Folhetim 09 - Galera da Física
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NOVEMBRO DE 1999<br />
simples, <strong>da</strong>dos pelo professor, e<br />
mesmo assim, ter continuado com<br />
a sua dúvi<strong>da</strong>. Na ver<strong>da</strong>de, o tipo<br />
de dúvi<strong>da</strong> por ele suscita<strong>da</strong> é muito<br />
freqüente nas aulas de <strong>Física</strong>,<br />
mas nem sempre devi<strong>da</strong>mente valorizado.<br />
O que parece conferir um sentido<br />
ao questionamento do nosso hipotético<br />
estu<strong>da</strong>nte é uma expectativa<br />
<strong>da</strong> existência de uma certa “simetria”<br />
na situação em causa. A inquietação<br />
parece provir de uma expectativa<br />
de que houvesse algo<br />
como uma “conservação <strong>da</strong> força”.<br />
Ain<strong>da</strong> que o nosso personagem<br />
Perguntus não tenha demonstrado<br />
a possibili<strong>da</strong>de de explicitar sua<br />
dúvi<strong>da</strong> nesses termos, parece ter<br />
sido a idéia de um princípio de conservação,<br />
de fato não existente,<br />
que estava por trás desse tipo de<br />
questionamento.<br />
Se por um lado, não existe realmente<br />
uma conservação <strong>da</strong> força,<br />
por outro lado, a forma como a<br />
força evolui espacialmente, ou seja,<br />
o trabalho que realiza, define, efetivamente,<br />
uma relação de simetria<br />
do tipo esperado. Ou seja, a energia<br />
mecânica posta em jogo de um<br />
lado <strong>da</strong> prensa hidráulica deve ser<br />
a mesma que é transferi<strong>da</strong> para o<br />
outro ramo do instrumento. Isso,<br />
baseado no pressuposto de que o<br />
líquido seja, de fato, incompressível,<br />
para que não ocorra per<strong>da</strong><br />
de energia. Pascal tinha essa questão<br />
do pressuposto <strong>da</strong> incompressibili<strong>da</strong>de<br />
muito clara em sua mente,<br />
ao introduzir a idéia dos “deslocamentos<br />
virtuais”, que seriam<br />
posteriormente reformulados na<br />
<strong>Física</strong> como “trabalhos virtuais”.<br />
A questão energética, posterior<br />
a Pascal, mas no fundo, latente em<br />
sua formulação do problema, pode<br />
ser coloca<strong>da</strong> <strong>da</strong> seguinte forma. O<br />
trabalho realizado sobre o êmbolo<br />
de área A 1 é igual ao produto <strong>da</strong><br />
força F 1 pelo deslocamento deste<br />
FOLHE<br />
FOLHE<br />
FOLHE TIM<br />
TIM<br />
mesmo êmbolo d 1 . No outro ramo<br />
<strong>da</strong> prensa, uma área maior A 2 recebe<br />
uma força igualmente maior<br />
F 2 às custas <strong>da</strong> realização do mesmo<br />
trabalho: F 1 x d 1 = F 2 x d 2 .<br />
Assim sendo, há uma compensação<br />
do aumento do valor <strong>da</strong> força com<br />
uma conseqüente e idêntica redução<br />
no deslocamento do segundo<br />
êmbolo. Desta forma, apesar de F 2<br />
ser igual a nF 1 , a mesma relação existente<br />
entre as áreas (A 2 = nA 1 ), o<br />
deslocamento d 2 será d 1 /n.<br />
Esta questão está ilustra<strong>da</strong> numa<br />
animação <strong>da</strong> prensa hidráulica<br />
que anexamos ao presente texto e<br />
está disponível no site deste <strong>Folhetim</strong><br />
na Internet. Ela não se pretende<br />
solução para coisa nenhuma,<br />
mas é ofereci<strong>da</strong> apenas como uma<br />
simples ilustração a mais para subsidiar<br />
a insubstituível discussão a ser<br />
desenvolvi<strong>da</strong> pelos nossos colegas<br />
