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um dos contrapontos mentais que devem ser considerados para a compreensão deste<br />

ambiente que gera simultaneamente os primeiros esboços da teoria da funcionalidade e<br />

uma vigorosa reforma monástica encabeçada por Cluny. Desta maneira, André<br />

Vauchez (1994) sustenta a ideia de que, para compreender esta luta que se trava no<br />

interior da Igreja e no seu em torno, é preciso situá-la também em uma perspectiva<br />

escatológica. Assim, se combater o concubinato dos padres logo seria uma questão<br />

fundamental para reformadores gregorianos que se preocupavam com a dispersão<br />

patrimonial através de heranças, desde o século X, na Abadia de Cluny, procura-se<br />

desenvolver uma espiritualidade eucarística baseada em um novo modelo de pureza<br />

para se aproximar. É em vista disto que Odon de Cluny, no seu poema Occupatio,<br />

fizera da castidade uma necessidade absoluta para aqueles que pretendessem se<br />

dedicar à vida monástica, afirmando-se aqui uma incompatibilidade efetiva entre o<br />

concubinato e a função sacerdotal.<br />

Apartar-se do mundo – o caminho do monge – era portanto uma via segura para a<br />

salvação. Por outro lado, em outros setores da Igreja, e na medida em que nos<br />

afastamos das expectativas mais radicalmente escatológicas do início do milênio, “a<br />

espera inquieta da catástrofe última daria lugar ao desejo de construir hic et nunc o<br />

Reino de Deus”. É assim que, não só entre os reformadores gregorianos como também<br />

em certos setores da religiosidade mesmo laica, uma nova alternativa seria proposta<br />

ao nível da escatologia. Para retomar as palavras do historiador André Vauchez,<br />

começa a se consolidar este desejo de “agir diretamente sobre o mundo para torná-lo<br />

de acordo com a vontade divina” (VAUCHEZ , 1995: 58).<br />

Esta nova perspectiva permitirá recolocar a questão das relações entre a teoria da<br />

trifuncionalidade e a reforma religiosa em toda a sua complexidade. Embora fosse<br />

quase consensual entre os clérigos e monges ligados à orientação papal que urgia<br />

delimitar muito claramente o espaço religioso do espaço temporal, de um lado se<br />

afirmaria uma corrente que logo levaria a Igreja a intervir cada vez com maior<br />

frequência nos assuntos seculares. De outro lado, eclesiásticos como o bispo Gerard<br />

de Cambrai – um dos dois primeiros formuladores do esquema trifuncional – eram de<br />

opinião que os religiosos afastavam-se do papel que Deus lhes havia destinado quando<br />

se ocupavam de questões temporais. Em vista disso, diante do movimento que ficaria<br />

conhecido como “Paz de Deus” – e que de certo modo buscava substituir uma<br />

autoridade real em decadência visando organizar o mundo social – Gerard de Cambrai<br />

sustentaria que cabia aos governantes temporais e não à Igreja garantir a ordem<br />

pública.<br />

Isso nos mostra um dado importante a ser considerado. A teoria da funcionalidade<br />

surge no âmbito de uma Igreja que clama por uma delimitação bem nítida entre a<br />

esfera religiosa e o mundo laico, e que logo se aperfeiçoa no sentido de prever uma<br />

separação igualmente nítida entre as funções bellatore e laboratore. Mas quanto ao<br />

tipo de relação que esta Igreja – definida como um corpo em separado – deveria<br />

estabelecer com referência às duas demais ordens pertencentes ao mundo laico, aí se<br />

abriam duas alternativas: o isolamento e a ação no mundo. A trifuncionalidade permitia,

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