Cad Pesq 9_FINAL.pmd - USCS
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EXPEDIENTE<br />
CADERNO DE PESQUISA<br />
PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Programa de Mestrado em Administração<br />
Pós-Graduação do IMES – Centro Universitário<br />
Municipal de São Caetano do Sul<br />
Ano 5 – N. 9<br />
2° semestre de 2003<br />
ISSN 1517-820X<br />
Diretor da Mantenedora<br />
Prof. Marco Antonio Santos Silva<br />
Vice-diretor<br />
Marcos Sidnei Bassi<br />
Reitor do Centro Universitário<br />
Prof. Dr. Laércio Baptista da Silva<br />
Pró-reitores<br />
Prof. Carlos Alberto de Macedo (Graduação)<br />
Prof. Dr. René Licht (Pós-Graduação e <strong>Pesq</strong>uisa)<br />
Prof. Joaquim Celso Freire Silva (Comunitária e Extensão)<br />
Pós-Graduação<br />
Coordenador<br />
Prof. Dr. Antonio Carlos Gil<br />
Coordenador do Laboratório de Regionalidade e<br />
Gestão<br />
Prof. Dr. Jeroen Klink<br />
Editor<br />
Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos (MTb – 15.637)<br />
Conselho Editorial<br />
Dinizar Sermiano Decker (Universidade de Santa Cruz<br />
do Sul - RS), José Francisco Salm (UDESC-CCA/<br />
ESAG- SC), Marinho Jorge Scarpi (UNIFESP), Erika de<br />
Castro (University of British Columbia), Kevin Allison<br />
(University of Westminster), Sima Motamen-Samadian<br />
(University of Westminster).<br />
Secretárias<br />
Neusa Aparecida Marques, Marlene Forestiere de Melo<br />
e Ana Maria Nóbrega Cury<br />
Alunos de Iniciação Científica<br />
Cristiane Riberti e Marcelo Augusto Palermo.<br />
Revisão<br />
Simone Zaccarias<br />
Impressão<br />
HM Indústria Gráfica e Editora Ltda.<br />
Tiragem: 500 exemplares<br />
Correspondência<br />
IMES – Centro Universitário Municipal de São Caetano<br />
do Sul<br />
A/C <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação/IMES<br />
Avenida Goiás, 3400<br />
São Caetano do Sul – São Paulo – Brasil<br />
CEP 09550-051<br />
E-mail: labgest@imes.edu.br<br />
O conteúdo dos artigos assinados reflete a opinião dos<br />
autores, sendo de sua inteira responsabilidade.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
SUMÁRIO<br />
Arte/Palavra (Autores do ABC)<br />
Noturno<br />
(Deise Assumpção/ Constança Lucas)........................................... 4<br />
Introdução<br />
(Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos)............................................... 5<br />
Entrevista<br />
Jeroen Klink....................................................................................... 7<br />
Artigos<br />
1. Região, Regionalismo e Regionalidade<br />
(Prof. Dr. Antonio Carlos Gil / Profª. Drª. Carla Cristina<br />
Garcia / Prof. Dr. Jeroen Klink)................................................. 11<br />
2. Programas de qualidade no setor de serviços<br />
hospitalares: um estudo dos hospitais selados pelo C.Q.H.<br />
(Prof. Ms. Abrão Blumen /<br />
Dr. Eduardo de Camargo Oliva)................................................... 21<br />
3. A cidade industrial: expansão, crise e projetos de<br />
revitalização<br />
(Jefferson José da Conceição)..................................................... 29<br />
4. O sentido da história: em busca do poder popular<br />
(José Alfonso Klein)...................................................................... 37<br />
Debates<br />
Acesso à informação pública........................................................... 52<br />
Transcrição do Seminário................................................................... 53<br />
Resenha<br />
SCIFONI, Simone. O verde do ABC: reflexões sobre a<br />
questão ambiental urbana. São Paulo: Faculdade de<br />
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de<br />
São Paulo [dissertação de mestrado].<br />
(Júlio F. B. Facó)........................................................................... 70<br />
3
DEISE ASSUMPÇÃO*/CONSTANÇA LUCAS**<br />
NOTURNO<br />
4<br />
porta-balcão de apartamento:<br />
os olhos se abaixam e alongam<br />
no etéreo das ruas de luzes<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
se há anjos, têm documentos<br />
dormem e roncam, pensam feridas<br />
e eu perscruto:<br />
em que janela<br />
o trono de Deus?<br />
diabo escafedeu-se nas alturas<br />
* Formada em Letras, com<br />
especialização em Literatura Brasileira,<br />
tem uma longa atuação no magistério,<br />
ministrando aulas de Língua Portuguesa<br />
e Literatura no ensino fundamental e<br />
médio. Publicou o livro Cofre, poemas,<br />
(Alpharrabio edições, 2003) e seus<br />
poemas constam de antologias, revistas<br />
e sites literários. Reside em Mauá desde<br />
1968.<br />
ARTE / PALAVRA<br />
(Autores do ABC)<br />
** Artista plástica, desenvolve seu<br />
trabalho em pintura, desenho,<br />
gravura, aguarela e infografia. Fez<br />
Licenciatura Plena em Artes<br />
Plásticas na FAAP e Pós-<br />
Graduação em Artes na ECA -<br />
USP. Tem participado de várias<br />
exposições coletivas em diversos<br />
países e realizou exposições<br />
individuais no Brasil e Portugal.<br />
Curadoria desta página: Dalila Teles Veras, poeta, autora de, entre mais de 10 livros, À Janela dos Dias<br />
(Alpharrabio Edições). Reside em Santo André, onde dirige há 10 anos a livraria, editora e espaço cultural<br />
Alpharrabio.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Prof. Dr. ROBERTO ELÍSIO DOS SANTOS*<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
INTRODUÇÃO<br />
O SIGNIFICADO DA REGIONALIDADE<br />
Lívia Clozel Fuziy<br />
Participantes do debate que tratou do acesso à informação pública<br />
enômenos sociais recentes têm imposto aos<br />
pesquisadores a quebra dos paradigmas. Da mesma<br />
forma, a necessidade de criação de novos conceitos<br />
para dar conta das mudanças que ocorrem no mundo<br />
neste início de século obrigam o repensar das idéias e<br />
o estabelecimento de novas bases teóricas.<br />
Este é o caso dos estudos da Regionalidade.<br />
Muito se tem falado sobre este processo, mas sem a<br />
devida conceituação. Daí a importância do artigo que<br />
abre esta edição. Trabalho realizado por três professores<br />
(Antonio Carlos Gil, Carla Cristina Garcia e Jeroen<br />
Klink) do Programa de Mestrado em Administração<br />
do IMES, o texto estabelece as diferenças conceituais<br />
entre os termos região, regionalismo e regionalidade.<br />
No que se refere à área de Gestão, outro<br />
trabalho de destaque deste número é o artigo realizado<br />
pelo professor Eduardo de Camargo Oliva, ao lado do<br />
professor Abrão Blumem, que mostra os resultados dos<br />
programas de qualidade no setor de serviços<br />
hospitalares.<br />
O leitor vai encontrar nesta edição a transcrição<br />
do debate interno realizado em 25 de setembro que teve<br />
como tema “O acesso à informação pública”. A<br />
discussão dá prosseguimento ao estudo sobre este tema,<br />
publicado na edição número 7 do <strong>Cad</strong>erno de<br />
<strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação IMES.<br />
Nas próximas páginas há também textos realizados<br />
por dois ex-alunos do PMA do IMES, Jefferson José<br />
da Conceição e José Alfonso Klein, além de uma<br />
resenha escrita pelo aluno do mestrado Julio acó.<br />
* Jornalista, professor do PMA do IMES e editor<br />
do <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação<br />
IMES.<br />
5
6<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Priscila Tessarini<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
ENTREVISTA<br />
ASPECTOS DO ESTUDO DAS CIDADES-REGIÃO 1<br />
Neste depoimento, o economista<br />
Jeroen Klink aborda diferentes aspectos<br />
do fenômeno da regionalidade e fala da<br />
atuação do Laboratório de<br />
Regionalidade e Gestão do IMES.<br />
<strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa: Para começar, vamos<br />
começar a falar um pouco do senhor. Qual é a sua<br />
formação acadêmica?<br />
Jeroen Klink: Sou economista. iz graduação<br />
e mestrado em Economia na Holanda e doutorado na<br />
aculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP<br />
(Universidade São Paulo), sendo que a minha tese foi<br />
muito voltada à economia regional. alava sobre o<br />
processo da articulação regional no ABC paulista.<br />
C. P.: O que o senhor faz exatamente no<br />
momento?<br />
J. K.: Eu sou secretário de Desenvolvimento e<br />
Ação Regional da Prefeitura Municipal de Santo André.<br />
Sou professor da disciplina “Economia e Sociedade<br />
Regional”, do Programa de Mestrado em Administração,<br />
e também estou no curso de graduação dando<br />
orientações para as monografias, tanto para os alunos<br />
do quinto ano, quanto para os do quarto. Além disso,<br />
eu sou coordenador do Laboratório de Regionalidade e<br />
Gestão.<br />
C.P.: Como o senhor começou a ter interesse<br />
pela regionalidade?<br />
J.K.: oi basicamente quando eu entrei na<br />
Prefeitura Municipal de Santo André, em 1997, a<br />
convite do ex-prefeito Celso Daniel, pelo trabalho que<br />
Celso estava desenvolvendo na articulação regional do<br />
consórcio e supostamente na Câmara Regional do<br />
Grande ABC. Eu fiquei fascinado pelo processo de<br />
articulação regional, comecei a estudar e participar<br />
ativamente nesse processo.<br />
C.P.: Para o senhor, qual é o significado da<br />
regionalidade?<br />
J.K.: O significado da regionalidade é de tentar,<br />
a partir da negociação de conflitos, criar o que eu<br />
chamaria de um jogo de soma positiva, ou seja, superar<br />
um pouco dessa falsa dicotomia, de que o ganho de um<br />
é a perda necessariamente do outro.Traduzindo em<br />
português mais claro, vou dar um exemplo bem<br />
concreto. Os municípios, determinadas áreas e<br />
determinadas funções urbanas precisam coordenar<br />
determinadas funções, como, por exemplo, a gestão de<br />
resíduos sólidos, os temas ambientais, o transporte, e<br />
também a questão da coordenação das cadeias<br />
produtivas de desenvolvimento econômico-regional. A<br />
regionalidade tem essa certa necessidade de os governos<br />
locais se articular. Além disso, o processo de<br />
regionalidade envolve também outros atores, e não só<br />
públicos, ou seja, todo setor privado e sociedade civil.<br />
A partir desse processo da regionalidade, a conscientização<br />
de todos esses atores que fazem parte de uma<br />
região, de uma bacia sócio-econômica que se chama,<br />
1 Entrevista realizada por Cristiane Riberti, aluna do<br />
curso de Jornalismo do IMES.<br />
7
por exemplo, a região do Grande ABC, isso eu chamaria<br />
de processo de conscientização acerca da regionalidade.<br />
C.P.: Qual é a importância da regionalidade em<br />
um mundo globalizado como o de hoje?<br />
J.K.: Eu diria que a partir da década de 1970,<br />
muitas que eu chamaria de cidades-região e conurbações<br />
quase nunca conseguiram abrangência da regionalidade.<br />
Muitas dessas regiões, a partir daquela década,<br />
conscientizaram-se da importância de atuar em conjunto.<br />
Então, as regiões italianas, espanholas e francesas<br />
começaram a trabalhar e a desencadear um processo de<br />
articulação público-privado, a tentar trabalhar temas<br />
transversais como desenvolvimento econômico, meio<br />
ambiente, revitalização sócio-econômica e a própria<br />
qualidade de vida. Então, esse processo, tanto em cidades<br />
européias como também de alguma forma nas cidades<br />
norte-americanas, o processo de regionalidade surgiu com<br />
bastante ênfase, mundialmente. Eu diria que essa<br />
tendência do novo regionalismo tem suas particularidades<br />
em cada região. Europa não é Brasil, assim como<br />
o Brasil não é Europa. Exemplos europeus não são<br />
semelhantes aos norte-americanos, mas há essa tendência,<br />
uma conscientização de atores públicos e privados<br />
que fazem parte de uma mesma região que enfrenta<br />
problemas de potenciali-dades na globalização no cenário<br />
internacional.<br />
C.P.: O que falta para as pessoas criarem um<br />
sentimento de regionalidade da região do ABC?<br />
J.K.: A região do Grande ABC avançou<br />
substancialmente neste aspecto a partir da década de<br />
1990, com a criação do Consórcio Intermunicipal. Em<br />
seguida, foram criados o órum de Cidadania do Grande<br />
ABC e a Câmara Regional do ABC. Mais recentemente,<br />
também foi fundada a Agência de Desenvolvimento.<br />
Eu diria que a grande conquista desse processo de<br />
regionalidade no ABC foi colocar na rua um sistema<br />
de gestão participativo envolvendo todos esses atores,<br />
sindicalistas, empresas, governos locais e governos<br />
sociais. No entanto há uma certa fragilidade. Em<br />
primeiro lugar, precisa-se do apoio das esferas supralocais,<br />
de o governo estadual apoiar isto, ou seja, amarrar<br />
de forma mais concreta os projetos da região do Grande<br />
ABC e avançar de alguma forma na institucionalização<br />
de um sistema de governantes metropolitano. Também<br />
8<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
o governo federal é importante nessa retomada do<br />
debate sobre a governança metropolitana. Isso, hoje,<br />
ainda representa uma fragilidade e tomara que isso<br />
melhore, mas é um envolvimento em termos de<br />
arcabouço institucional, financiamento tanto das demais<br />
esferas do governo na estruturação do tema de<br />
governança metropolitana. Outro problema eu diria é<br />
que este processo de regionalidade precisa de uma certa<br />
profissionalização em termos de estruturas profissionais<br />
mais fortes. Tanto agências como Consórcio<br />
ainda dependem muito de um grau de voluntarismo de<br />
contrapartida muito grande dos governos. Isso faz com<br />
que esses organismos estejam extremamente acessíveis<br />
para o ciclo político. <strong>Cad</strong>a vez que você tem uma<br />
eleição, esse processo de articulação regional enfrenta<br />
uma certa fragilização. Na medida em que você consegue<br />
profissionalizar isso, garantir uma estrutura operacional<br />
mais forte, claro que não vai fugir do ciclo político,<br />
sempre vai ter isso, mas o foco técnico vai sobreviver a<br />
esses ciclos políticos. Então, isso é outra fragilidade<br />
que a regionalidade tem.<br />
C.P.: Qual é o objetivo do Laboratório Regional<br />
do IMES?<br />
J.K.: Em primeiro lugar, fazer com que a<br />
Universidade se aproxime mais desse processo real com<br />
avanços, retrocessos, mas é um processo sócio-econômico<br />
extremamente rico da regionalidade. A Universidade<br />
precisa interagir com esse processo que vem<br />
ocorrendo na sociedade. Esse é o primeiro objetivo do<br />
próprio Laboratório, fazer com que a Universidade<br />
quebre um pouco o seu isolamento, criar laços mais<br />
orgânicos com articulação nacional. Já o segundo ponto<br />
é que o Laboratório pretende fazer um elo com a<br />
graduação, com algumas coisas que estamos discutindo<br />
no programa de mestrado, vinculando isso com<br />
preocupações num curso de graduação. O Laboratório<br />
tem esse papel de fazer com que a Universidade interaja<br />
mais intensamente com a sociedade e criar um elo entre<br />
o curso de graduação com o mestrado. É também um<br />
espaço de aglutinação das várias agências. Nós já<br />
organizamos um debate sobre crédito, estamos<br />
organizando um que vai falar sobre a questão logística<br />
no ABC. Enfim, é um espaço para o debate, reflexão,<br />
que interage com a sociedade regional, e envolve os<br />
alunos de mestrado com os de graduação, além de<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
vincular melhor o ensino e a pesquisa. É uma<br />
plataforma de democratização de conhecimentos.<br />
C.P.: Vocês têm mais alguns projetos para o<br />
Laboratório de Regionalidade?<br />
J.K.: azemos um planejamento estratégico e<br />
estamos prevendo ainda neste ano uma reunião com<br />
os professores para fazer esse debate sobre o plano<br />
estratégico do ano que vem. Esse é o primeiro passo.<br />
Agora, já adiantando o resultado disso, é muito importante<br />
casar as chamadas pesquisas integradas. Tem<br />
algumas pesquisas com enfoque bastante abrangente<br />
sobre regionalidade, envolvendo um coordenador de<br />
pesquisa, mas também outros professores de mestrado e<br />
professores e alunos de graduação. A idéia é, a partir<br />
dessas pesquisas, dinamizar os chamados grupos temáticos.<br />
Começamos a formar grupo para eventos, já temos<br />
um para seminários, um de relações institucionais, de<br />
iniciação científica, entre outros. Eles vão criar produtos<br />
muito concretos relacionados com essas pesquisas, ou<br />
seja, a idéia é transformar, democratizar esse conhecimento<br />
e essas pesquisas integradas a partir desses grupos.<br />
Por exemplo, eu tenho uma pesquisa integrada que tem<br />
como foco principal a admissão sócio-econômica das<br />
cidades-região, pontos teóricos, quais são os limites no<br />
cenário internacional. Tem uma outra pesquisa integrada<br />
da professora Priscila, que é voltada à gestão de patrimônio<br />
histórico e cultural. Então, pegando essas duas<br />
pesquisas, de que forma elas podem sair no papel, como<br />
é que você pode criar debates, fazer seminários, criar<br />
um acervo no Laboratório acessível para os alunos de<br />
graduação e de pós, de que forma você pode fazer uma<br />
atividade com os organismos regionais. Enfim, a idéia é<br />
essa. A partir das pesquisas temáticas agrupar e disponibilizar<br />
atividades, debates, parcerias com outras instituições.<br />
A idéia é exatamente socializar conhecimento com<br />
a sociedade regional.<br />
C.P.: Gostaria que o senhor fizesse uma avaliação<br />
do atual desempenho deste Laboratório Regional.<br />
J.K.: Ainda precisamos avançar muito mais no<br />
sentido de envolvimento, em primeiro lugar, de atores<br />
da sociedade regional, outras universidades e empresas<br />
locais. O segundo ponto é que os próprios professores e<br />
alunos deveriam interagir mais, e eu acho que, a partir<br />
do ano que vem, precisamos fazer um esforço de<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
mobilização e de conscientização acerca da importância<br />
do papel do Laboratório em termos de socialização e<br />
democratização de conhecimentos da sociedade regional.<br />
C.P.: Gostaria que o senhor fizesse uma outra<br />
avaliação, só que agora das ações e instituições regionais<br />
existentes na região do Grande ABC.<br />
J.K.: O Consórcio avançou no sentido de fazer<br />
com que os prefeitos saíssem desse municipalismo<br />
autárquico. A Câmara Regional do Grande ABC foi muito<br />
importante. oi um palco de negociações. Houve mais<br />
de 20 acordos regionais negociados, voltados para<br />
questões urbanísticas, temas sócio-econômicos, e até<br />
mesmo a própria criação da Agência Regional, que foi<br />
um acordo regional negociado e fechado no âmbito<br />
regional. O problema é que esses acordos precisam de<br />
financiamentos, e aí o padrão de financiamento, como<br />
mencionei anteriormente, é um padrão ainda frágil, de<br />
pouco envolvimento das demais esferas do governo<br />
estadual e federal. A Agência de Desenvolvimento<br />
conseguiu várias coisas interessantes, como, por exemplo,<br />
organizou diagnósticos, workshops acerca dos pontos<br />
fortes e fracos da região do ABC. Hoje temos um grande<br />
diagnóstico que foi a Agência, o principal organismo<br />
responsável por isso. A gente também conseguiu várias<br />
ações voltadas para as pequenas empresas, agências<br />
parceiras de várias encubadoras (Santo André, São<br />
Bernardo...). Nós também conseguimos enviar e captar<br />
cursos voltados à economia, inclusive agora a gente está<br />
enviando agora um projeto para o Sebrae.<br />
Enfim, houve conquistas e avanços, mas ainda<br />
há o problema no padrão de financiamentos, a transparência<br />
e a previsibilidade em chegar a esses recursos,<br />
que ainda é um fator frágil.<br />
C.P.: Professor, o senhor gostaria de fazer mais<br />
algum comentário?<br />
J.K.: Eu acho extremamente interessante esse<br />
tipo de entrevista. Seria bom que se fizesse também<br />
com outros agentes públicos-privados, e mais ou menos<br />
implantar o mesmo roteiro para inclusive ter uma<br />
variedade de opiniões, para poder comparar como as<br />
opiniões de questões relativas ao público-privado<br />
divergem ou caminham na mesma direção.<br />
9
10<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Núcleo de Recursos Humanos<br />
Com o trabalho sério e reconhecido,<br />
o Núcleo de Recursos Humanos do IMES<br />
busca a integração entre o conhecimento<br />
teórico e a prática no campo da Administração<br />
de Recursos Humanos.<br />
Entre os serviços oferecidos, destacam-se:<br />
Realização de pesquisas em Recursos Humanos (cargos, salários, benefícios,<br />
acordos/convenções coletivas, remuneração variável, indicadores da performance<br />
de área e clima organizacional);<br />
Encontros de reciclagem para profissionais da área de RH;<br />
Publicação do boletim Notícias de Recursos Humanos, que traz uma sinopse da<br />
imprensa paulista com informações sobre RH;<br />
Desenvolvimento de projetos personalizados para empresas (consultoria, auditoria,<br />
e treinamento);<br />
Publicação de artigos que abordam ocomportamento do mercado de trabalho e<br />
suas tendências.<br />
Informações e consultas podem ser feitas na Av. Goiás, 3.400, em São Caetano do Sul,<br />
pelo telefone (011) 4239-3201, ou pelo e-mail: nucleorh@imes.edu.br<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo a discussão<br />
dos conceitos região, regionalismo e regionalidade tanto<br />
no seu contexto geral quanto no âmbito específico das<br />
cidades-região. A região deve ser entendida como uma<br />
entidade socialmente construída, cujos limites não são<br />
definidos apenas pelo espaço geográfico que a delimita.<br />
A importância atribuída às regiões, sobretudo após a<br />
década de 1990, contribuiu para o desenvolvimento<br />
de um novo regionalismo que tende a ser visto como um<br />
processo espontâneo no qual outros atores além dos<br />
estados tendem progressivamente a se tornar os principais<br />
proponentes da integração regional. A efetividade do<br />
regionalismo, por sua vez, notadamente nas cidadesregião,<br />
depende do desenvolvimento de uma regionalidade,<br />
que pode ser entendida como uma verdadeira mentalidade<br />
da região. Por seu intermédio é que a administração<br />
pública, o setor privado e toda a sociedade civil<br />
adquirem a “consciência regional”, necessária para a<br />
união dos esforços em prol do desenvolvimento regional.<br />
ABSTRACT: This article was written with the objective<br />
of discussing the concepts region, regionalism and regionality<br />
both in their general concept as in the specific range of<br />
cities-regions. Region can be understood as a socially<br />
constructed being, that is defined not only by the<br />
geographic space. The importance of the regions has<br />
contributed for the development of a new regionalism,<br />
where other actors moreover the state are becoming the<br />
main proponents of regional integration. The efectivity<br />
of the regionalism mainly the cities-regions depends on<br />
the developing of a regionality that can be understood<br />
as the region mentality. Through this regionality the<br />
public administration, the private sector and all the civil<br />
society get the “regional conscience” that is necessary<br />
to unite efforts to obtain the regional development.<br />
PALAVRAS-CHAVE: região, regionalidade, regionalismo,<br />
cidades-região.<br />
KEYWORDS: region, regionality, regionalism, citiesregions.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
REGIÃO, REGIONALISMO E REGIONALIDADE<br />
Profs. Drs. ANTONIO CARLOS GIL/CARLA CRISTINA GARCIA/JEROEN KLINK*<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A ênfase conferida aos estudos locais e regionais,<br />
sobretudo a partir do início da última década do século<br />
XX, vem requerendo não apenas a definição de novos<br />
enfoques teóricos para tratar do assunto, mas também<br />
o estabelecimento de um sistema conceitual capaz de<br />
conferir clareza e precisão aos termos e expressões utilizados<br />
nesse contexto. Com efeito, os estudos locais e regionais,<br />
que durante muito tempo ficaram circunscritos<br />
ao domínio da ciência geográfica, deixam clara sua<br />
intersecção com muitas áreas, a ponto de serem considerados<br />
como integrantes de um campo multidisciplinar<br />
e mesmo de uma nova área do conhecimento. Assim,<br />
fica cada vez mais difícil falar em Economia Urbana ou<br />
em Sociologia Urbana. Torna-se mais adequado falar em<br />
Economia Urbana e Regional e também em Sociologia<br />
Urbana e Regional.<br />
Os estudos locais e regionais vêm incorporando<br />
neologismos, como regionalidade e glocalidade. Por outro<br />
lado, termos usados tradicionalmente costumam aparecer<br />
com novas definições, como é o caso de região. Outros<br />
termos passam a ser adjetivados, como: regionalismo aberto<br />
e novo regionalismo. Por essas razões, diversos estudos<br />
desenvolvidos a partir de meados dos anos 1990 tiveram<br />
como preocupação o estabelecimento de proposições<br />
teóricas capazes de fundamentar o tratamento teórico<br />
das questões locais e regionais, bem como a realização<br />
de estudos empíricos.<br />
Este trabalho tem como objetivo a discussão<br />
de alguns conceitos fundamentais para os estudos locais<br />
e regionais: região, regionalismo e regionalidade. Procura<br />
focalizar seu uso sobretudo no contexto das cidadesregião.<br />
A justificativa para sua realização está na importância<br />
que vem sendo conferida a esses conceitos nos<br />
estudos sobre desenvolvimento e gestão, especialmente<br />
no contexto das cidades-região. Sobretudo porque os<br />
termos adotados para a expressão desses conceitos<br />
variam de acordo com o quadro de referência adotado.<br />
11
12<br />
2 REGIÃO<br />
2.1 A emergência do conceito de região<br />
O termo região faz parte do linguajar cotidiano<br />
e é utilizado para designar determinada porção da<br />
superfície terrestre que por algum critério pode ser<br />
reconhecida como diferente de outra. Embora de uso<br />
tão comum, esse termo refere-se a um conceito-chave<br />
para os cientistas sociais que incorporam em seus<br />
estudos a dimensão espacial.<br />
Região deriva do latim regere, palavra cujo radical<br />
deu origem a outras, como regra, regente e regência.<br />
Regione, nos tempos do Império Romano, era a denominação<br />
usada para indicar áreas que, mesmo dispondo<br />
de administração local, estavam subordinadas às regras<br />
gerais e hegemônicas da capital imperial. Dessa forma,<br />
os mapas que representavam o Império Romano<br />
indicavam regiões que mostravam a extensão espacial<br />
do poder central hegemônico, onde os governadores<br />
locais dispunham de alguma autonomia, mas deviam<br />
obediência e impostos à cidade de Roma (Gomes, 1995).<br />
A questão regional ganhou grande ímpeto no<br />
século XVIII, com o surgimento de estado moderno. A<br />
questão da centralização e da uniformização administrativa<br />
e suas relações com a diversidade espacial, física,<br />
cultural, econômica e política gerou discussões em torno<br />
de conceitos como o de nação, estado, autonomia<br />
territorial e região. oi também neste momento histórico<br />
que despontou a Geografia como disciplina científica<br />
independente, tendo a região como um de seus conceitos<br />
básicos. Como a noção de modernidade conduzia à<br />
dissolução dos lugares, ao afrouxamento dos laços entre<br />
as pessoas e ao enfraquecimento da idéia de comunidade,<br />
o discurso regional tornou-se muito importante para a<br />
constituição da unidade nacional.<br />
