Pensando em princípios para uma docência transdisciplinar - Unicid
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Fo R m a ç ã o e Ca pa C i ta ç ã o n a ÁR e a d a sa ú d e<br />
RESUMO<br />
Science in Health<br />
2010 jan-abr; 1(1): 55-64<br />
PENSANDO EM PRINCÍPIOS PARA UMA DOCÊNCIA TRANSDISCIPLINAR<br />
THINKING ABOUT PRINCIPLES FOR A TRANSDISCIPLINARY DOCENCY<br />
Este artigo apresenta um estudo sobre a <strong>transdisciplinar</strong>idade<br />
na forma de <strong>princípios</strong> <strong>para</strong> <strong>uma</strong> <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>.<br />
Considera-se que a <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong> parte<br />
de <strong>princípios</strong> que configur<strong>em</strong> <strong>uma</strong> postura do ser perante<br />
o conhecimento que vá além da disciplina, articulando ciência,<br />
artes, filosofia, tradições e experiência espiritual, reconhecendo<br />
a multidimensionalidade h<strong>uma</strong>na e os múltiplos<br />
níveis de realidade, permitindo a interconexão do ser com a<br />
natureza, com o outro, consigo mesmo, alicerçando a ética,<br />
conspirando pela comunhão a favor da vida. Os <strong>princípios</strong><br />
foram constituídos a partir da análise da Carta da Transdisciplinaridade<br />
e da experiência da autora na <strong>docência</strong>.<br />
Toma-se princípio como ponto de partida, num movimento<br />
auto-eco-organizado, sendo cada um necessário mas não<br />
suficiente <strong>para</strong> a <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>. Cada princípio<br />
desdobra-se <strong>em</strong> gestos que possibilitam sua operacionalização.<br />
São eles: reconhecer o mundo <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, através<br />
da articulação do conhecimento disciplinar, permitindo<br />
a consciência do significado de ser e fazer parte da sociedade/meio;<br />
abrir-se <strong>para</strong> o t<strong>em</strong>po de ser, buscando a reflexão<br />
atenta através da integração das múltiplas dimensões h<strong>uma</strong>nas;<br />
acolher/conhecer o outro – o sujeito de nossa ação<br />
docente, consciente de que é impossível conhecer as partes<br />
s<strong>em</strong> conhecer o todo; criar um espaço de comunhão <strong>para</strong><br />
a aprendizag<strong>em</strong>, consciente de que é impossível conhecer<br />
o todo s<strong>em</strong> conhecer as partes; criar um cenário <strong>para</strong> que,<br />
<strong>em</strong> parceria, docente e discentes sejam atores e autores<br />
do processo educativo, n<strong>uma</strong> postura dialógica, mantendo<br />
a dança constante entre os quatro <strong>princípios</strong> anteriores,<br />
n<strong>uma</strong> perspectiva recursiva e retroalimentadora.<br />
DESCRITORES: Docência - <strong>transdisciplinar</strong>idade. Formação de<br />
professores<br />
Rosamaria de Medeiros Arnt*<br />
* Pesquisadora do CNPq, integrante do Grupo de Pesquisa Ecotransd: ecologia dos saberes, <strong>transdisciplinar</strong>idade e educação.<br />
55<br />
ABSTRACT<br />
Re l at o d e p e s q u i s a<br />
ISSN 2176-9095<br />
This article presents a study about the <strong>transdisciplinar</strong>ity<br />
as principles to a <strong>transdisciplinar</strong>y docency. It is considered<br />
that a <strong>transdisciplinar</strong>y docency begins with principles that,<br />
toghether, make a way of facing the knowledge that goes<br />
beyond a particular subject, articulating science, arts, philosophy,<br />
traditions and spiritual experiences. That allows an<br />
interconnection between somebody and the nature, the<br />
others, himself, making the ethics stronger and conspiring<br />
for a better life. The principles were built from the Charter<br />
of Transdisciplinarity and the author’s experience as a docent<br />
working with the formation of teachers. In this article<br />
we consider principle as a starting point. The five principles<br />
presented work, each one of th<strong>em</strong>, compl<strong>em</strong>enting the four<br />
others. Each one of th<strong>em</strong> is important but doesn’t work<br />
without the others. Each principle becomes an action that<br />
takes its idea to our reality. These actions are: recognizing<br />
the world we live in, discovering our time’s to, be, sheltering<br />
the others, weaving our living together, building in a group.<br />
DESCRIPTORS: Docency-<strong>transdisciplinar</strong>ity. Teacher education.
Fo R m a ç ã o e Ca pa C i ta ç ã o n a ÁR e a d a sa ú d e<br />
Arnt rm. <strong>Pensando</strong> <strong>em</strong> <strong>princípios</strong> <strong>para</strong> <strong>uma</strong> <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 55-64<br />
IntRodução<br />
Desde os primeiros estudos que fiz sobre Transdisciplinaridade,<br />
<strong>em</strong> 1999, busco nela a organização<br />
de meu pensamento <strong>para</strong> fundamentar <strong>uma</strong> atitude<br />
que possa, minimamente, representar <strong>uma</strong> contribuição<br />
nos ambientes educacionais seja na universidade,<br />
na formação de professores, seja nos projetos de formação<br />
continuada ou nas atividades desenvolvidas <strong>em</strong><br />
ambientes sócio-educativos, <strong>em</strong> regiões de vulnerabilidade<br />
social, na cidade de São Paulo.<br />
Acredito que a <strong>transdisciplinar</strong>idade pode <strong>em</strong>basar<br />
e inspirar <strong>uma</strong> atitude que repercuta positivamente<br />
no fazer docente, na mediação pedagógica, nas<br />
interações e relações entre professor e alunos. L<strong>em</strong>brando<br />
Freire (1997), é preciso manter-se a atenção<br />
ao rigor nos processos educativos e buscar o prazer<br />
nas circunstâncias criadas <strong>em</strong> sala de aula, fugindo ao<br />
laissez-faire, ou ao prazer pelo prazer. Por intermédio<br />
de Maturana (1997) sab<strong>em</strong>os que fluímos de acordo<br />
com as circunstâncias, criando campos vibracionais<br />
com nosso pensar, sentir, agir, que se acoplam<br />
ao pensar, sentir, agir daqueles que compartilham os<br />
espaços de aprendizag<strong>em</strong> conosco.<br />
Como tantos, vivo constant<strong>em</strong>ente sob <strong>uma</strong> indignação<br />
que se expressa num verso que se repete, da<br />
música Promessas de Sol * , marcando o passo de cada<br />
dia: Que tragédia é esta que cai sobre todos nós? Tragédia<br />
que se mostra nas populações de rua, na miséria,<br />
fome, violência <strong>em</strong> diferentes níveis e formas. Tragédia<br />
que se mostra na falta de esperança, nas grades de<br />
