong> as massas <strong>camponesas</strong>, tor<strong>na</strong>-se<br />

cada vez mais urgente e imperiosa a necessidade da realização da reforma agrária que modifique<br />

radicalmente a atual estrutura de nossa economia agrária e as relações sociais imperantes no campo. A<br />

reforma agrária não poderá ter êxito se não partir da cultura imediata e da mais completa liquidação dos<br />

monopólios da terra exercidos pelas forças retrógra<strong>das</strong> do latifúndio e o conseqüente estabelecimento do<br />

livre e fácil acesso à terra para os que a queiram trabalhar.<br />

É necessário, igualmente, que a reforma agrária satisfaça as necessidades mais senti<strong>das</strong> e as<br />

reivindicações imediatas dos homens do campo. Que responda, portanto, aos anseios e interesses vitais<br />

dos que trabalham a terra e que aqui se encontram reunidos, através de seus representantes e<br />

delegados de todo o país ao I Congresso Nacio<strong>na</strong>l dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.<br />

Para os homens que trabalham a terra, a reforma agrária, isto é, a completa e justa solução da<br />

questão agrária do país, é a única maneira de resolver efetivamente os graves problemas em que se<br />

debatem as massas <strong>camponesas</strong>, e, portanto, elas, mais do que qualquer outra parcela da população<br />

brasileira, estão interessa<strong>das</strong> em sua realização. As massas <strong>camponesas</strong> têm a consciência de que a<br />

solução fi<strong>na</strong>l depende delas.<br />

A execução de uma reforma agrária, efetivamente democrática e progressista, só poderá ser<br />

alcançada à base da mais ampla e vigorosa ação, organizada e decidida, <strong>das</strong> massas trabalhadoras do<br />

campo, frater<strong>na</strong>lmente ajuda<strong>das</strong> em sua luta pelo proletariado <strong>das</strong> cidades, os estudantes, a<br />

intelectualidade e demais forças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas e democráticas do patriótico povo brasileiro.<br />

As medi<strong>das</strong> aqui propostas, capazes de realmente conduzirem à solução do magno problema da<br />

reforma agrária em nossa pátria, evidentemente se chocam e se contrapõem aos interesses e soluções<br />

preconiza<strong>das</strong> pelas forças sociais que se beneficiam e prosperam à base da manutenção da arcaica e


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

nociva estrutura agrária atual. Sobre essa estrutura repousa a instável economia, dependente e<br />

subdesenvolvida, de nossa pátria, e que, a todo custo, essas forças procuram impedir que se modifique.<br />

A reforma agrária que defendemos e propomos diverge e se opõe frontalmente, portanto, aos<br />

inúmeros projetos, indicações e proposições sobre as pretensas "reformas", revisões agrárias e outras<br />

manobras elabora<strong>das</strong> e apresenta<strong>das</strong> pelos representantes daquelas forças, cujos interesses e objetivos<br />

consultam, sobretudo ao desejo de manter no essencial e indefinidamente o atual estado de coisas.<br />

A reforma agrária pela qual lutamos tem como objetivo fundamental a completa liquidação do<br />

monopólio da terra exercido pelo latifúndio, sustentáculo <strong>das</strong> relações antieconômicas e anti-sociais que<br />

predomi<strong>na</strong>m no campo e que são o principal entrave ao livre e próspero desenvolvimento agrário do<br />

país.<br />

Com a fi<strong>na</strong>lidade de realizar a reforma agrária que efetiva-mente interessa ao povo e às massas<br />

trabalhadoras do campo, julgamos indispensável e urgente dar solução às seguintes questões:<br />

a) Radical transformação da atual estrutura agrária do país, com a<br />

liquidação do monopólio da propriedade da terra exercido pelos latifundiários,<br />

principalmente com a desapropriação, pelo governo federal, dos latifúndios,<br />

substituindo-se a propriedade monopolista da terra pela propriedade camponesa,<br />

em forma individual ou associada, e a propriedade estatal.<br />

b) Máximo acesso à posse e ao uso da terra pelos que nela desejam<br />

trabalhar, à base da venda, usufruto ou aluguel a preços módicos <strong>das</strong> terras<br />

desapropria<strong>das</strong> aos latifundiários e da distribuição gratuita <strong>das</strong> terras devolutas.<br />

