VIDA SÓ VALE SE FOR POR PRAZER - GRES Beija-Flor de Nilópolis
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a tradição mais profunda e a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
possível das escolas <strong>de</strong> samba na expressão<br />
mais popular <strong>de</strong> seus primeiros anos.<br />
As modificações por que passaram os <strong>de</strong>sfiles<br />
– crescendo em importância e tamanho e<br />
transformando-se na principal expressão do<br />
carnaval brasileiro na década <strong>de</strong> 60 – tiveram<br />
reflexos na ala <strong>de</strong> baianas que cresceu em<br />
tamanho, em organização e em imponência.<br />
Pouco a pouco, suas indumentárias tornavam-se<br />
iguais em cada <strong>de</strong>talhe, impedindo<br />
que cada baiana utilizasse suas pulseiras e<br />
colares pessoais. As fantasias ampliavamse<br />
com a incorporação dos gran<strong>de</strong>s aros<br />
dos miniaques (em substituição às antigas<br />
anáguas engomadas) capazes <strong>de</strong> sustentar<br />
saias cada vez mais rodadas e <strong>de</strong>coradas.<br />
Permaneciam, entretanto, as peculiarida<strong>de</strong>s<br />
das baianas <strong>de</strong> cada escola, representadas,<br />
principalmente pelos gestos e movimentos<br />
<strong>de</strong> sua dança, nos quais, um olhar atento,<br />
ainda podia perceber ecos <strong>de</strong> um passado<br />
não tão remoto.<br />
Entretanto, a transformação dos <strong>de</strong>sfiles<br />
em espetáculos audiovisuais, no final do século XX,<br />
iria encontrar na ala <strong>de</strong> baianas uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio.<br />
Como adaptar aquele grupo <strong>de</strong> senhoras às<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um espetáculo que se queria cada<br />
vez mais grandioso e internacional? Como traduzir<br />
a respeitabilida<strong>de</strong> e a importância daquela ala sem<br />
perturbar a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfile cada vez mais imponente?<br />
A “solução” encontrada foi a valorização visual da<br />
ala, ampliando suas fantasias – que adquiriam rodas<br />
cada vez mais gigantescas – incorporando esplendores,<br />
golas, a<strong>de</strong>reços <strong>de</strong> mão e <strong>de</strong>corações suntuosas<br />
associados a temáticas que a afastavam cada vez<br />
mais da baiana tradicional. O sucesso <strong>de</strong>ste novo<br />
formato, entretanto, vem cobrando seu preço às escolas.<br />
O <strong>de</strong>slumbrante visual das gran<strong>de</strong>s fantasias<br />
criou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfile cada vez mais organizado,<br />
em filas e colunas, e com lugares pre<strong>de</strong>terminados<br />
para cada baiana. A grandiosida<strong>de</strong> das<br />
indumentárias passou a impedir os movimentos espontâneos<br />
individuais, que se transformaram em coreografias<br />
ensaiadas nas quais todas as baianas só<br />
po<strong>de</strong>m girar num <strong>de</strong>terminado momento e para um<br />
mesmo lado, por exemplo. Além disso, o peso excessivo<br />
das fantasias, que chegam a atingir mais <strong>de</strong> 30<br />
quilos, acaba por afastar aquelas que <strong>de</strong>veriam ser<br />
as mais importantes personagens do <strong>de</strong>sfile, as mais<br />
velhas senhoras<br />
que guardam,<br />
em seus movimentos<br />
e em<br />
seu cantar, boa<br />
parte da história<br />
e da memória<br />
das escolas <strong>de</strong><br />
samba.<br />
A pergunta que<br />
fizemos no título<br />
<strong>de</strong>ste artigo<br />
marca, <strong>de</strong>sse<br />
modo, uma preocupação,<br />
cada<br />
vez mais presente,<br />
daqueles<br />
que amamos<br />
os <strong>de</strong>sfiles das<br />
escolas. Como<br />
equilibrar a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong><br />
engran<strong>de</strong>cimento<br />
do espetáculo<br />
com a preservação do sentido mais profundo <strong>de</strong> uma<br />
ala tão representativa <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> samba? O<br />
caminho da grandiosida<strong>de</strong> parece ter chegado a um<br />
beco sem saída na medida em que força o afastamento<br />
exatamente daquelas senhoras que mais<br />
amamos ver <strong>de</strong>sfilar e das quais nenhuma escola<br />
po<strong>de</strong> prescindir. Outras soluções precisam ser <strong>de</strong>scobertas<br />
pela criativida<strong>de</strong> e engenhosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos<br />
carnavalescos. Novas regulamentações talvez<br />
possam ser pensadas no sentido <strong>de</strong> limitar tamanho<br />
e peso das fantasias. Soluções inesperadas po<strong>de</strong>m<br />
sair do diálogo entre a inovação dos criadores e a<br />
sabedoria das próprias baianas. As possibilida<strong>de</strong>s<br />
são muitas. O importante é percebermos a tempo<br />
que um caminho diferente precisa ser <strong>de</strong>scoberto<br />
com urgência. Com isto, po<strong>de</strong>remos ter a certeza <strong>de</strong><br />
que, ao contrário do que po<strong>de</strong>ríamos temer, estaremos<br />
presenciando o renascimento da ala que reúne<br />
e representa tudo que mais amamos no carnaval das<br />
escolas <strong>de</strong> samba: nossas “mães” baianas.<br />
Vó Nadyr, em Desfile pela agremiação <strong>de</strong> <strong>Nilópolis</strong> (década<br />
<strong>de</strong> 70)<br />
______________<br />
Felipe Ferreira é professor do Instituto <strong>de</strong> Artes da<br />
Uerj, coor<strong>de</strong>nador do Centro <strong>de</strong> Referência do Carnaval<br />
e Membro do Estandarte <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> O Globo.<br />
Fevereiro 2010