casas e edifícios que se tornam cada vez mais altas.<br />
No medo, nas armas, na intolerância. Tragédia que se<br />
mostra no des<strong>em</strong>prego, no sub<strong>em</strong>prego, na barganha<br />
pela vida, como se a vida fosse mercadoria. Tragédia<br />
que se estampa nos que se entregam a qualquer tipo<br />
de vida, vida s<strong>em</strong> sentido, por não visualizar alternativas.<br />
A educação v<strong>em</strong> sendo apontada como o caminho<br />
por onde passa a solução dos probl<strong>em</strong>as sociais,<br />
políticos, econômicos, ambientais, existenciais. Mas<br />
onde começa esse caminho?<br />
Quer<strong>em</strong>os a paz no campo, nas cidades, entre os<br />
povos. Ela não se dissocia da paz nos lares, nas escolas.<br />
Que por sua vez não se encontra isolada da paz<br />
entre familiares e no convívio <strong>em</strong> sala de aula. E a<br />
paz interior? É possível a construção da paz s<strong>em</strong> que<br />
* Música dos compositores brasileiros Milton Nascimento e<br />
Fernando Brant.<br />
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ela seja, concomitant<strong>em</strong>ente, buscada e construída no<br />
interior do ser h<strong>uma</strong>no? Todos sab<strong>em</strong>os da importância<br />
do diálogo, mas onde aprend<strong>em</strong>os a dialogar?<br />
As teorias nos apontam caminhos. Como começar a<br />
trilhá-los? Qu<strong>em</strong> começa?<br />
A <strong>transdisciplinar</strong>idade pode contribuir <strong>para</strong> a<br />
educação, influenciando, inicialmente, a atitude,<br />
tornando-a propícia à construção de <strong>uma</strong> <strong>docência</strong><br />
<strong>transdisciplinar</strong>, que acolha o rigor, a abertura e a tolerância,<br />
como preconizado na Carta da Transdisciplinaridade<br />
** . Considero que essa <strong>docência</strong> poderá se<br />
refletir, pelas circunstâncias criadas, nos seres que ali<br />
interag<strong>em</strong>, modificando as relações professor-aluno,<br />
favorecendo o desenvolvimento h<strong>uma</strong>no, na sua multidimensionalidade.<br />
Já não é possível ficar impassível diante das questões<br />
sociais. Mesmo sabendo que as cenas já não nos<br />
impactam, como a dos meninos de rua. A cada manhã<br />
nos v<strong>em</strong> o angustiante questionamento: ‘O que fazer?’.<br />
Continuar a fugir do contato visual com pessoas<br />
que desafortunadamente não possu<strong>em</strong> o mínimo <strong>para</strong><br />
manter a dignidade h<strong>uma</strong>na? Ignorar desesperança,<br />
cansaço, apatia, indiferença, descaso, tédio, desrespeito<br />
por si mesmo, pelo outro, pela sociedade que<br />
formamos?<br />
A busca pela <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong> funda-se<br />
na esperança de que ela represente um leque de caminhos<br />
significativos que possa auxiliar na mudança<br />
através da educação; funda-se, ainda, na compreensão<br />
de que a atuação profissional acha-se profundamente<br />
imbricada com as questões aqui apontadas, carregando<br />
<strong>em</strong> sua essência a valorização da vida e da dignidade<br />
h<strong>uma</strong>nas. Segundo Laszlo (2001), é preciso <strong>uma</strong><br />
mudança no nível de consciência <strong>para</strong> evitarmos o colapso<br />
da civilização. Em que pese a complexidade do<br />
desafio, há que se fazer com que, de alg<strong>uma</strong> maneira,<br />
essa mudança se consubstancie. No meu entender,<br />
eis também o compromisso da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
e a importância de conceituá-la <strong>para</strong> criar campos<br />
de atuação e aproximação.<br />
** A Carta da Transdisciplinaridade é um documento escrito<br />
por ocasião do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade,<br />
no Convento de Arrábida, Portugal, no ano<br />
de 1994, sintetizando as discussões ali havidas, consistindo,<br />
no dizer de D’Ambrosio 4 (1997), um dos signatários,<br />
um pacto moral entre todos os homens definitivamente<br />
interessados n<strong>uma</strong> nova perspectiva de futuro <strong>para</strong> a h<strong>uma</strong>nidade.
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Debruçar-me sobre o t<strong>em</strong>a da <strong>transdisciplinar</strong>idade<br />
permitiu-me constatar o quanto ainda precisa<br />
ser construído. Essa construção requer, por um lado,<br />
o cuidado com a articulação teórica, a necessidade<br />
de <strong>uma</strong> compreensão aprofundada dos <strong>princípios</strong> da<br />
<strong>transdisciplinar</strong>idade, a partir dos documentos originais<br />
*** , <strong>para</strong> que não nos deix<strong>em</strong>os seduzir por modismos,<br />
ideias e teorias pasteurizadas e reducionistas,<br />
n<strong>uma</strong> simplificação apressada. Além disso, há ainda<br />
que se analisar, sob diferentes teorias, certos conceitos<br />
importantes, como o de zona de não-resistência,<br />
que nos abre o entendimento do significado da<br />
compreensão, do conhecimento pela intuição e pelo<br />
amor, <strong>para</strong> que sejam vinculados à prática pedagógica.<br />
Dessa maneira, acredito que se possa gradativamente<br />
construir <strong>uma</strong> prática docente impregnada de <strong>transdisciplinar</strong>idade,<br />
desfazendo-se a ideia de que esta seria<br />
<strong>uma</strong> condição utópica.<br />
Ao ler as declarações de fóruns patrocinados pela<br />
UNESCO (2006), integrados por renomados cientistas,<br />
filósofos, artistas, que marcaram o início do<br />
pensamento <strong>transdisciplinar</strong> e de <strong>uma</strong> nova maneira<br />
de vislumbrar o conhecimento e o mundo, dou-me<br />
conta de que tais eventos aconteceram nos anos 80.<br />
Ora, esta <strong>em</strong> 2007. Embora maravilhosos e inspiradores,<br />
aqueles escritos permanec<strong>em</strong> ‘trancafiados’ <strong>em</strong><br />
alg<strong>uma</strong>s publicações, ou sendo ainda objeto de discussões<br />
<strong>em</strong> meios acadêmicos; pouco, ou quase nada,<br />
se avançou no sentido de levá-los adiante – a núcleos<br />
de formação, por ex<strong>em</strong>plo. Este artigo nasce também<br />
da vontade de encontrar um meio de levar <strong>para</strong> a<br />
formação docente, inicial ou continuada, pontos que<br />
possam direcionar discussões mais abrangentes, dando<br />
continuidade ao movimento que se iniciou com<br />
homens de vulto. Meu propósito, ao organizar os<br />
<strong>princípios</strong> da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong> (ARNT, 2009),<br />
é o de construir um arcabouço de ideias que possam<br />