A valorização do conceito de região foi fundamental<br />
para a Geografia no final do século XIX. No<br />
entanto, as distintas visões que se desenvolveram do<br />
ponto de vista teórico e metodológico estavam<br />
colocando-a em cheque. A tendência à separação entre<br />
ciência natural e ciência humana comprometia a unidade<br />
da ciência geográfica. oi justamente a emergência dos<br />
estudos regionais que veio possibilitar a combinação das<br />
diversas perspectivas. Assim, o objeto essencial do estudo<br />
da Geografia passou a ser a região, o espaço com<br />
características físicas e socioculturais homogêneas, fruto<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
de uma história que teceu relações que enraizaram os<br />
homens ao território e que particularizou este espaço,<br />
fazendo-o distinto dos espaços contíguos (Lencioni,<br />
1999, p. 100).<br />
2.2 A evolução do conceito de região<br />
Ao termo região foram atribuídos significados<br />
diversos pelos geógrafos e outros cientistas sociais ao<br />
longo da História. Carl Ritter (1779-1859), um dos<br />
principais pensadores que impulsionaram o desenvolvimento<br />
da Geografia moderna, em sua obra Erdkunde<br />
(Geografia), publicada entre 1817 e 1859, apresenta a<br />
região como algo fundado em critérios naturais e não<br />
administrativos ou políticos, como o era até então. Ritter<br />
influenciou o desenvolvimento de estudos comparativos,<br />
levando ao desenvolvimento da Geografia Regional. Mas<br />
foi com Paul Vidal de La Blache (1845-1918) que a<br />
Geografia assumiu o status de ciência independente.<br />
Esse pesquisador francês incorporou à Geografia o<br />
conceito de gênero de vida, que se define como resultado<br />
das influências físicas, históricas e sociais presentes na<br />
relação do homem com o meio. Para ele, os grupos sociais<br />
tendem a se circunscrever a uma região natural nos estágios<br />
primitivos da evolução. Tomando como referência<br />
os aspectos da natureza, como o geológico, o climático e<br />
as formas de relevo, bem como os aspectos históricos,<br />
Vidal de La Blache procurou extrair as diversas particularidades<br />
emanadas da relação entre o homem e o meio,<br />
que conformaram as distintas paisagens da rança. Dessa<br />
forma, propôs para a rança uma divisão composta de<br />
quinze regiões e que foi aceita pelo governo para substituir<br />
a anterior, baseada no critério de distância em relação<br />
ao centro (Lencioni, 1999).<br />
Desde o início do último quartel do século XIX<br />
até 1970, aproximadamente, três grandes acepções de<br />
região foram estabelecidas entre os geógrafos (Corrêa,<br />
1997). A primeira foi uma acepção de região natural<br />
concebida como uma porção da superfície terrestre<br />
identificada pela combinação de elementos da natureza,<br />
como clima, vegetação e relevo, que se traduzia numa<br />
específica paisagem natural. Essa acepção, por permitir<br />
a combinação dos processos naturais com o impacto<br />
da ação humana sobre a região natural, mostrou-se<br />
importante para explicar algumas diferenças no processo<br />
de desenvolvimento econômico e social. Ela vigorou<br />
no último quartel do século XIX e no primeiro do século<br />
XX. Mostrou-se, no entanto, insuficiente para esclarecer<br />
a evolução econômica e social mais recente.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Outra acepção de região desenvolveu-se a partir<br />
da década de 1920, como reação às idéias positivistas<br />
que sustentavam a leitura determinista da região natural.<br />
Hartsthorne, um dos principais expoentes desta nova<br />
tendência, considerava que para a compreensão do<br />
presente seria necessária a perspectiva histórica, embora<br />
não coubesse à Geografia investigar a gênese e o<br />
desenvolvimento dos fenômenos, mas sim a diferenciação<br />
das áreas na superfície terrestre. Assim, a região<br />
passou a ser vista como área de ocorrência de uma mesma<br />
paisagem cultural, como o resultado de um longo processo<br />
de transformação da paisagem natural em paisagem<br />
cultural.<br />
Uma terceira acepção de região desenvolveu-se<br />
a partir da década de 1950, em virtude principalmente<br />
da chamada revolução teórico-quantitativa. Assim, a<br />
região passou a ser considerada a partir de propósitos<br />
específicos, não tendo, como no caso da região natural e<br />
da região paisagem, uma única base empírica. Tornouse<br />
possível, então, identificar regiões climáticas, regiões<br />
industriais, regiões nodais, ou seja, tantos tipos de regiões<br />
quantos fossem os propósitos do pesquisador. A região<br />
natural e a região-paisagem passaram a constituir apenas<br />
duas das múltiplas possibilidades de se recortar o espaço<br />
terrestre (Corrêa, 1997).<br />
Nas três últimas décadas do século XX, o debate<br />
acerca do regionalismo acentuou-se e novas concepções<br />
foram acrescentadas. Gilbert (1988) estabelece a distinção<br />
entre três abordagens acerca do conceito de região na<br />
“nova geografia regional”. A primeira delas entende a<br />
região como a organização espacial dos processos sociais<br />
associados ao modo de produção capitalista com um<br />
modo específico de produção e que concentra uma base<br />
política. Esta acepção tem sido comum entre geógrafos<br />
que adotam um ponto de vista marxista e que enfatizam<br />
a regionalização da divisão social do trabalho, do processo<br />
de acumulação capitalista, da reprodução da forçade-trabalho<br />
e dos processos políticos e ideológicos.<br />
A segunda acepção entende a região como um<br />
cenário para interação social, desempenhando um papel<br />
fundamental na produção e reprodução de relações<br />
sociais. Essa abordagem emerge do fato de o espaço,<br />
suas dimensões simbólicas e ideológicas e suas bases<br />
materiais serem construtos sociais e culturais. O espaço,<br />
assim como os padrões sociais, vinculam-se estreitamente<br />
com os processos sociais, culturais e naturais, mas não<br />
pode ser entendido como um poder causal capaz de<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
determinar processos sociais. O social e o espacial são<br />
entendidos como constituintes e produtos ao mesmo<br />
tempo.<br />
A terceira acepção enfatiza a cultura como o<br />
primeiro ponto de partida, concentrando-se em problemas<br />
como identificação regional e identidades regionais.<br />
A região passa a ser entendida primariamente como um<br />
conjunto de relações entre um grupo específico e um<br />
lugar particular, como uma apropriação simbólica de uma<br />
porção do espaço por um determinado grupo. A região é<br />
perceptual, é um construto que reflete sentimentos e<br />
atitudes humanas sobre as áreas e é definida como subjetivas<br />
imagens daquelas áreas.<br />
2.3 Novas concepções de região<br />
Os impactos do processo de globalização e da<br />
revolução tecno-científica vêm exigindo mudanças<br />
contextuais e estruturais em torno do conceito de região.<br />
As concepções tradicionais de região, vinculadas<br />
principalmente à continuidade geográfica, entraram numa<br />
fase de obsolescência devido às mudanças tecnológicas,<br />
à evolução das comunicações e à diminuição dos custos<br />
dos transportes. Assim, a região deve ser entendida como<br />
uma estrutura flexível, cujos limites não são necessariamente<br />
fixados em termos geográficos ou jurisdicionais,<br />
mas em função de múltiplos aspectos, tais como:<br />
vinculação de atividades produtivas, articulações sociais,<br />
fatores produtivos predominantes, empreendimentos<br />
comuns e problemáticas concretas. Estas problemáticas,<br />
que podem se referir a demandas sociais, desafios competitivos,<br />
negociações com outras instâncias estatais e a fuga<br />
de fatores regionais de produção, constituem atualmente<br />
o mais importante aspecto considerado pelos autores<br />
vinculados ao novo regionalismo.<br />
A concepção clássica é a de que o mundo está<br />
dividido em regiões, configuradas por um certo número<br />
de países. <strong>Cad</strong>a um desses países, por sua vez, fragmentase<br />
em regiões sub-nacionais. Mas é possível agregar novas<br />
dimensões ao conceito de região, como o espaço delimitado<br />
por acordos ou pactos de integração entre países,<br />
como no caso da região do Mercosul. Ou também o<br />
espaço regional que constitui a área de influência de<br />
uma cidade, ou seja, a área metropolitana. Ou, ainda,<br />
um conjunto de municípios que por alguma razão<br />
decidem se constituir como regiões, como é o caso dos<br />
municípios que integram o Consórcio Regional do<br />
Grande ABC Paulista.<br />
13
De fato, o impacto da globalização e da revolução<br />
científico-tecnológica produz mudanças conjunturais e<br />
estruturais em torno do conceito de região. Assim, tornase<br />
necessário interpretar o conceito de região levando<br />
em consideração outros fatores, tais como a vinculação<br />
a processos produtivos. Nesse sentido, estudo realizado<br />
pela Universidade Nacional de Rosário (1997) define<br />
alguns aspectos importantes na definição de uma região:<br />
• encadeamento de fatores produtivos (vinculação<br />
de atividades produtivas);<br />
• recursos que a rodeiam (fatores produtivos<br />
predominantes);<br />
• empreendimentos comuns (obras, planos, instituições);<br />
• problemáticas concretas (demandas sociais<br />
focalizadas, desafios competitivos, negociações<br />
similares com outras instâncias estatais, fuga de<br />
fatores regionais de produção).<br />
Boisier (1996, p. 20), por sua vez, considera que:<br />
“Atualmente uma região constitui uma estrutura<br />
complexa e interativa, com múltiplos balizamentos, na<br />
qual o conteúdo define o continente (limites, dimensões<br />
e outros atributos geográficos). A região é, pois, entendida<br />
como una e múltipla simultaneamente, visto que<br />
já supera a noção de contigüidade, pois qualquer uma<br />
pode estabelecer alianças táticas com outras regiões<br />
com vistas ao alcance de objetivos específicos e por<br />
prazo determinado, a fim de posicionar-se melhor no<br />
contexto internacional. A partir de um núcleo original<br />
configuram-se muitas espirais associativas que dão<br />
origem a novas instâncias regionais, sem que a unidade<br />
básica perca a sua própria natureza”.<br />
A flexibilidade na definição de região, por sua<br />
vez, favorece sua adjetivação. Assim, lorida (1995, p.<br />
527), denomina regiões inteligentes aquelas capazes de<br />
funcionar como depositárias e geradoras de conhecimentos<br />
e idéias, que dispõem do ambiente e da infraestrutura<br />
necessária para facilitar os fluxos de conhecimentos<br />
e idéias e práticas de aprendizagem. Segundo<br />
Boisier (1996), essas regiões inteligentes, ou “regiões que<br />
aprendem” são aquelas capazes de adaptar seus padrões<br />
de conduta em meio a entornos turbulentos. Elas<br />
demandam pelo menos cinco habilidades: capacidade de<br />
resolução sistemática de conflitos; experimentação de<br />
novos enfoques; aproveitamento de sua própria expe-<br />
14<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
riência para aprender; capacidade de aprender as experiências<br />
e práticas mais apropriadas de outras regiões; e<br />
habilidade para transmitir rápida e eficazmente o conhecimento<br />
no território.<br />
2.4 Tipos de região<br />
A Geografia tradicional procurou classificar as<br />
regiões segundo critérios naturais, dos quais o mais importante<br />
foi o clima, considerado a “alma da região”<br />
(Moreira, 1993). A rigor, o clima foi entendido como a<br />
própria região em que a temperatura e as demais condições<br />
atmosféricas permaneciam as mesmas. O clima,<br />
onipresente na natureza, constituiu a base territorial das<br />
regiões para os geógrafos da escola determinista, fundada<br />
por riedrich Ratzel (1844-1904). Segundo essa escola,<br />
o homem adaptar-se-ia às condições naturais reinantes,<br />
cabendo, portanto, à Geografia, classificar as regiões e<br />
as populações do ponto de vista das condições naturais.<br />
Com a evolução do conhecimento geográfico e<br />
o surgimento de novos enfoques teóricos, como o da<br />
Escola Possibilista de Vidal de La Blache, da Nova<br />
Geografia e da Geografia Crítica, o ser humano passou a<br />
ser visto como agente ativo na região. Assim, passou-se<br />
a classificar as regiões considerando em primeiro lugar<br />
os aspectos sociais, econômicos e administrativos e não<br />
espaciais.<br />
A classificação das regiões torna-se muito<br />
importante para a definição de processos de regionalização<br />
e para o planejamento regional. Assim, nessa<br />
perspectiva, Boisier (1996) concebe a existência de três<br />
tipos de região:<br />
• Regiões pivotais: são os territórios organizados,<br />
complexos e identificáveis na escala da divisão<br />
político-administrativo-histórica. Estas regiões<br />
em alguns países constituem as províncias, os<br />
departamentos ou os estados. Em todos os casos<br />
são as menores unidades administrativas que ao<br />
mesmo tempo são estruturalmente complexas,<br />
possuem cultura e identidade e têm flexibilidade.<br />
• Regiões associativas: são regiões de maior amplitude,<br />
constituídas a partir da união voluntária<br />
de regiões pivotais com unidades territoriais<br />
adjacentes.<br />
• Regiões virtuais: são o resultado de acordos cooperativos<br />
táticos (formais ou não) entre duas ou<br />
mais regiões pivotais ou associativas (não<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
necessariamente contíguas, nem mesmo do<br />
mesmo país) para alcançar certos objetivos a curto<br />
ou médio prazo.<br />
3 REGIONALISMO<br />
A importância atribuída ao conceito de região<br />
vem intensificando o debate acerca da questão do regionalismo.<br />
Mais do que em qualquer outra época, geógrafos,<br />
economistas, sociólogos e outros estudiosos das<br />
questões relacionadas ao desenvolvimento vêm propondo<br />
questões que vão desde a simples definição do conceito<br />
até a formulação de estratégias para mobilização de<br />
populações em prol do regionalismo.<br />
O regionalismo tem sido definido de diversas<br />
maneiras. Para Alagappa (1995), o regionalismo consiste<br />
na cooperação entre organizações governamentais e não<br />
governamentais em três ou mais países geograficamente<br />
próximos e interdependentes com vistas à obtenção de<br />
ganhos mútuos em uma ou mais áreas. Para awcet (1998,<br />
p. 11), o regionalismo é constituído pela formação de<br />
agrupamentos de estados com base nas regiões. Para<br />
Waste (2001), o regionalismo pode ser definido como a<br />
crença segundo a qual os problemas mais amplos do que<br />
os problemas locais requerem soluções mais amplas do<br />
que soluções locais.<br />
O regionalismo também pode ser definido como<br />
o uso político da identidade regional ou como a<br />
identificação consciente, cultural, política e sentimental<br />
que grandes grupos de pessoas desenvolvem com o<br />
espaço regional. Toda região tem uma identidade política<br />
que gira ao redor de interesses, de obrigações, e de<br />
necessidades. O regionalismo está, pois, no uso dessa<br />
identidade para disputar espaços de poder. Assim, o<br />
regionalismo tem sido utilizado tanto pelos setores<br />
dominantes como pelos setores historicamente dominados<br />
para defender ou para reivindicar.<br />
Na definição de regionalismo leva-se em consideração<br />
tanto fatores sócio-culturais internos quanto<br />
fatores políticos externos à região. Cantori e Spiegel<br />
(1970) enfatizam os critérios de proximidade geográfica,<br />
a interação, vínculos étnicos, lingüísticos, culturais,<br />
sociais e históricos e também um senso de identidade,<br />
que é algumas vezes acentuado pelas ações e atitudes<br />
de estados exteriores à região. Já Russett (1968) define<br />
cinco critérios em que se fundamenta o regionalismo:<br />
homogeneidade social e cultural, atitudes políticas ou<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
comportamento externo, instituições políticas, interdependência<br />
econômica e proximidade geográfica.<br />
Embora definido de várias maneiras, o regionalismo<br />
é usualmente tomado em três dimensões. A<br />
primeira refere-se à extensão com que as nações situadas<br />
em determinada área compartilham conceitos comuns<br />
ou apresentam significativa experiência de cooperação<br />
entre si. A segunda enfatiza os vínculos sócio-culturais,<br />
políticos e econômicos que numa determinada área geográfica<br />
distinguem uma região do restante da comunidade<br />
global. A terceira, por sua vez, considera até que<br />
ponto agrupamentos de países geograficamente próximos<br />
têm desenvolvido organizações para administrar cruciais<br />
aspectos de suas questões coletivas. (Tsardanidis, 2002).<br />
A associação de estados nacionais em redes de<br />
cooperação e integração econômicas regionais vem se<br />
tornando cada vez mais freqüente, já que apresenta uma<br />
série de vantagens a seus associados, tais como:<br />
• possibilidade de determinados países desenvolverem<br />
atividades que seriam muito difíceis<br />
separadamente, devido à escassa dimensão de<br />
seus mercados nacionais, insuficiência tecnológica,<br />
incapacidade financeira etc.;<br />
• aumento do poder de negociação frente a outros<br />
países ou agrupamentos regionais, bem como a<br />
melhor definição de bases para a formulação<br />
de políticas econômicas mais coerentes;<br />
• conscientização da necessidade de introduzir a<br />
médio e longo prazo reformas estruturais que<br />
no contexto nacional poderiam ser retardadas.<br />
A despeito dos benefícios comuns que animam<br />
os estados a se organizarem em blocos cooperativos,<br />
as vantagens não costumam se distribuir de forma<br />
eqüitativa entre seus membros. Daí porque podem ser<br />
identificadas diferentes visões acerca do regionalismo.<br />
Por exemplo, quando se estuda a América Latina,<br />
verifica-se a ocorrência de duas diferentes visões regionalistas:<br />
a do Regionalismo Interamericano/Panamericano,<br />
fundamentado na integração hemisférica, e o da<br />
América Latina e Caribe, cujos propósitos básicos são<br />
os de integração regional.<br />
O Regionalismo na América Latina e Caribe<br />
tem sido visto principalmente como a cooperação entre<br />
os países da própria região. Desde a iniciativa de Simon<br />
Bolívar em convocar o Congresso Anfictiônico do<br />
15
Panamá, em 1826, a maioria das iniciativas dos países<br />
latino-americanos deixaram implícita uma missão<br />
defensiva. Primeiramente contra as pretensões de<br />
recuperação européia, notadamente da Espanha, assim<br />
como com a busca de mecanismos de arbitragem e de<br />
solução pacífica de controvérsias. Essa característica<br />
continuou presente nas primeiras reuniões da CEPAL,<br />
na década de 1950 e nos outros organismos de integração<br />
regional criados posteriormente, como a Associação<br />
Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), o<br />
Mercado Comum Centro-americano (MCCA) e o<br />
MERCOSUL (Lombano, 1998).<br />
A visão do Regionalismo Interamericano ou<br />
Hemisférico, por sua vez, fundamenta-se na ação<br />
hegemônica regional dos Estados Unidos, evidente<br />
desde o surgimento da Doutrina Monroe, em 1823. Essa<br />
tendência também se manifestou claramente na criação<br />
da Organização dos Estados Americanos (OEA), no<br />
contexto caracterizado pelo fim da Segunda Guerra<br />
Mundial, com o fim do eurocentrismo e o início da<br />
bipolaridade. Um importante marco dessa bipolaridade<br />
deu-se com a Aliança para o Progresso e a Reunião de<br />
Presidentes em Punta Del Este, em 1961. A ação<br />
hegemônica dos Estados Unidos também se mostra<br />
bastante presente na implantação da Área de Livre<br />
Comércio das Américas (ALCA).<br />
4 O NOVO REGIONALISMO<br />
É evidente que o estado-nação vem sendo<br />
desafiado pelos interesses regionais. Este clamor regional,<br />
por sua vez, pode ser visto como componente de um<br />
dos maiores desafios com que se deparam os estados<br />
como resposta a eles. Enquanto em boa parte do período<br />
que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial, os governos<br />
intervieram na economia com a finalidade de promover<br />
o desenvolvimento regional, a tendência mais moderna<br />
tem sido deixar as regiões mais diretamente expostas às<br />
formas internacionais de competição. As regiões vêm<br />
se tornando, portanto, atores de seu próprio desenvolvimento.<br />
Assim, desenvolve-se um novo regionalismo,<br />
marcado por duas características inter-relacionadas:<br />
1. não é contida dentro do arcabouço do estadonação;<br />
2. coloca uma região contra outra de um modo<br />
competitivo, mais do que providenciando papéis<br />
complementares para elas numa divisão nacional<br />
do trabalho (Keating, 1998, p. 73).<br />
16<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
O novo regionalismo surgiu porque o estadonação<br />
representa nos dias atuais um espaço econômico<br />
muito reduzido para as exigências do sistema capitalista.<br />
A necessidade de diminuir os custos de produção, a<br />
competitividade, a eficiência e o aumento da produtividade<br />
só podem ser alcançadas em espaços econômicos<br />
mais amplos. O que requer a união de diversos mercados<br />
nacionais em zonas geográficas claramente identificáveis<br />
e a abolição de fronteiras e limitações entre elas<br />
em terrenos como o fluxo de bens e serviços, capitais e<br />
mesmo de pessoas. Os fatores de produção adquirem<br />
uma extraordinária mobilidade em escala planetária<br />
porque o mundo se transformou numa gigantesca<br />
fábrica que requer dos estados nacionais o mínimo de<br />
intervenção possível nesta dinâmica econômica.<br />
Esse novo regionalismo, que começa a se manifestar<br />
na década de 1990, enfatiza a viabilidade das<br />
regiões na ordem multipolar global. Enquanto o velho<br />
regionalismo se constituía de cima para baixo, por conta<br />
principalmente da ação dos estados, o novo regionalismo<br />
tende a ser visto como um processo mais espontâneo<br />
que vem de baixo, visto que outros atores além dos<br />
estados tendem progressivamente a se tornar os principais<br />
proponentes da integração regional. Portanto, a direção<br />
na qual o regionalismo se desenvolve terá provavelmente<br />
um maior impacto no futuro da política internacional e<br />
do sistema econômico.<br />
O novo regionalismo, segundo Hettne (2002),<br />
difere do velho regionalismo em muitos aspectos:<br />
• o velho regionalismo se desenvolveu no âmbito<br />
bipolar da guerra fria e o novo apareceu numa<br />
ordem mundial multipolar marcada pela globalização;<br />
• o velho regionalismo foi criado de cima para<br />
baixo; o novo constitui um processo mais voluntário<br />
que nasce das regiões em formação, onde<br />
os estados participantes e outros atores se sentem<br />
impulsionados para cooperar com uma “urgência<br />
de unir-se” com o objetivo de fazer frente aos<br />
novos desafios mundiais;<br />
• o velho regionalismo foi protecionista em termos<br />
econômicos e orientou-se para o interior; o novo<br />
é considerado “aberto” e, portanto, compatível<br />
com uma política mundial independente;<br />
• o velho regionalismo tinha objetivos específicos,<br />
posto que algumas organizações estavam moti-<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
vadas principalmente pela segurança e outras por<br />
razões de ordem econômica; o novo é resultado<br />
de um processo social e multidimensional<br />
exaustivo;<br />
• o velho regionalismo ocupava-se das relações<br />
entre estados-nação; o novo faz parte de uma<br />
transformação estrutural ou globalização na qual<br />
também opera em distintos níveis uma variedade<br />
de atores não estatais.<br />
Se no passado os organismos regionais foram<br />
constituídos por um pequeno número de países, verificase<br />
hoje o inverso. Considere-se, por exemplo, o número<br />
crescente de países da Comunidade Econômica Européia<br />
e a proposta da Área de Livre Comércio das Américas.<br />
Além disso, potências econômicas, como os Estados<br />
Unidos e o Japão, que relutavam em participar de<br />
organismos regionais, desempenham hoje papel<br />
importante no regionalismo.<br />
Hoje, o regionalismo abrange tanto países<br />
desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O NATA,<br />
por exemplo, inclui tanto os Estados Unidos e o Canadá,<br />
países desenvolvidos, quanto o México, um país em<br />
desenvolvimento. Dessa forma, o novo regionalismo<br />
reflete uma mudança no relacionamento Norte-Sul, que<br />
no passado fora caracterizado pela confrontação. Os<br />
países em desenvolvimento, por sua vez, tendem a<br />
responder à globalização mediante a adoção de<br />
estratégias para assegurar investimentos das nações<br />
desenvolvidas bem como acesso a seus mercados. Por<br />
outro lado, a linha divisória entre o regionalismo<br />
econômico e o político torna-se mais difícil, visto que o<br />
novo regionalismo é alimentado tanto pelo fim da guerra<br />
fria quanto pela regionalização dos conceitos de<br />
segurança e pelo desenvolvimento da economia mundial<br />
(Tsardanidis, 2002).<br />
Apesar das evidentes características do novo<br />
regionalismo, não existe ainda um modelo adequado para<br />
explicá-lo. Nesse sentido, awcet e Hurrel (1998)<br />
identificam três grandes tendências: as teorias sistêmicas<br />
(neo-realistas e neoliberais), que vêem o regionalismo<br />
como resposta a pressões e forças exteriores; as teorias<br />
que enfatizam as interdependências regionais; e as teorias<br />
de nível doméstico, que enfatizam o impacto de mudanças<br />
como a democratização na tendência à regionalização e<br />
cooperação regional. De qualquer forma, para esses<br />
autores, o entendimento do conceito requer sua decom-<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
posição em cinco categorias, analiticamente diversas, mas<br />
cujas inter-relações são fundamentais para a teoria e a<br />
prática do regionalismo contemporâneo: a regionalização,<br />
as noções de consciência e identidade regionais, a cooperação<br />
regional entre os Estados, a integração econômica<br />
regional promovida pelo Estado e a coesão regional.<br />
Uma importante conseqüência do novo regionalismo<br />
é o papel atribuído às cidades, pois estas passam<br />
a constituir as principais jurisdições políticas regionais.<br />
São as cidades que concentram a infra-estrutura e a<br />
prestação de serviços que produzem as condições<br />
necessárias para exercer um controle global (Sassen,<br />
1998). Elas passam a desempenhar um novo papel como<br />
atores num cenário internacional que até então era monopolizado<br />
pelos estados nacionais. Assim, essa “internacionalização<br />
das cidades” tem como principal conseqüência<br />
a participação ativa dos governos urbanos e dos principais<br />
agentes de desenvolvimento local na vida internacional;<br />
situação que basicamente se apresenta através de quatro<br />
mecanismos: a participação nas associações de cidades,<br />
a inserção em redes, o desenvolvimento do “city marketing”<br />
e a presença em eventos internacionais (Borja, 1997).<br />
A cidade torna-se, portanto, o lugar estratégico<br />
para o desenvolvimento. Isto porque o rápido crescimento<br />
da globalização promoveu o aumento em escala e em<br />
complexidade das transações econômicas. As empresas<br />
que operam globalmente necessitam adquirir insumos<br />
cada vez mais especializados, demandam concentração<br />
de infra-estrutura e comunicações de ponta e mercados<br />
