Mil Platôs. Vol 3
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assemelhem a um rosto, mas porque estão presos ao processo muro brancoburaco<br />
negro, porque se conectam à máquina abstrata de rostificação. O<br />
close do cinema refere-se tanto a uma faca, a uma xícara, a um relógio, a<br />
uma chaleira quanto a um rosto ou a um elemento de rosto; por exemplo,<br />
com Griffith, a chaleira que me olha. Não é lícito então dizer que há closes<br />
de romance, como quando Dickens escreve a primeira frase do Grilon du<br />
foyer: "Foi a chaleira que começou..." 8 , e, na pintura, quando uma natureza<br />
morta se torna de dentro um rosto-paisagem, ou quando um utensílio, uma<br />
xícara sobre a toalha, um bule, são rostificados, em Bonnard, Vuillard? 4. o<br />
teorema: A máquina abstrata não se efetua então apenas nos rostos que<br />
produz, mas, em diversos graus, nas partes do corpo, nas roupas, nos<br />
objetos que ela rostifica segundo uma ordem das razões (não uma<br />
organização de semelhança).<br />
8 Eisenstein, Film Form, Meridien Books, p. 194-199: "Foi a chaleira que começou... A<br />
primeira frase de Dickens em Le grilon du foyer. O que poderia haver de mais distante dos<br />
filmes? Porém, por mais estranho que pareça, o cinema também se pôs a ferver nessa<br />
chaleira. (...) A partir do momento em que reconhece-mos aí um close típico, exclamamos:<br />
É puro Griffith, evidentemente... Essa chaleira é um close tipicamente griffitiano. Um close<br />
saturado dessa atmosfera à Dickens com a qual Griffth, com igual maestria, pôde cercar a<br />
figura austera da vida em Loin à Vest, e a figura moral congelada dos personagens, que<br />
impelia a culpada Ana sobre a superfície móvel de um bloco de gelo que bascula" (encontrase<br />
aqui o muro branco).<br />
A questão, contudo, permanece: quando é que a máquina abstrata de<br />
rostidade entra em jogo? Quando é desencadeada? Tomemos exemplos<br />
simples: o poder maternal que passa pelo rosto durante o próprio<br />
aleitamento; o poder passional que passa pelo rosto do amado, mesmo nas<br />
carícias; o poder político que passa pelo rosto do chefe, bandeirolas, ícones<br />
e fotos, e mesmo nas ações da massa; o poder do cinema que passa pelo<br />
rosto da estrela e o close, o poder da televisão... O rosto não age aqui como<br />
individual, é a individuação que resulta da necessidade de que haja rosto. O<br />
que conta não é a individualidade do rosto, mas a eficácia da cifração que<br />
ele permite operar, e em quais casos. Não é questão de ideologia, mas de<br />
economia e de organização de poder. Não dizemos certamente que o rosto,<br />
a potência do rosto, engendra o poder e o explica. Em contrapartida,<br />
determinados agenciamentos de poder têm necessidade de produção de<br />
rosto, outros não. Se consideramos as sociedades primitivas, poucas coisas<br />
passam pelo rosto: sua semiótica é não-significante, não-subjetiva,<br />
essencialmente coletiva, polívoca e corporal, apresentando formas e<br />
substâncias de expressão bastante diversas. A polivocidade passa pelos<br />
corpos, seus volumes, suas cavidades internas, suas conexões e