dar base à formação da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>. Ao<br />
descrever e analisar <strong>princípios</strong>, pretendo criar caminhos<br />
<strong>para</strong> trilhar com os professores, visando <strong>uma</strong><br />
maior aproximação <strong>em</strong> relação à <strong>transdisciplinar</strong>idade,<br />
mantendo s<strong>em</strong>pre presente a necessidade do<br />
contato com a realidade mais imediata da sala de aula.<br />
Dessa forma, acredito que estar<strong>em</strong>os ampliando a reflexão<br />
na direção apontada pelos pensamentos que<br />
*** Veja documentos sobre a <strong>transdisciplinar</strong>idade no site<br />
www.ecotransd.com.br<br />
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nos reconectam a nós mesmos, à natureza, à h<strong>uma</strong>nidade.<br />
Sobre o caminho<br />
Cheguei aos <strong>princípios</strong> da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>,<br />
partindo de experiências, ou cenas, de minha<br />
prática docente. Tomo a palavra cena com seu significado<br />
original: parte de filme ou de vídeo que focaliza<br />
determinada situação e um mesmo ambiente, geralmente<br />
com as mesmas personagens, podendo incluir<br />
diversos planos ou tomadas. Alg<strong>uma</strong>s cenas são formadas<br />
por <strong>uma</strong> única situação. Outras são compostas,<br />
organizando-se <strong>em</strong> torno de um t<strong>em</strong>a.<br />
Designo de experiência aquilo que nos acontece,<br />
o que vivenciamos, diferenciando-a daquilo que<br />
acontece, simplesmente. Esta definição (LARROSA,<br />
2002) vincula a experiência ao sujeito da experiência,<br />
como o espaço onde esta acontece. Assim, o<br />
sujeito da experiência precisa ser receptivo, disponível,<br />
aberto e passivo. Com <strong>uma</strong> passividade, anterior à<br />
oposição entre ativo e passivo, <strong>uma</strong> passividade feita de<br />
paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como<br />
<strong>uma</strong> receptividade primeira, como <strong>uma</strong> disponibilidade<br />
fundamental, como <strong>uma</strong> abertura essencial (ibid.:24).<br />
Não há segurança <strong>em</strong> ser sujeito da experiência, pois<br />
ao enfrentar a incerteza e o inesperado, há a perda<br />
do poder e do controle. Larrosa (ibid.) salienta que é<br />
incapaz de experiência o sujeito firme, forte, impávido,<br />
inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado,<br />
definido por seu saber, por seu poder e<br />
por sua vontade. A experiência, <strong>para</strong> ser o que nos<br />
acontece, apodera-se de nós. O saber da experiência,<br />
portanto, não está fora de nós. Não pod<strong>em</strong>os tornar<br />
nossa a experiência de outr<strong>em</strong>, revivendo-a. Através<br />
do diálogo, pod<strong>em</strong>os, no entanto, enriquecer nossa<br />
própria experiência, transformando-a <strong>em</strong> experiência<br />
formadora, como concebe Josso (2004, p.39). Esta<br />
autora caracteriza a experiência formadora como<br />
<strong>uma</strong> aprendizag<strong>em</strong> que articula, hierarquicamente: saber-fazer<br />
e conhecimentos, funcionalidade e significação,<br />
técnicas e valores num espaço-t<strong>em</strong>po que oferece a cada<br />
um a oportunidade de <strong>uma</strong> presença <strong>para</strong> si e <strong>para</strong> a<br />
situação, por meio da mobilização de <strong>uma</strong> pluralidade de<br />
registros.<br />
A narrativa das experiências pressupõe a narração<br />
de si mesmo, por meio de recordações-referências,<br />
ou experiências que pod<strong>em</strong>os utilizar como ilustra-
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ção. São tais narrativas o ponto de partida de meu<br />
método de pesquisa, de aprendizag<strong>em</strong>, esencadeando<br />
o processo dialógico e reflexivo de <strong>uma</strong> pesquisaformação.<br />
Josso (2004) diferencia as experiências <strong>em</strong> três<br />
modalidades. Ter experiências representa as situações<br />
que são vividas s<strong>em</strong> que as tenhamos provocado. São<br />
experiências feitas a posteriori. Fazer experiências representa<br />
as que provocamos, com intencionalidade.<br />
São experiências a priori. Pensar sobre as experiências,<br />
tanto as a posteriori como a priori, permite a interpretação<br />
e elaboração das mesmas, possibilitando novas<br />
significações, o alargamento da consciência, a mudança,<br />
a criatividade, a autonomização, a responsabilização<br />
(JOSSO, 2004, p.51).<br />
Para a <strong>em</strong>ergência de novas significações, esta autora<br />
destaca três atitudes interiores indispensáveis:<br />
abertura <strong>para</strong> si, <strong>para</strong> outr<strong>em</strong> e <strong>para</strong> o meio, visando<br />
a exploração e o conhecimento.<br />
N<strong>uma</strong> primeira etapa, as experiências não intencionais<br />
(a posteriori) surpreend<strong>em</strong>-nos, causam impacto<br />
e conduz<strong>em</strong>-nos a momentos de reflexão e revisão<br />
de conceitos e atitudes. Interrompe-se <strong>uma</strong> lógica que,<br />
a partir de então, já não nos permite integrar o que se<br />
passa ao que é conhecido, e ficamos afetivamente perturbados,<br />
porque <strong>uma</strong> t<strong>em</strong>poralidade foi quebrada ou, ainda,<br />
porque um funcionamento foi interrompido. O primeiro<br />
momento da experiência é esta suspensão de automatismos,<br />
é o imprevisto, é o espanto (JOSSO, 2004, p.52).<br />
Importante l<strong>em</strong>brar que <strong>uma</strong> experiência, mesmo<br />
compartilhada, não produz os mesmos significados:<br />
estes são s<strong>em</strong>pre diferentes, singulares. Portanto, é<br />
impossível repetir-se <strong>uma</strong> experiência. Ao tentar revivê-la,<br />
só pela intenção, não será <strong>uma</strong> experiência a<br />
posteriori. A partir de experiências que classifico como<br />
não intencionais, dialogando com autores, chego aos<br />
<strong>princípios</strong> que serão mencionados a seguir.<br />
2. Princípios da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
A palavra ‘princípio’ é ligada à ideia de orig<strong>em</strong>,<br />
começo, ponto de partida de um processo qualquer.<br />
Aristóteles (apud ABBAGNANO, 1998) enumerou<br />
seus significados, dos quais destaco o ‘ponto de partida’,<br />
ou, mais especificamente, o melhor ponto de<br />
partida – o que facilita <strong>uma</strong> situação de aprendizag<strong>em</strong>.<br />
‘Princípio’ também pode ser associado a algo que determina<br />
