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SÉRIE ANTROPOLOGIA 275 UM PANORAMA DA MÚSICA ... - NRE

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Em relação à destruição da Pequena África, o prefeito do Rio de Janeiro na primeira<br />

década do século vinte, Pereira Passos, fez o mesmo que Hausmann já fizera com a Paris do<br />

século dezenove: destruição de bairros inteiros para dar lugar a amplas avenidas capazes de<br />

acolher o novo modo urbano moderno de viver. Processo semelhante ocorreu em muitas outras<br />

grandes cidades – em Buenos Aires, Havana, Berlim, Paris, Chicago, São Petersburgo. O<br />

vocabulário utilizado foi de sanitarização, ou de limpeza. Sob o manto do eufemismo de<br />

renovação urbana (para empregar um termo norte-americano), o objetivo, na verdade, era<br />

desalojar uma certa “promiscuidade”, uma certa hegemonia das classes inferiores, tidas como<br />

perigosas, retirando-as do centro da cidade. Esse modelo é a epítome da modernidade como mito,<br />

tal como discutido por Marshall Berman em sua obra famosa Tudo que é sólido desmancha no<br />

ar. 22 Conseqüentemente, muitos desses gêneros do início da música popular comercial nas duas<br />

primeiras décadas do século vinte tendem a expressar essa ruptura urbana: eles encarnam, ou<br />

incorporam, um trauma social e histórico. Talvez o blues seja o equivalente norte-americano<br />

desse mesmo processo que estamos discutindo em relação ao samba: uma memória de como se<br />

consolidou o pacto das classes inferiores, os subalternos, com os detentores do poder, nos<br />

primórdios da modernização. Com o tango, o blues, o samba, entre outros, temos um texto<br />

poético-musical que captura alguns aspectos de como esse pacto foi desenvolvido em cidades<br />

importantes de vários países, tanto no Primeiro quanto no Terceiro Mundos.<br />

Assim, derivando-se do jongo, do maxixe, do samba de roda, e de outros gêneros rurais,<br />

o samba representa esteticamente a assimilação urbana, ou a passagem das massas pré-modernas<br />

para a modernidade: arranjos com harmonia ocidental e inserção na indústria musical que estava<br />

nos seus primórdios com a comercialização do fonógrafo. Daí Donga chegar a mencionar, no<br />

início de “Pelo Telefone”: “Casa Edson do Rio de Janeiro”, a qual é, ainda hoje, um dos<br />

principais conglomerados financeiros e industriais do mercado globalizado da música. O samba,<br />

como o tango na Argentina, e o son em Cuba, engloba essa história. Uma classe média baixa<br />

podia aparecer como urbana, como participante, socialmente legítima, da cidade moderna, através<br />

de trajes “adequados”, “aceitáveis” e, por que não, de passos “apropriados” de dança. 23<br />

1. Pelo telefone – Primeiro samba gravado (1917) - Donga e Mauro de Almeida<br />

Falado: Pelo telefone: samba carnavalesco gravado por Baiano e o Corpo de Corda para a Casa<br />

Edson, Rio de Janeiro.<br />

Cantado:<br />

O chefe da folia<br />

pelo telefone<br />

manda me avisar<br />

que com alegria<br />

não se questione<br />

para se brincar<br />

Ai, ai, ai, é deixar mágoas pra trás, oh rapaz<br />

ai, ai, ai, fica triste se és capaz e verás<br />

Tomara que tu apanhes<br />

22<br />

Ver Berman (1986).<br />

23<br />

Ver o estudo recente da história do samba no contexto do carnaval no Rio de Janeiro de Rachel Soihet<br />

(1998).<br />

32

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