de recursos humanos altamente capacitados. Necessitam,<br />
também, acesso imediato a empresas especializadas em<br />
serviços contábeis, jurídicos e de gerenciamento.<br />
Requerem, portanto, o acesso a uma rede concentrada<br />
de empresas de serviços localizadas nas cidades.<br />
Em geral são as cidades-região os locais mais<br />
adequados para a produção dos insumos e serviços<br />
especializados requeridos pelas empresas globais.<br />
Entende-se por cidades-região aquelas áreas metropolitanas<br />
com aproximadamente mais de um milhão de<br />
habitantes, cuja delimitação administrativa e institucional<br />
nem sempre coincide com sua identidade política e<br />
econômica e que estão inseridas nos processos globais<br />
de transformação sócio-econômica.<br />
“A cidade-região constitui, pois, a plataforma<br />
privilegiada para disputar os mercados globais, aproveitando-se<br />
de uma série de vantagens da aglomeração. ace<br />
17
às limitações do estado-nação, a cidade-região seria o<br />
âmbito mais adequado para elaborar iniciativas políticoinstitucionais<br />
novas e flexíveis, tais como as exigidas no<br />
novo cenário de globalização. Além disso, a cidade-região<br />
estaria na maioria das vezes lidando com um fluxo migratório<br />
grande, absorvendo migrantes com características<br />
sócio-econômicas e culturais muito heterogêneas, inclusive<br />
grandes segmentos sociais relativamente marginalizados.<br />
A cidade-região enfrentaria, portanto, o desafio de elaborar<br />
novas formas de participação e democracia local, buscando<br />
uma redefinição da identidade local e da cidadania” (Klink,<br />
2001, p. 14).<br />
5 REGIONALIDADE<br />
Os dicionários de Língua Portuguesa, bem como<br />
os da maioria das outras línguas, ainda não registram o<br />
termo regionalidade. Seu uso, no entanto, vem se tornando<br />
cada vez mais comum nos estudos regionais desenvolvidos<br />
nos mais diversos países. Aparece como regionalidad,<br />
em espanhol, regionalità, em italiano, regionalité, em francês,<br />
regionality, em inglês e regionalität, em alemão.<br />
De uma forma bem simples, regionalidade pode<br />
ser definida como a “qualidade de ser de uma região”.<br />
Ou seja, como o conjunto das propriedades e circunstâncias<br />
econômicas e históricas que distinguem esse espaço<br />
e que permite sua comparação com as de outras regiões.<br />
Assim, a regionalidade constitui uma espécie de consciência<br />
coletiva que une os habitantes de uma determinada<br />
região em torno de sua cultura, sentimentos e problemas,<br />
tornando possível um esforço solidário pelo seu desenvolvimento.<br />
A regionalidade transmite um conjunto de características<br />
comuns que possibilitam identificar um grupo<br />
de indivíduos como a base para conformar uma região.<br />
A regionalidade implica, portanto, a configuração de uma<br />
verdadeira mentalidade da região aludida. Dessa forma,<br />
a administração pública e o setor privado, administradores<br />
e trabalhadores, dirigentes políticos e toda a sociedade<br />
civil tendem a assumir uma “consciência regional”, que<br />
não se contradiz com o pertencer à comunidade nacional.<br />
Pode-se dizer mesmo que a regionalidade constitui uma<br />
nova forma de contrato social no interior do país.<br />
A regionalidade relaciona-se com a descentralização<br />
da autoridade do estado, e é um conceito extensivo<br />
que se refere a diferentes formas de regionalização,<br />
incluindo tanto o regionalismo que ocorre no interior do<br />
estado-nação quanto como fenômeno inter-fronteiras.<br />
18<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
O conceito de regionalidade pode confundir-se<br />
com o de regionalismo, visto que ambos dependem dos<br />
movimentos regionais. A regionalidade, no entanto,<br />
vincula-se com a reorganização do estado local com<br />
novas formas de parceria que emergem para guiar e<br />
promover o desenvolvimento de recursos locais. Assim,<br />
só se pode falar em regionalidade quando se verificar a<br />
efetiva cooperação entre as instâncias de governo<br />
regional e os vários segmentos da sociedade civil com<br />
o propósito de promover o desenvolvimento regional.<br />
Na verdade, a regionalidade constitui um<br />
processo que, de acordo com Hettne (2002), evolui, de<br />
modo geral, em cinco etapas, de acordo com as<br />
características observadas na região:<br />
1. Região como unidade geográfica, delimitada em<br />
maior ou menor grau pelas barreiras físicas e<br />
marcada por características ecológicas.<br />
2. Região como sistema social, com relações de várias<br />
naturezas entre grupos em diferentes localidades.<br />
3. Região como organização formal para cooperação<br />
em alguns campos culturais, econômicos,<br />
políticos e militares.<br />
4. Região como sociedade civil, que toma forma<br />
quando o arcabouço organizacional promove a<br />
comunicação social e a convergência de valores<br />
por toda a região.<br />
5. Região como formação histórica com identidade<br />
própria que pode ser expressa na formação de<br />
uma micro-região com auto-determinação e<br />
autoridade obtida do estado que a inclui.<br />
O conceito de regionalidade pouco a pouco vem<br />
ganhando importância acadêmica. Tanto é que o<br />
Programa Centroamericano de Ciências Sociais da<br />
aculdade Latino-americana de Ciências Sociais<br />
estrutura-se segundo três princípios fundamentais: a<br />
regionalidade, a transdisciplinaridade e a excelência<br />
acadêmica. A regionalidade, por sua vez, fundamentase<br />
na cooperação e se desenvolve em quatro níveis:<br />
institucional, docente, estudantil e curricular. No Brasil,<br />
a identidade da Universidade do Oeste de Santa Catarina<br />
(2001) é definida pelo par dialético regionalidade e<br />
universalidade. O Centro Universitário Municipal de São<br />
Caetano do Sul, na Região do Grande ABC Paulista, onde<br />
se verificam algumas das mais importantes experiências<br />
em regionalismo no Brasil, definiu como área de concentração<br />
para seu Programa de Mestrado em Administração<br />
Inovação e Regionalidade.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
6 CONCLUSÕES<br />
A globalização, como fenômeno multidimensional<br />
e complexo, vem sendo responsável por mudanças<br />
significativas nas concepções acerca do estado-nação.<br />
Este, nos tempos atuais, constitui um espaço muito<br />
reduzido para as exigências do sistema capitalista. A<br />
competitividade, a diminuição dos custos de produção,<br />
o aumento da produtividade e a elevação dos níveis de<br />
eficiência só podem ser alcançados em espaços econômicos<br />
mais amplos. O que requer a união de diversos<br />
mercados nacionais em zonas geográficas claramente<br />
identificáveis e a abolição de fronteiras e limitações<br />
entre elas em terrenos como o fluxo de bens e serviços.<br />
Como resposta a esses desafios, surge como<br />
processo e como teoria o novo regionalismo. A fundamentação<br />
desse novo regionalismo, por sua vez, requer<br />
a redefinição de diversos conceitos, inclusive o de região,<br />
que nesse novo contexto deve ser entendido como realidade<br />
que transcende os domínios eminentemente geográficos.<br />
A região passa a ser vista como uma construção<br />
social, requerendo, portanto, a incorporação de novos<br />
conceitos de ordem sociológica, econômica e política.<br />
O próprio conceito de regionalismo passa a requerer<br />
redefinição, pois os novos movimentos apresentam-se<br />
como integrantes de um “novo regionalismo”, que se<br />
distingue do tradicional em múltiplos aspectos.<br />
O novo regionalismo não trata apenas de conglomerados<br />
de nações, mas também de grupamentos<br />
intra-nacionais, dos quais os mais importantes são<br />
constituídos pelas cidades-região, local privilegiado para<br />
disputar os mercados globais.<br />
Essas cidades-região são submetidas a inúmeros<br />
desafios, sobretudo no referente à sua gestão, visto que<br />
seu território não é necessariamente definido em termos<br />
jurídico-administrativos. Daí, então, a necessidade da<br />
integração desses espaços pela regionalidade, pois<br />
apenas desta forma a cidade-região pode ser entendida<br />
como agente com identidade distinta, poder de ação,<br />
legitimidade e estrutura para tomada de decisão. Assim,<br />
os principais desafios para garantir a gestão das cidadesregião<br />
são:<br />
• Políticas e programas de inclusão social. Um dos mais<br />
danosos efeitos da globalização tem sido a<br />
elevação dos níveis de exclusão. Assim, ao<br />
mesmo tempo que as cidades se situam na<br />
economia global, devem também integrar e<br />
estruturar sua sociedade local.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
• Democratização. Sem uma participação sólida dos<br />
cidadãos, os governos regionais não dispõem<br />
da força necessária para navegar nos circuitos<br />
globais. Requer-se, portanto, a criação de<br />
mecanismos políticos de democratização,<br />
baseados na participação dos cidadãos na gestão<br />
regional.<br />
• Descentralização e modernização administrativa. As<br />
cidades-região têm que se converter em redes<br />
dinâmicas e ativas, com máquinas administrativas<br />
permanentes e ágeis, com mentalidade<br />
empresarial, capazes de tomar iniciativas em<br />
nome dos governos que representam.<br />
• Parcerias privado-privado. O fortalecimento da<br />
cidade-região poderá ser incentivado por meio<br />
da criação de redes de cooperação entre empresas,<br />
fornecedores e matrizes, em atividades como<br />
as de pesquisa e de marketing, por exemplo.<br />
• ortalecimento da nacionalidade. Para evitar que o<br />
sentimento regionalista conduza a algum tipo de<br />
separatismo, tornam-se necessários esforços no<br />
sentido de garantir que a regionalidade se constitua<br />
um instrumento de integração e fortalecimento<br />
da unidade nacional e de projeção da<br />
política exterior da nação.<br />
• Participação dos movimentos sociais. Os movimentos<br />
sociais oferecem importante espaço para democratizar<br />
a globalização, que, de certa forma, vem<br />
significando exclusão. No Brasil, a participação<br />
da sociedade civil nos movimentos regionais<br />
não apenas tem sido escassa, mas também tem<br />
sido encarada com muita desconfiança pelas<br />
elites. Daí, então, a necessidade de amplos esforços<br />
com vistas a promover a participação desses<br />
movimentos em prol do desenvolvimento da<br />
região.<br />
• Comunicação entre os atores. A comunicação entre<br />
os atores envolvidos na gestão das cidades-região<br />
constitui elemento importante para favorecer<br />
tanto o entendimento das posições dos outros<br />
quanto a solução de conflitos, que são inevitáveis.<br />
• Esforços para garantir que a regionalidade constitua<br />
um instrumento de integração e fortalecimento<br />
da unidade nacional e de projeção da<br />
política exterior da nação.<br />
19
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* Professores do PMA do IMES.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar e<br />
analisar as melhorias proporcionadas pelos programas<br />
de qualidade nos hospitais que aderiram ao Controle da<br />
Qualidade do atendimento médico-hospitalar do Estado<br />
de São Paulo – CQH, criado em 1991 pela Associação<br />
Paulista de Medicina – APM e o Conselho Regional de<br />
Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP. A partir<br />
da revisão da literatura foram enfocados os modelos de<br />
sistemas de gestão da qualidade, bem como as dificuldades<br />
e os benefícios alcançados na implementação destes<br />
processos de gestão, que, por sua vez, fundamentaram<br />
as principais categorias para a análise dos múltiplos casos.<br />
Optamos por questionário do tipo semi-estruturado e<br />
não disfarçado, contemplando um conjunto de questões<br />
fechadas e outras abertas, permitindo, desse modo, extrair<br />
um conjunto mais adequado de informações dos gestores<br />
quanto à condução e eficácia da implementação dos<br />
programas de acreditação. A população da pesquisa<br />
restringe-se ao número restrito de hospitais no Estado<br />
de São Paulo que mantém o selo de conformidade CQH.<br />
Dos 12 (doze) hospitais no Estado de São Paulo, apenas<br />
06 (seis) responderam a solicitação de entrevista, a saber:<br />
Hospital e Maternidade Brasil, Hospital e Maternidade<br />
Alvorada - Unidades de Santo Amaro e Moema, Hospital<br />
do Sepaco, Hospital e Maternidade São Luiz e Sociedade<br />
Brasileira e Japonesa Beneficente Santa Cruz. O questionário<br />
aplicado atendeu a três objetivos: levantamento<br />
do perfil da organização, o mapeamento das categorias<br />
para o sistema de gestão da qualidade e, por último, as<br />
categorias para as dificuldades e os benefícios encontrados<br />
durante a implementação do Programa CQH. Os<br />
resultados desta pesquisa apontam na direção de uma<br />
melhoria efetiva do cuidado e do gerenciamento dos<br />
serviços ao trazer eficiência aos processos assistenciais,<br />
melhorar o desempenho e a supervisão do quadro<br />
de pessoal, constituir e preparar equipes para uma nova<br />
lógica da organização e outras práticas, em especial, a<br />
implantação e aperfeiçoamento de um estilo gerencial<br />
participativo, organização das informações e disponibi-<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
PROGRAMAS DE QUALIDADE NO SETOR DE SERVIÇOS<br />
HOSPITALARES: UM ESTUDO DOS HOSPITAIS SELADOS PELO C.Q.H.<br />
Prof. Ms. ABRÃO BLUMEN*\Prof. Dr. EDUARDO DE CAMARGO OLIVA**<br />
lização para quem delas necessita e desenvolvimento/<br />
monitoração de um conjunto de indicadores de desempenho<br />
adequados, de modo a prover melhores condições<br />
de atendimento e criar “centros de excelência” em termos<br />
de sua aceitação e sustentabilidade dos objetivos da<br />
qualidade.<br />
ABSTRACT: The purpose of this study is to present<br />
and analyse the benefits provided by the Quality<br />
Improvements Programmes in the hospitals participating<br />
in the Quality in Health Care of São Paulo – “CQH”,<br />
created in 1991 by the Medical Association of São Paulo<br />
– “APM”, and the Regional Medical Council of Medicine<br />
of São Paulo – “CREMESP”.<br />
Accordingly to the revisal of the litterature, the models<br />
of the Quality Management Systems were focused as<br />
well as the barriers and the improvements perceived in<br />
the implementation of these management procedures,<br />
which were the basis of the most important categories<br />
to analyse all cases.<br />
In order to analyse the cases, six hospitals of the<br />
metropolitan area of São Paulo were choosen to the<br />
research through semistructured interviews with its<br />
respective chief executives, which enabled the<br />
identification and the analysis of the contributions and<br />
dificulties during the implementation of the “CQH”<br />
Programme.<br />
The questionnaire applied covered three points: the<br />
profile of the organization, the list of the categories of<br />
the Quality Management System and the categories of<br />
benefits and barriers founded during the implementation<br />
of the “CQH” Programme.<br />
The results of this research indicate an effective<br />
improvement in the health care and in the services<br />
management as the health care procedures became<br />
efficient. The performance and the supervision of the<br />
staff also improved. Viewing better conditions in the<br />
health care, groups were created and dully prepared to<br />
21
enter into new culture and practices inside the<br />
organisation. Those groups have also the task to generate<br />
excellence centres to assure the objectives of the Quality<br />
in Health Care Programme and its acceptation.<br />
PALAVRAS-CHAVE: sistema de qualidade, área<br />
hospitalar, resultados.<br />
KEYWORDS: quality system, health area, results.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Albrecht (1999) esclarece como os princípios<br />
da qualidade, os sistemas de gestão e as estratégias<br />
organizacionais são estabelecidos a partir das necessidades<br />
dos consumidores e servem como vetores de<br />
alinhamento na prestação dos serviços.<br />
Nesse diapasão, procurou-se responder ao<br />
seguinte problema de pesquisa: como a implantação de um<br />
programa de acreditação em qualidade contribui para a melhoria<br />
do processo de gestão hospitalar?<br />
Os hospitais são organizações complexas pela<br />
diversidade de atividades e atribuições que realizam,<br />
constituem-se de indivíduos de diferentes origens e<br />
formações profissionais e diferenciam-se pelo tipo de<br />
produto ou serviço oferecido, apresentando serviços<br />
de hotelaria, farmácia, lavanderia, restaurante, setores<br />
de apoio técnico, prevenção, diagnóstico e tratamento,<br />
e atividades de pesquisa e ensino, em especial, nos<br />
casos dos hospitais universitários.<br />
O CQH caracteriza-se como um modelo para<br />
diagnóstico e análise das interfaces de um hospital,<br />
considerando harmonicamente os diversos elementos<br />
interdependentes, tendo por base o enfoque sistêmico<br />
como pressuposto para compreensão da dinâmica<br />
organizacional, envolvendo os sinais do ambiente<br />
externo, os conflitos e as tensões que ocorrem no interior<br />
das organizações, quando se rompem os paradigmas<br />
culturais ao se conduzir um processo de mudança.<br />
Diversos autores – entre eles, Mezomo (2001),<br />
Bittar (1997), Quinto Neto (2000), Yamamoto (2001)<br />
e Malik e Teles (2001) – entendem que os hospitais<br />
deveriam se transformar em organizações mais competitivas,<br />
inovadoras e criativas; de modo a melhorar seus<br />
desempenhos, gerenciar seus resultados, cumprir seus<br />
papéis na sociedade e adotar estratégias modernas de<br />
gestão como: planejamento a longo prazo, decisões<br />
corporativas e participativas, tendo profundo conheci-<br />
22<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
mento dos seus clientes, consolidando a utilização de<br />
teamworks para diagnóstico e solução de problemas e<br />
criando significado para o trabalho das pessoas.<br />
A tendência é que estas organizações, diante dos<br />
questionamentos apresentados pela mídia, busquem<br />
orientar as políticas e as estratégias para o cliente, aumentando<br />
a sua fidelização. Satisfazer as expectativas dos<br />
pacientes e, preferencialmente, agregar maior valor no<br />
que recebem, constitui-se num dos atributos da<br />
diferenciação competitiva (Chéquer Neto, 2000).<br />
Prada, Miguel e rança (1999) entendem que a<br />
implantação e a certificação de sistemas de qualidade não<br />
garantem que as empresas atendam a todos os requisitos<br />
de qualidade do produto ou serviço; porém, a busca de<br />
satisfação de suas exigências estimula a consolidação e a<br />
construção de uma base de gerenciamento e garantia da<br />
qualidade, ordenando e sistematizando o processo de<br />
qualidade da organização.<br />
2 CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS<br />
HOSPITALARES<br />
Para Cunha (1994) e oucault (1989), os hospitais,<br />
no início, tinham um caráter protetor e repressivo,<br />
sendo uma mescla de segregação e detenção, de aprisionamento<br />
e asilo. Observam-se, contemporaneamente,<br />
modernos centros empresariais de saúde, onde<br />
se desenvolve uma medicina custosa, com equipes<br />
especializadas nos cuidados médicos, aflorando os<br />
problemas de eficiência administrativa, racionalidade,<br />
produtividade e responsabilidade de todo o corpo de<br />
funcionários.<br />
Ainda assim, os hospitais se caracterizam pela<br />
estrutura linear, centralizada nas figuras do Provedor,<br />
Diretor Geral e Superintendente, onde todas as comunicações<br />
e decisões são formais, e muitas vezes com excesso<br />
de volume de papéis e assinaturas nos documentos;<br />
trabalho hierarquizado, regras rígidas e impessoais, com<br />
baixo envolvimento dos diferentes setores e pessoas da<br />
organização. O alto nível de investimento tecnológico, a<br />
capacidade de atender várias especialidades médicas, com<br />
equipes de ampla aptidão técnico-profissional e, de outro<br />
lado, os clientes exigindo padrão de qualidade, baixo custo<br />
e rapidez do atendimento estimularam um conjunto de<br />
pessoas, orientando-as para a adoção de estratégias<br />
empresariais com o intuito de otimizar o funcionamento<br />
dos hospitais.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
É nesse momento que as organizações são<br />
impulsionadas a implementar, cada vez mais, programas<br />
de controle da qualidade – PCQ, como um mecanismo<br />
competitivo e estratégico. Entre os pressupostos de<br />
adesão ao Programa Controle de Qualidade Hospitalar – CQH<br />
está o de oferecer ao administrador hospitalar um modelo<br />
de gestão (e auto-avaliação) sistêmico, integrado e<br />
coerente, dando-lhe um horizonte para a sua ação gerencial<br />
e contribuindo para o programa de melhoria contínua. As<br />
principais características deste programa são: adesão<br />
voluntária, estímulo à participação de todas as partes interessadas,<br />
auto-avaliação, incentivo à mudança de atitudes e comportamentos,<br />
em especial, através do trabalho coletivo com grupos<br />
multidisciplinares e no aprimoramento dos processos de<br />
atendimento (Manual do CQH, 2001).<br />
As empresas que participaram da pesquisa<br />
cumprem um ritual extenso, iniciando pela adesão ao<br />
programa, seguido de diversos procedimentos e atividades,<br />
como preparação do ambiente, educação para a mudança,<br />
difusão de conceitos e valores da qualidade, criação de<br />
Comitês, relatório de indicadores, auto-avaliação e<br />
preparação para a visita que demandam planejamento,<br />
persistência de propósitos e compromisso da Alta Direção.<br />
oram consideradas e avaliadas, com prioridade<br />
neste estudo, as seguintes práticas de gestão: participação<br />
de diferentes níveis hierárquicos no processo de gestão, existência<br />
de planejamento de médio e longo prazo, periodicidade de reuniões<br />
de análise crítica, pesquisas de satisfação dos clientes internos e<br />
externos, serviços de apoio à comunidade, formulação e<br />
acompanhamento de diferentes indicadores de desempenho<br />
institucional, programas de pesquisa & ensino, gestão de<br />
competências, treinamento e monitoração do desempenho funcional.<br />
3 MODELOS DE SISTEMA DA QUALIDADE<br />
O enfoque sistêmico, neste estudo, é adotado como<br />
premissa filosófica para a abordagem da avaliação e<br />
implementação dos sistemas de gestão (SG) da qualidade<br />
hospitalar, inspirando-se nos modelos de acreditação, a<br />
exemplo do CQH que, por sua vez, aproveita os<br />
critérios de excelência propostos pelo Prêmio Nacional<br />
da Qualidade.<br />
O modelo sistêmico foi incorporado às idéias do<br />
pediatra armênio, radicado nos EUA, Avedis<br />
Donabedian. A noção de indicadores “explícitos” de<br />
estrutura – recursos materiais, humanos, estrutura da<br />
organização; de processo – diagnóstico, terapia,<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
tratamento clínico e de resultado – produtos, conseqüências<br />
e impactos, do atendimento hospitalar de<br />
Donabedian, referenda uma matriz de atributos e<br />
parâmetros que poderão ser validados quando se mostrarem<br />
hábeis em predizer resultados e proporcionar<br />
confiabilidade na avaliação.<br />
Desse modo, os critérios utilizados na avaliação<br />
da gestão de uma empresa necessitarão ser sempre<br />
comparados aos parâmetros de um modelo amplamente aceito<br />
e consensualmente eficaz para prover informações confiáveis e<br />
que sirvam para planejar e monitorar as atividades desenvolvidas,<br />
configurando-se em um instrumento válido para a<br />
melhoria gerencial.<br />
O modelo selecionado foi o de Silveira (1999),<br />
que desenvolveu uma maneira de analisar o sistema da<br />
qualidade praticado frente aos ambientes competitivos<br />
externo e interno. O primeiro passo do modelo de Silveira<br />
é definir o seu objetivo global – a sua visão, o seu estado de<br />
“arte”. Esse objetivo global se desdobra em objetivos dos<br />
subsistemas de níveis inferiores utilizando a Trilogia de<br />
Juran: planejamento, controle e melhoria da qualidade.<br />
Os componentes do sistema são aquelas atividades<br />
desenvolvidas para alcançar esses objetivos, cobrindo<br />
todas as alternativas existentes, já que se trata de um<br />
modelo geral. Estas atividades que têm como referência<br />
as atividades relacionadas com a função qualidade<br />
aplicadas pelos Critérios de Excelência do PNQ e foram<br />
agrupadas em um conjunto de 9 (nove) macro-funções.<br />
As macro-funções administração do sistema da<br />
qualidade, planejamento e controle dos processos de rotina,<br />
planejamento e controle de projeto & desenvolvimento, gestão de<br />
aquisição, gestão do ambiente e do relacionamento com os clientes,<br />
desenvolvimento e gestão dos recursos humanos, garantia da<br />
confiabilidade das medidas e dos dados, gestão da informação e<br />
melhoria contínua do sistema da qualidade estão sendo<br />
consideradas tendo por objetivo avaliar os subsídios mais<br />
relevantes para uma melhor compreensão do estágio que<br />
uma empresa alcançou na assimilação e implantação do<br />
modelo de gestão da qualidade e se compõem de:<br />
1. Administração do sistema da qualidade:<br />
requer o apoio estratégico da empresa, porque<br />
se exige liderança no planejamento, na<br />
coordenação do sistema da qualidade e na<br />
implementação da estratégia da empresa.<br />
2. Planejamento e controle dos processos de<br />
rotina: compreende o planejamento e controle<br />
23
24<br />
dos processos já estabelecidos, o planejamento<br />
e a organização das atividades produtivas e de<br />
apoio, bem como o controle das atividades de<br />
apoio, produção e de pós-produção e garantia<br />
da qualidade do produto.<br />
3. Planejamento e controle de projeto e<br />
desenvolvimento: deve incluir o planejamento<br />
e o controle dos processos ligados ao projeto, a<br />
definição dos requisitos de entrada, o controle<br />
das atividades de projeto e desenvolvimento<br />
bem como a garantia de adequação do projeto<br />
e desenvolvimento.<br />
4. Gestão da aquisição: requer o gerenciamento<br />
dos processos ligados à aquisição de produtos,<br />
ao planejamento e organização da aquisição,<br />
garantia na aquisição de produtos e administração<br />
do relacionamento com os fornecedores.<br />
5. Gestão do ambiente e do relacionamento com<br />
os clientes: possibilita o gerenciamento de fatos,<br />
oportunidades, ameaças e tendências do ambiente,<br />
compreendendo o planejamento e organização da<br />
relação com o ambiente, administração do<br />
relacionamento com os clientes e garantia e<br />
desenvolvimento da imagem da empresa.<br />
6. Desenvolvimento e gestão de recursos<br />
humanos: deve destacar o gerenciamento dos<br />
aspectos ligados ao fator humano, o planejamento<br />
e a organização das necessidades de recursos<br />
humanos, em especial, a seleção e qualificação<br />
bem como a garantia do bem estar e da satisfação<br />
dos empregados.<br />
7. Garantia da confiabilidade das medidas e dos<br />
dados: requer o planejamento e a garantia da<br />
confiabilidade das informações, dados e indicadores<br />
que podem ser utilizados como base para<br />
a tomada de decisões em toda a organização.<br />
8. Gestão da informação: deve compreender a<br />
administração de toda a informação utilizada,<br />
incluindo o planejamento, a organização, a coordenação,<br />