movimento, mudanças, ou ainda, r<strong>em</strong>eter às<br />
d<strong>em</strong>onstrações mat<strong>em</strong>áticas, às pr<strong>em</strong>issas que faz<strong>em</strong><br />
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parte de um processo de conhecimento.<br />
A concepção de ‘princípio’ aqui utilizada corresponde<br />
à constituição do ponto de partida, da base sobre<br />
a qual se possa pensar a <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>.<br />
Porém, é preciso enfatizar que não faço concessão a<br />
<strong>princípios</strong> rígidos, que possam cristalizar-se e cristalizar-me.<br />
Ao contrário, tento fugir da construção de<br />
gaiolas **** onde me aprisione, saindo da disciplinaridade<br />
<strong>para</strong> fixar-me n<strong>uma</strong> proposta que não me permita<br />
visualizar outras possibilidades de entendimento<br />
da vida, da educação e da atuação docente. Penso<br />
<strong>em</strong> <strong>princípios</strong> que se relacion<strong>em</strong> de forma dinâmica,<br />
aberta e processual, caracterizados pelo movimento<br />
e pelo fluxo, permitindo s<strong>em</strong>pre novos arranjos, incorporando<br />
idéias que se agregu<strong>em</strong> e compl<strong>em</strong>ent<strong>em</strong><br />
o aqui exposto. A partir dos <strong>princípios</strong>, a cada novo<br />
grupo de aprendizag<strong>em</strong> que formamos, os pontos de<br />
chegada serão s<strong>em</strong>pre outros, negociados pelos componentes<br />
do sist<strong>em</strong>a h<strong>uma</strong>no <strong>em</strong> construção, sist<strong>em</strong>a<br />
este que terá características próprias, que deverão<br />
ser compreendidas à medida que os indivíduos interajam.<br />
Num t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que <strong>princípios</strong> antes considerados<br />
universais deixam de sê-lo, levo <strong>em</strong> conta a<br />
transitoriedade do conhecimento, seu inacabamento,<br />
mas também a necessidade de ter <strong>uma</strong> base de trabalho,<br />
de pensamento, de ação, mesmo que móvel,<br />
mutante.<br />
A própria construção dessa base requer “materiais”<br />
que se ligu<strong>em</strong>, se entrelac<strong>em</strong>. Tais materiais<br />
pod<strong>em</strong> ser considerados macroconceitos (MORIN,<br />
1990; MORAES, 2004) ou pressupostos que conformam<br />
meu olhar, permitindo-me criar o caminho que<br />
me proponho. Explicito aqui tais pressupostos: complexidade,<br />
<strong>transdisciplinar</strong>idade e minha compreensão<br />
sobre o diálogo e consciência h<strong>uma</strong>na.<br />
Assim, minhas experiências formadoras vão sendo<br />
sist<strong>em</strong>atizadas, na forma de <strong>princípios</strong> da <strong>docência</strong><br />
**** Referência às gaiolas epist<strong>em</strong>ológicas, metáfora de<br />
D’Ambrosio (1997) <strong>para</strong> a compreensão da disciplina,<br />
da interdisciplinaridade e <strong>transdisciplinar</strong>idade. Se a<br />
disciplina é vista como <strong>uma</strong> gaiola que permite um contato<br />
reduzido com a vida, a interdisciplinaridade seria<br />
a aproximação de gaiolas com portas abertas entre si,<br />
possibilitando o contato mais estreito com o outro, com<br />
a vida, mas ainda engaiolados. A <strong>transdisciplinar</strong>idade<br />
representa as gaiolas abertas. Permanecendo abertas<br />
nos propiciam o voo livre <strong>para</strong> a compreensão da vida,<br />
com a gaiola continuando acessível, com alimento e<br />
água <strong>para</strong> nosso reconforto e segurança.
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<strong>transdisciplinar</strong>, como ponto de partida de um processo<br />
de conhecimento, de organização da prática, de<br />
criação e recriação constante de meu ser no mundo.<br />
a. Primeiro princípio: reconhecer o mundo <strong>em</strong><br />
que viv<strong>em</strong>os, ou a necessidade do conhecimento<br />
disciplinar<br />
O primeiro princípio da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
pauta-se na necessidade de reconhecer o mundo<br />
<strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, num movimento de integração,<br />
compreendendo que somos parte dele através de<br />
um gesto de consciência e abertura, com vistas<br />
a <strong>uma</strong> ação enraizada <strong>em</strong> nosso t<strong>em</strong>po, permitindo a<br />
consciência do significado de fazer parte da sociedade/meio<br />
<strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, ressaltando a importância<br />
do acoplamento estrutural, enquanto reconhec<strong>em</strong>os<br />
também a possibilidade de interferir no meio, nele<br />
desencadeando mudanças. O fazer docente não é<br />
descompromissado ou insignificante perante a complexidade<br />
da realidade. Será descompromissado e<br />
insignificante, porém, se não houver consciência de<br />
nosso papel nesse contexto. Dessa forma, imerso na<br />
realidade complexa, o pensamento <strong>transdisciplinar</strong><br />
revela-se na tomada de consciência de nosso t<strong>em</strong>po<br />
e de nosso ser no t<strong>em</strong>po, abrindo-se n<strong>uma</strong> dimensão<br />
de cuidado e trabalho, num gesto consciente de abertura,<br />
que incorpora a incompletude, o inacabamento.<br />
Assim, t<strong>em</strong>os a possível segurança diante da cegueira<br />
do conhecimento e nos colocamos <strong>em</strong> diálogo com as<br />
disciplinas, com os pensadores de nosso t<strong>em</strong>po e de<br />
outros t<strong>em</strong>pos, tecendo e refazendo a teia de nosso<br />
olhar sobre a realidade, reconhecendo-a multidimensional<br />
e multirreferencial, ou seja, se apresentando<br />
<strong>em</strong> diferentes níveis e sendo percebida sob diferentes<br />
níveis de percepção (NICOLESCU, 1999).<br />
A fragmentação do conhecimento, segundo Weil<br />
(1993), se dá pela fragmentação do Real pela mente<br />
h<strong>uma</strong>na, ao se<strong>para</strong>r o sujeito que conhece do objeto<br />
conhecido e considerar o conhecimento como algo<br />
externo. Morin (1999) pondera que o mesmo movimento,<br />
que amplia desmesuradamente determinada<br />
ideia ou ação, é responsável pelo surgimento do<br />
movimento contrário. Assim, o big-bang disciplinar,<br />
chegando a pontos extr<strong>em</strong>os, começa a despertar a<br />
necessidade de junção, num movimento de síntese,<br />
pois os objetos de estudo tornam-se estanques, correndo-se<br />
o risco de isolar o objeto <strong>em</strong> estudo, como<br />
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se não fizesse parte do universo.<br />
