Maio/Junho - Sociedade Brasileira de Anestesiologia
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Se não tem tu, vai tu mesmo<br />
ou o anestésico local do futuro<br />
Faz quase 120 anos da existência<br />
da anestesia regional. E nessa<br />
trajetória <strong>de</strong> tantos progressos<br />
farmacológicos e técnicos não se<br />
conseguiu, contudo, afastar o espírito<br />
maligno que ronda os centros cirúrgicos:<br />
a toxicida<strong>de</strong> dos anestésicos<br />
locais.<br />
Inúmeros artifícios já foram<br />
pensados e muitos utilizados (até<br />
a circulação extracorpórea...) em<br />
quase um século e meio <strong>de</strong> história,<br />
sem que se conseguisse exorcizar o<br />
<strong>de</strong>mônio que amedronta a técnica<br />
regional.<br />
Ocorre que não existe toxicida<strong>de</strong>,<br />
absolutamente. E muito menos maus<br />
espíritos... Efeitos in<strong>de</strong>sejáveis dos<br />
anestésicos locais seria seguramente<br />
uma <strong>de</strong>signação mais apropriada, embora,<br />
na verda<strong>de</strong>, represente uma insinuação<br />
sub-reptícia para <strong>de</strong>monizar<br />
os agentes dotados da proprieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> agir em canais iônicos e impedir o<br />
curso do impulso nervoso.<br />
Os anestésicos locais anestesiam<br />
pura e simplesmente. Ponto e basta.<br />
E essa é a fi nalida<strong>de</strong> precípua <strong>de</strong>sses<br />
compostos, os quais, sem ser teleguiados,<br />
exercem sua extraordinária fi nalida<strong>de</strong>,<br />
embora sem seletivida<strong>de</strong>: agir<br />
com sofreguidão em qualquer membrana<br />
excitável. E para esse mister,<br />
bloqueiam principalmente a entrada<br />
do disparador do impulso eletroquímico,<br />
o íon sódio.<br />
Recentemente, os anestésicos locais<br />
estão sendo in<strong>de</strong>vidamente rotulados<br />
<strong>de</strong> veneno – uma inverda<strong>de</strong><br />
ten<strong>de</strong>nciosa que agri<strong>de</strong> a farmacologia.<br />
Os anestésicos locais não envenenam,<br />
pois que não provocam sequelas<br />
no organismo, e, principalmente, para<br />
14 - mai-jun, 2010 - Anestesia em revista<br />
a reversibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ação, não requerem<br />
a interferência <strong>de</strong> antídoto ou<br />
coisa que o valha.<br />
Por esse motivo, nesses quase 120<br />
anos, esses compostos estão sendo<br />
aperfeiçoados, aten<strong>de</strong>ndo à busca<br />
por sucedâneos da matriz natural das<br />
folhas <strong>de</strong> um arbusto que Deus nos<br />
<strong>de</strong>u. 1<br />
Eles progrediram <strong>de</strong> uma estrutura<br />
mais simples até chegar ao <strong>de</strong>senho<br />
que resulta da conjunção da<br />
cabeça benzoica com o terminal pipecolil<br />
copiado da cocaína-mãe, que<br />
gerou compostos que fecharam o<br />
ciclo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento na atualida<strong>de</strong>.<br />
1<br />
E os praticantes da anestesia regional<br />
passaram então a lidar com<br />
agentes mais potentes e eficazes,<br />
porém, sem seletivida<strong>de</strong> para bloquear<br />
apenas os canais iônicos dos<br />
nervos. A ausência <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong><br />
faz-se sentir quando uma massa<br />
razoável <strong>de</strong> qualquer anestésico local<br />
a<strong>de</strong>ntra a circulação por causa<br />
da absorção (superdosagem) e/ou<br />
<strong>de</strong> injeção não intencional em vasos<br />
sanguíneos. Então ocorre o<br />
bloqueio iônico indiscriminado, e<br />
efeitos não <strong>de</strong>sejáveis acontecem<br />
em razão <strong>de</strong> suas ações em todas as<br />
membranas celulares excitáveis do<br />
organismo.<br />
E a anestesia regional passou a<br />
pagar um preço enorme para reverter<br />
as consequências da indisciplina<br />
dos anestésicos locais: e “cesse tudo<br />
que a antiga musa canta, pois um valor<br />
mais alto se alevanta...” Porque o<br />
anestésico local acabou <strong>de</strong> anestesiar<br />
o sistema nervoso central e o cardiocirculatório.<br />
Maria Simonetti<br />
O alerta para a reversão dos<br />
efeitos in<strong>de</strong>sejáveis na forma<br />
<strong>de</strong> Orientação Prática<br />
A <strong>Socieda<strong>de</strong></strong> Americana <strong>de</strong> Anestesia<br />
Regional (ASRA) tem se preocupado<br />
enormemente com os efeitos<br />
colaterais dos anestésicos locais e procura<br />
advertir sua comunida<strong>de</strong> e, por<br />
extensão, o mundo todo, pois seus<br />
estudos foram publicados no Regional<br />
Anesthesia and Pain Medicina. 2<br />
São 41 páginas relacionadas ao tema<br />
que resultaram num apanhado sob a<br />
forma <strong>de</strong> uma advertência, o Practice<br />
Advisory. 2 Um estudo perfeito, bem<br />
elaborado, trabalhoso e meritório,<br />
pois os participantes não auferiram<br />
vantagens pecuniárias. Apenas dois<br />
estudiosos que compunham a plêia<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cientistas que foi convocada para<br />
participar da feitura do Orientação<br />
Prática <strong>de</strong>clararam não haver confl ito<br />
<strong>de</strong> interesse, contudo.<br />
Todavia, observa-se ten<strong>de</strong>nciosida<strong>de</strong><br />
nas recomendações para a rever-