o controle e a distribuição do sistema<br />
de informação.<br />
9. Melhoria contínua do sistema da qualidade:<br />
requer orientar o sistema de gestão de qualquer<br />
entidade para o planejamento e organização da<br />
melhoria contínua, compreendendo tomada de<br />
ação preventiva ou corretiva e manutenção da<br />
melhoria.<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Em um estágio mais avançado do enfoque<br />
sistêmico, a qualidade, segundo o mesmo autor, permeia<br />
toda a estrutura organizacional, tanto vertical como<br />
horizontalmente. Entende-se, desse modo, que no<br />
contexto atual de competitividade da economia, com a<br />
Internet facilitando o fluxo de informações, as pessoas se<br />
tornaram mais conscientes de sua cidadania e desejosas<br />
de produtos e serviços personalizados. A noção de melhoria<br />
contínua incentivada pela qualidade precisa acontecer de<br />
fato, e isso parece estar mais ligado às práticas de gestão<br />
democrática e participativa, que liberam mais energia e<br />
criatividade dos colaboradores, do que ao controle<br />
autocrático e hierárquico, inibidor de comportamentos e<br />
de atitudes inovadoras, e que não permite o fluxo livre de<br />
idéias para melhoria e capacitação para a qualidade.<br />
A revisão da literatura nos permitiu reunir um<br />
conjunto expressivo de fatores que, de modo geral, quando<br />
agregados, estão associados aos problemas ou atrasos no<br />
atingimento das metas ou que prejudicam ou até mesmo<br />
impedem a implementação de um programa de qualidade.<br />
Estes fatores e/ou dificuldades dividem-se em 2 (dois)<br />
grupos: problemas nas práticas de implementação, quando<br />
da introdução dos programas de qualidade, a exemplo<br />
da criação de uma burocracia exagerada, falta de foco<br />
nos processos críticos, dispersão de energia, falta de<br />
integração entre os diferentes níveis hierárquicos, baixo<br />
nível de comprometimento e outro grupo de problemas<br />
mais crônicos, os relativos à concepção e desenho de um macroplano<br />
de implementação, com ausência de explicitação dos<br />
objetivos estratégicos e integração com o atendimento<br />
às necessidades dos diferentes atores organizacionais,<br />
gerando conflitos de poder, formação de grupos de<br />
evangélicos (apoiadores) e céticos (contestadores), resultando<br />
declínio de interesse com o tempo e inibindo condições<br />
para o envolvimento e participação dos funcionários<br />
(Macedo e Santos, 2001; Wood Jr. e Urdan, 1994;<br />
Tolovi, 1994 e Toledo e Martins, 1998).<br />
Os benefícios, supõem-se, são os pressupostos de<br />
um modelo implementado com sucesso. No contexto dos<br />
hospitais, a promoção da participação das pessoas em<br />
todos os aspectos do seu trabalho, a formação de equipes<br />
multidisciplinares e de alto desempenho quando lhes são<br />
dadas autonomia e responsabilidade para alcançar metas<br />
bem definidas pela organização; a necessidade de que o<br />
treinamento e o desenvolvimento de habilidades seja<br />
valorizado, avaliado e aperfeiçoado, preferencialmente,<br />
através de indicadores de satisfação e bem estar psicológico<br />
e físico, em muito contribuem para a minimização dos<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
iscos ambientais e de saúde aos quais estão expostos os<br />
profissionais deste setor, proporcionando maior compreensão<br />
das mudanças necessárias pelas pessoas, de modo<br />
a viabilizar os processos de engajamento e adesão (Vergara<br />
e Gomes, 2000).<br />
4 METODOLOGIA DA PESQUISA<br />
Os hospitais que aderiram ao Programa Controle<br />
de Qualidade Hospitalar – CQH, constituíram-se<br />
na população deste estudo. Este prêmio, atualmente<br />
alinhado aos critérios do Prêmio Nacional da Qualidade<br />
– PNQ, foi instituído em julho de 1991, pela Associação<br />
Paulista de Medicina (APM) e o Conselho Regional de<br />
Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).<br />
Dos 12 (doze) hospitais no Estado de São Paulo<br />
que mantêm o selo de conformidade, apenas 06 (seis)<br />
responderam à solicitação de entrevista, a saber: Hospital<br />
e Maternidade Brasil, Hospital e Maternidade Alvorada<br />
– Unidades de Santo Amaro e Moema, Hospital do<br />
Sepaco, Hospital e Maternidade São Luiz e Sociedade<br />
Brasileira e Japonesa Beneficente Santa Cruz.<br />
Os objetivos desta pesquisa estão focados na<br />
contribuição dos programas de qualidade, bem como<br />
na identificação dos resultados positivos e negativos<br />
como direcionadores estratégicos, encontrados durante<br />
o processo de implementação, segundo a ótica dos<br />
gestores das organizações hospitalares.<br />
O modelo conceitual desta pesquisa utilizouse<br />
da categorização das informações a partir da literatura<br />
existente sobre o assunto; para o cumprimento dos<br />
objetivos do trabalho, que foi o levantamento de<br />
informações dos gestores hospitalares relativas à<br />
contribuição dos programas de acreditação de qualidade do<br />
atendimento hospitalar, selecionou-se como instrumento<br />
para a coleta de dados qualitativos o questionário,<br />
utilizado como roteiro quando das entrevistas com os<br />
gestores dos hospitais. Participaram destas entrevistas<br />
os Gerentes ou Diretores de Qualidade e/ou Diretores<br />
Clínicos dos Hospitais.<br />
A análise dos dados alicerça-se nas macrofunções<br />
sugeridas no modelo de Silveira, e nos permite<br />
avaliar o modelo de implantação e/ou avaliação do<br />
sistema da qualidade objetivando a viabilidade de seu<br />
uso, aplicabilidade a qualquer tipo de empresa e<br />
comparabilidade com modelos amplamente utilizados,<br />
em especial, referenciando-o aos Critérios de<br />
Excelência do PNQ.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS<br />
Nesta pesquisa, os hospitais respondentes são<br />
do tipo gerais e não especializados, compreendendo<br />
pronto-atendimento, emergência e centros cirúrgicos. Em<br />
3 (três) deles encontrou-se, igualmente, atendimento<br />
ambulatorial, com consultórios clínicos especializados,<br />
tipicamente em: pediatria, geriatria, atendimento à gestante,<br />
ortopedia, oftalmologia, micro-cirurgias e outros.<br />
São quase todas empresas com capital nacional,<br />
duas deles se descrevem como filantrópicas, as demais<br />
não o são. Pela quantidade de leitos e número de funcionários,<br />
classificam-se como hospitais de porte médio<br />
(2 deles) a grandes (4 dos hospitais).<br />
Os hospitais pesquisados possuem outros programas<br />
de qualidade, já implementados e ativos, destacando-se<br />
como os mais citados, na ordem: programa de qualidade<br />
de vida (PQV) e sistema de sugestões (SG); grupos de<br />
melhoria, em metade dos casos e 5S, gestão participativa<br />
e ISO em um terço dos casos. Um hospital, apenas,<br />
implementou o TQM – Gestão da Qualidade Total como<br />
modelo de gestão para os resultados.<br />
Com relação ao mapeamento das categorias,<br />
utilizando-se o modelo para o Sistema de Qualidade<br />
com enfoque sistêmico de Silveira, os resultados mais<br />
relevantes apontados pelos respondentes foram no sentido<br />
de terem iniciado o Programa de Controle da<br />
Qualidade focando, em primeiro lugar, a melhoria no<br />
atendimento ao usuário e, em seqüência de importância, a<br />
melhoria da performance institucional e imagem da organização.<br />
A importância dos concorrentes como fator de estímulo<br />
à entrada em um Programa de Qualidade e o modismo<br />
cultural de “importação” de modelos em voga no mercado<br />
empresarial seriam os fatores considerados menos<br />
relevantes para os pesquisados, mas não deixaram de ser<br />
citados, mesmo que em quarta e quinta posições.<br />
A Alta Direção costuma ter uma participação ativa<br />
no planejamento da qualidade, encontrando-se a gestão<br />
participativa como uma prática regular. Em dois dos<br />
hospitais, considerou-se que esta prática poderia ter maior<br />
assiduidade.<br />
Divulgam-se, regularmente, aspectos da qualidade<br />
(notícias de qualidade, cursos de treinamento, atividades<br />
de prevenção de cuidados com a saúde psicológica e física).<br />
Dois hospitais, apenas, integram atividades de ensino e<br />
pesquisa. Os hospitais cumprem, satisfatoriamente, projetos<br />
assistenciais e educacionais com a comunidade local.<br />
25
Entende-se, neste caso, que o relacionamento com a<br />
comunidade poder-se-ia estreitar com o trabalho<br />
voluntário de seus funcionários, ajudando, com isso, a<br />
solucionar problemas na área da saúde e higiene da<br />
coletividade.<br />
O planejamento estratégico conta com a participação<br />
dos funcionários até o nível de gerências e chefias, na maioria<br />
dos casos estudados. Os planos de ação, a partir daí, são<br />
acompanhados e monitorados, sendo o planejamento<br />
avaliado e cotejado com as metas e objetivos estratégicos,<br />
através da utilização de um conjunto de indicadores<br />
previamente selecionados. Alguns indícios do reconhecimento<br />
das resistências encontradas na implementação<br />
destas ações podem fazem emergir conflitos políticos que<br />
tornam difíceis, muitas vezes, a obtenção de dados com<br />
razoável confiabilidade, em especial, quando o planejamento<br />
não é suficientemente participativo.<br />
No aspecto de relacionamento com os clientes e a<br />
sociedade, todos os hospitais realizam pesquisas com os<br />
clientes, as queixas e reclamações são ouvidas e tratadas<br />
como oportunidades de melhoria no atendimento.<br />
Aproveitam-se sobremaneira as observações dos clientes,<br />
na formulação de indicadores de desempenho e na<br />
divulgação da imagem do hospital no mercado, além de<br />
serem importantes no planejamento de novos produtos<br />
e/ou serviços.<br />
Chamou-nos atenção o fato de que poucos<br />
hospitais procuram informações em órgãos de classe ou<br />
de defesa do consumidor quanto às queixas e reclamações<br />
de clientes. Apenas um dos hospitais se colocou numa<br />
posição pró-ativa quanto a este item, procurando os<br />
órgãos e antecipando soluções com ações preventivas.<br />
Chéquer Neto (2000) identifica, claramente,<br />
que o diferencial de atendimento ao cliente em seus<br />
componentes: agilidade, presteza, oportunidade,<br />
suficiência de informações, capacitação técnica dos<br />
funcionários, custo otimizado e cordialidade, além do<br />
padrão técnico de qualidade, marcam a fidelização e<br />
re-compra dos serviços pelos clientes.<br />
No aspecto de informações e conhecimento, considerando<br />
o enfoque do uso da tecnologia na área de atendimento<br />
ao cliente, observou-se ser ainda muito recente a<br />
implementação de sistemas integrados de informação das<br />
áreas administrativo-financeiras e médico-clínicas. As<br />
informações nem sempre estão disponíveis e acessíveis<br />
para a maior parte dos funcionários, encontrando-se<br />
26<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
fragmentadas e setorizadas, dificultando sobremaneira o<br />
uso das mesmas como apoio à pesquisa e ao ensino e não<br />
permitindo o desejável funcionamento da gestão de informações.<br />
O uso de Intranet e Internet, aproveitadas para<br />
comunicações intra-organizacionais e intercâmbio para<br />
aperfeiçoamento dos resultados no cuidado à saúde, é<br />
de modo geral bastante disseminado nos hospitais<br />
pesquisados e utilizado como importante ferramenta de<br />
relacionamento com os clientes e a sociedade.<br />
Observou-se que a maioria dos hospitais<br />
investe e estimula atividades de treinamento e educação<br />
de seus funcionários com o objetivo de melhorar os<br />
padrões de atendimento e oferecer oportunidades para<br />
o crescimento profissional. No entanto, em alguns<br />
hospitais, não se observou uma perfeita integração entre<br />
as áreas de RH e o setor de qualidade hospitalar.<br />
Na maioria dos hospitais, o reconhecimento<br />
profissional é condicionado aos atrativos pecuniários como<br />
forte indutor de comprometimento e participação nos<br />
planos de metas e resultados corporativos. Em apenas 2<br />
(dois) dos hospitais a valorização profissional ocorre,<br />
exclusivamente, através de recompensas não pecuniárias,<br />
como troféus, homenagens, agradecimentos e<br />
solenidades de entrega de medalhas e brindes.<br />
Diante dos resultados encontrados em quase<br />
metade dos hospitais, vislumbramos oportunidades reais<br />
de melhoria no sistema de gestão de pessoas, no<br />
sentido de uma maior participação dos funcionários na<br />
elaboração dos critérios de promoção profissional,<br />
estímulos a programas de educação continuada<br />
extensíveis a todos os níveis funcionais, incentivo ao<br />
rodízio de funções e reformulação no desenho de cargos,<br />
pesquisas de satisfação dos funcionários rotineiras, com<br />
impacto na melhoria do ambiente físico, psicológico e<br />
profissional, maior envolvimento dos funcionários nos<br />
níveis decisoriais (empowerment) e treinamentos objetivados<br />
pelas necessidades de melhoria do atendimento<br />
ao cliente.<br />
Na avaliação dos aspectos de gestão de processos,<br />
os resultados encontrados apontam no sentido de<br />
oportunidades pouco aproveitadas, em alguns hospitais,<br />
de maior intercâmbio e estabelecimento de parcerias<br />
com institutos de pesquisa e universidades na busca de<br />
maior eficiência e produtividade de seus processos de<br />
trabalho e no treinamento e valorização da cultura de<br />
pesquisa de seu quadro profissional, numa área onde o<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
fator tecnológico se tornou marco diferenciador de<br />
atendimento.<br />
De modo geral, a maioria dos hospitais não se<br />
preocupa com informações comparativas de outros<br />
hospitais, evidenciando de certa forma um comportamento<br />
reativo diante do quadro de competitividade, que, ainda,<br />
não se tornou crucial na área de atendimento hospitalar.<br />
Constatou-se que, apesar desse comportamento reativo,<br />
a atuação dos hospitais com relação à comunidade e<br />
sociedade tem se firmado como uma nítida vantagem<br />
competitiva em sua preocupação de fidelizar seus clientes,<br />
acompanhar e discutir as medidas governamentais no setor<br />
de saúde, estudar e avaliar o impacto de suas atividades<br />
no meio ambiente e incrementar o apoio às atividades<br />
educacionais e assistenciais com a comunidade.<br />
Quanto ao aspecto das dificuldades encontradas<br />
na implantação do Programa de Qualidade CQH, as<br />
informações obtidas nos permitiram obter uma certa<br />
homogeneidade nas respostas – 5 (cinco) vezes citado<br />
como item prioritário: o aumento nos conflitos internos<br />
permite ter um quadro mais claro da complexidade em<br />
se criar mecanismos de mudança, em especial, quando<br />
na concepção do modelo de gestão e na integração dos<br />
diferentes atores da organização em torno dos objetivos<br />
estratégicos; ao se quebrar os paradigmas de uma gestão<br />
menos democrática para um modelo onde se privilegiam<br />
as atividades de grupo, os projetos de melhoria, focamse<br />
as necessidades e expectativas dos clientes com relação<br />
aos padrões de atendimento e serviços prestados,<br />
estimulam-se as posturas pró-ativas e dissemina-se a<br />
visão sistêmica dos processos.<br />
Nas entrevistas, alguns respondentes externaram<br />
críticas veladas ao comportamento dos principais<br />
executivos da organização, em especial, naquelas empresas<br />
com administração corporativa, quanto à forma como<br />
ocorrem as participações nas decisões, como dão acesso<br />
às informações e apóiam as atividades de qualidade,<br />
deixando aflorar mecanismos não muito transparentes de gestão,<br />
ao mesmo tempo que um outro grupo, bem mais numeroso,<br />
comportava-se mais confiante do comprometimento e do<br />
apoio que a Alta Direção proporciona às iniciativas de<br />
qualidade. Em todos os sentidos, o apoio da diretoria<br />
médica, em todos os casos, é considerado estratégico para<br />
o sucesso do programa.<br />
Quanto aos benefícios alcançados com o<br />
Programa CQH, os fatores pesquisa junto aos usuários,<br />
mudança de atitudes e comportamentos e fixação nos<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
processos críticos foram os mais citados em ordem de<br />
freqüência, seguidos pelo aprimoramento dos processos<br />
de atendimento, valorização do treinamento e desenvolvimento<br />
de habilidades, responsabilização dos<br />
funcionários e utilização de indicadores de bem estar<br />
psicológico e físico.<br />
Os benefícios apontados pelos entrevistados nos<br />
permitem inferir para as organizações hospitalares que<br />
aderiram ao Programa CQH que os ganhos obtidos na<br />
implementação dos programas de qualidade, no tocante:<br />
1. Ao modelo de gestão implantado e aos<br />
processos de trabalho – se desenvolveram ao<br />
longo do eixo de valorização da participação<br />
dos funcionários nos processos de decisão e nos<br />
comitês de estudo, como uma forma de iniciar<br />
um processo de mudança e comprometimento<br />
das pessoas em torno das metas e objetivos da<br />
organização, no sentido de internalizar atitudes<br />
e comportamentos, promovendo mudanças dos<br />
processos e práticas de atendimento ao cliente,<br />
enfatizando os processos mais críticos, evitando<br />
dispersão de energias na obtenção dos melhores<br />
resultados e desenvolvimento de posturas próativas.<br />
2. A interface entre a organização e a sociedade<br />
- fixaram-se na estruturação de um banco<br />
informacional para medição e avaliação do<br />
desempenho, utilizando dados internos e externos<br />
à organização, na criação de um ambiente mais<br />
adequado, melhor clima de trabalho e tornando<br />
a organização mais competitiva e em sintonia com<br />
o mercado.<br />
6 CONCLUSÃO<br />
No que diz respeito aos hospitais pesquisados,<br />
fica claro que eles constituem uma referência de<br />
qualidade, em geral, muito distante da realidade brasileira<br />
do atendimento à saúde, em especial, do setor público.<br />
São hospitais modernos, que buscaram caminhos próprios<br />
para sanar a defasagem tecnológica, oferecendo todas as<br />
especialidades médicas e serviços que exigem alta<br />
capacitação e nível de investimento, adaptando-se às<br />
demandas e disponibilizando o que existe de última<br />
geração em equipamentos médicos.<br />
Todos os esforços de qualidade empreendidos<br />
por esta amostra de hospitais são resultados de políticas<br />
e estratégias empresariais, pressionados igualmente por<br />
27
melhores serviços e menor tolerância dos clientes aos<br />
erros médicos. Os clientes hospitalares e suas famílias<br />
estão cada vez mais cientes dos seus direitos e sabem<br />
avaliar o nível de qualidade pessoal do seu atendimento.<br />
O atendimento à saúde, em particular quando<br />
da realização de internações e cirurgias, é uma das situações<br />
de grande insegurança e fragilidade a qual um indivíduo<br />
se submete. Para compensar essa fragilidade o paciente<br />
busca referenciais/indicadores de segurança no atendimento.<br />
Uma organização acreditada e avaliada externamente<br />
pode representar maior confiabilidade e menor<br />
exposição ao risco para o usuário, além de identificar um<br />
hospital com um padrão mais efetivo de qualidade de<br />
segurança de atendimento.<br />
Quinto Neto (2000) assevera que para os hospitais,<br />
além do apelo mercadológico e projeção da imagem da<br />
organização no mercado, a acreditação pode garantir maior<br />
ALBRECHT, K. Trazendo o poder do cliente para dentro da sua<br />
empresa. São Paulo: Pioneira, 1999.<br />
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estruturadas com foco no cliente e na medição dos<br />
resultados, diminuição de custos, prevenção de acidentes<br />
e riscos, estímulo a auto-avaliações e construção de uma<br />
cultura de qualidade por uma equipe, resultado de um<br />
gerenciamento mais integrado e harmônico dos<br />
indicadores de desempenho.<br />
Acredita-se que as organizações hospitalares, ao<br />
focarem a qualidade do atendimento e a melhoria contínua<br />
como uma ação em cadeia, após uma profunda mudança<br />
cultural, treinamento em liderança e educação continuada<br />
de todos os níveis funcionais, implantação/aperfeiçoamento<br />
de um estilo gerencial participativo, organização<br />
das informações e disponibilização para quem delas<br />
necessita e desenvolvimento/monitoração de um conjunto<br />
de indicadores de desempenho adequados, permitiriam<br />
realizar suas expectativas de fidelização do cliente e<br />
valorizar eticamente as suas atividades.<br />
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34(6):46-59, nov./dez. 1994.<br />
YAMAMOTO, E. Os novos médicos administradores. São Paulo:<br />
utura, 2001.<br />
* Docente da UNISA e auditor do Tribunal de<br />
Contas do Município de São Paulo.<br />
** Professor do PMA do IMES e coordenador<br />
do Núcleo de RH do IMES.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
JEERSON JOSÉ DA CONCEIÇÃO*<br />
RESUMO: Este texto aborda a crise das cidades<br />
industriais fordistas e algumas das alternativas de<br />
revitalização. A Região do Grande ABC, no Brasil,<br />
Detroit, nos Estados Unidos, e o Vale do Ruhr, na<br />
Alemanha, são tomadas como exemplo de cidades<br />
industriais que têm mostrado impressionantes índices de<br />
crescimento desde o pós-guerra. Entretanto, a partir da<br />
década de 1970, elas têm sofrido uma crise estrutural de<br />
corte de empregos, fábricas fechadas e descentralização<br />
econômica.<br />
ABSTRACT: This article concerns to the crisis of the<br />
fordist industrial cities and some of their alternatives of<br />
revitalizing. ABC area in Brazil, Detroit in the USA and<br />
Vale Ruhr in Germany are taken as examples of industrial<br />
cities, which have showed remarkable rates of growth<br />
since the Second Post War. However, since the seventies<br />
they have been suffering a structural crisis of job cuts,<br />
factories closures and economic decentralization.<br />
PALAVRAS-CHAVE: fordismo, políticas urbanas,<br />
regionalidade.<br />
KEYWORDS: fordism, urban politics, regionalism.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Este artigo tem como objetivo recuperar,<br />
sucintamente, algumas das características do que aqui<br />
se denomina de cidade industrial. O texto resgata, em<br />
grandes linhas, o período de constituição, crescimento<br />
e auge da cidade industrial e a sua crise, a partir da<br />
década de 1970. Discutem-se, ao final, algumas das<br />
saídas apresentadas no debate sobre a revitalização<br />
dessas cidades, inseridas no contexto contemporâneo<br />
da globalização.<br />
Por cidade industrial entende-se aqui a região<br />
ou área geográfica que, por uma série de motivos<br />
históricos e locacionais1 , concentrou, no século XX,<br />
um expressivo volume de investimentos de indústrias<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
A CIDADE INDUSTRIAL: EXPANSÃO, CRISE E PROJETOS DE<br />
REVITALIZAÇÃO<br />
típicas do período fordista, e que, por isso, foi pólo de<br />
atração também de grandes fluxos populacionais<br />
migratórios. A definição, apesar de breve, incorpora<br />
abrangentes e complexos processos econômicos e sociais<br />
que naturalmente não se restringiram somente aos limites<br />
territoriais deste ou daquele município. Em realidade, a<br />
cidade industrial abrange em geral uma “região”<br />
composta por mais de uma cidade ou município, e que<br />
pode ou não ter existência administrativo-legal. Neste<br />
artigo, são tomados como exemplos de cidades industriais<br />
a região do Grande ABC Paulista no Brasil, a Grande<br />
Detroit nos EUA e o Vale do Ruhr na Alemanha, entre<br />
outros casos em todo o mundo por onde a grande<br />
indústria se concentrou 2 .<br />
2 O CRESCIMENTO DAS CIDADES<br />
INDUSTRIAIS<br />
As cidades industriais tornaram-se símbolo do<br />
vigoroso crescimento capitalista verificado entre o pós-<br />
1 Proximidade de importantes mercados de consumo e/<br />
ou fontes de matéria-prima; condições razoáveis de<br />
transporte intra e interurbano; oferta de bons terrenos;<br />
pré-existência de núcleos menores de produção<br />
manufatureira, facilitando a oferta de mão-de-obra com<br />
alguma qualificação, etc.<br />
2 De acordo com Klink (2000), Marshall foi um dos<br />
primeiros a mostrar os efeitos positivos da aglomeração<br />
de indústrias em determinadas regiões geográficas. Entre<br />
as principais vantagens competitivas apontadas por ele<br />
estão: a constituição de uma “bacia de mão-de-obra”<br />
(“labor pooling”), reduzindo custos de procura por este<br />
tipo de fator de produção; a formação de redes densas de<br />
cooperação entre empresas fornecedoras e concorrentes,<br />
reduzindo custos de transação; a geração de externalidades<br />
tecnológicas (“spill overs”), propiciando a difusão de<br />
inovações, o que aumenta a produtividade e reduz custos.<br />
29
guerra e a década de 1970. Em parte, isto se explica<br />
pelo fato de elas terem concentrado as indústrias que formaram<br />
o núcleo dinâmico da segunda revolução industrial,<br />
sendo, portanto, área de investimentos das grandes<br />
empresas capitalistas, multinacionais e nacionais. Em<br />
muitas destas cidades, estruturou-se o tripé formado pelas<br />
indústrias de bens de consumo duráveis (automobilística<br />
e eletroeletrônica), bens de capital (especialmente a indústria<br />
de máquinas e equipamentos) e alguns segmentos<br />
estratégicos dos bens intermediários (química, petroquímica,<br />
aço, carvão).<br />
No interior das fábricas instaladas nas cidades<br />
industriais, reproduziu-se em larga escala o modelo da<br />
produção em massa. Como se sabe, as principais características<br />
desse modelo são: padronização de produtos,<br />
intercambialidade de peças e componentes, linha de<br />
montagem, forte controle de tempos e movimentos, rígida<br />
divisão do trabalho, hierarquia e elevados estoques. A<br />
combinação destes elementos resultou em acentuado<br />
crescimento da produção e da produtividade.<br />
ábricas de grande porte dominaram o ambiente<br />
urbano das cidades industriais. Produção em grandes<br />
montantes exigia grandes e pesadas plantas fabris, pois<br />
várias fases da produção seriam ali desenvolvidas. A<br />
magnitude das fábricas explicava-se também pela alta<br />
verticalização3 da produção, uma vez que elas produziam<br />
grande parte dos componentes dos produtos finais<br />
que seriam ofertados no mercado. Não raro fases da<br />
produção dos insumos eram ali também realizadas. De<br />
resto, era necessário manter estoques elevados de<br />
insumos e produtos finais, pois isto garantiria que<br />
eventuais oscilações de quantidade demandadas pelo<br />
mercado seriam rapidamente atendidas.<br />
Os altos níveis de produção requeriam, por sua<br />
vez, a contratação de grandes contingentes de força-detrabalho.<br />
Por isso, as cidades industriais atraíram levas de<br />
imigrantes de diferentes locais e mesmo países, o que<br />
acabou por dar a elas um caráter multirracial e heterogêneo.<br />
Constituiu-se a partir daí uma cultura industrial, moldada<br />
em costumes, tradições e “know how” característicos de<br />
cidades operárias. Nas cidades industriais, a socialização<br />
assentou-se na crença de que a mobilidade e o sucesso de<br />
indivíduos e grupos aconteceriam por meio do trabalho.<br />
3 Verticalização ocorre quando uma empresa controla<br />
diversas fases da cadeia produtiva, desde a extração da<br />
matéria-prima até o produto final.<br />
30<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