Destaca-se ainda que tais movimentos não significam<br />
o fim das disciplinas, mas a busca da sua ecologização<br />
(MORIN, 1999), levando-se <strong>em</strong> conta os as<br />
contextos, condições culturais e sociais, observandose<br />
como e <strong>em</strong> que meio nasc<strong>em</strong>, como colocam seus<br />
probl<strong>em</strong>as, como se esclerosam e se metamorfoseiam.<br />
O conhecimento disciplinar continua importante<br />
na apreensão da realidade, mas compreende-se<br />
a necessidade de que a disciplina seja ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
aberta e fechada, pois o que se dá além da disciplina<br />
é também necessário à própria disciplina. Morin<br />
(ibid.:37) l<strong>em</strong>bra Pascal, que considerava impossível<br />
conhecer as partes s<strong>em</strong> conhecer o todo e vice-versa,<br />
compl<strong>em</strong>entando que esta ideia nos r<strong>em</strong>ete a um<br />
conhecimento <strong>em</strong> movimento, a um conhecimento <strong>em</strong> circuito<br />
pedagógico, <strong>em</strong> espiral, que progride ao ir das partes<br />
ao todo e do todo às partes.<br />
b. Segundo princípio: encontrar-se com o t<strong>em</strong>po<br />
de ser<br />
A <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong> pressupõe <strong>uma</strong> relação<br />
diferente com a própria realidade. Mas também deve<br />
incluir <strong>uma</strong> relação diferente do docente consigo<br />
mesmo, num movimento de autoconhecimento, possibilitando<br />
a distinção e a integração consciente <strong>em</strong><br />
relação ao meio. Pressupõe <strong>uma</strong> racionalidade aberta<br />
dialogando com a não-racionalidade, <strong>para</strong> que vislumbr<strong>em</strong>os<br />
o significado de transitar pela zona de nãoresistência,<br />
ou o sagrado. A <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
pressupõe o cuidado consigo mesmo, dando orig<strong>em</strong><br />
ao segundo princípio: encontrar-se com o t<strong>em</strong>po<br />
de ser através de um gesto de interrupção que<br />
permita a suspensão do automatismo da ação.<br />
A zona de não-resistência é um importante<br />
conceito trazido por Nicolescu (1999) que nos permite<br />
reconhecer que, no contato com a realidade,<br />
t<strong>em</strong>os duas maneiras de compreendê-la. Uma, já bastante<br />
estudada, compreende a racionalidade. Mas há<br />
outra possibilidade, que no diálogo com a racionalidade<br />
nos permite a compreensão e interpenetração da<br />
realidade. É a região de não-racionalização, de transparência<br />
absoluta ao real. É a zona da intuição, da<br />
compreensão pelo amor, ou, no dizer de Nicolescu<br />
(1999), do sagrado. A não-resistência dessa zona deve-se,<br />
simplesmente, aos limites de nosso corpo e de<br />
nossos órgãos dos sentidos, quaisquer que sejam os
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instrumentos de medida que prolongu<strong>em</strong> esses órgãos.<br />
O sagrado não se opõe à racionalidade. Trata-se<br />
de um terceiro incluído, do exercício de compl<strong>em</strong>entaridade,<br />
possibilitando a coexistência dialógica da racionalidade<br />
com a não-racionalidade. Acredito, como<br />
descrito por Wilber (2003), que existe um tipo de<br />
conhecimento somente possível através da vivência.<br />
Este é caso da experiência não-racional e também do<br />
conhecimento obtido a partir de um gesto de interrupção.<br />
Gesto de interrupção é <strong>uma</strong> expressão utilizada<br />
por Larrosa (2002) que nos faz suspender o automatismo<br />
da ação, transformando-nos num sujeito da<br />
experiência, reconhecendo que a experiência é algo<br />
que nos acontece, necessitando <strong>para</strong> tanto de entrega,<br />
<strong>uma</strong> entrega consciente, passiva e ativa ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po. Um abandono consciente, um controle<br />
descontrolado. O gesto de interrupção requer <strong>para</strong>r<br />
<strong>para</strong> olhar, perdendo-nos nos detalhes, sentindo com<br />
os olhos, conhecendo com os olhos. Requer escutar<br />
por inteiro, escutar mais devagar, suspendendo a opinião.<br />
Requer <strong>para</strong>r <strong>para</strong> sentir, de diferentes formas,<br />
s<strong>em</strong>pre renovadas. Um gesto de interrupção nos permite<br />
abrir um canal de contato com a realidade, cultivando<br />
a atenção e a delicadeza. Permite ainda encontrar<br />
o t<strong>em</strong>po <strong>para</strong> falar sobre a própria experiência,<br />
contando o que nos acontece, alimentando o diálogo<br />
com o outro, com a vida. Aprend<strong>em</strong>os a viver um outro<br />
t<strong>em</strong>po, o t<strong>em</strong>po interior, o t<strong>em</strong>po s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po, o<br />
t<strong>em</strong>po da lentidão, o t<strong>em</strong>po de ser, cultivando a arte<br />
do encontro com nós mesmos, s<strong>em</strong> nos apartarmos<br />
do convívio, da comunhão.<br />
Suspendendo o automatismo da ação, posso experimentar<br />
a reflexão atenta (VARELA et al., 2003),<br />
reconhecendo que a razão pode combinar-se com<br />
a intuição e o amor, permitindo a transgressão <strong>para</strong><br />
além da lógica indutivo-dedutivo-identitária (MO-<br />
RIN, 2000). A reflexão atenta, ou ação incorporada,<br />
é aquela que acontece com corpo e mente unidos.<br />
Dessa maneira, a própria reflexão é <strong>uma</strong> forma de<br />
experiência, des<strong>em</strong>penhada com atenção/consciência,<br />
interrompendo <strong>uma</strong> cadeia de padrões de pensamentos<br />
habituais e preconcepções, tornando-se aberta a<br />
possibilidades diferentes daquelas contidas nas representações<br />
comuns que <strong>uma</strong> pessoa t<strong>em</strong> usualmente.<br />
Essa união mente-corpo, segundo esses autores, é<br />
algo a ser desenvolvido e está presente, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
naqueles que meditam.<br />
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No relatório da UNESCO (1999, p.85) <strong>para</strong> a educação<br />
<strong>para</strong> o século XXI, encontramos o desenvolvimento<br />
h<strong>uma</strong>no na finalidade da educação:<br />
Desenvolver os talentos e as aptidões de cada um<br />
corresponde, ao mesmo t<strong>em</strong>po, à missão fundamentalmente<br />
h<strong>uma</strong>nista da educação, à exigência de equidade<br />
que deve orientar qualquer política educativa e<br />
às verdadeiras necessidades de um desenvolvimento<br />
endógeno, respeitador do meio ambiente h<strong>uma</strong>no e<br />