Além dessas medi<strong>das</strong> que visam a modificar radicalmente as atuais bases da questão agrária no<br />

que respeita ao problema da terra, são necessárias soluções que possam melhorar as atuais condições<br />

de vida e de trabalho <strong>das</strong> massas <strong>camponesas</strong>, como sejam:<br />

a) Respeito ao amplo, livre e democrático direito de organização<br />

independente dos camponeses, em suas associações de classe.<br />

b) Aplicação efetiva da parte da legislação trabalhista já existente e que se<br />

estende aos trabalhadores agrícolas, bem como imediatas providências<br />

gover<strong>na</strong>mentais no sentido de impedir sua violação. Elaboração de Estatuto que<br />

vise a uma legislação trabalhista adequada aos trabalhadores rurais.<br />

c) Ple<strong>na</strong> garantia à sindicalização livre e autônoma dos assalariados e<br />

semi-assalariados do campo. Reconhecimento imediato dos sindicatos rurais.<br />

d) Ajuda efetiva e imediata à economia camponesa sob to<strong>das</strong> as suas<br />

formas.<br />

As massas <strong>camponesas</strong> sentem agravar-se, a cada dia que passa, o peso insuportável da<br />

situação a que estão submeti<strong>das</strong>. Por isso mesmo, se imobilizam e se organizam para lutar<br />

decididamente pela obtenção de seus objetivos expressos em uma efetiva, democrática e patriótica<br />

reforma agrária. Essa luta já se processa e evoluirá até que sejam atingidos e realizados seus objetivos,<br />

pelos quais as massas do campo não pouparão esforços nem medirão sacrifícios.<br />

Nas atuais condições, tudo deve ser feito para conseguir que as forças que dirigem os destinos<br />

da <strong>na</strong>ção brasileira se lancem à realização de uma eficaz e i<strong>na</strong>diável política agrária, capaz de, através<br />

da execução de medi<strong>das</strong> parciais, ir dando solução às questões indispensáveis à ple<strong>na</strong> realização da<br />

reforma agrária de que necessitam os lavradores e trabalhadores agrícolas, assim como todo o povo<br />

brasileiro; tais medi<strong>das</strong>, entre outras, são as seguintes:<br />

a) Imediata modificação pelo Congresso Nacio<strong>na</strong>l do artigo 141 da<br />

Constituição Federal, em seu parágrafo 16, que estabelece a exigência de<br />

"indenização prévia, justa e em dinheiro" para os casos de desapropriação de<br />

terras por interesse social. Esse dispositivo deverá ser elimi<strong>na</strong>do e reformulado,<br />

25


26<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

determi<strong>na</strong>ndo que as indeniza-ções por interesse social sejam feitas mediante<br />

títulos do poder público, resgatáveis a prazo longo e a juros baixos.<br />

b) Urgente e completo levantamento ca<strong>das</strong>tral de to<strong>das</strong> as propriedades de<br />

área superior a 500 hectares e de seu aproveitamento.<br />

c) Desapropriação, pelo governo federal, <strong>das</strong> terras não aproveita<strong>das</strong> <strong>das</strong><br />

propriedades com área superior a 500 hectares, a partir <strong>das</strong> regiões mais<br />

populosas, <strong>das</strong> proximidades dos grandes centros urbanos, <strong>das</strong> principais vias de<br />

comunicação e reservas de água.<br />

d) Adoção de um plano para regulamentar a indenização em títulos<br />

federais da dívida pública, a longo prazo, e a juros baixos, <strong>das</strong> terras,<br />

desapropria<strong>das</strong>, avalia<strong>das</strong> à base do preço da terra registrado para fins fiscais,<br />

e) Levantamento ca<strong>das</strong>tral completo, pelos governos federal, estaduais e<br />

