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Mil Platôs. Vol 3

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vai em direção a um buraco negro que os reúne todos, precipita-os ou<br />

"aglutina-os". Ora rostos aparecem no muro, com seus buracos; ora<br />

aparecem no buraco, com seu muro linearizado, espiralado. Conto de terror,<br />

mas o rosto é um conto de terror. É certo que o significante não constrói<br />

sozinho o muro que lhe é necessário; é certo que a subjetividade não escava<br />

sozinha seu buraco. Mas tampouco estão completamente prontos os rostos<br />

concretos que poderíamos nos atribuir. Os rostos concretos nascem de uma<br />

máquina abstrata de rostidade, que irá produzi-los ao mesmo tempo que<br />

der ao significante seu muro branco, à subjetividade seu buraco negro. O<br />

sistema buraco negro-muro branco não seria então já um rosto, seria a<br />

máquina abstrata que o produz, segundo as combinações deformáveis de<br />

suas engrenagens. Não esperemos que a máquina abstrata se pareça com o<br />

que ela produziu, com o que irá produzir.<br />

A máquina abstrata surge quando não a esperamos, nos meandros de<br />

um adormecimento, de um estado crepuscular, de uma alucinação, de uma<br />

experiência de física curiosa... A novela de Kafka, Blumfeld: o celibatário<br />

chega em casa à noite e encontra duas pequenas bolas de pingue-pongue<br />

que saltam sozinhas sobre o "muro" do assoalho, ricocheteiam por toda a<br />

parte, tentam até mesmo atingir-lhe o rosto, e parecem conter outras bolas<br />

elétricas ainda menores. Blumfeld consegue finalmente encerrá-las no<br />

buraco negro de um cubículo. A cena continua no dia seguinte quando<br />

Blumfeld tenta dar as bolas a um garotinho débil e a duas meninas<br />

careteiras, depois no escritório, onde ele encontra seus dois estagiários<br />

careteiros e débeis que querem se apoderar de uma vassoura. Em um<br />

admirável bale de Debussy e Nijinsky, uma pequena bola de tênis vem<br />

ricochetear na cena ao crepúsculo; uma outra surgirá da mesma forma no<br />

final. Entre as duas, dessa vez, duas jovens e um rapaz que as observam<br />

desenvolvem seus traços passionais de dança e de rosto sob luminosidades<br />

vagas (curiosidade, despeito, ironia, êxtase 2 ).<br />

2 Sobre esse bale, cf. o Debussy de Jean Barraqué, ed. du Seuil, que cita o texto do<br />

prólogo, p. 166-171.<br />

Não há nada a explicar, nada a interpretar. Pura máquina abstrata de<br />

estado crepuscular. Muro branco-buraco negro? Mas, segundo as<br />

combinações, é igualmente possível que o muro seja negro e o buraco seja<br />

branco. As bolas podem ricochetear em um muro, ou escoar em um buraco.<br />

Elas podem mesmo, em seu impacto, ter um papel relativo de buraco em<br />

relação ao muro, bem como, em seu percurso afilado, ter um papel relativo<br />

de muro em relação ao buraco para o qual elas se dirigem. Circulam no<br />

sistema muro branco-buraco negro. Nada se assemelha aqui a um rosto, e

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