natural, e da diversidade de tradições e de culturas.<br />
E mais especialmente, se é verdade que a formação<br />
permanente é <strong>uma</strong> ideia essencial dos nossos dias, é<br />
preciso inscrevê-la, <strong>para</strong> além de <strong>uma</strong> simples adaptação<br />
ao <strong>em</strong>prego, na concepção mais ampla de <strong>uma</strong><br />
educação ao longo de toda a vida, concebida como<br />
condição de desenvolvimento harmonioso e contínuo<br />
da pessoa.<br />
As questões que me coloco neste momento são:<br />
por onde começar um processo de mudança que garanta<br />
esse desenvolvimento e direcione o engajamento<br />
<strong>para</strong> a melhora da vida h<strong>uma</strong>na no planeta? Onde<br />
se pode alicerçar tal movimento? Como agir <strong>para</strong> promover<br />
o desenvolvimento harmonioso e contínuo da<br />
pessoa? Como pod<strong>em</strong>os ser mais autônomos, mais<br />
conscientes, mais interligados ao que nos cerca, se<br />
ao mesmo t<strong>em</strong>po viv<strong>em</strong>os num t<strong>em</strong>po que nos tolhe,<br />
nos reduz, <strong>em</strong> termos de educação, à unidimensionalidade<br />
racional ou profissional?<br />
Qu<strong>em</strong> é professor, geralmente é incapaz de ainda<br />
fazer algo <strong>para</strong> o próprio b<strong>em</strong>, está s<strong>em</strong>pre pensando<br />
no b<strong>em</strong> de seus alunos, e cada conhecimento só o<br />
alegra na medida <strong>em</strong> que pode ensiná-lo. Acaba por<br />
considerar-se <strong>uma</strong> via de passag<strong>em</strong> <strong>para</strong> o saber, um<br />
simples meio, de modo que perde a seriedade <strong>para</strong><br />
consigo (NIETZSCHE, 2000, p.138).<br />
O pressuposto de cuidar deve começar pelo cuidado<br />
consigo mesmo, encontrando o espaço e o t<strong>em</strong>po<br />
de ser, de viver, de ser um sujeito da experiência.<br />
Assim, ao propor o exercício do gesto de interrupção,<br />
convido à pausa <strong>para</strong> respirar, respirando<br />
mais devagar e profundamente. Respirar mais devagar<br />
<strong>para</strong> sentir a vida que somos. Respirar mais devagar<br />
<strong>para</strong> nos sentirmos vivos a cada instante, tendo<br />
consciência de cada momento vivido. Respirar <strong>para</strong><br />
perceber nosso corpo e sua dinâmica. Respirar mais<br />
devagar <strong>para</strong>, na lentidão do gesto, conscient<strong>em</strong>ente<br />
realizar o movimento que permite basicamente nosso
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ser no mundo. Conscientes da respiração, conscientizamo-nos<br />
de nossa ligação primeira com o meio onde<br />
nos inserimos, com o qual interagimos. Conscientes<br />
da respiração, tornamo-nos conscientes do ar que<br />
nos envolve interna e externamente e através dele<br />
descobrimos que estamos <strong>em</strong> contato com o mundo.<br />
Nesse contato, a sensação de interdependência, de autonomia<br />
relativa. Interdependência porque não somos<br />
isolados. Nossa existência, nosso ser no mundo é dependente<br />
de tudo o mais que existe. Somos porque<br />
tudo o mais também é. Autonomia (MATURANA,<br />
1995; VARELA, 1995) como a capacidade de especificar<br />
nossas próprias leis, o que é próprio do ser, trilhando<br />
caminhos próprios. Autonomia que é s<strong>em</strong>pre<br />
relativa, pois ao viver somos dependentes <strong>em</strong> nossas<br />
interações com o meio; autonomia que, conhecendo<br />
sua interdependência, pode tornar-se consciente de<br />
suas possibilidades.<br />
Através do gesto de interrupção exercitamos <strong>em</strong><br />
nós o saber ser preconizado pela UNESCO (1996),<br />
significando a necessidade do desenvolvimento da liberdade<br />
de pensamento, discernimento, sentimentos<br />
e imaginação, <strong>para</strong> sermos, na relativa autonomia, senhores<br />
de nosso destino. Impossível pensar-se nesse<br />
desenvolvimento s<strong>em</strong> o conhecimento de si mesmo.<br />
E, no mergulho <strong>para</strong> o conhecimento de si mesmo,<br />
encontramos o infindável processo de aprendizag<strong>em</strong>,<br />
dialético e dialógico, desdobrando-se ora <strong>para</strong> o interior,<br />
ora <strong>para</strong> o exterior. Esse movimento pressupõe<br />
que não oferec<strong>em</strong>os o que não t<strong>em</strong>os. Logo, como<br />
olhar o aluno <strong>em</strong> sua inteireza, <strong>em</strong> sua multidimensionalidade,<br />
se não lançamos esse olhar <strong>para</strong> nós mesmos?<br />
c. Terceiro princípio: acolher as partes<br />
Estando <strong>em</strong> contato com o meio formado pelo<br />
outro-sociedade-natureza, estando <strong>em</strong> contato consigo<br />
mesmo, a <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong> pressupõe o<br />
cuidado e o acolhimento do outro-aluno. É impossível<br />
conhecer o todo s<strong>em</strong> conhecer particularmente<br />
as partes. Assim, o terceiro princípio é acolher as<br />
partes, ou seja, o aluno/aluna. Ao acolher a parte,<br />
reconhecer sua multidimensionalidade e buscar compreendê-la<br />
<strong>em</strong> sua inteireza. O gesto que expressa<br />
esse princípio é o olhar que identifica o aluno, a aluna,<br />
procurando conhecê-lo, conhecê-la, distinguindo<br />
a parte do todo, s<strong>em</strong> separá-la do todo ao qual pertence.<br />
61<br />
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Nesse sentido, há duas facetas a ser<strong>em</strong> consideradas:<br />
cuidar e acolher.<br />
Cuidar é mais que um ato; é <strong>uma</strong> atitude. Portanto,<br />
abrange mais que um momento de atenção, de<br />
zelo e de desvelo. Representa <strong>uma</strong> atitude de ocupação,<br />
preocupação, de responsabilização e de envolvimento<br />
afetivo com o outro (BOFF, 1999).<br />
É através do cuidado que saímos de nós mesmos<br />
<strong>em</strong> direção ao outro. Encontrado nosso ‘t<strong>em</strong>po de<br />
ser’, pod<strong>em</strong>os partir <strong>em</strong> direção ao aluno com desvelo<br />
e solicitude. No modo-de-ser-cuidado ocorr<strong>em</strong><br />
resistências e <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> perplexidades. Mas elas são superadas<br />
pela paciência perseverante. No lugar da agressividade,<br />
há a convivência amorosa. Em vez da dominação,<br />
há a companhia afetuosa, ao lado e junto com o outro<br />
(BOFF, 1999, p.96).<br />
Em sentido inverso ao movimento da sair de si <strong>em</strong><br />
direção ao outro, há o acolhimento. Acolher significa<br />