3 ALGUMAS CONTRADIÇÕES DA<br />
CIDADE INDUSTRIAL<br />
Rolnik (1998) afirma que “a indústria é ao<br />
mesmo tempo inferno e espetáculo”. É espetáculo, entre<br />
outros, porque, como vimos, possibilitou, por meio da<br />
imigração de pessoas das mais variadas origens, o surgimento<br />
de uma população heterogênea e o intercâmbio<br />
de diferentes culturas. Mas também, inferno, porque<br />
trouxe em seu bojo a semente da violência, da segregação<br />
e do conflito.<br />
Uma segunda contradição importante repousou<br />
no excessivo grau de dependência da cidade e de suas outras<br />
atividades (comércio, serviços, agropecuária) em relação<br />
à performance da grande indústria. Não seria equivocado<br />
afirmar que, quando a grande empresa industrial<br />
ia bem, a comunidade também progredia; se a grande<br />
empresa ia mal, a comunidade igualmente decaía. Em<br />
muitas das cidades industriais, isto acabou prejudicando<br />
processos de desenvolvimento em diversas áreas importantes,<br />
como o turismo e os serviços especializados.<br />
De modo análogo, foi precária a integração entre<br />
a grande empresa e os canais clássicos de inovações da<br />
comunidade, como as universidades, os centros de<br />
pesquisa e as associações profissionais. Em geral, as<br />
atividades de pesquisa e desenvolvimento da grande<br />
empresa multinacional ocorreram de modo hermético<br />
para a comunidade, isto é, aconteceram por dentro das<br />
próprias estruturas internas da empresa. Como conseqüência,<br />
foi baixo o grau de difusão das inovações sobre<br />
o restante da estrutura econômica da cidade. Isto, como<br />
se verá adiante, terá repercussões importantes quando<br />
da fase de crise e do debate das alternativas de retomada<br />
do desenvolvimento.<br />
As cidades industriais também foram palco de<br />
grandes conflitos sociais, que, nos países europeus e nos<br />
EUA, resultaram na estruturação de uma espécie de pacto<br />
social calcado em círculo virtuoso de prosperidade (mais<br />
produção, mais empregos, melhores salários, mais<br />
consumo, mais produção...) e em um conjunto de programas<br />
sociais de ajuda aos desempregados (seguro<br />
desemprego, previdência social etc.), que constituem o<br />
“Welfare State”. Vale dizer, os anos dourados foram<br />
também anos de melhoria da qualidade de vida das<br />
camadas mais pobres, ainda que em proporções não<br />
necessariamente iguais aos das camadas mais altas.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Todavia, nos países latino-americanos, este pacto,<br />
por diversas razões históricas, acabou não acontecendo,<br />
e o ciclo de crescimento, se representou geração postos<br />
de trabalhos, não significou crescimento do consumo<br />
generalizado. Nesses países, a produção em massa foi<br />
em parte destinada ao consumo das elites, e em parte às<br />
exportações (Dupas, 1999). Desta maneira, no caso de<br />
países como o Brasil, o crescimento não ajudou a resolver<br />
os problemas sociais. Ao contrário, agravou-os. Um<br />
desses problemas foi o crescimento do déficit habitacional<br />
e a conseqüente proliferação das favelas e cortiços<br />
(Chafun, 1997; Kovarick, 2000) acompanhada da<br />
expansão da violência urbana.<br />
Por último, embora não menos importante, foi a<br />
grave destruição do meio-ambiente das cidades industriais<br />
gerada pela grande empresa fabril: agressão às áreas verdes,<br />
contaminação do solo, poluição de ar e dos rios. Em realidade,<br />
a visão da cidade enquanto ecossistema só veio a<br />
acontecer recentemente, a partir dos anos 1970 (Alva,<br />
1997). Desde então, o ataque aos graves problemas ambientais<br />
passou a ser uma das prioridades dessas cidades,<br />
em seus esforços de revitalização (Marcondes, 1999).<br />
4 A CRISE DAS CIDADES INDUSTRIAIS<br />
A série de rápidas transformações em curso desde<br />
os anos 1970 alterou a lógica de valorização capitalista.<br />
O crescimento dos déficits fiscais, das taxas de inflação<br />
e da instabilidade econômica obrigou a mudanças<br />
profundas no sistema econômico. Como resposta à crise,<br />
diversos governos, em diferentes países, passaram a<br />
adotar políticas de redução do Estado na economia,<br />
desaceleração econômica, incremento de juros, abertura<br />
comercial e reestruturação produtiva nas empresas.<br />
Neste novo cenário, a lucratividade do setor industrial<br />
passou a ser freqüentemente inferior ao verificado<br />
na área financeira (Sassen, 1998). Como conseqüência<br />
dessa comparação de taxas e da instabilidade<br />
reinante do mercado, as empresas buscaram fugir dos<br />
riscos da “iliquidez” – ou seja, do capital na sua forma<br />
imobilizada em instalações e maquinários, ou na sua<br />
forma mutante em matérias-primas, insumos e força-detrabalho,<br />
ou ainda em elevados estoques de produtos<br />
acabados –, de modo a permitir ‘giros’ mais rápidos do<br />
capital. Assim, a meta a ser atingida em todas as áreas é<br />
a da flexibilização organizacional: focalização, desverticalização,<br />
enxugamento de fornecedores, trabalho<br />
temporário, just in time, entre tantas outras.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Este novo cenário mundial resultou em impactos<br />
importantes sobre as fábricas, e, por conseguinte, sobre<br />
a cidade industrial. Alguns dos impactos são bastante<br />
dolorosos, tais como o fechamento ou enxugamento de<br />
plantas fabris, os galpões industriais vazios por toda a<br />
cidade, o desemprego, a queda da qualidade de vida, o<br />
crescimento da violência urbana, a desvalorização imobiliária,<br />
o refluxo da imigração e a perda da arrecadação.<br />
Para exemplificar o quão dramáticas foram as<br />
mudanças econômicas das últimas décadas para a cidade<br />
industrial, são expostos agora alguns números relativos<br />
às três cidades industriais aqui mencionadas. Desde logo,<br />
chama-se a atenção para as similaridades dos processos<br />
de crise das regiões, ainda que sejam grandes suas<br />
diferenças em termos de trajetórias históricas, culturais<br />
e econômicas.<br />
Detroit foi, ao longo da maior parte do século<br />
XX, o centro da indústria automobilística americana. O<br />
Nordeste dos EUA – especialmente o quadrilátero<br />
formado pelas regiões dos grandes lagos (onde está<br />
situada Detroit, no Estado de Michigan), Baltimore,<br />
Nova York e Boston – chegou a ser conhecido como<br />
“Manufacturing Belt” (cinturão industrial), pois ali se<br />
concentrou grande parte da indústria mecânica pesada e<br />
uma importante indústria fornecedora de insumos<br />
básicos. No entanto, esta cidade vem, desde os anos<br />
1970, sofrendo grave esvaziamento industrial, econômico<br />
e populacional cujo determinante reside na perda de<br />
competitividade da indústria americana face os novos<br />
competidores internacionais, em especial o Japão.<br />
Empresas e população têm gradativamente migrado para<br />
o sul e oeste dos EUA (lórida, Texas, Califórnia), que<br />
por isto vem sendo chamada de “Sun Belt” (cinturão do<br />
sol). Havia, no início dos anos 1970, nos EUA, aproximadamente<br />
850 mil trabalhadores empregados na indústria<br />
automobilística de Detroit, enquanto, em 1982, o<br />
contingente caiu para 477.000. Devido à migração<br />
populacional para outras regiões do país, a cidade perdeu<br />
50% da população branca entre 1970 e 1980 (Thompson,<br />
1997). Em decorrência da redução dos investimentos<br />
nas plantas da região nordeste, e a conseqüente presença<br />
de diversos galpões vazios, aquela região vem sendo<br />
denominada de “Rust Belt” (cinturão da ferrugem).<br />
A Região do Vale do Ruhr, no Estado da Renânia<br />
do Norte-Westfalia, no oeste da Alemanha, constituiuse,<br />
desde o século XIX, como o maior centro da produ-<br />
31
ção do carvão, do aço e da metalurgia daquele país. No<br />
entanto, desde o final dos anos 1950, em razão do surgimento<br />
de fontes de energia mais limpas e econômicas,<br />
a região viu o emprego formal na extração de carvão<br />
cair de 470 mil para cerca de 100 mil ao final dos anos<br />
1990. A produção de aço da região também enfrenta<br />
um quadro bastante difícil, em virtude da competição<br />
internacional mais acirrada no setor nas últimas três<br />
décadas. Desde então a produção das siderúrgicas locais<br />
foi reduzida em 1/3 e o emprego no setor de aço caiu<br />
de 200 mil em 1960 para 110 mil no final da década de<br />
1990 (Klink, 1998).<br />
Núcleo da acumulação capitalista no Brasil, entre<br />
a segunda metade da década de 1950 e o início dos anos<br />
1980, a região do ABC agregou duas grandes cadeias<br />
produtivas: a indústria automotiva e a indústria petroquímica.<br />
No caso da produção automobilística, a região<br />
chegou a representar 85% da produção nacional de<br />
veículos, além de percentual significativo (em torno de<br />
20%) do parque produtor de peças e componentes automotivos,<br />
máquinas, equipamentos e eletroele-trônicos.<br />
Contudo, a descentralização da produção a partir dos<br />
anos 1980, a guerra fiscal, a abertura acelerada às<br />
importações, entre outros fatores, levaram a região a viver<br />
uma grave crise, especialmente nos anos 1990. Alguns<br />
indicadores são bastante expressivos neste sentido: a)<br />
segundo informações da Eletropaulo, entre 1989 e 1999,<br />
foram fechados cerca de 750 estabelecimentos industriais<br />
(entre grandes, médias e pequenas unidades) na região;<br />
b) de acordo com a RAIS, entre 1990 e 1999, foram<br />
eliminados 92.500 postos de trabalho na indústria de<br />
transformação do ABC; c) a pesquisa do DIEESE /<br />
SEADE chegou a apontar taxas de desemprego regional<br />
próximas de 20% em 2002; d) as taxas de crescimento<br />
populacional dos municípios de São Bernardo e Diadema<br />
que foram, respectivamente, de 9,36% e 20,4%, entre<br />
1960 e 1970, caíram para 3,41% e 1,28%, entre 1991 e<br />
1999; e) o Imposto sobre produtos industrializados (IPI)<br />
arrecadado em São Bernardo do Campo, que totalizou<br />
R$ 1,9 bilhões em 1989 e atingiu R$ 3,2 bilhões em 1994,<br />
caiu a partir daí até o patamar de R$ 1,6 bilhões.<br />
Os três casos evidenciam que a amplitude e<br />
duração dos problemas da cidade industrial não são mais<br />
apenas de caráter conjuntural, isto é, motivadas por<br />
retrações temporárias do nível de atividade – que são<br />
sucedidas, ciclicamente, por novas ondas de crescimento<br />
32<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
e prosperidade. A crise é profunda e persistente, exigindo<br />
da comunidade (autoridades locais, estaduais e nacionais<br />
e representantes da sociedade civil) uma intervenção<br />
incisiva, para a revitalização destas regiões.<br />
5 AS LUZES DA CIDADE GLOBAL E O<br />
ECLIPSE DA CIDADE INDUSTRIAL<br />
A mencionada crise da cidade industrial fez com<br />
que as “luzes” dessa cidade fossem aos poucos se apagando<br />
para os planejadores urbanos. Ao mesmo tempo,<br />
começam a luzir mais brilhantes os raios da “cidade<br />
global”. Em outras palavras, o fortalecimento do setor<br />
industrial deixou de ser para muitos o melhor caminho<br />
para a revitalização das cidades industriais.<br />
Antes, porém, de entrar nesta discussão quanto<br />
às melhores alternativas para as cidades industriais,<br />
convém apresentar rapidamente o conceito atual de<br />
cidade global. De modo geral, considera-se que cidade<br />
global é aquela que, por um conjunto de fatores, vem<br />
conseguindo inserir-se no fluxo de comércio e investimentos<br />
internacionais da nova era da globalização. Posto<br />
que esta fase do capitalismo tem sido comandada pela<br />
acumulação financeira e que ela ocorre simultaneamente<br />
às grandes transformações tecnológicas (Internet, telefonia<br />
celular, novos materiais), as cidades globais são aquelas<br />
que se tornam os centros financeiros, comerciais e do<br />
intenso fluxo de informações internacionais (Sassen,<br />
1998; Klink, 2000).<br />
Além disso, as cidades globais caracterizam-se<br />
também pela boa infra-estrutura logística (telecomunicações,<br />
aeroporto, estradas, rede de hotelaria, etc.),<br />
possibilitando aos capitais externos uma movimentação<br />
rápida pelos diversos cantos do planeta. As cidades<br />
globais são antes de tudo cidades homogêneas.<br />
Para muitos seriam cidades globais, entre outras,<br />
Nova York, Londres, Paris, rankfurt, Tóquio e Barcelona.<br />
Essas cidades “articulam economias globais”, ao exercer<br />
as funções básicas de direção, promoção, gestão, financiamento<br />
de investimentos e distribuição comercial, além<br />
de atuarem como centros de informação. Mas algumas<br />
cidades de países subdesenvolvidos têm também relevante<br />
significado econômico regional (Cidade do México,<br />
São Paulo, Buenos Aires, Rio de Janeiro) ou nacional<br />
(Lima, Bogotá, Santiago e Caracas), e portanto seriam<br />
também cidades globais, ainda que neste caso o conceito<br />
de globalidade represente domínios territoriais mais<br />
estreitos.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
6 A EMERGÊNCIA DO NOVO<br />
GERENCIAMENTO PÚBLICO: O<br />
“EMPRESARIAMENTO”<br />
Como visto anteriormente, a partir dos anos<br />
1970, ocorreram mudanças estruturais na economia<br />
internacional. A incapacidade dos Estados nacionais em<br />
formular respostas satisfatórias para os diversos problemas<br />
decorrentes destas mudanças levou à descrença em<br />
planejamentos macroeconômicos e, em contrapartida,<br />
ao crescente interesse pelas esferas regionais e locais.<br />
Hall (1988) e Harvey (1989) mencionam, a partir das<br />
experiências de países europeus e dos EUA, o surgimento<br />
e ampliação de uma nova forma de gestão pública das<br />
cidades (inclusive das cidades industriais): o “empresariamento”.<br />
A hegemonia desta linha de ação pública passou<br />
a ser tão grande que praticamente homogeneizou as<br />
políticas públicas locais, independentemente do matiz<br />
ideológico do governante, seja de esquerda, centro ou<br />
direita.<br />
Em grandes linhas, a gestão pública do empresariamento<br />
estabelece:<br />
a) a reversão de prioridades nos planos governamentais,<br />
com a eleição de novos setores e áreas<br />
como focos de atenção na estratégia de retomada<br />
do desenvolvimento local;<br />
b) a gestão pública da cidade em moldes semelhantes<br />
aos de uma empresa privada – isto é, a<br />
gestão pública passa a correr “riscos”, através da<br />
implementação de projetos estratégicos;<br />
c) uma política de marketing city, para “vender” a<br />
cidade aos investidores nacionais e internacionais;<br />
d) a ênfase na busca de coalizões entre os diversos<br />
atores públicos e privados que compõem a cidade<br />
– os conflitos tornam-se secundários;<br />
e) a conclamação para o surgimento de uma<br />
“identidade local”, capaz de unir diversos segmentos<br />
sociais em torno de interesses comuns.<br />
7 OS PROJETOS DE REVITALIZAÇÃO DAS<br />
CIDADES INDUSTRIAIS<br />
Tendo como pano de fundo a relativa hegemonia<br />
atual desta nova forma de gestão pública, cabe discutir<br />
agora qual o melhor caminho a seguir para revitalizar<br />
as cidades industriais. Muitos teóricos da questão urbana<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
sugerem para as cidades [industriais] a saída de “ajustarse<br />
aos novos tempos” do mercado. O que, em outras<br />
palavras, significa estruturar políticas e programas de tal<br />
monta que favoreçam a conexão dessas cidades à<br />
economia mundial de fluxos de comércio e investimento<br />
(Ohmae, 1996; Borja, 1997; Sassen, 1998). A cidade<br />
deveria ofertar-se como um dos nós da nova rede mundial.<br />
Para alguns, isto significa menos ênfase em preocupações<br />
no sentido de manter e revitalizar o parque industrial<br />
dessas cidades, e maior foco na atração de atividades<br />
comerciais e de serviços. Os projetos vão desde as estratégias<br />
de “city marketing” até a constituição de parques<br />
temáticos (que inclusive aproveitariam galpões vazios<br />
deixados pelas grandes indústrias) com o objetivo de<br />
desenvolver o turismo, e a concessão de incentivos à<br />
construção de grandes centros comerciais e financeiros<br />
(“shoppings”, hipermercados, atração de sedes de agências<br />
bancárias, telecomunicações etc).<br />
Um exemplo próximo desta visão de gestão<br />
pública foi a experiência do Prefeito Archer, em Detroit,<br />
nos meados da década de 1990. De acordo com<br />
Thompson (1997), Archer concentrou-se menos em<br />
preservar e atrair investimentos novos para a indústria<br />
automobilística na cidade, e mais em incentivar os empreendimentos<br />
no comércio, varejo e turismo. Assim,<br />
entre outros projetos, estavam as construções de um<br />
grande estádio de baseball e de futebol americano; de<br />
um museu de história afro-americana; de cassinos na<br />
cidade, a partir da legalização do jogo. Apesar disso, as<br />
evidências apontam para o fato de que esta estratégia<br />
não conseguiu reverter a imensa perda de postos de<br />
trabalho e de influência econômica e política da cidade.<br />
Uma experiência mais bem sucedida desta<br />
estratégia tem sido a do Vale do Ruhr (Klink, 1998).<br />
Com base na mobilização e aproximação de diversos<br />
atores sociais (Estado, setor privado, sindicatos e outros<br />
membros da sociedade civil) constituiu-se, inicialmente,<br />
uma agência de desenvolvimento regional, que teria a<br />
função de elaborar políticas de desenvolvimento<br />
econômico, “lobby” e “marketing” institucional. A partir<br />
das atividades da Internationale Bauausstellung Emscher<br />
Park – empresa que estabelece parcerias entre os atores<br />
–, montou-se um modelo de desenvolvimento sustentável,<br />
com projetos em áreas do tipo habitação, preservação<br />
do patrimônio histórico, escritórios, serviços e comércio.<br />
33
De modo geral, tanto em Detroit sob a gestão<br />
Archer quanto no caso do Vale do Ruhr, a saída para a<br />
revitalização da cidade foi buscada “fora” da indústria.<br />
Vale dizer, aceitou-se, implícita ou explicitamente, o<br />
diagnóstico de que aos poucos a função da cidade mudaria,<br />
passando esta a se caracterizar como cidade prestadora<br />
de serviços. E as soluções para o parque industrial – o<br />
processo de fechamento de unidades industriais e de<br />
empregos, a reestruturação organizacional e produtiva –<br />
deveriam ser deixadas para o livre funcionamento do<br />
mercado, ou como objeto de políticas públicas nacionais.<br />
Apesar dos eventuais sucessos deste ou daquele<br />
empreendimento, um problema que está na base deste<br />
tipo de visão é o da relativamente baixa capacidade de<br />
efeitos multiplicadores e encadeadores das atividades de<br />
comércio e serviços mencionados. A geração de demanda<br />
para eventuais cadeias de empresas fornecedoras e de<br />
renda para os empregados (na forma de empregos e<br />
salários) e para a comunidade em geral (na forma de<br />
arrecadação tributária) ainda parece bem aquém do<br />
proporcionado pela antiga atividade industrial. Isto,<br />
evidentemente, tem um reflexo direto sobre a capacidade<br />
de alavancagem econômica e social destes projetos.<br />
Por outro lado, há aqueles que defendem que o<br />
alvo principal das políticas públicas da cidade deve ser a<br />
revitalização da própria indústria local. Mas aqui também<br />
as estratégias se bifurcam. Há aqueles que propõem a<br />
geração de um ambiente propício às vantagens comparativas<br />
do lado da oferta, sobretudo através de medidas<br />
de concessão fiscais e trabalhistas para evitar a “evasão<br />
industrial” e para atrair novas empresas. Thompson (1997)<br />
relata experiência da mesma Detroit, nos anos 1980, os<br />
mais agudos de sua crise, em que a Prefeitura (gestão<br />
Coleman) e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria<br />
Automobilística (UAW) de Detroit optaram por este<br />
caminho, realizando vultosas reduções fiscais e sindicais4 (salários, benefícios e condições de trabalho). No entanto,<br />
a autora conclui que as medidas não alcançaram resultados<br />
minimamente aceitáveis.<br />
O equívoco desta via “inferior” (como denominou<br />
Sengenberger e Pike, 1999), reside, ao que parece,<br />
no fato de que desconsidera que os determinantes da<br />
1 Thompson (op. cit.) exemplifica com as concessões<br />
sindicais à Chrysler, em 1981, que resultaram num total<br />
de economia da ordem de US$ 673 milhões, incluindo<br />
corte salarial de US$ 1,15 por hora.<br />
34<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
crise industrial não residem propriamente nos altos<br />
impostos municipais ou estaduais, nem nos custos trabalhistas,<br />
e sim no profundo processo de reestruturação<br />
industrial, que inclui as novas formas de organização da<br />
produção e do trabalho, a concentração do capital, a<br />
racionalização de plantas e processos produtivos, entre<br />
outros.<br />
Uma segunda via, pregada por outro conjunto<br />
de autores – e no qual nos incluímos (Conceição, 2001)<br />
– é aquela que busca conjugar as políticas que visam<br />
atrair os investimentos do setor financeiro, do turismo e<br />
do comércio com um esforço mais eficaz no sentido da<br />
revitalização sustentável do parque industrial. Isto<br />
significa apoiar sistemas de parceria e cooperação entre<br />
as empresas intra e intercadeias produtivas (Scott, 2000);<br />
o estímulo à adoção de fontes de energia e processos<br />
produtivos ecologicamente aceitáveis; a escolarização e<br />
a requalificação da mão-de-obra; e as iniciativas que vão<br />
ao encontro dos movimentos de reestruturação industrial<br />
em curso, tais como o estímulo à criação local – e, portanto,<br />
retenção da geração de renda na própria região –<br />
de empresas para atender os serviços industriais que a<br />
grande indústria está repassando a fornecedores terceiros,<br />
tais como logística, manutenção, pintura, engenharia,<br />
processamento de dados, alimentação etc.<br />
Ressalve-se que todos os caminhos alternativos<br />
apontados acima são compatíveis com uma série de<br />
projetos sociais complementares que já vêm sendo<br />
implementados por algumas destas regiões, objetivando<br />
minimizar os efeitos mais perversos da crise de emprego.<br />
Podem ser citados o apoio ao micro-crédito, o<br />
estímulo à formação da autogestão e cooperativas de<br />
trabalhadores, o apoio à escolarização e requalificação<br />
da mão-de-obra, as frentes de trabalho associadas aos<br />
programas públicos de obras em infra-estrutura educacional,<br />
saneamento básico, entre outros.<br />
Para finalizar, cabe dizer que a revitalização das<br />
cidades industriais ainda é um processo em aberto. Não<br />
se pode afirmar ainda que este caminho é melhor do que<br />
aquele. Mas seguramente a melhor alternativa será aquela<br />
que diagnostique melhor os elementos da crise e<br />
evidencie com clareza as opções em jogo. E é muito<br />
provável que também seja aquela em que os diversos<br />
atores sociais consigam, de modo negociado, inserir e<br />
perceber nela o atendimento de suas demandas. Qualquer<br />
que seja a escolha há evidências de que as “livres forças<br />
de mercado” estão longe de se constituir como o caminho<br />
ideal para as cidades industriais.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
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N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
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* Economista formado pela URJ, Mestre em<br />
Administração pelo IMES, doutorando em<br />
Sociologia pela USP e técnico do DIEESE.<br />
35
36<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
RESUMO: Este artigo apresenta opiniões históricas e<br />
sociológicas a respeito do Grande ABC, em particular,<br />
de Diadema. Na primeira parte faz-se uma recuperação<br />
histórica das nações indígenas e dos negros na produção<br />
de riquezas em nível nacional, na resistência e na<br />
acumulação de forças contra a dominação européia. A<br />
marca dessa dominação resultou em massacres de milhões<br />
de seres humanos sob o modelo agro-exportador. Na<br />
segunda parte são feitas algumas reflexões sobre a história<br />
do movimento operário do ABC, como instrumento de<br />
acúmulo de forças no período da industrialização, do<br />
modelo substituição de importações e do modelo<br />
monopolista dependente associado. Essa dependência<br />
subordinou-se, nas últimas décadas, ao monopólio das<br />
transnacionais sob a lógica da tirania do dinheiro e das<br />
informações. O movimento operário da região se<br />
constitui a partir das reivindicações econômicas e das<br />
lutas políticas do anarco-sindicalismo, da hegemonia<br />
comunista na esquerda e do chamado sindicalismo<br />
combativo, que dá origem ao PT e à CUT. O objetivo<br />
desse resgate é o de compreender melhor algumas<br />
determinantes histórico-sociológicas, dos “de baixo” na<br />
perspectiva de uma possível continuidade na construção<br />
do sonho de liberdade ou do poder popular. Se existe ou<br />
não um fio condutor entre os lutadores do passado para<br />
o presente e que possa alimentar sonhos futuros. Seja<br />
das nações indígenas, dos negros contra a discriminação<br />
étnica, dos trabalhadores livres e dos movimentos sociais<br />
ou da “democracia participativa”.<br />
ABSTRACT: This article presents historical and<br />
sociological opinions about the so-called “Grande ABC”<br />
area and, more specifically, about Diadema. In the first<br />
part of it, a historical recovery of the indigenous nations<br />
and of the black people in the production of wealth at<br />
the national level, as well as in the resistance and in the<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
O SENTIDO DA HISTÓRIA: EM BUSCA DO PODER POPULAR<br />
JOSÉ ALONSO KLEIN*<br />
accumulation of forces against the European domination<br />
is made. Such domination resulted in the massacre of<br />
millions of human beings under the agricultural-exporting<br />
model. In the second part of it, some reflections about<br />
the history of the movements of the working classes of<br />
the ABC area as an instrument for the accumulation of<br />
forces in the period of the industrialization of the country<br />
and of the substitution of the importation model – and<br />
the depending monopolist model associated to it – are<br />
made. Over the last decades, such dependence has<br />
become subordinated to the monopoly of the transnational<br />
companies under the logic of the tyranny of<br />
the capital and of the information. The social movements<br />
of the working classes of the area has been constituted<br />
from the economical demands and the political struggle<br />
of the anarchic-syndicalism, from the communist<br />
hegemony in the left and from the so-called fighting<br />
syndicalism, which have originated the PT (Brazilian<br />
Labor Party) and the CUT (Brazilian Central Union of<br />
the Workers). The objective of such historical rescue is<br />
to better understand some decisive historical-sociological<br />
conditions, from “the lower ones” in the perspective of<br />
a possible continuity in the construction of the dream<br />
of freedom or of the popular power. Whether there is a<br />
common line uniting the fighters of the past and those<br />
of the present, and if so whether it may nurture future<br />
dreams. Be it from the indigenous nations, from the black<br />
people against segregation, from free workers and social<br />
movements or from the “participating democracy”.<br />
PALAVRAS-CHAVE: acúmulo de forças, resistência,<br />
