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Mil Platôs. Vol 3

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o cavaleiro não poderá levar o movimento cada vez para mais longe,<br />

atravessando o buraco negro, furando o muro branco, desfazendo o rosto,<br />

mesmo se a tentativa fracassa 7 ?<br />

7 Chrétien de Troyes, Perceval ou le roman du Graal, Gallimard, Folio, p. 110-111. No<br />

romance de Malcolm Lowry, Ultramarine (Denoèl, p. 182-196), encontra-se uma cena<br />

semelhante, dominada pela "maquinaria" do barco: uma pomba se afoga na água infestada<br />

de tubarões, "folha vermelha caída em uma torrente branca" e que evocará irresistivelmente<br />

um rosto sangrento. A cena de Lowry é envolta em elementos tão diferentes, organizada tão<br />

especialmente, que não há qualquer influência, mas apenas encontro com a cena de Chrétien<br />

de Troyes. Isto é mais uma confirmação de uma verdadeira máquina abstrata buraco negro<br />

ou mancha vermelha-muro branco (neve ou água).<br />

Nada disso marca absolutamente o fim do gênero romanesco, mas nele<br />

está presente desde o início, como parte essencial. É falso ver em Dom<br />

Quixote o fim do romance de cavalaria, invocando as alucinações, os<br />

lapsos, os estados hipnóticos ou catalépticos do herói. É falso ver nos<br />

romances de Beckett o fim do romance em geral, invocando seus buracos<br />

negros, a linha de desterritorialização dos personagens, os passeios<br />

esquizofrênicos de Molloy ou do Inominável, sua perda de nome, de<br />

memória ou de projeto. Há uma evolução do romance, mas ela certamente<br />

não se situa aí. O romance não parou de se definir pela aventura de<br />

personagens perdidos, que não sabem mais seu nome, o que procuram ou o<br />

que fazem, amnésicos, atáxicos, catatônicos. São eles que fazem a<br />

diferença entre o gênero romanesco e os gêneros dramáticos ou épicos<br />

(quando o herói épico ou dramático é tomado de loucura, de esquecimento,<br />

etc... ele o é de uma maneira completamente diferente). La princesse de<br />

Clèves é um romance exatamente pela razão que pareceu paradoxal aos<br />

contemporâneos: os estados de ausência ou de "repouso", as sonolências<br />

que se apossam dos personagens. Há sempre uma educação cristã no<br />

romance. Molloy é o início do gênero romanesco. Quando o romance<br />

começa, por exemplo com Chrétien de Troyes, começa pelo personagem<br />

essencial que o acompanhará em todo seu curso: o cavaleiro do romance<br />

cortês passa seu tempo esquecendo seu nome, o que faz, o que lhe dizem,<br />

não sabe para onde vai nem com quem fala, não pára de traçar uma linha de<br />

desterritorialização absoluta, mas também de nela perder seu caminho, de<br />

se deter e de cair em buracos negros. "Ele anseia por cavalaria e aventura".<br />

Em qualquer página de Chrétien de Troyes, encontra-se um cavaleiro<br />

catatônico sentado em seu cavalo, apoiado em sua lança, que espera, que vê<br />

na paisagem o rosto de sua bela, e que deve ser golpeado para que<br />

responda. Lancelot, diante do rosto branco da rainha, não sente seu cavalo<br />

entrar no rio; ou ele sobe em uma carroça que passa, só que é a carroça da

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