oferecer ou obter refúgio, proteção ou conforto físico;<br />
dar ou receber hospitalidade. O professor, como<br />
‘primeiro habitante’ da sala de aula, pode ser também<br />
pensado como o que oferece abrigo e hospedag<strong>em</strong>. A<br />
hospedag<strong>em</strong> pressupõe cuidado com a infraestrutura<br />
necessária à vida escolar. Se a instituição é responsável<br />
pela infraestrutura física, ao professor cabe a responsabilidade<br />
pelo ambiente, pelos ‘ares’ da sala de<br />
aula. Tal responsabilidade posteriormente deve ser<br />
compartilhada, mas a iniciativa primeira, s<strong>em</strong> dúvida,<br />
cabe ao professor, que dá o ‘tom’ da convivência. O<br />
acolhimento, enfim, deve cuidar do que é necessário<br />
ao aluno <strong>para</strong> que sua aprendizag<strong>em</strong> aconteça.<br />
d. Quarto princípio: criar circunstâncias <strong>para</strong> a comunhão<br />
É impossível conhecer as partes s<strong>em</strong> conhecer o<br />
todo. Assim, o movimento contínuo nos leva a procurar<br />
o conhecimento do todo – grupo de aprendizag<strong>em</strong><br />
– constituindo-se também um princípio da <strong>docência</strong><br />
<strong>transdisciplinar</strong>. O conhecimento do todo t<strong>em</strong> <strong>uma</strong><br />
intencionalidade, que é criar circunstâncias <strong>para</strong> a<br />
comunhão – o estar junto com objetivos compartilhados<br />
e tendo a convivência marcada pela aceitação<br />
do outro como legítimo outro (MATURANA, 1997),<br />
formando um sist<strong>em</strong>a social h<strong>uma</strong>no. A tessitura do<br />
todo é dependente do diálogo. Assim, o gesto que<br />
permite esse princípio está entre os que favorec<strong>em</strong><br />
o diálogo, ou a escuta, a atenção aos detalhes, aos<br />
gestos, à entonação da voz, aos múltiplos sinais que
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cruzam o espaço <strong>em</strong> sala de aula.<br />
Na atenção à configuração do todo, que faz com<br />
que cada turma seja única, é preciso criar circunstâncias<br />
que possibilit<strong>em</strong> compreender quais as características<br />
do grupo <strong>para</strong> que as ações propostas sejam<br />
congruentes e nutridoras do todo <strong>em</strong> formação. Eis<br />
o porquê da impossibilidade de repetir programas,<br />
trabalhar rigidamente com planejamentos pensados e<br />
organizados a priori, antes de conhecer os alunos.<br />
Entrar <strong>em</strong> sintonia, num grupo, pode significar a<br />
busca de um estado de frequência comum. Estado<br />
que não pode ser alcançado por imposição, mas através<br />
de um consentimento interior, predispondo-se a<br />
compreender outro ‘estado de frequência’, fazendo<br />
os ajustes necessários <strong>para</strong> que aconteça a similitude.<br />
Entrar <strong>em</strong> sintonia pressupõe anteriormente a escuta,<br />
a abertura ao diálogo, compreendendo o diálogo<br />
como a possibilidade de compreensão da lógica de<br />
pensamento do outro e não <strong>uma</strong> discussão ou debate.<br />
O diálogo como cooperação, concepção de algo<br />
novo, só é possível pela interação, pela troca.<br />
Esse princípio visa à construção da sintonia e da<br />
harmonia <strong>para</strong> o ‘fazer junto’, com <strong>uma</strong> atitude dialógica,<br />
permitindo que tenhamos referências comuns,<br />
como se pudéss<strong>em</strong>os conceitualmente habitar um<br />
mesmo nível de realidade ***** , buscando compartilhar<br />
os níveis de percepção e consciência. O fazer junto,<br />
por sua vez, propicia o surgimento da intimidade, da<br />
cumplicidade, mesmo com as diferenças reconhecidas<br />
entre as partes. A partir das referências comuns, das<br />
experiências, vamos adquirindo <strong>uma</strong> ontogenia de<br />
grupo, ou a história das mudanças estruturais pelas<br />
quais passamos juntos.<br />
***** O Real, <strong>para</strong> Nicolescu (1999) se apresenta <strong>em</strong> diferentes<br />
níveis, ou conjuntos de sist<strong>em</strong>as invariantes<br />
sob a ação de leis gerais. Cada nível de realidade t<strong>em</strong><br />
<strong>uma</strong> lógica própria sob a qual se manifesta. Cada nível<br />
de realidade é apreendido por um nível de percepção.<br />
Os níveis de realidade são infinitos e estão ligados<br />
pela lógica do terceiro incluído, segundo a qual duas<br />
ideias contraditórias <strong>em</strong> um nível de realidade são unidas<br />
por um terceiro ponto ou concepção que está <strong>em</strong><br />
outro nivel de realidade, onde são percebidas como<br />
compl<strong>em</strong>entares. Os níveis de realidade, a lógica do<br />
terceiro incluído e a complexidade são os três pilares<br />
da <strong>transdisciplinar</strong>idade, de acordo com diferentes documentos,<br />
anteriormente citados, que a defin<strong>em</strong> e caracterizam.<br />
62<br />
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e. Quinto princípio: criar juntos nossas próprias histórias<br />
Em se tratando de <strong>transdisciplinar</strong>idade, creio que<br />
a maneira de configurar a prática <strong>em</strong> sala de aula deva<br />
<strong>em</strong>ergir primeiramente do ser-professor, desdobrando-se,<br />
a seguir, no acolhimento do aluno e do seu espaço<br />
de criação: como se, já no primeiro dia de aula,<br />
de posse de um plano previamente esboçado, desenroláss<strong>em</strong>os<br />
um tapete mágico, convidando os alunos<br />
a sentar<strong>em</strong>-se também sobre ele <strong>para</strong> que juntos<br />
possamos viver <strong>uma</strong> história que juntos cri<strong>em</strong>os. Eis<br />
o sentido do quinto princípio: criar juntos nossas<br />
próprias histórias. O gesto? Um gesto que integre<br />
o ser, cada ser presente <strong>em</strong> sala de aula num movimento<br />
que tenha <strong>em</strong> si a possibilidade de distinção,<br />
integração e interação na conformação de um todo.<br />
Um gesto que se mostre como <strong>uma</strong> dança conjunta,<br />
harmoniosa e bela.<br />
Ao pensar na prática, saliento a relevância da criação<br />
coletiva e do significado de ‘dar vida’ a algo.<br />
A <strong>transdisciplinar</strong>idade está profundamente tecida,<br />
enraizada, na compreensão da Vida. Funde-se com<br />
a Vida. Logo, na <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong>, é preciso<br />
criar, dar vida, <strong>para</strong> saber o que significa. Como estamos<br />
<strong>em</strong> sala de aula, com objetivos b<strong>em</strong> definidos, é<br />
preciso que nosso planejamento comporte a criação,<br />
