Pensando em princípios para uma docência transdisciplinar - Unicid
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Fo R m a ç ã o e Ca pa C i ta ç ã o n a ÁR e a d a sa ú d e<br />
Arnt rm. <strong>Pensando</strong> <strong>em</strong> <strong>princípios</strong> <strong>para</strong> <strong>uma</strong> <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 55-64<br />
instrumentos de medida que prolongu<strong>em</strong> esses órgãos.<br />
O sagrado não se opõe à racionalidade. Trata-se<br />
de um terceiro incluído, do exercício de compl<strong>em</strong>entaridade,<br />
possibilitando a coexistência dialógica da racionalidade<br />
com a não-racionalidade. Acredito, como<br />
descrito por Wilber (2003), que existe um tipo de<br />
conhecimento somente possível através da vivência.<br />
Este é caso da experiência não-racional e também do<br />
conhecimento obtido a partir de um gesto de interrupção.<br />
Gesto de interrupção é <strong>uma</strong> expressão utilizada<br />
por Larrosa (2002) que nos faz suspender o automatismo<br />
da ação, transformando-nos num sujeito da<br />
experiência, reconhecendo que a experiência é algo<br />
que nos acontece, necessitando <strong>para</strong> tanto de entrega,<br />
<strong>uma</strong> entrega consciente, passiva e ativa ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po. Um abandono consciente, um controle<br />
descontrolado. O gesto de interrupção requer <strong>para</strong>r<br />
<strong>para</strong> olhar, perdendo-nos nos detalhes, sentindo com<br />
os olhos, conhecendo com os olhos. Requer escutar<br />
por inteiro, escutar mais devagar, suspendendo a opinião.<br />
Requer <strong>para</strong>r <strong>para</strong> sentir, de diferentes formas,<br />
s<strong>em</strong>pre renovadas. Um gesto de interrupção nos permite<br />
abrir um canal de contato com a realidade, cultivando<br />
a atenção e a delicadeza. Permite ainda encontrar<br />
o t<strong>em</strong>po <strong>para</strong> falar sobre a própria experiência,<br />
contando o que nos acontece, alimentando o diálogo<br />
com o outro, com a vida. Aprend<strong>em</strong>os a viver um outro<br />
t<strong>em</strong>po, o t<strong>em</strong>po interior, o t<strong>em</strong>po s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po, o<br />
t<strong>em</strong>po da lentidão, o t<strong>em</strong>po de ser, cultivando a arte<br />
do encontro com nós mesmos, s<strong>em</strong> nos apartarmos<br />
do convívio, da comunhão.<br />
Suspendendo o automatismo da ação, posso experimentar<br />
a reflexão atenta (VARELA et al., 2003),<br />
reconhecendo que a razão pode combinar-se com<br />
a intuição e o amor, permitindo a transgressão <strong>para</strong><br />
além da lógica indutivo-dedutivo-identitária (MO-<br />
RIN, 2000). A reflexão atenta, ou ação incorporada,<br />
é aquela que acontece com corpo e mente unidos.<br />
Dessa maneira, a própria reflexão é <strong>uma</strong> forma de<br />
experiência, des<strong>em</strong>penhada com atenção/consciência,<br />
interrompendo <strong>uma</strong> cadeia de padrões de pensamentos<br />
habituais e preconcepções, tornando-se aberta a<br />
possibilidades diferentes daquelas contidas nas representações<br />
comuns que <strong>uma</strong> pessoa t<strong>em</strong> usualmente.<br />
Essa união mente-corpo, segundo esses autores, é<br />
algo a ser desenvolvido e está presente, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
naqueles que meditam.<br />
60<br />
Re l at o d e p e s q u i s a<br />
ISSN 2176-9095<br />
No relatório da UNESCO (1999, p.85) <strong>para</strong> a educação<br />
<strong>para</strong> o século XXI, encontramos o desenvolvimento<br />
h<strong>uma</strong>no na finalidade da educação:<br />
Desenvolver os talentos e as aptidões de cada um<br />
corresponde, ao mesmo t<strong>em</strong>po, à missão fundamentalmente<br />
h<strong>uma</strong>nista da educação, à exigência de equidade<br />
que deve orientar qualquer política educativa e<br />
às verdadeiras necessidades de um desenvolvimento<br />
endógeno, respeitador do meio ambiente h<strong>uma</strong>no e<br />
natural, e da diversidade de tradições e de culturas.<br />
E mais especialmente, se é verdade que a formação<br />
permanente é <strong>uma</strong> ideia essencial dos nossos dias, é<br />
preciso inscrevê-la, <strong>para</strong> além de <strong>uma</strong> simples adaptação<br />
ao <strong>em</strong>prego, na concepção mais ampla de <strong>uma</strong><br />
educação ao longo de toda a vida, concebida como<br />
condição de desenvolvimento harmonioso e contínuo<br />
da pessoa.<br />
As questões que me coloco neste momento são:<br />
por onde começar um processo de mudança que garanta<br />
esse desenvolvimento e direcione o engajamento<br />
<strong>para</strong> a melhora da vida h<strong>uma</strong>na no planeta? Onde<br />
se pode alicerçar tal movimento? Como agir <strong>para</strong> promover<br />
o desenvolvimento harmonioso e contínuo da<br />
pessoa? Como pod<strong>em</strong>os ser mais autônomos, mais<br />
conscientes, mais interligados ao que nos cerca, se<br />
ao mesmo t<strong>em</strong>po viv<strong>em</strong>os num t<strong>em</strong>po que nos tolhe,<br />
nos reduz, <strong>em</strong> termos de educação, à unidimensionalidade<br />
racional ou profissional?<br />
Qu<strong>em</strong> é professor, geralmente é incapaz de ainda<br />
fazer algo <strong>para</strong> o próprio b<strong>em</strong>, está s<strong>em</strong>pre pensando<br />
no b<strong>em</strong> de seus alunos, e cada conhecimento só o<br />
alegra na medida <strong>em</strong> que pode ensiná-lo. Acaba por<br />
considerar-se <strong>uma</strong> via de passag<strong>em</strong> <strong>para</strong> o saber, um<br />
simples meio, de modo que perde a seriedade <strong>para</strong><br />
consigo (NIETZSCHE, 2000, p.138).<br />
O pressuposto de cuidar deve começar pelo cuidado<br />
consigo mesmo, encontrando o espaço e o t<strong>em</strong>po<br />
de ser, de viver, de ser um sujeito da experiência.<br />
Assim, ao propor o exercício do gesto de interrupção,<br />
convido à pausa <strong>para</strong> respirar, respirando<br />
mais devagar e profundamente. Respirar mais devagar<br />
<strong>para</strong> sentir a vida que somos. Respirar mais devagar<br />
<strong>para</strong> nos sentirmos vivos a cada instante, tendo<br />
consciência de cada momento vivido. Respirar <strong>para</strong><br />
perceber nosso corpo e sua dinâmica. Respirar mais<br />
devagar <strong>para</strong>, na lentidão do gesto, conscient<strong>em</strong>ente<br />
realizar o movimento que permite basicamente nosso