poder popular dos “de baixo”.<br />
KEYWORDS: accumulation of forces, resistance,<br />
popular power of “the lower ones”.<br />
37
1 O SENTIDO DA HISTÓRIA – OS “DE<br />
BAIXO” CONSTROEM SONHOS DE<br />
LIBERDADE E DE PODER POPULAR<br />
“A nação é levada a pensar-se por seus<br />
intelectuais, artistas, líderes, grupos, classes, movimentos<br />
sociais, partidos políticos, correntes de opinião pública<br />
(...) Ao pensar o presente, são obrigadas a repensar o<br />
passado, buscar e rebuscar continuidades, rupturas e<br />
inovações. Mesmo quando pretendem o futuro, são postas<br />
a pensar outra vez o passado, acomodá-lo ao presente,<br />
ou até mesmo transformá-lo em matriz do devir”<br />
(IANNI, 1992, p. 7 e 8).<br />
O artigo em debate refere-se ao primeiro capítulo<br />
da dissertação de Mestrado em Administração de Klein<br />
(2002), que pesquisou sobre o tema: O poder popular –<br />
democracia participativa em Diadema. A partir da<br />
colonização brasileira até os dias de hoje, todas as<br />
transições políticas do Estado foram feitas de cima para<br />
baixo, conhecidas como “transições pelo alto”. Os pobres<br />
foram, ao longo dessa História, os responsáveis pela<br />
extração ou produção de riquezas. Os índios e negros na<br />
mineração e na agricultura (1500 a 1888), os<br />
trabalhadores “livres”, na agricultura e na industrialização<br />
(1889 a 2002). No entanto, em nenhum momento, os<br />
“de baixo” ocuparam o poder central da nação brasileira<br />
porque a correlação de forças objetiva e subjetiva em<br />
poucas oportunidades esteve a seu favor.<br />
Talvez uma única possibilidade histórica objetiva,<br />
nesse sentido, tenha-se apresentado, em 1964, a partir<br />
do golpe militar. A classe dominante usou a força militar<br />
nacional e internacional, contou com o reforço dos EUA<br />
e das multinacionais para derrubar o governo brasileiro<br />
que se propunha realizar reformas de base. Naquele<br />
período, havia o espaço revolucionário tanto para a<br />
burguesia “nacional” quanto para a esquerda sob<br />
hegemonia do PCB. Segundo lorestan ernandes<br />
(1986), a burguesia preferiu abrir mão do projeto nacional<br />
e “associar-se” ao capital mundial. O PCB se omitiu de<br />
fazer a luta contra o golpe militar, enquanto outras<br />
dezenas de forças, guerrilhas urbanas e rurais<br />
minoritárias, reagiram e foram aniquiladas ao longo das<br />
resistências contra o regime. Em períodos anteriores da<br />
História do Brasil, houve outras lutas importantes dos<br />
“de baixo”: a Confederação dos Tamoio, o Quilombo<br />
dos Palmares; da Guerra de Canudos; do Contestado,<br />
entre outras, também todas aniquiladas pela classe<br />
dominante brasileira. Para contextualizar esse período<br />
38<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
histórico, são indicados os principais tópicos dos modelos<br />
capitalistas de produção: o modelo “agro-exportador”<br />
(1500 a 1930), o modelo de “substituição de importações”<br />
(1930 a 1964) e o modelo “monopolista dependente<br />
associado” (1964 a 2002). O atual modelo está<br />
em crise somente do ponto de vista “associado”. Segundo<br />
Santos (2001), a tirania do dinheiro e a tirania das<br />
informações são de imposição via motor único da maisvalia<br />
universal.<br />
Em nível internacional, o sistema social do<br />
chamado “socialismo real” até 1989 fazia o contraponto<br />
ao capitalismo, mesmo que questionável em vários<br />
aspectos, mas segurava a ferocidade do livre mercado<br />
em grande parte do mundo. Após a “queda do muro de<br />
Berlim”, o mundo ficou quase livre de barreiras para o<br />
fluxo internacional do capital. As razões da falência do<br />
Estado soviético são várias, porém a que mais interage<br />
com o objeto de estudo da referida dissertação de Klein<br />
é o aspecto da exclusão dos sovietes (conselhos<br />
populares) do poder frente ao Estado burocrático. No<br />
Estado soviético, os “de baixo” também ficaram<br />
excluídos do poder real, deixou de ser poder do<br />
proletariado, embora tenha sido resultado de uma<br />
revolução de baixo para cima. Na atualidade, os<br />
militantes que se referenciam no ideário socialista estão<br />
avaliando o Manifesto do Partido Comunista (Marx e<br />
Engels, 1848) após 150 anos da sua existência. Percebese<br />
um esforço de vários autores para atualizar as<br />
discussões de Marx e Engels. Avalia-se, por exemplo,<br />
que algumas experiências revolucionárias de alguns países<br />
latino-americanos, a exemplo de Cuba, ocorreram no<br />
sentido da libertação nacional, em primeiro momento e<br />
no sentido da emancipação da classe trabalhadora, em<br />
segundo momento.<br />
Em seu projeto político, “O modo petista de<br />
governar”, o PT apresenta diferenças em sua prática<br />
administrativa de município para município. Contribuições<br />
teóricas de vários autores indicam que existem<br />
divergências quanto aos resultados práticos e de<br />
concepção deste modo participativo de governar. Em<br />
princípio, as políticas públicas locais apontam priorização<br />
na infra-estrutura e na área social para recuperar a autoestima<br />
da população e para garantir os direitos básicos<br />
dos cidadãos. Porém, esta priorização teórica apresenta<br />
problemas frente às políticas neoliberais que forçam o<br />
enxugamento do Estado em função das políticas fiscais<br />
do MI e dos banqueiros. Em conseqüência da<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
diminuição de recursos para a área social, apresentamse<br />
maiores demandas de direitos não atendidos pelas<br />
administrações e cresce a cobrança dos movimentos<br />
sociais no ABC e no país.<br />
1.1 Escravidão de índios e negros – resistências e<br />
massacres durante o modelo agro-exportador<br />
Mesmo pouco povoada, a região do ABC possuía<br />
trabalho escravo de índios e de negros, havendo uma<br />
variação quantitativa entre os diferentes momentos<br />
históricos da ocupação geográfica e de produção.<br />
Monteiro, no II Congresso de História do Grande ABC,<br />
faz uma caracterização do trabalho escravo na região<br />
até ao final do século XVIII. Segundo o autor, enquanto<br />
presença na população e enquanto estrutura de produção<br />
de riquezas, o ator principal foi o índio nesse período.<br />
Karaí-Mirim, representante dos índios guaranis nesse<br />
Congresso, avaliou a situação dos mesmos, que, segundo<br />
ele, em muitos casos eram amarrados ao canhão e ali<br />
explodiam para servirem de exemplo à população<br />
restante. Só com o passar do tempo que se começou a<br />
adotar uma outra prática, salvar o corpo do índio porque<br />
ele era necessário como escravo. José de Souza Martins,<br />
também nesse Congresso, apontou como grande<br />
problema a falta de democracia das informações sobre a<br />
escravidão na região. Segundo Martins, a documentação<br />
do mosteiro de São Bento contém muitas informações<br />
ricas a respeito do assunto, porém pouca gente tem<br />
acesso. Em 1730, havia 17 escravos na região; em 1886,<br />
o número aumentou para mais de 50. A maior concentração<br />
de escravos (índios e negros) durante os séculos<br />
XVII e XVIII se deu nas fazendas Tijucussu e São<br />
Bernardo, dos beneditinos, atuais cidades de São Caetano<br />
e São Bernardo do Campo. No século XIX, com a<br />
redução do número de abades beneditinos e o aumento<br />
do tributo sobre o preço do escravo, houve uma<br />
aproximação dos abades com os escravos e aos poucos<br />
foi definhando esse tipo de trabalho. Segundo Iokoi<br />
(2001, p. 88), dois motivos básicos forçaram os beneditinos<br />
a acabar com a escravidão nas suas fazendas: a<br />
pressão moral muito forte contra a igreja, e a revolta dos<br />
escravos da fazenda de São Caetano. Tudo indica ter<br />
sido essa a primeira greve de trabalhadores da região<br />
(1870). Os escravos conheciam bem o trabalho rural e<br />
não conheciam o trabalho urbano; na exigência dos<br />
senhores sobre o trabalho semi-industrial, os escravos<br />
organizaram sua rebeldia.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
A partir de 1870, espalhou-se em todo o estado<br />
a fuga em massa que, aos poucos, desorganizou o<br />
trabalho escravo nas fazendas. A necessidade de força<br />
de trabalho na cidade de São Paulo e depois em outras<br />
cidades fez com que os fugitivos, em alguma medida,<br />
fossem contratados no trabalho urbano. Porém, a<br />
maioria dos ex-escravos não tinha para onde ir após a<br />
Lei Áurea de 1888, dando origem aos grandes bolsões<br />
de negros excluídos na periferia das cidades (favelas).<br />
Padre Bartolomeu de Las Casas responsabilizou<br />
os espanhóis pelo genocídio de 40 milhões de índios em<br />
60 anos na América. No quadro das divergências dos<br />
estudos “clássicos” sobre a população indígena do<br />
Continente Americano, os números variam entre 8,4<br />
milhões a 40 ou 50 milhões. No Brasil essas divergências<br />
numéricas variam entre 3 a 5 milhões de habitantes. No<br />
mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes, Curt<br />
Nimuendaju (In Ribeiro, 1984) registrou que havia 1400<br />
tribos pertencentes a 40 famílias lingüísticas. Na soma<br />
dos países: Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, segundo<br />
Pierre Clastres, havia cerca de 1.404 milhões de guaranis<br />
quando os europeus aqui chegaram.<br />
Os índios recebiam o batismo em troca da<br />
“liberdade”, aliados aos jesuítas para produção agrícola<br />
e do governo como força militar para expulsar invasores<br />
não portugueses, além de sustentar a dependência<br />
econômica dos colonos. Impôs-se a eles os costumes<br />
europeus em substituição da liberdade nativa, em nome<br />
do cristianismo e da civilização. Os colégios dos padres<br />
jesuítas que catequizavam em língua tupi na Bahia, São<br />
Paulo e Rio de Janeiro eram os instrumentos principais<br />
dessa aculturação. Ribeiro (1984) conclui que as derrotas<br />
dos índios da América se devem à desunião entre as<br />
diferentes tribos, além da inferioridade técnica de seus<br />
instrumentos de resistência contra os invasores<br />
portugueses e espanhóis. A única resistência significativa<br />
que se apresentou foi a Confederação dos Tamoio, que<br />
foi dizimada.<br />
Segundo ernandes (In Ribeiro, 1984), a resistência<br />
dos índios contra dominação portuguesa tinha<br />
três alternativas básicas: a expulsão do invasor pela<br />
força; a subordinação na condição de aliado como<br />
escravo e/ou a fuga para áreas inatingíveis. Ribeiro<br />
avalia que os índios trouxeram para a sociedade atual<br />
lições de respeito sobre a integridade da natureza e da<br />
democratização das relações humanas e de propriedade.<br />
Para Karaí-Mirim (2000, p. 27), a escravidão dos índios<br />
39
sobreviventes ainda não acabou. Segundo ele, o velho<br />
conquistador foi apenas substituído por um novo.<br />
Oficialmente, havia 900 nações indígenas quando os<br />
europeus chegaram aqui. Dessas, foram massacradas 720<br />
nações. Na atualidade há em torno de 180 nações.<br />
rancisca Severino (2001, p. 339 e 340), em sua análise<br />
da situação dos índios do Brasil, chega a uma conclusão<br />
semelhante à dos autores anteriores. Assim como no<br />
passado, o sistema de violência continua contra as nações<br />
indígenas brasileiras. No passado prevaleciam a “civilização”<br />
e a “cristianização”, em nome do ouro e de outras<br />
riquezas naturais. Atualmente, em nome de “salvar o<br />
pulmão do mundo”, das reservas da biodiversidade,<br />
porém do lucro internacional sob outro império, não mais<br />
o inglês, agora o norte-americano, além de outros<br />
interesses estratégicos, a privatização das águas, o<br />
domínio geopolítico, entre outros. Em nome do “desenvolvimento”<br />
nacional, a manipulação política e a<br />
transformação das reservas agricultáveis que se salvaram<br />
até aqui estão na mira dos negócios internacionais.<br />
A revista Cultura Negra (2000) registrou que os<br />
negros vieram substituir os índios, esses avaliados pelos<br />
portugueses como indolentes e avessos ao trabalho escravo.<br />
Durante os mais de 300 anos de escravidão no Brasil<br />
(séc. XVI a XIX), sob o “modelo agro-exportador”, foram<br />
trazidos da África entre 3 e 13 milhões de negros para o<br />
trabalho escravo. Essa disparidade numérica se deve<br />
principalmente ao fato de que a elite fez a tentativa de<br />
apagar da História a prática do tráfico e da escravidão<br />
brasileira. Rui Barbosa, Secretário de Estado de Negócios<br />
da azenda e Presidente do Tribunal do Tesouro<br />
Nacional, baixou um decreto (14/12/1890) para “limpar”<br />
a marca da escravidão frente aos outros países e de sua<br />
própria população. Já que a escravidão havia oficialmente<br />
terminado em 1888, deveria destruir todos os vestígios<br />
que ficaram por honra da pátria, e mandou queimar todos<br />
os documentos referentes ao assunto.<br />
Segundo Moura (1988), houve várias formas de<br />
resistência contra a escravidão no Brasil. Os negros<br />
resistiram na organização dos quilombos, com destaque<br />
ao Quilombo dos Palmares, entre outras formas de luta<br />
com alta capacidade de organização. Essa resistência dos<br />
negros se caracterizou no sentido de preservar crenças,<br />
valores culturais, alforrias, valores materiais, cultos e pelo<br />
fim da escravidão. Segundo Moura, os quilombolas<br />
dominavam estradas e áreas de terra do Pará ao Rio<br />
Grande do Sul. rancisca Severino (2001, p. 343 e 345)<br />
40<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
denunciou a violência da escravidão. Além de ter feito<br />
do negro um mero instrumento de trabalho, à força, ele<br />
foi dominado na sua cultura, na sua subjetividade antropológica,<br />
o que caracteriza uma dominação estrutural<br />
totalitária (física e espiritual) e a pior das violências contra<br />
segmentos sociais. O desafio de desfazer-se da discriminação<br />
contra o negro hoje é de recuperar a sua identidade,<br />
sem aceitar a inferiorização que se perpetua no sistema<br />
social brasileiro ao longo dos últimos quinhentos anos.<br />
1.2 Operários do Grande ABC – acumulação de<br />
forças frente ao modelo “substituição de<br />
importações” e ao modelo “monopolista<br />
dependente associado”<br />
O movimento operário no ABC iniciou-se junto<br />
ao movimento grevista do país, nas cidades mais industrializadas<br />
a partir do dia 1º de Maio de 1906. Nesse<br />
mesmo ano, realizou-se a primeira greve de assalariados<br />
da região na fábrica Ipiranguinha. A empresa empregava<br />
500 trabalhadores, dos quais 150 tecelões que realizaram<br />
uma greve de um mês. Depois do fechamento temporário<br />
da empresa, de muitas agressões policiais e da ameaça<br />
de demissões por parte dos patrões, os trabalhadores<br />
voltaram ao trabalho. Essa greve foi debatida no Primeiro<br />
Congresso Operário Brasileiro de 1906. Nesse congresso<br />
foi substituída a idéia de sindicatos por ofício pelo sistema<br />
federativo de sindicatos ou sociedades de resistência de<br />
diferentes categorias do operariado, garantindo autonomia<br />
aos mesmos.<br />
Em 1908, a recessão econômica no Brasil fez<br />
com que o movimento grevista operário surgido desde<br />
1901 sofresse um refluxo significativo com a crescente<br />
onda de desemprego. Nesse mesmo ano, segundo Iokoi<br />
(2001), uma organização de orientação anarquista, a<br />
União Internacional dos Canteiros de Ribeirão Pires, se<br />
destacou como melhor organização operária do ABC,<br />
inclusive durante toda a Primeira República. Entre 1909-<br />
1912 houve um refluxo do movimento operário devido<br />
à crise econômica e a partir de 1913-1914 houve uma<br />
retomada significativa das lutas operárias que marcaram<br />
seu apogeu entre 1917-1919. Os canteiros das pedreiras<br />
de Ribeirão Pires mantiveram-se na militância permanente<br />
no operariado organizado com estreitos vínculos<br />
com o anarquismo. Esses militantes marcaram presença<br />
importante nos congressos operários nacionais entre 1913<br />
e 1920. A greve dos trabalhadores de São Paulo em julho<br />
de 1917, no ano da Revolução Russa, marcou a história<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
de grandes greves brasileiras. A industrialização brasileira<br />
de grande porte se iniciou em 1889. Segundo Iokoi (2001)<br />
esse processo tardio e recente do desenvolvimento<br />
industrial fez com que o empresariado e as<br />
autoridades brasileiras não soubessem como enfrentar o<br />
problema das greves, quase sempre encaradas como caso<br />
de polícia e não como um problema social.<br />
Munakata (1981) conclui que o Estado assumia<br />
o papel de interventor nas relações capital e trabalho, a<br />
favor do capital, entre 1889-1930. Embora na época<br />
prevalecesse para os liberais e também para os anarcosindicalistas,<br />
a não-intervenção do Estado nessas relações.<br />
Os liberais porque entendiam o papel do Estado<br />
apenas para algumas questões sociais e não na economia<br />
em geral. Para os anarquistas, por ignorarem a necessidade<br />
da existência de qualquer instituição, as negociações<br />
trabalhistas tinham que acontecer de forma direta<br />
entre patrões e trabalhadores. No ano de 1917, uma<br />
greve deflagrada pelos trabalhadores da ábrica<br />
Cotonifício Crespi tornou-se quase geral em São Paulo,<br />
atingindo 45.000 trabalhadores. O estopim desta greve<br />
foi o assassinato do sapateiro Antonio Martinez, baleado<br />
pela orça Pública (09/07/17), em repressão à greve<br />
deflagrada contra o prolongamento do trabalho noturno<br />
de 2.000 trabalhadores. O enterro de Martinez foi acompanhado<br />
por aproximadamente 10.000 operários.<br />
Em meados de 1918, os trabalhadores do ABC<br />
criaram a União Operária de São Bernardo do Campo,<br />
uma composição de várias categorias: trabalhadores da<br />
construção civil, metalúrgicos, químicos e mobiliários,<br />
dentre outros. Suas principais bandeiras de luta foram:<br />
redução da jornada de trabalho e o fim da Primeira Guerra<br />
Mundial. O movimento grevista continuou mais forte<br />
em abril de 1919, com a paralisação dos trabalhadores<br />
da iação Ipiranguinha, que já lutavam contra a jornada<br />
do trabalho noturno. Os trabalhadores foram intensamente<br />
perseguidos no final de abril. Nesse contexto, os<br />
dirigentes prepararam o dia 1º de Maio, contando com a<br />
participação da União Operária. No dia 5 de maio, os<br />
trabalhadores faziam uma passeata, quando pararam em<br />
frente à fábrica de móveis Streiff, em Santo André. Um<br />
dos líderes da União Operária, Constantino Castelani,<br />
foi friamente assassinado pelas forças policiais quando<br />
subia num caixote para iniciar um discurso. A União<br />
Operária foi duramente reprimida e desorganizada, seus<br />
dirigentes foram presos, sua sede foi invadida pela polícia,<br />
a partir da greve de 1919. Mesmo assim, continuou sendo<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
uma importante referência política, por isso deveria ser<br />
reorganizada para continuar a mobilização dos trabalhadores.<br />
Os grevistas continuaram sua luta, mesmo sem<br />
poder contar com a União Operária. Em outubro de<br />
1919, os trabalhadores da Light Power realizaram uma<br />
greve em todo o estado, inclusive no ABC. Munakata<br />
(1981) observou que em 1919, no Tratado de Versalhes,<br />
foi assinado, entre os países em guerra, o acordo do fim<br />
da I Guerra Mundial e entre outras deliberações foi criada<br />
a OIT (Organização Internacional do Trabalho).<br />
Em 1922, os trabalhadores das pedreiras de<br />
Ribeirão Pires, os mais combativos da época, obtiveram<br />
vitórias em melhorias salariais e trabalhistas contra os<br />
patrões. O sindicalismo libertário mantinha um vínculo<br />
articulado de lutas com as organizações populares. Os<br />
sindicalistas distribuíam panfletos à população, recomendando<br />
o não consumo dos produtos das fábricas que<br />
reprimiam e demitiam trabalhadores, dando o nome dos<br />
patrões e esclarecendo o motivo do boicote. Nesse período<br />
histórico, o movimento popular marcou presença<br />
nas intensas lutas contra a carestia, além de apoiar concretamente<br />
as lutas operárias. Entre 1917 e 1920,<br />
ocorreram cerca de 156 greves em São Paulo, enquanto<br />
entre 1920 e 1940 apenas ocorreram 127. Artur Bernardes<br />
a partir de 1924 e o “Estado Nacional” forte de Getúlio<br />
Vargas a partir de 1930 atrelaram a estrutura sindical ao<br />
Estado. Com a tomada do governo por Vargas em 1930, o<br />
capitalismo deixou de ser, na sua essência, rural para tornarse<br />
hegemonicamente urbano e industrial (CEDI, 1987, p.<br />
48-55). Martins (2000, p. 65) observou que o governo de<br />
Vargas estava de olho na região do ABC por uma questão<br />
estratégica nacional, particularmente através da indústria<br />
de interesse militar.<br />
O sindicalismo de Estado, em meio à crise do<br />
capitalismo internacional de 1929, mudou a relação entre<br />
as classes sociais no Brasil. A estrutura sindical começou<br />
a viver um dilema: enquanto crescia o movimento operário<br />
com a industrialização do país, o Estado centralizado<br />
exercia uma nova forma de dominação de classe. Getúlio,<br />
inspirado no fascismo italiano, criou uma política sindical<br />
corporativista. Criou também o Ministério do Trabalho,<br />
a Justiça do Trabalho e a CLT (Consolidação das Leis<br />
Trabalhistas), com o objetivo de conter os conflitos entre<br />
as classes. Essas mudanças no campo político e econômico<br />
da conjuntura nacional e internacional repercutiram<br />
com muita força no ABC. No início dos anos 1930, o<br />
sindicalismo oficial marcou o fim do sindicalismo liber-<br />
41
tário na região. Em relatos do CEDI (1987) consta que<br />
os sindicatos oficiais, a criação do imposto sindical, o<br />
dissídio individual nas causas trabalhistas facilitaram o<br />
surgimento dos chamados sindicatos “pelegos”.<br />
O dia 1º de Maio, dia internacional de lutas, foi<br />
aprovado como feriado nacional por Getúlio e passou a<br />
ser o dia de grandes concentrações de trabalhadores nos<br />
estádios de futebol para anunciar as novas medidas<br />
sindicais e trabalhistas do governo. Em 1928, militantes<br />
do PCB (Partido Comunista Brasileiro), com medo das<br />
perseguições policiais, reuniam-se no mato em São<br />
Bernardo do Campo, na tentativa de reconstruir e oficializar<br />
a União Operária, com o novo nome “Sindicato de<br />
Ofícios Vários”. Após dois anos de abaixo-assinados e<br />
mobilizações, o Ministério do Trabalho negou o pedido<br />
alegando tratar-se de sindicatos que representariam mais<br />
do que uma categoria. O anarco-sindicalismo no ABC<br />
também persistia na reconstrução da COB (Confederação<br />
Operária Brasileira); não tendo mais espaço<br />
político para sindicatos independentes, a idéia foi aniquilada<br />
pelo sindicalismo oficial. O primeiro sindicato oficial<br />
a surgir no ABC foi o Sindicato dos Marceneiros, cuja<br />
comissão organizadora foi escolhida em outubro de 1932.<br />
O segundo foi o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo<br />
André, que na época formava município único com São<br />
Bernardo do Campo. Em 1947, Armando Mazzo, militante<br />
do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, foi<br />
eleito primeiro prefeito operário comunista do país,<br />
cassado dias antes da sua posse junto com treze vereadores<br />
comunistas daquela cidade. O PCB, embora fundado<br />
em 1922, organizou-se no ABC em 1925 e passou a<br />
assumir papel de direção do movimento operário em<br />
1932. Sua concepção política global era de apoio ao<br />
projeto populista de frente ampla da classe trabalhadora<br />
em sintonia com a burguesia nacional.<br />
A Igreja, através da JOC (Juventude Operária<br />
Católica), organizou-se na região a partir de 1945, com a<br />
criação da Diocese de Santo André; a vinda do bispo D.<br />
Jorge Marcos reforçou a luta dos trabalhadores do ABC.<br />
No meio da militância católica, havia também pelegos,<br />
inclusive integralistas que tinham sua sede com o nome<br />
“Sociedade de Socorro Mútuo Italiano”, na Avenida<br />
Marechal Deodoro, em São Bernardo do Campo,<br />
conhecida como o “Partido da Marechal”. Com a<br />
implantação do Estado Novo, em 1937, Getúlio mudou<br />
as regras da estrutura sindical, perseguiu e prendeu<br />
vários líderes de esquerda. Quase fechou as portas dos<br />
42<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
sindicatos, funcionando sob comando policial e com<br />
direções conservadoras. Somente em 1942 foram retomadas<br />
as lutas sindicais. O Sindicato dos Metalúrgicos,<br />
sob a presidência de Marcos Andreotti, dividia sua sede<br />
com várias outras categorias. Em 1935, aconteceu uma<br />
das lutas mais importantes do período, a greve na Pirelli,<br />
que se alastrou para outras categorias e resultou em<br />
ganhos parciais. Para não deixar de lado a idéia de unificar<br />
as forças no ABC, uma vez que a legislação trabalhista<br />
proibia organizações entre as categorias, os trabalhadores<br />
metalúrgicos, químicos, da construção civil, borracheiros<br />
e mobiliários organizaram uma Cooperativa de Consumo<br />
como instrumento de resistência contra a imposição do<br />
Estado. Em 1943, na comemoração do 1º de Maio, uma<br />
imensa manifestação de trabalhadores no estádio do<br />
Pacaembu exigia a redemocratização do país. Nesse dia,<br />
Getúlio anunciou a CLT, enquanto os cartazes exibidos<br />
pelos trabalhadores exigiam liberdade sindical, aumento<br />
salarial, eleições diretas para presidente da República e<br />
anistia aos presos políticos (entre outros, Luís Carlos<br />
Prestes).<br />
Em 1944 e 1945, as lutas se intensificavam<br />
contra o nazi-fascismo e pela anistia aos sindicalistas; o<br />
movimento sindical levantou a bandeira de uma<br />
Assembléia Constituinte e pela legalidade dos partidos<br />
políticos, inclusive do PCB. Em 1945, com o fim da<br />
ditadura Vargas, os trabalhadores deflagraram várias<br />
greves no país: funcionários públicos, bancários,<br />
estivadores, motoristas. Depois de um conjunto de lutas<br />
no ABC e no país pelas liberdades democráticas, Getúlio<br />
anunciou eleições gerais em 90 dias a partir de 28 de<br />
fevereiro de 1945. Em 18 de abril do mesmo ano foi<br />
decretada a anistia aos presos políticos e, no mesmo mês,<br />
os trabalhadores criaram o Movimento Unificador dos<br />
Trabalhadores (MUT). A bandeira principal do MUT era<br />
o fim do imposto sindical, defendido pelos sindicalistas<br />
que voltaram da prisão. Contra a vontade de parte<br />
expressiva dos sindicalistas combativos e todas as<br />
lideranças dos sindicatos “pelegos”, a proposta foi<br />
enterrada em menos de um ano e o MUT se desarticulou.<br />
O PCB saiu fortalecido do processo, Luís Carlos Prestes,<br />
após 9 anos de prisão, realizou grandes comícios no ABC,<br />
reforçando o partido.<br />
A CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores<br />
do Brasil) que havia sido rearticulada em 1946 foi fechada<br />
em 1947 e as eleições sindicais foram suspensas. O<br />
Ministério do Trabalho fez intervenção em cerca de 400<br />
sindicatos no governo Dutra. Uma greve de 300.000<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
trabalhadores em São Paulo criou condições para a<br />
retomada dos sindicatos, em 1953. Um ano depois, foi<br />
fundado o PUA (Pacto de Unidade e Ação Sindical) e<br />
também foi realizada uma eleição do Sindicato das<br />
Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e Material Elétrico<br />