municipais, de to<strong>das</strong> as terras devolutas.<br />

f) Retombamento e atualização de todos os títulos de posse da terra.<br />

Anulação dos títulos ilegais ou precários de posse, cujas terras devem reverter à<br />

propriedade pública.<br />

g) O imposto territorial rural deverá ser progressivo, através de uma<br />

legislação tributária que estabeleça: 1.°) forte aumento de sua incidência sobre a<br />

grande propriedade agrícola; 2.°) isenção fiscal para a peque<strong>na</strong> propriedade<br />

agrícola.<br />

h) Regulamentação da venda, concessão em usufruto ou arrendamento<br />

<strong>das</strong> terras desapropria<strong>das</strong> aos latifundiários, levando em conta que em nenhum<br />

caso poderão ser feitas concessões cuja área seja superior a 500 hectares, nem<br />

inferior ao mínimo vital às necessidades da peque<strong>na</strong> economia camponesa.<br />

i) As terras devolutas, quer sejam de propriedade da União, dos Estados<br />

ou Municípios, devem ser concedi<strong>das</strong> gratuitamente, salvo exceções de interesse<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l aos que nelas queiram efetiva-mente trabalhar.<br />

j) Proibição da entrega de terras públicas àqueles que as possam utilizar<br />

para fins especulativos.<br />

k) Outorga de títulos de propriedade aos atuais posseiros que<br />

efetivamente trabalham a terra, bem como defesa intransigente de seus direitos<br />

contra a grilagem.<br />

l) Que seja planificada, facilitada e estimulada a formação de núcleos de<br />

economia camponesa, através da produção cooperativa.<br />

Com vistas a um rápido aumento da produção, principalmente de gêneros alimentícios, que<br />

possa atenuar e corrigir a asfixiante carestia de vida em que se debate a população do país, sobretudo<br />

as massas trabalhadoras da cidade e do campo, o Estado deverá elaborar um plano de fomento da<br />

agricultura que assegure preços mínimos compensadores <strong>na</strong>s fontes de produção, transporte eficiente e<br />

barato, favoreça a compra de instrumentos agrícolas e outros meios de produção; garanta o<br />

fornecimento de sementes, adubos, insetici-<strong>das</strong>, etc, aos pequenos agricultores; conceda crédito<br />

acessível aos pequenos cultivadores, proprietários ou não, e combata o favoritismo dos grandes<br />

fazendeiros.<br />

O I CONGRESSO NACIONAL DOS LAVRADORES E TRABALHADORES AGRÍCOLAS<br />

conclama o povo brasileiro a tomar em suas mãos esta bandeira e torná-la vitoriosa.<br />

Belo Horizonte, 17 de novembro de 1961.


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Anexo II - Comunicado de agricultores mineiros a Gustavo Capanema, referente à<br />

votação da emenda constitucio<strong>na</strong>l que altera os artigos da Constituição referentes à<br />

questão da desapropriação de terras. [15 de abril de 1963]. (CPDOC/FGV/arquivo<br />

Gustavo Capanema/ GC l 1961-07-11- doc. 1).<br />

27


28<br />

XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, T. M. M.<br />

Anexo III - Manifesto sobre reforma agrária, da Associação Comercial de São Paulo,<br />

contra a alteração da Constituição no tocante à desapropriação de terras. [29 de abril<br />

de 1963]. (CPDOC/FGV/arquivo Gustavo Capanema/ GC l 1961-07-11- doc. 2).


A <strong>presença</strong> <strong>das</strong> <strong>ligas</strong> <strong>camponesas</strong> <strong>na</strong> <strong>região</strong> <strong>nordeste</strong>, pp. 1-29.<br />

Anexo IV - Panfleto da Associação Rural de Pedro Leopoldo contra a reforma agrária<br />

do governo, acusando-a de antidemocrática. [1963-1964]. (CPDOC/FGV/arquivo<br />

Cordeiro de Farias/ CFa tv 1963-05-02- doc 2).<br />

29

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!