professores de <strong>Física</strong> em suas salas<br />
de aula.<br />
No geral, há, efetivamente, uma<br />
relação de simetria sendo observa<strong>da</strong>,<br />
relação esta diretamente liga<strong>da</strong><br />
a um princípio de conservação.<br />
A distinção entre força e energia,<br />
no entanto, não é algo trivial,<br />
como possa, à primeira vista, parecer.<br />
A tortuosa história <strong>da</strong> construção<br />
do conceito de energia mostra<br />
que ain<strong>da</strong> nos trabalhos de<br />
Helmholtz, na metade do século<br />
XIX, a idéia de energia, enquanto<br />
uma grandeza física nova e de alto<br />
poder generalizador, aparecia ain<strong>da</strong><br />
com o nome de “kraft”, que em<br />
alemão pode significar, igualmente,<br />
força (Harman, 1985, p. 41).<br />
Uma parcela dos professores de<br />
<strong>Física</strong> não chama a atenção destes<br />
aspectos ligados à conservação <strong>da</strong><br />
energia quando discutindo conteúdos<br />
de hidrostática. O testemunho<br />
maior <strong>da</strong> pouca importância <strong>da</strong><strong>da</strong><br />
a este assunto pode ser encontrado,<br />
por exemplo, na ausência de<br />
referências claras às discussões<br />
5<br />
sobre o trabalho realizado na prensa<br />
hidráulica. To<strong>da</strong> a exposição é<br />
centra<strong>da</strong> nas relações entre as áreas<br />
e na conseqüência, devido ao<br />
princípio de Pascal, do aumento do<br />
valor <strong>da</strong> força. Não é observado,<br />
por exemplo, que a obediência ao<br />
princípio de Pascal dá-se a um custo<br />
energético a ser pago: onde a força<br />
é maior, o deslocamento do êmbolo<br />
é proporcionalmente menor.<br />
Por outro lado, a simplici<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> matemática que é utiliza<strong>da</strong> nas<br />
apresentações tradicionais <strong>da</strong> prensa<br />
hidráulica é enganosa, não devendo<br />
ser confundi<strong>da</strong> com a simplici<strong>da</strong>de<br />
do conteúdo em si mesmo.<br />
É uma simplici<strong>da</strong>de que decorre<br />
essencialmente de uma trivialização<br />
deste conteúdo.<br />
Não é de se estranhar, portanto,<br />
que muitos alunos não compreen<strong>da</strong>m<br />
a natureza mais íntima do<br />
seu funcionamento, a forma aparentemente<br />
“mágica” de multiplicar<br />
o valor <strong>da</strong> força. A argumentação<br />
do nosso professor hipotético sobre<br />
o que mais haveria a compreender,<br />
uma vez tendo-se acompanhado<br />
o desenvolvimento matemático,<br />
encerra uma questão de<br />
grande importância no ensino <strong>da</strong> <strong>Física</strong>.<br />
Ela lembra um acontecimento<br />
narrado por Heisenberg, um dos<br />
maiores físicos de todos os tempos,<br />
a respeito <strong>da</strong> sua dificul<strong>da</strong>de,<br />
quando ain<strong>da</strong> estu<strong>da</strong>nte, de compreender<br />
a teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de.<br />
Numa conversa com o seu colega<br />
Wolfgang Pauli, Heisenberg retrata,<br />
de forma brilhante, a questão,<br />
aqui levanta<strong>da</strong>, <strong>da</strong> aparência enganosa<br />
do raciocínio matemático em<br />
relação ao conteúdo por ele representado.<br />
“Wolfgang perguntou-me -<br />
creio ter sido à noite, numa hospe<strong>da</strong>ria<br />
de Grainau - se eu havia<br />
finalmente compreendido a<br />
teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, de<br />
Einstein, que desempenhava um