dos Municípios de Santo André, São Caetano do Sul,<br />
São Bernardo do Campo, Ribeirão Pires e Mauá. O<br />
resultado foi vitorioso para os não intervencionistas,<br />
porém o interventor Rafael Martins anulou o processo e<br />
continuou na direção. Somente em 1956, uma chapa<br />
encabeçada por Henrique Lopes (“pelego”), com maioria<br />
de comunistas na direção, conseguiu afastar a intervenção<br />
do sindicato. Durante o governo de Kubitschek, entre<br />
1956 e 1961, no “Plano de Metas”, alterou-se totalmente<br />
a estrutura industrial do país, estimulando a instalação<br />
das grandes multinacionais. As montadoras de automóveis:<br />
Willys, Vemag, Volkswagen, ord, Internacional<br />
Harverster, Mercedes Bens e General Motors foram<br />
instaladas no ABC. São Bernardo do Campo passou a<br />
ter 40.000 trabalhadores em sua base sindical, dado que<br />
a maioria das empresas se instalou nessa cidade. Com o<br />
fim da II Guerra Mundial, que deu vitória aos EUA e<br />
seus aliados , e o fim da ditadura de Getúlio, o movimento<br />
sindical retomou suas lutas no ABC. Mas a democracia,<br />
a liberdade e a participação popular tiveram vida curta.<br />
Com a vitória eleitoral do General Dutra, as intervenções<br />
nos sindicatos voltaram e foi promulgada uma lei<br />
antigreve, que resultou na intervenção do Sindicato dos<br />
Metalúrgicos em 1947.<br />
Durante a vigência da Guerra ria entre o bloco<br />
capitalista e o bloco socialista, os comunistas em todo o<br />
país passaram a ser perseguidos e condenados à clandestinidade.<br />
Getúlio voltou ao governo pelo voto direto em<br />
1950, adotou um discurso e práticas nacionalistas. Ao<br />
perceber a ameaça de golpe pelas forças conservadoras,<br />
ele se suicidou em 1954. Em 1956, Juscelino Kubitschek,<br />
eleito presidente da República, acelerou o processo de<br />
industrialização com a implantação das montadoras<br />
automobilísticas multinacionais. Segundo contribuições<br />
da ACO (Ação Católica Operária, 1985), a população<br />
brasileira, de modo geral, alegrou-se muito com o plano<br />
“50 anos em 5” (Plano de Metas), porque melhorou o<br />
padrão de vida dos trabalhadores e da população durante<br />
a instalação inicial das multinacionais no Brasil. As<br />
pessoas só perceberam o processo rápido de dependência<br />
que se instalou em território nacional bem mais tarde,<br />
quando se percebeu que recursos do Estado foram<br />
usados para garantir as instalações estrangeiras. O<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
movimento sindical brasileiro retomou sua efervescência<br />
durante o governo de João Goulart, que foi interrompido<br />
com o golpe militar em 1964. Por mais que esse período<br />
tenha deixado sua marca de importantes mudanças<br />
políticas, econômicas e sociais, nele prevaleceu a cooptação<br />
e a desorganização sindical. A classe trabalhadora<br />
virou sócia menor nas relações entre o capital e o trabalho.<br />
O período do populismo brasileiro foi de muitas<br />
mobilizações e conquistas para os trabalhadores, mas<br />
também acabou conduzindo a história do movimento<br />
operário à sua maior derrota política, ou seja, para o golpe<br />
militar e à ditadura de 1964-1985 (CEDI, 1987, p. 79).<br />
Com a retomada das lutas sindicais, em 1957, aconteceu<br />
o primeiro dissídio coletivo acompanhado de uma ampla<br />
greve em São Paulo, inclusive no ABC, que durou 15<br />
dias. Em 1959, foi fundada a Associação Profissional<br />
dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de<br />
Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema,<br />
desmembrando-se do Sindicato dos Metalúrgicos de<br />
Santo André. No mesmo ano, houve uma greve geral em<br />
São Paulo contra a carestia, era uma proposta do PCB<br />
que criou força no movimento popular e sindical. Em<br />
1962, repetiu-se a luta contra a carestia, ampliada em<br />
todo país, com invasão de casas comerciais mais careiras<br />
no Rio de Janeiro. Nos anos 1960, a luta sindical do país<br />
e na região ocupou papel de destaque; período em que<br />
os índices de inflação eram alarmantes, a participação<br />
deste sindicato foi fundamental. Em 1961, os<br />
metalúrgicos de São Bernardo e Diadema conseguiram<br />
um reajuste de 40% no salário, aumento concedido sob<br />
ameaça de greve. Em 1962, conseguiram mais um<br />
aumento de aproximadamente 48%, em campanha<br />
conjunta com a ederação dos Metalúrgicos de São Paulo.<br />
Em fevereiro de 1963, a campanha salarial foi<br />
interrompida pela ação policial com espancamentos e<br />
prisões, em assembléia da categoria metalúrgica. Os<br />
trabalhadores transferiram a assembléia para um terreno<br />
do sindicato e decretaram assembléia permanente. Após<br />
muita negociação com o DRT, foi conquistado um<br />
reajuste de 70% e criada uma comissão paritária entre<br />
trabalhadores e patrões para discutir os próximos índices.<br />
Em janeiro de 1964, em grande assembléia da categoria,<br />
os trabalhadores aprovaram um índice único de 120% e<br />
uma procuração para a ederação dos Metalúrgicos de<br />
São Paulo negociar com os patrões. Durante essa<br />
assembléia, houve discursos inflamados na defesa de que<br />
somente as Reformas de Base resolveriam o problema e<br />
43
que uma revolução social brasileira estaria em curso. Após<br />
uma greve de cerca de 220.000 trabalhadores durante 3<br />
dias, envolvendo 30 sindicatos do estado, os trabalhadores<br />
conquistaram um reajuste salarial de 90%.<br />
Segundo o CEDI este foi o último grande movimento<br />
de conquistas para os trabalhadores no período, processo<br />
histórico interrompido pelo golpe militar de 1964. Os<br />
sindicatos ajudavam a organizar comícios e debates com<br />
alguns líderes da política nacional, entre eles Miguel<br />
Arraes, Luís Carlos Prestes e o presidente da República,<br />
João Goulart.<br />
No final de 1963, nas eleições sindicais dos<br />
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, concorriam<br />
duas chapas, uma representando a diretoria sob<br />
hegemonia do PCB e outra das forças conservadoras<br />
(Câmaras de vereadores, setores da Igreja e empresariado<br />
reacionários). Segundo o CEDI, esse foi o primeiro ensaio<br />
local para preparar o golpe militar. O resultado deu vitória<br />
fácil para os comunistas, porém os derrotados assumiram<br />
o sindicato como interventores durante a ditadura militar.<br />
A intervenção e a ocupação militar atingiram cerca de<br />
2.000 sindicatos no país. O resultado foi desastroso, a<br />
luta da classe foi substituída pelo assistencialismo<br />
atrelado ao Estado. A amortização e repressão dos movimentos,<br />
a tortura, a censura, os assassinatos de militantes,<br />
a política de arrocho salarial, a lei antigreve nº 4.330 e o<br />
fim da estabilidade do emprego marcaram parte da<br />
crueldade do período. Nessa repressão profunda e<br />
duradoura, as principais lideranças do movimento operário<br />
foram presas, perseguidas, exiladas ou assassinadas,<br />
desarticulando e destruindo as formas anteriores de<br />
organização da classe.<br />
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que<br />
tinha 70.000 sócios em 1964, foi reduzido para 40.000<br />
em 1969. Em São Bernardo e Diadema, entre 1964 e<br />
1966, 4.202 sócios pediram baixa na filiação sindical dos<br />
metalúrgicos. Em 1968, intensificam-se as mobilizações<br />
contra a ditadura militar, tendo como estopim principal<br />
o assassinato do estudante Edson Luís por ação policial<br />
no Rio de Janeiro. Grandes parcelas da sociedade<br />
brasileira, entre manifestações estudantis, greve dos<br />
metalúrgicos de Osasco – São Paulo e Contagem – Minas<br />
Gerais, foram reprimidas duramente (CEDI, 1987). A<br />
partir de 1968, no ABC, a esquerda articulada em torno<br />
da AP (Ação Popular), PCB e POLOP (Política Operária),<br />
que atuava de forma clandestina no movimento<br />
sindical, ainda que em pequena base social, conseguiu<br />
fazer oposição à diretoria atrelada aos militares. Em 13<br />
44<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
de dezembro de 1968, o governo militar promulgou o<br />
AI-5 (Ato Institucional nº 5), limitou a ação do Congresso<br />
Nacional e impôs as mais terríveis medidas repressivas.<br />
A resistência ao regime militar ficou mais difícil com o<br />
distanciamento dos sindicatos das reais aspirações da<br />
classe. As poucas lutas de resistência se organizavam<br />
nos bairros populares, nos clubes de rua, nas associações<br />
de moradores, nas pastorais sociais, nas CEBs. (Comunidades<br />
Eclesiais de Base). Os encontros, seminários,<br />
debates eram feitos nas Igrejas, como únicos espaços<br />
para organizar a resistência. O país começou a presenciar<br />
uma grande crise econômica em meados dos anos 1970,<br />
os militares perderam importantes bases sociais e parte<br />
da sociedade civil começou a manifestar-se contra o<br />
regime. O movimento estudantil fez grandes manifestações<br />
em 1976. O movimento popular contra a carestia,<br />
pelas liberdades democráticas e pela anistia começou a<br />
tomar as ruas do país.<br />
Durante os 502 anos de História, há muitas<br />
resistências mais orgânicas dos índios, a exemplo da<br />
“Confederação dos Tamoio”, dos escravos negros e seus<br />
aliados nos quilombos, destacando-se o Quilombo dos<br />
Palmares. Algumas lutas populares e experiências<br />
revolucionárias urbanas e rurais, que não se concluíram<br />
como estratégia porque foram enterrompidas pelas elites<br />
dominantes do país. Entre elas a Guerra de Canudos, o<br />
Contestado, a Guerrilha do Araguaia, as guerrilhas urbanas,<br />
entre outras. Nas décadas 1960-1970, mais de cinqüenta<br />
iniciativas revolucionárias se organizaram no Brasil em<br />
combate à ditadura militar, após o PCB renunciar sua<br />
vocação revolucionária. Segundo lorestan ernandes<br />
(1986), a burguesia deixou de realizar seu projeto de Brasil<br />
Nação nesse período, em associar-se ao projeto das<br />
multinacionais, abrindo mão do modelo econômico<br />
“substituição de importações” e dando origem ao modelo<br />
“monopolista dependente associado”. Da mesma forma,<br />
segundo o autor, o PCB, como maior partido da esquerda<br />
brasileira do momento, se omitiu a fazer a revolução<br />
socialista. Por essa razão a fragmentação revolucionária<br />
foi derrotada e seus integrantes presos, mortos ou exilados,<br />
além de abortar a possibilidade do Brasil Nação. Esse<br />
resultado consolidou uma ditadura militar que perdurou<br />
durante 21 anos (1964-1985). Segundo Prado Júnior, o<br />
conceito de revolução é geralmente usado no sentido de<br />
“insurreição”, tomada de poder à força e com uso de<br />
violência pelas forças sociais, categorias ou oposições. Para<br />
o caso brasileiro, trata-se de discutir um outro modelo de<br />
revolução. Esse modelo significa um processo histórico<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
construído por reformas e mudanças econômicas, sociais<br />
e políticas contínuas, concentradas num curto período<br />
histórico e que seqüencialmente façam transformações<br />
estruturais da sociedade sob o equilíbrio das diferentes<br />
classes e categorias sociais. Nesse processo, diz o autor,<br />
convivem em alternância a relativa estabilidade e as<br />
bruscas mudanças político-sociais que vão acelerando as<br />
relações sociais com transformações mais profundas<br />
(Prado Jr., 1978).<br />
A elite brasileira justificou o golpe e a ditadura<br />
militar como sendo uma reação preventiva a uma<br />
possível revolução brasileira, motivada pelos “ventos”<br />
revolucionários vindos de Cuba, com a vitória da<br />
Revolução naquele país em 1959. Revolução essa que<br />
combinou a luta pela libertação nacional e a emancipação<br />
da classe trabalhadora, segundo vários autores em<br />
releitura do Manifesto do Partido Comunista (1998).<br />
rancisca Severino (2001, p. 314 a 316), falando da<br />
participação das mulheres nas organizações populares,<br />
sindicais e revolucionárias na História do Brasil,<br />
enfatizou que normalmente elas são esquecidas ou lhes<br />
são atribuídas atividades ou interpretações de fragilidade.<br />
Mas na contra-ordem machista, as mulheres se<br />
somam aos homens na luta contra a dominação do<br />
sistema de exclusão social. A autora lembra da atuação<br />
dos revolucionários da Guerrilha do Araguaia e do MST<br />
(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) como<br />
exemplos de resistência e luta pela libertação,<br />
empurrados para a periferia, espaço no qual encontram<br />
apoio popular para organizar suas estratégias de<br />
transformação.<br />
Em 12 de maio de 1978, os trabalhadores da<br />
Saab-Scânia de São Bernardo do Campo bateram o<br />
cartão e entraram na fábrica, porém, não acionaram as<br />
máquinas, cruzaram os braços. Esta greve deu início a<br />
uma nova proposta sindical no país. Em 1975, foram<br />
assassinados os presos políticos Vlademir Herzog e<br />
Manoel iel ilho. Essa tragédia abriu caminho amplo<br />
de lutas pelo fim da ditadura militar. Em fevereiro de<br />
1978, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos<br />
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.<br />
No discurso de posse em abril, Lula denunciou o diálogo<br />
que o governo militar propôs para a transição e<br />
conclamou os trabalhadores para a luta. O sindicato<br />
tomou uma postura de mobilização e conscientização<br />
da categoria, que deu o resultado de algumas greves<br />
parciais, na ord e na Mercedes. Em 1978, realizou-se<br />
o III Congresso dos Metalúrgicos que, entre outras<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
coisas, decidiu pela criação da CUT (Central Única dos<br />
Trabalhadores), a luta pela criação das Comissões de<br />
ábrica, a unidade e pluralismo sindicais e eleições<br />
sindicais.<br />
Em abril de 1979, os metalúrgicos de São<br />
Bernardo do Campo e Diadema deflagraram a primeira<br />
greve de ampla adesão dos trabalhadores desde 1964.<br />
Com a legislação trabalhista ainda antigreve, a greve foi<br />
considerada ilegal, o Ministério do Trabalho fez a<br />
intervenção no sindicato e afastou toda a diretoria, que<br />
após 45 dias de “trégua” voltou ao sindicato. As<br />
assembléias da categoria passaram a ser feitas no Estádio<br />
da Vila Euclides (atual Estádio 1 º de Maio), a partir de<br />
março de 1979, porque os trabalhadores não cabiam mais<br />
na sede do sindicato. Em 1979 foi realizada uma greve<br />
da categoria de 41 dias, mesmo com a intervenção no<br />
sindicato, prisões de diretores, contando com o apoio do<br />
undo de Greve, da Igreja Católica, dos movimentos<br />
populares e outras instituições solidárias na luta. Em<br />
1980, São Bernardo do Campo virou uma praça de guerra<br />
depois da intervenção militar no sindicato. As manifestações<br />
de rua, as passeatas eram reprimidas, as assembléias<br />
somente podiam ser realizadas na Praça da Igreja<br />
Matriz, posteriormente apenas dentro da Igreja. No dia<br />
1 º de Maio de 1980 as forças militares ocuparam todas<br />
as ruas de São Bernardo do Campo para tentar impedir a<br />
realização do ato. Os trabalhadores começaram a se<br />
concentrar na missa, dentro da Igreja e, aos poucos,<br />
juntaram-se mais de 150.000 pessoas na Praça da Matriz,<br />
que saíram em passeata até o Estádio da Vila Euclides.<br />
Não restando outra saída, os militares recuaram. Após<br />
41 dias, os metalúrgicos suspenderam a greve e seus<br />
dirigentes foram soltos.<br />
2 ORIGEM E PRIMEIROS PASSOS<br />
DO PT E DA CUT<br />
A conjuntura exigia outras iniciativas da nova<br />
direção sindical, sobretudo com a nova tarefa de Lula,<br />
a de construir o PT. Seu distanciamento do papel de<br />
dirigente sindical deixou um certo vazio político e, ao<br />
mesmo tempo, delegou maior responsabilidade para os<br />
demais. A resposta da diretoria foi organizar os trabalhadores<br />
pela base, nas comissões de fábrica, na formação<br />
política, na propaganda e na ampliação de filiações<br />
sindicais. Luiz Roberto Alves (1999, p. 47) descreveu os<br />
aspectos culturais e a ação concreta daquele período<br />
como fatores significativos na mudança histórica da<br />
45
egião do Grande ABC. Ressaltou a importância da<br />
narrativa dos fatos, da memória que alimenta a solidariedade<br />
e o sonho nos marcos da transformação. Contudo,<br />
afirma Alves, é a ação concreta que unifica os agentes<br />
históricos e os faz apontar os caminhos conceituais das<br />
mudanças.<br />
O PT (Partido dos Trabalhadores) surgiu em 1980,<br />
a partir do combate à ditadura militar. O movimento<br />
operário enfrentou obstáculos políticos que não seriam<br />
resolvidos apenas na luta sindical, por isso entenderam<br />
a necessidade de se criar um partido político que<br />
defendesse os interesses dos trabalhadores. As referências<br />
internacionais do chamado socialismo real estavam em<br />
debate entre os trabalhadores. Entendia-se que também<br />
os sovietes (conselhos populares) da ex-URSS (União<br />
das Repúblicas Socialistas Soviéticas) foram excluídos<br />
do poder real a partir de 1924, com a morte de Lênin e o<br />
início do poder de Stalin. A postura de partido único do<br />
PCUS (Partido Comunista da União Soviética) também<br />
não servia de referência para os fundadores do PT. Por<br />
isso da definição de princípios do PT de massas,<br />
democrático e socialista. Sua estratégia intermediária<br />
seria o governo democrático-popular e sua estratégia<br />
principal a construção do socialismo.<br />
Em 1982, nas eleições para prefeitos e vereadores<br />
vários diretores do Sindicato dos Metalúrgicos foram<br />
eleitos em espaço institucional. Além de vários<br />
vereadores eleitos, Expedito Soares foi eleito deputado<br />
estadual, Djalma de Souza Bom foi o deputado federal<br />
com maior número de votos, 164.000; Lula fez 1.144.648<br />
votos para governo do estado de São Paulo; Gilson<br />
Menezes foi eleito primeiro prefeito do PT em Diadema.<br />
Em julho de 1983, 400 delegados realizaram o IV<br />
Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo<br />
em Piracicaba, tendo duas posições políticas em<br />
discussão: uma parcela dos delegados que defendiam a<br />
realização do I Congresso da Classe Trabalhadora – I<br />
CONCLAT, para a fundação da CUT (Central Única<br />
dos Trabalhadores) e outra representada pelos chamados<br />
pelegos e reformistas que propunham adiar este debate.<br />
A conjuntura para os trabalhadores brasileiros era difícil,<br />
o governo militar baixava muitos decretos contra os<br />
direitos trabalhistas (de arrocho salarial, entre outros)<br />
para atender as pressões do MI (undo Monetário<br />
Internacional), confrontando-se com o movimento<br />
sindical. Em reação ao Decreto-lei 2036, os operários<br />
petroleiros de Mataripe da Bahia e Paulínia de São Paulo<br />
exigiram estabilidade de emprego e o fim das perdas<br />
46<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
salariais. Em solidariedade, os trabalhadores metalúrgicos<br />
de São Bernardo do Campo e Diadema entraram em greve<br />
contra a política econômica do governo militar contra<br />
todos os trabalhadores do país. Os militares realizaram<br />
sua quarta intervenção no sindicato, com a cassação de<br />
sua diretoria e a imposição de uma outra diretoria sob<br />
tutela do Ministério do Trabalho. Da mesma forma<br />
aconteceu à intervenção no Sindicato dos Petroleiros<br />
em Mataripe e Paulínia, no Sindicato dos Bancários e<br />
Metroviários de São Paulo, ambos comprometidos em<br />
construir a CUT. Esta greve foi determinante para a<br />
mobilização dos trabalhadores e a preparação da greve<br />
geral de 21 de julho de 1982, que paralisou cerca de dois<br />
milhões de trabalhadores no país.<br />
Em agosto de 1983, o I CONCLAT fundou a<br />
CUT, sob dificuldades enormes da classe trabalhadora<br />
brasileira. Na economia, subordinação do Brasil ao MI<br />
e aos banqueiros internacionais, recessão, redução<br />
salarial, corte nos gastos públicos na área social e o<br />
aumento de impostos. Na atuação política, o regime<br />
militar cassava dirigentes sindicais e fechava os olhos à<br />
violência dos latifundiários contra os trabalhadores do<br />
campo. A fundação da CUT foi preparada por CECLATs<br />
(Congressos Estaduais da Classe Trabalhadora) com<br />
participação de cerca de 20.000 delegados. O I<br />
CONCLAT realizou-se com a participação de 5.059<br />
delegados, 912 entidades sindicais e 25 convidados<br />
sindicais internacionais. Ainda em 1983, houve mais uma<br />
intervenção militar no Sindicato dos Metalúrgicos de São<br />
Bernardo do Campo e Diadema, o que, por sua vez,<br />
mobilizou a direção sindical a procurar alternativas. Em<br />
frente ao sindicato, a diretoria cassada abriu um novo<br />
espaço com a ajuda do undo de Greve. Na prática o<br />
sindicato só mudou de endereço: tendo como instrumentos<br />
principais a categoria organizada e a experiência<br />
de vários dirigentes sindicais, pouca coisa mudou. A<br />
tática da direção alternativa foi organizar greves por<br />
fábrica que atingiram 64.610 trabalhadores, conseguindo<br />
negociar aumentos salariais acima dos próprios decretos<br />
militares (nº 2.045 e nº 2.065). O resultado foi de 11<br />
acordos salariais diferenciados com reajustes acima dos<br />
decretos, além do abono conquistado em várias empresas,<br />
beneficiando 78.641 trabalhadores.<br />
Em 1984, a campanha salarial exigia reajuste<br />
de 83,3% (piso do DIEESE) para os metalúrgicos e a<br />
reconquista do sindicato. O movimento sindical já<br />
havia experimentado várias formas de greve: “cruzado<br />
os braços e parado as máquinas”, “fora da fábrica”,<br />
“dentro da fábrica”, “greve arrastão”; tratava-se de<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
iniciar uma nova forma, “Pinta um e pula dois”, a<br />
chamada “greve tartaruga”. Em 1984 criou-se outra<br />
forma de greve, a chamada “greve pipoca”. Tratava-se<br />
da luta por equiparação salarial dos trabalhadores que<br />
exerciam a mesma profissão em diferentes fábricas.<br />
No início de 1984, o Ministério do Trabalho,<br />
percebendo que quem dava direção ao movimento<br />
sindical era a direção cassada, tomou a iniciativa de<br />
convocar eleições para diretoria. Em 25 de março do<br />
mesmo ano, os diretores cassados organizaram uma<br />
Convenção da Categoria para compor uma chapa de<br />
representantes das fábricas para disputar a direção<br />
sindical. Vários líderes cassados ocuparam a nova<br />
diretoria, além de outros indicados pela primeira vez.<br />
Meneguelli ocupou a presidência para um segundo<br />
mandato. Em agosto de 1984, a CUT realizou seu 1º<br />
Congresso Nacional com a participação de 5.260 delegados,<br />
representando 937 entidades sindicais de todos<br />
os estados do país. Os principais pontos de pauta foram:<br />
40 horas semanais, sem redução dos salários; reajuste<br />
trimestral de salários; estabilidade no emprego; saláriodesemprego<br />
e reforma agrária sob o controle dos trabalhadores.<br />
Essas bandeiras de luta motivaram as centenas<br />
de greves e conquistas no ano de 1985, ampliaram as<br />
bases sindicais da CUT e foram importantes para a<br />
criação das CUTs regionais.<br />
Em 1985, a história do movimento operário<br />
brasileiro registrou o maior número de greves, cerca de<br />
novecentas greves com a participação de quase sete<br />
milhões de trabalhadores. Houve nesse período uma<br />
unificação das campanhas salariais dos trabalhadores do<br />
país e as reivindicações e conquistas passam a ter outras<br />
qualidades, sob hegemonia da CUT. A luta pela redução<br />
da jornada de trabalho, nas empresas em processo de<br />
inovação tecnológica no ABC, mobilizou uma greve de<br />
54 dias com a “operação vaca brava” (combinação de<br />
todas as táticas de greve já conhecidas na categoria).<br />
Esse longo período de greve aconteceu nas eleições para<br />
presidente da República, em que foi eleito Tancredo<br />
Neves sob o discurso do pacto social. O resultado dessa<br />
greve foi a redução da jornada de trabalho, que depois se<br />
espalhou pelo país. Após essa greve, vários militantes e<br />
ativistas do meio sindical foram cassados e cerca de<br />
6.000 demissões aconteceram. Com o episódio do<br />
Colégio Eleitoral de 1985, as divergências no movimento<br />
sindical se aprofundaram; após a morte de Tancredo,<br />
Sarney propôs um pacto social. A CONCLAT defendia<br />
o pacto, enquanto a CUT repudiava a política de<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
conciliação de classes, defendia a autonomia e a independência<br />
de classe frente aos patrões e aos governos.<br />
Ricardo Antunes (2000), em Os sentidos do<br />
trabalho, avaliou que durante a década de 1980 houve<br />
um grande movimento de greves no Brasil, entre operários<br />
industriais, em especial, os metalúrgicos, assalariados<br />
rurais, funcionários públicos e bancários. Houve greves<br />
com ocupação de fábricas como a dos trabalhadores da<br />
General Motors em São José dos Campos em 1985, e a<br />
da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda<br />
em 1989. Greves gerais nacionais como, por exemplo, a<br />
de 1989, que paralisou cerca de 35 milhões de trabalhadores<br />
do país. Em 1987, houve um total geral de 2.259<br />
greves no Brasil. Em 1988, aconteceram 63,5 milhões<br />
de jornadas de trabalho paralisadas. No final da década<br />
de 1980, havia 9.833 sindicatos brasileiros, entre patronais<br />
e trabalhadores do campo e da cidade. Nas cidades<br />
havia 10.779 sindicatos; destes, 5.621 de trabalhadores.<br />
Em 1996, eram contabilizados 1.335 sindicatos de<br />
servidores públicos e 572 de trabalhadores autônomos.<br />
No mesmo ano, havia 5.193 sindicatos rurais, dos quais<br />
3.098 eram de trabalhadores.<br />
Na reestruturação produtiva, sob efeitos recessivos<br />
da economia, houve uma desproletarização de importantes<br />
parcelas da força de trabalho e uma precarização<br />
ainda maior dos direitos trabalhistas, especialmente nas<br />
montadoras automobilísticas. Os resultados da desregulamentação,<br />
da flexibilização, da privatização acelerada de<br />
estatais e da desindustrialização se fazem sentir fortemente<br />
nos governos de Collor e ernando Henrique Cardoso,<br />
fiéis seguidores da política neoliberal. Em 1987, havia cerca<br />
de 200.000 metalúrgicos no ABC; já em 1998, esse número<br />
foi reduzido para 120.000. Em Campinas, no ano de 1989<br />
havia 70.000 operários industriais; em 1998, esse número<br />
caiu para 40.000. Em 1989, havia mais de 800.000<br />
bancários no Brasil. Em 1996, esse número foi reduzido<br />
para 570.000. Para Antunes (2000), o quadro crítico no<br />
sindicalismo brasileiro se acentua muito nos anos 1990.<br />
O movimento operário do novo sindicalismo, responsável<br />
pela criação da CUT de concepções socialistas, agora vai<br />
perdendo a perspectiva ideológica anticapitalista, vai se<br />
acomodando à agenda neoliberal e deixando o espaço a<br />
ser ocupado pela orça Sindical.<br />
Segundo Antunes (2000), os desafios e as dificuldades<br />
para os setores socialistas e anticapitalistas dentro<br />
da CUT, do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e<br />
de São José dos Campos são de grande envergadura, além<br />
47
da sua importância histórica para o movimento operário<br />
brasileiro. Até mesmo porque não aceitaram participar<br />
das “Câmaras Setoriais” e dos pactos com o governo.<br />
Na CUT, a ASS (Alternativa Sindical Socialista) e o MTS<br />
(Movimento por uma Tendência Socialista), entre outras<br />