algo que, como <strong>uma</strong> história, tenha início, meio e fim.<br />
Tenha personagens, tenha vida...<br />
Assim, trabalhamos na criação de um cenário,<br />
previsto <strong>para</strong> ser construído e habitado por alunos e<br />
professor. Enfrentamos, <strong>em</strong> sua criação, a incerteza.<br />
A ação será aquela ecologizada (MORIN, 2000a), ou<br />
seja, a partir do início da ação seu desenrolar foge<br />
das intenções iniciais, entrando no jogo do círculo<br />
retroativo e recursivo, nas relações de interdependência,<br />
nas <strong>em</strong>ergências, com abertura ao inesperado<br />
e ao incerto. Com isso, nas diferentes etapas<br />
haverá o espaço <strong>para</strong> a co-criação e a definição mais<br />
específica das ações será realizada no decorrer do<br />
trabalho. As estratégias são compartilhadas e discutidas<br />
a cada passo. Morin (2000a, p.90) salienta que<br />
o cenário pode e deve ser modificado de acordo com as<br />
informações recolhidas, os acasos, contrat<strong>em</strong>pos ou boas<br />
oportunidades encontradas ao longo do caminho. Pode<br />
também acolher pequenas partes com programação<br />
mais fechada e detalhada. Para atuar no cenário, a estratégia<br />
é importante, porque flexível. É na estratégia
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que se apresenta, s<strong>em</strong>pre de maneira singular, <strong>em</strong> função<br />
do contexto e <strong>em</strong> virtude do próprio desenvolvimento, o<br />
probl<strong>em</strong>a da dialógica entre fins e meios (ibid.:91).<br />
Para compor o cenário, a cada etapa é revisto o<br />
percurso já realizado e recomposta a próxima etapa,<br />
a partir do que foi previamente traçado. Sab<strong>em</strong>os que<br />
o calendário acadêmico ou escolar nos reserva surpresas.<br />
Um cronograma muito rígido certamente nos<br />
deixará à mercê de cortes ou mutilações que inviabiliz<strong>em</strong><br />
o conjunto do trabalho, por faltar t<strong>em</strong>po <strong>para</strong><br />
<strong>uma</strong> sist<strong>em</strong>atização adequada.<br />
No cenário é definida <strong>uma</strong> matriz de conceitos,<br />
formada por pontos que são os nós da rede, portanto<br />
imprescindíveis <strong>para</strong> a organização do que será trabalhado.<br />
T<strong>em</strong>as secundários vão se conectando, interrelacionando,<br />
de forma natural. Outros t<strong>em</strong>as, marginais<br />
ou periféricos, como que ficam ‘disponíveis’, <strong>para</strong><br />
ser<strong>em</strong> trazidos de acordo com as configurações que<br />
o cenário assumir. Ao pensarmos <strong>em</strong> <strong>em</strong>ergências,<br />
inesperados e incertezas, é preciso ter <strong>em</strong> mente<br />
que o excesso de informação não condiz com a flexibilidade<br />
e a busca de sentido. É preciso proceder a<br />
<strong>uma</strong> pesquisa criteriosa, com seleção de ‘conteúdos’,<br />
estabelecimento de prioridades, reconhecendo que,<br />
<strong>para</strong> dar o t<strong>em</strong>po da formação do grupo, do trabalho<br />
conjunto, da ressignificação que cada aluno procurará<br />
fazer, na busca da qualidade, na busca da compreensão<br />
subjetiva, como dito acima, há escolhas, decisões<br />
envolvidas.<br />
A maneira de educar privilegiando a inteireza h<strong>uma</strong>na<br />
está definida no educar <strong>para</strong> o sentipensar. Sentipensar<br />
indica o processo mediante o qual colocamos<br />
<strong>para</strong> trabalhar, conjuntamente, o pensamento e<br />
o sentimento. “É a fusão de duas formas de interpretar<br />
a realidade, a partir da reflexão e do impacto <strong>em</strong>ocional,<br />
até convergir num mesmo ato de conhecimento a ação<br />
de sentir e pensar” (TORRE, aprid MORAES e TORRE,<br />
2004, p.54).<br />
Através das estratégias de sentipensar se produzirá a<br />
prática da integração e da integridade, da escuta inclusiva<br />
e da ênfase no cuidar do ser, a partir de um fazer mais<br />
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coerente com o pensamento e o sentimento. Alinhando<br />
pensamentos, <strong>em</strong>oções, sentimentos e ações com algo<br />
mais elevado de nós mesmos, então a vida se tornará<br />
mais rica, plena, cheia de significado e sentido (MORAES<br />
e TORRE, 2004, p.69).<br />
3. Para continuar o diálogo<br />
Há <strong>uma</strong> conjunção entre os <strong>princípios</strong> e é a consciência<br />
dela que consubstancia a vivência <strong>transdisciplinar</strong><br />
<strong>em</strong> sala de aula. O diálogo entre eles, vívido <strong>em</strong> nossa<br />
ação, t<strong>em</strong> por base e por fundo a paz, significando que<br />
nada pode desenvolver-se <strong>em</strong> isolamento. É através<br />
da interação e integração harmoniosa entre eles que<br />
pod<strong>em</strong>os pensar <strong>em</strong> paz como um estado de espírito<br />
a ser alcançado, representando no diálogo consciente<br />
e ininterrupto com tudo o que existe, <strong>para</strong> além<br />
do conhecimento disciplinar, num fluxo amoroso que<br />
pressupõe compreensão e aceitação, produto da ecologia<br />
interior, da ecologia social e da ecologia ambiental,<br />
como três ecologias <strong>em</strong> constante interação (MORAES e<br />
TORRE, 2004, p.144).<br />
Acredito que os <strong>princípios</strong> da <strong>docência</strong> <strong>transdisciplinar</strong><br />
são compl<strong>em</strong>entares ao que conhec<strong>em</strong>os<br />
no âmbito da aprendizag<strong>em</strong>, didática, avaliação etc,<br />
já presentes na formação de professores. O enfoque<br />
adequa-se ao pensamento ecos-sistêmico de Moraes<br />
e Torre (2004). Ao partir<strong>em</strong> do cuidado com o<br />
ser responsável pela ação educativa, consideram a<br />
importância dessa consciência como desencadeadora<br />
de processos educacionais que nos possibilit<strong>em</strong> pensar<br />
na cidadania planetária, acolhendo o indivíduo <strong>em</strong><br />
suas relações complexas com o outro-sociedade e<br />
com o meio-natureza, atendendo ao equilíbrio proposto<br />
pelo triângulo da vida (D’AMBROSIO, 1997).<br />
Os <strong>princípios</strong> propõ<strong>em</strong> um movimento contínuo e<br />
envolvente, n<strong>uma</strong> rede que contenha <strong>em</strong> seus fios o<br />
amor, o respeito, a alegria, propiciando a esperança,<br />
substantivo do verbo esperançar (FREIRE, 1997), pela<br />
união com a responsabilidade e compromisso que<br />
nos faz<strong>em</strong> agentes conspiradores pela vida <strong>em</strong> paz.
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