tendências de orientação socialista, estão concentrando<br />
esforços para unificar esses setores no interior da central.<br />
A CST (Corrente Sindical Classista) vem pautando sua<br />
política dúbia, ora mais próxima da articulação sindical,<br />
ora mais próxima da esquerda, afirmou Antunes. Segundo<br />
lorestan ernandes, em Que tipo de República (1986), a<br />
solução para os problemas sociais da maioria do povo<br />
não vem de cima, vem da organização e da pressão popular.<br />
Gilmar Mauro (MST) reafirma uma frase de Lênin:<br />
“Vale mais um passo no movimento real de massas do<br />
que mil projetos” e completa (In Barsotti e Pericás, 1999,<br />
p. 225): “A estratégia na luta de classes só se encontra<br />
no próprio processo da luta de classes (...) É a luta imediata<br />
com luta política, essa que é a conjugação. Se você<br />
não tem claro o rumo, cai na luta imediata. Se você não<br />
tem claro a realidade objetiva do povo, vai lá em cima e<br />
fica voando e sem fazer nada...”.<br />
3 A HISTÓRIA DE DIADEMA – ALGUNS<br />
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS<br />
No início da colonização da região, os índios<br />
serviram como guias indispensáveis para os bandeirantes,<br />
porque eles sabiam melhor que ninguém criar caminhos<br />
de penetração mata adentro ou pelo próprio litoral, tanto<br />
para a agricultura quanto para a mineração. Segundo Iokoi<br />
(2001), nos primeiros séculos de história, o estado de<br />
São Paulo teve maior lucratividade com a comercialização<br />
de escravos índios e criação do gado, do que outros<br />
negócios.<br />
A construção de cidades na região não seguiu<br />
planejamento urbano. Seguiu uma lógica semelhante à<br />
dos portugueses no Brasil, cuja relação foi comercial e<br />
também à revelia da necessidade dos pobres. Segundo<br />
Buarque de Holanda, as primeiras cidades brasileiras<br />
não foram planejadas, porque construir cidades ou<br />
construir uma nova nação não fazia parte dos objetivos<br />
dos portugueses, “estavam aqui com saudades de lá”,<br />
apenas querendo enriquecer a Europa. Os primeiros<br />
núcleos coloniais dos imigrantes europeus se instalaram<br />
em São Bernardo entre 1876 e 1886, tanto na Sede<br />
Colonial quanto nas “regiões rurais limítrofes”. O<br />
Núcleo de São Bernardo transformou-se de reguesia<br />
48<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
para Vila em 1889 e, em 1902, para Município. A diversificação<br />
de funções dos imigrantes, que deixavam de<br />
ser apenas agricultores, exercendo outras profissões, são<br />
os principais responsáveis pelo rápido crescimento dessa<br />
região.<br />
Diadema era bairro residencial para os de baixa<br />
renda na periferia de São Bernardo do Campo, sua<br />
afirmação e evolução como cidade se deu dentro do processo<br />
de industrialização regional. Com suas características<br />
de cidade dormitório para os trabalhadores, no<br />
processo de industrialização da região, Diadema ampliou<br />
seus índices demográficos. Em dez anos (entre 1960 e<br />
1970), a população cresceu de 12.308 para 79.316 (544%).<br />
E os trabalhadores da indústria aumentaram de 632 para<br />
9.622 (1.422%). Diadema também não foi planejada,<br />
organizou-se por ocupação à revelia do planejamento. A<br />
cidade foi edificada e tomou forma a partir da instalação<br />
das fábricas, da construção das casas, da abertura das<br />
avenidas e ruas para suprir necessidades do momento.<br />
A população foi crescendo, as exigências dos trabalhadores<br />
nas fábricas por melhores condições de trabalho<br />
passaram a ser, nos bairros, também as exigências por<br />
melhores condições de moradia e de vida. Diadema possui<br />
uma população atual de 375.064 habitantes (IBGE,<br />
2000), em uma área de 30,7 Km2 , a segunda densidade<br />
demográfica do país, superada apenas pela Baixada<br />
luminense. Os primeiros moradores de Diadema eram<br />
imigrantes alemães. Depois vieram os migrantes de vários<br />
estados do país. A maioria dos migrantes veio da Bahia,<br />
Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Rio Grande<br />
do Norte, Paraná e de outras partes do estado de São<br />
Paulo.<br />
No período do Estado novo, da ditadura Vargas<br />
(1937 a 1945), iniciou-se o processo de busca maior da<br />
cidade como espaço de sobrevivência da sociedade, em<br />
virtude da industrialização do País (modelo substituição<br />
de importações). A passagem do modelo “agro-exportador”<br />
para uma economia em vias de industrialização na região<br />
se deu a partir da década de 1930. A indústria automobilística<br />
se organizou na proximidade da Via Anchieta.<br />
Ali se instalaram a Willys (ord), a Mercedes-Benz, a<br />
Scania e a Volkswagen. A ampliação dos postos de trabalho<br />
nessas empresas foi intensificando também a procura<br />
de terrenos residenciais em São Bernardo e Diadema<br />
nos anos 1950. Entre 1945 e 1947, o setor industrial<br />
foi se consolidando no ABC, especificamente ao longo<br />
da ferrovia Santos-Jundiaí.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Até 1948, quando foi criado o distrito de<br />
Diadema, a região central chama-se Vila Conceição. Até<br />
hoje a data de aniversário da cidade é comemorada no<br />
dia 8 de dezembro, em homenagem à padroeira da cidade,<br />
Nossa Senhora da Conceição. O nome de “Diadema<br />
Cidade Vermelha”, usado por vários pesquisadores, vem<br />
de um duplo sentido: por conta da cor da terra e por<br />
conta dos então 15 anos de PT no governo da cidade.<br />
Até o início do governo de Gilson Menezes, a cidade era<br />
vermelha de barro, sem pavimentação. As pessoas que<br />
saíam de Diadema a trabalho ou passeio traziam em suas<br />
roupas as marcas do barro da cidade. Em 24 de dezembro<br />
de 1958, aproximadamente 300 eleitores aptos decidiram<br />
(com a diferença de 36 votos) pela emancipação do<br />
município.<br />
Em 03 de outubro de 1959, houve a primeira<br />
eleição na qual foi eleito o primeiro prefeito da cidade, o<br />
Prof. Evandro Caiafa Esquível. Esse prefeito, em sua<br />
primeira gestão (1960 a 1963), favoreceu a instalação<br />
de indústrias de médio porte, enquanto Michels, em sua<br />
primeira gestão (1964 a 1968), facilitou a instalação de<br />
indústrias de pequeno porte de auto-peças, acessórios e<br />
outros bens complementares ao ramo automobilístico.<br />
Segundo Simões (1992), em 1960 existiam 37 indústrias<br />
em Diadema; em 1970 havia 199, com média de 16<br />
indústrias novas por ano; em 1980 esse número chegou<br />
próximo a 900. No final da segunda gestão de Esquível<br />
(1969 a 1972), não havia qualquer investimento em rede<br />
de esgoto, com uma população de quase 100.000 habitantes.<br />
A gestão Putz do MDB (1973 a 1976) caracterizouse<br />
por um intenso trabalho assistencialista junto aos<br />
bairros carentes e às favelas que se ampliavam cada vez<br />
mais. No final da sua gestão, Putz realizou uma série de<br />
obras de impacto no centro da cidade com recursos<br />
federais do Plano Cura (Comunidade Urbana para<br />
Recuperação Acelerada).<br />
A segunda gestão Michels (1977 a 1982) continuou<br />
com investimento público no centro da cidade,<br />
terminando algumas obras iniciadas no governo anterior<br />
entre outras novas: duas praças, um prédio para o<br />
órum, um “Centro Cultural” de 400 lugares, espaço<br />
para biblioteca, espaço para exposições e algumas<br />
pequenas salas. No final desse governo, a população<br />
de aproximadamente 300.000 habitantes se constituía<br />
majoritariamente de pobres e jovens. Além de saneamento<br />
básico e atendimento médico quase inexistente,<br />
a economia nacional em recessão provocou o fecha-<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
mento de muitas pequenas indústrias, o que causou<br />
muito desemprego no país e também na cidade. O<br />
contraste entre centro, com várias realizações, e a pobreza<br />
da maioria do povo era visível.<br />
Entre 1983-2002, o PT (Partido dos Trabalhadores:<br />
Gilson Menezes, 1983-1988; José Augusto Ramos,<br />
1989-1992; José de ilippi Júnior, 1993-1996 e 2001-<br />
2004) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro: Gilson<br />
Menezes, 1997-2000) governaram Diadema com<br />
participação popular. As gestões se pautaram pela<br />
inversão das prioridades sociais, particularmente conquistando<br />
vários prêmios internacionais pela qualidade<br />
de saúde, educação e urbanização de favelas. Dos anos<br />
1990 em diante, com a internacionalização do neoliberalismo,<br />
os governos locais começaram a ter mais dificuldades<br />
financeiras porque os governos federal e estadual<br />
começaram a repassar os serviços de saúde e educação<br />
para os municípios (municipalização), sem aumentar o<br />
repasse de recursos financeiros, quando se tem um<br />
crescimento demográfico anual de 2,48% (IBGE, 2000)<br />
na cidade. E através da Lei de Responsabilidade iscal,<br />
o ajuste fiscal exigido pelo MI atingiu diretamente as<br />
políticas sociais dos municípios. A exclusão social na<br />
cidade se acentua à medida que aumenta o desemprego<br />
e o custo de vida em nível nacional. Na avaliação de<br />
Iokoi (2001), a cidade Diadema que se transformara em<br />
cidade da cidadania nos anos 1980 atualmente tem como<br />
maior preocupação os altos índices de violência e a<br />
negação do direito à infância, crianças sem perspectivas<br />
de vida. inalmente, Oliveira (1999, p. 78) faz uma<br />
referência aos 150 anos do Manifesto Comunista com<br />
um chamado sobre as mudanças e os desafios dos nossos<br />
tempos: “Devemos lutar para que os governos de nossos<br />
países não se transformem em ‘comitês executivos’ da<br />
burguesia. Para que este anátema não se cumpra, é<br />
preciso que nós, com outros sujeitos da política e da sociedade,<br />
consigamos, por nosso lado, nos transformarmos<br />
em comitês executivos da transformação social”.<br />
4 CONCLUSÕES<br />
Ao concluir este artigo, observa-se uma identidade<br />
entre a história dos povos indígenas massacrados, a história<br />
dos negros escravos, dos trabalhadores assalariados, das<br />
mulheres e dos trabalhadores excluídos no Brasil: a<br />
produção de riquezas, a exploração da força de trabalho, a<br />
resistência e o acúmulo de forças. A produção de riquezas<br />
passou pelos diferentes modelos econômicos, diferentes<br />
49
formas de trabalho e trouxe consigo o sofrimento dos<br />
excluídos durante cinco séculos de História do Brasil.<br />
Percebe-se que, paralelamente ao acúmulo de riquezas<br />
das classes ricas, desenvolveram-se, de forma lenta e sutil,<br />
“pegadas de poder” dos povos oprimidos e das classes<br />
pobres, em resistência à exploração e dominação. Há, ao<br />
longo de muitos anos, algumas resistências mais orgânicas<br />
dos índios, dos escravos, algumas lutas populares e experiências<br />
revolucionárias urbanas e rurais, que não se concluíram<br />
como estratégia porque foram enterrompidas pelas<br />
elites dominantes do país. Contudo, se essas experiências<br />
não vingaram em âmbito maior no sentido do poder dos<br />
“de baixo”, é possível perceber-se sua resistência e sua<br />
luta pela liberdade, custando, ao longo de vários séculos,<br />
milhões de vidas, muitas vezes indefesas. Ao mesmo tempo,<br />
muitos sujeitos ativos envolvidos em cada processo histórico<br />
entendiam que era preciso esperançar: esperar na luta<br />
em busca do poder popular.<br />
O movimento operário se diferencia das lutas<br />
anteriores, em particular, porque conseguiu muitas<br />
conquistas, mesmo que pequenas e temporárias, mas que<br />
alimentavam seus sonhos de um devir humano, com justiça<br />
social. Os poucos momentos de vitórias dos escravos<br />
negros nos quilombos deixaram a sua marca para toda a<br />
história, particularmente como inspiração para negros,<br />
índios e brancos que sonham com a libertação. A história<br />
dos índios brasileiros é um exemplo de massacre de<br />
culturas, de centenas de povos em nome da “civilização”<br />
e em nome da acumulação de riquezas da oligarquia rural.<br />
Diadema e a região do ABC foram e são o palco<br />
de muitas lutas e vitórias dos “de baixo”. Por várias vezes<br />
os operários atuaram como agente principal da pauta<br />
política do país e das cidades da região, outras vezes<br />
também massacrados pelo desemprego ou pela negação<br />
da dignidade de vida. Atualmente o movimento sindical<br />
parece estar em crise, não se sabe ao certo qual será o<br />
50<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
novo caminho dessas organizações do ABC. O modelo<br />
arrojado de resistências com centenas de greves, prisões<br />
e até mortes parece ter-se esgotado no imaginário dos<br />
dirigentes atuais. Junto a essa aparente crise, caminha a<br />
crise da industrialização que muito rapidamente está<br />
sendo substituída pelo capitalismo financeiro e informacional.<br />
O conjunto de mudanças que ocorreram no<br />
mundo após o fim da bipolarização dos sistemas sociais<br />
(socialismo x capitalismo), com a queda do chamado<br />
“socialismo real” e da internacionalização do capitalismo,<br />
manifestam seqüelas de profundo refluxo das conquistas<br />
sociais dos trabalhadores, fragilizando também as<br />
direções sindicais e as organizações populares.<br />
Em Diadema, a inversão das prioridades sociais<br />
e os prêmios internacionais pela qualidade dos serviços<br />
públicos no passado recente não garantem sua continuidade.<br />
Dos anos 1990 para cá aumentam as demandas<br />
sociais, o poder público local não consegue dar conta<br />
das reivindicações da população, porque essas têm origem<br />
no projeto de exclusão social, resultado direto do neoliberalismo.<br />
A busca de novos paradigmas quanto ao papel<br />
do Estado na sociedade e o papel da sociedade na consolidação<br />
da democracia rumo ao “socialismo de um novo<br />
tipo” continua um sonho em construção.<br />
inalmente, este artigo é resultado de uma<br />
produção coletiva. Apenas inseriu-se um olhar e uma<br />
opinião a mais no processo histórico em curso. Este estudo<br />
aponta perspectivas que podem ser reforçadas pelo “verbo<br />
esperançar”, usado por Paulo reire. Persistir na busca,<br />
porque o pior acontece quando já não se tem mais<br />
esperança. Contudo, é preciso estar sempre atento ao que<br />
diz também Paulo reire, que aqui se coloca em<br />
combinação com contribuições de lorestan ernandes: é<br />
preciso tomar cuidado para não se concretizar, outra vez,<br />
a transição apenas pelo alto e os “de baixo”, as camadas<br />
populares, ficarem de novo fora do poder.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
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N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
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Universidade de São Paulo, 2001. Tese de doutorado.<br />
* ilósofo, pós-graduado em Ciências Sociais,<br />
mestre em Administração, professor da ESP-<br />
SP e da IRP e da rede estadual de ensino.<br />
51
DEBATE<br />
52<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA*<br />
Lívia Clozel Fuziy<br />
O debate contou com a participação do professor Roberto Elísio, do ouvidor<br />
Saul Gellman e do jornalista Paulo Carneiro<br />
O debate sobre acesso da população à informação<br />
gerada ou coletada pelo Estado, realizado em<br />
25 de setembro, foi promovido pelo Laboratório de<br />
Regionalidade e Gestão do Programa de Mestrado em<br />
Administração do IMES (Centro Universitário Municipal<br />
de São Caetano do Sul).<br />
O assunto foi discutido tendo como enfoque a<br />
legislação de outros países que permite maior acesso à<br />
informação pública. Além disso, debateu-se o papel do<br />
Estado em encontrar a melhor maneira de disponibilizar<br />
essas informações de forma democrática à população,<br />
e como os órgãos públicos veiculam essa informação<br />
atualmente.<br />
Participaram do debate o ouvidor da cidade de<br />
Santo André, Saul Gellman, a advogada e presidente<br />
da OAB de São Caetano do Sul, Tânia Gambiatti de<br />
Mello, Paulo Carneiro, editor-executivo do jornal<br />
Diário do Grande ABC, e Maria de Lourdes erreira, pesquisadora<br />
especialista em documentação e arquivos. A<br />
coordenação do evento foi feita pelo professor do IMES,<br />
Roberto Elísio dos Santos, que realiza pesquisa sobre<br />
o assunto.<br />
* Texto realizado por ernanda Giollo Cressoni,<br />
aluna do curso de Jornalismo do IMES.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
TRANSCRIÇÃO DO DEBATE*<br />
Lívia Clozel Fuziy<br />
Considerando-se a alta relevância do livre<br />
acesso à informação pública para o exercício pleno da<br />
cidadania em uma sociedade que pauta seus princípios<br />
no regime democrático de direito – adotado, ao menos<br />
formalmente, pelo Brasil – e entendendo-se que as<br />
instituições educacionais têm o dever de instrumentalizar<br />
a comunidade na qual estão inseridas com o que<br />
é seu fim maior, a produção e disseminação do conhecimento,<br />
o Centro Universitário IMES, por meio do Laboratório<br />
de Regionalidade e Gestão – órgão vinculado ao<br />
Programa de Mestrado em Administração – realizou, no<br />
dia 25 de setembro de 2003, o “Debate sobre o Acesso<br />
à Informação Pública”, como atividade de pesquisa da<br />
Disciplina “Gestão de Processos de Comunicação e<br />
Cultura”.<br />
Os objetivos desse seminário foram: 1) ampliar<br />
as discussões levantadas no artigo “Gestão de informação<br />
pública: transparência e obstáculos”, do Prof.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
A pesquisadora Maria de Lourdes erreira e a advogada Tânia Gambiatti de<br />
Mello contribuíram para a discussão do tema<br />
Dr. Roberto Elísio dos Santos (titular da mencionada<br />
disciplina), publicado no <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-<br />
Graduação IMES nº 7; e 2) propiciar uma reflexão sobre<br />
o texto da Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, a<br />
qual “dispõe sobre a política de arquivos públicos e<br />
privados e dá outras providências”.<br />
Sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Elísio dos<br />
Santos, o encontro contou com a participação do<br />
jornalista Paulo Carneiro (editor-executivo do jornal<br />
Diário do Grande ABC, sediado na cidade de Santo<br />
André); do ouvidor da Cidade de Santo André, Saul<br />
Gellman; da pesquisadora de Documentação e<br />
Historiografia, Maria de Lourdes erreira, e da Dra. Tânia<br />
Gambiatti de Mello, presidente da OAB – Seção de São<br />
Caetano do Sul; a organização e apresentação foram do<br />
mestrando professor Expedito Nunes, como atividade<br />
de pesquisa para obtenção de créditos na disciplina.<br />
53
54<br />
A LEI Nº 8.159<br />
Publicada no dia 9 de janeiro de 1991 no Diário<br />
Oficial da União, foi sancionada pelo então presidente da<br />
República ernando Collor de Melo e assinada pelo<br />
ministro Jarbas Passarinho essa Lei que trata dos arquivos<br />
públicos e privados. Em seu Capítulo I – Disposições<br />
Gerais, o art. 1 diz que: “É dever do Poder Público a<br />
gestão documental e a proteção especial a documentos<br />
de arquivos, como instrumento de apoio à administração,<br />
à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos<br />
de prova e informação”. Continua definindo o que é<br />
arquivo, o que é gestão de documentos e incumbe a administração<br />
pública de franquear a consulta aos documentos<br />
públicos “na forma da Lei”. No art. 4 fica explícito<br />
que todas as pessoas “têm direito a receber dos órgãos<br />
públicos informações de seu interesse particular ou de<br />
interesse coletivo ou geral (...) ressalvadas aquelas cujo<br />
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do<br />
Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da<br />
vida privada, da honra e da imagem das pessoas”. Esta<br />
parte final do artigo quanto às ressalvas encontra reforço<br />
no artigo 6 ao resguardar “o direito de indenização pelo<br />
dano material ou moral decorrente da violação do sigilo”<br />
e acaba sendo uma importante causa da polêmica a<br />
respeito do conflito entre o direito à informação e o direito<br />
ao sigilo.<br />
No Capítulo II – Dos Arquivos Públicos, há a<br />
definição do que são os arquivos públicos, considerados<br />
com sendo “os conjuntos de documentos produzidos e<br />
recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos<br />
públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito ederal<br />
e municipal em decorrência de suas funções administrativas,<br />
legislativas e judiciárias” (art. 7), além dos<br />
documentos “produzidos e recebidos por instituições<br />
de caráter público, por entidades privadas encarregadas<br />
da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades”<br />
(§1). Trata, também, da classificação dos documentos<br />
e outras questões pertinentes.<br />
O Capítulo III – Dos Arquivos Privados, no<br />
artigo 11, define como tal “os conjuntos de documentos<br />
produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou jurídicas,<br />
em decorrência de suas atividades”. Segue regulando o<br />
assunto e destaca, no artigo 16, uma especificidade<br />
quanto aos registros civis de arquivos de entidades religiosas,<br />
os quais se “produzidos anteriormente à vigên-<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
cia do Código Civil ficam identificados como de interesse<br />
público e social”.<br />
O Capítulo IV – Da Organização e Administração<br />
de Instituições Arquivísticas Públicas, esclarece<br />
a competência pela administração da documentação<br />
pública ou de caráter público, define o que são os<br />
arquivos ederais, Estaduais e Municipais, os quais<br />
abrangem as três esferas do poder: Executivo, Legislativo<br />
e Judiciário. Neste particular, o artigo 21 diz que a<br />
“Legislação Estadual, do Distrito ederal e municipal<br />
definirá os critérios de organização e vinculação dos<br />
arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o<br />
acesso aos documentos, observado o disposto na<br />
Constituição ederal, e nesta Lei”.<br />
O Capítulo V – Do Acesso e do Sigilo dos Documentos<br />
Públicos – é aberto afirmando que é “assegurado<br />
o direito de acesso pleno aos documentos públicos”, mas<br />
deixa para que um Decreto fixe as categorias de sigilo a<br />
serem obedecidas pelos órgãos públicos, dando ao sigilo<br />
atenção especial, definindo prazos para a sua prescrição<br />
e resguardando a honra e imagem das pessoas como<br />
também a segurança da sociedade e do Estado. Dá ao<br />
Poder Judiciário poderes para determinar a “exibição<br />
reservada” de documentos sigilosos quando forem<br />
indispensáveis “à defesa de direito próprio ou esclarecimento<br />
de situação pessoal da parte”, e termina dizendo<br />
que “nenhuma norma de organização administrativa será<br />
interpretada de modo a, por qualquer forma, restringir o<br />
disposto neste artigo”.<br />
Nas Disposições inais, o legislador termina<br />
responsabilizando penal, civil e administrativamente<br />
quem “desfigurar ou destruir documentos de valor<br />
permanente ou considerado de interesse público e social”,<br />
cria o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ,<br />
vinculado ao Arquivo Nacional que será presidido pelo<br />
Diretor-Geral do Arquivo Nacional e integrado por<br />
representantes de instituições arquivísticas e acadêmicas,<br />
públicas e privadas.<br />
A EXPOSIÇÃO<br />
Iniciando o módulo das exposições, o professor<br />
Roberto Elísio dos Santos abordou as questões<br />
referentes às legislações existentes no mundo sobre este<br />
assunto dizendo que houve muitos avanços na gestão<br />
da informação pública nos últimos 20 anos e que a<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
sociedade tem se livrado dos entulhos autoritários e<br />
conseguido espaço representativo em vários setores,<br />
muito embora ainda não tenhamos uma lei ampla que<br />
nos dê acesso à informação pública. “O Estado é opaco<br />
em relação às informações que detém e produz”, diz<br />
ele, apesar de já haver algumas experiências em vários<br />
países que obrigam o Estado a disponibilizar à sociedade<br />
essas informações pois, se a informação é pública,<br />
ela deve ser difundida.<br />
“O Laboratório de Regionalidade e Gestão do<br />
IMES está fazendo um levantamento sobre a saúde<br />
pública no ABC e, com isso, estamos enfrentando<br />
dificuldades para se obter alguns dados. Algumas cidades<br />
até forneceram, enquanto outras ou alegavam que não<br />
tinham ou percebíamos que havia medo por parte do<br />
funcionário de abrir as informações daquele setor para<br />
uma instituição”.<br />
Ele entende que o funcionário público não deve<br />
ter medo de passar as informações, pois faz parte das<br />
suas atribuições. Toda área pública tem que ser transparente<br />
para qualquer pessoa a qualquer momento.<br />
Há alguns países que já têm leis de acesso à<br />
informação pública, o que facilita muito a vida de várias<br />
pessoas. A pioneira é a Suécia, que a possui desde 1766.<br />
Em segundo lugar fica a inlândia (1951) e em terceiro<br />
os Estados Unidos (1954).<br />
Depois do episódio do dia 11 de setembro de 2001,<br />
está sendo mais difícil obter informações públicas no<br />
território norte-americano. Isso fez surgir um movimento<br />
formado por professores universitários e jornalistas, por<br />
exemplo, por serem contra este tipo de atitude e acharem<br />
que as informações estão sendo censuradas, usando-se<br />
como pretexto o combate ao terrorismo. Em 2005, esta<br />
lei de acesso à informação pública será regulamentada<br />
na Inglaterra.<br />
A legislação mais recente é a de Oaxaca, uma<br />
província do México, lugar onde foi formulada uma lei<br />
de acesso à informação pública. Os representantes locais<br />
apresentaram uma proposta de lei que, posta em debate,<br />
foi aprovada sem nenhuma modificação. Eles alegam que<br />
as informações públicas pertencem às pessoas, sendo<br />
obrigação do Estado publicar e integrar as informações<br />
que possuem. Esta obrigação deve ser cumprida sob<br />
procedimentos ágeis e simples, de custo mínimo, e as<br />
informações passadas para o solicitante rapidamente.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Pode haver exceções a esta norma, mas só em<br />
casos referentes à vida privada. Informações que o Estado<br />
detém sobre cada um, segurança pública, política externa<br />
e segredos científicos, industriais e bancários, para se ter<br />
acesso, deve-se ter uma forte justificativa. É necessário<br />
que exista um organismo autônomo responsável para<br />
treinar, divulgar e oferecer assessoria sobre a matéria,<br />
assim como resolver controvérsias e impor sanções<br />
administrativas eficazes a quem desrespeitar as normas.<br />
As sanções administrativas também existem nos Estados<br />
Unidos, com a aprovação da OIA (reedom of<br />
Information Act): o funcionário que não atender a<br />
solicitação de informação pode ser punido se não tiver<br />
uma justificativa para a negação da informação. Todos<br />
os órgãos do Estado devem ser obrigados a informar<br />
sobre o exercício do gasto público, uma transparência<br />
com os negócios do Estado. Isso previne corrupção e<br />
desvios de verba.<br />
Segundo o entendimento dos mexicanos, as leis<br />
devem ser corrigidas para permitir consistência jurídica,<br />
alheia ao acesso à informação. As leis conflitantes foram<br />
modificadas para que não interferissem quando alguém<br />
solicitasse alguma informação. O texto aprovado prevê<br />
alcance federal, mesmo assim se buscará que cada um<br />
dos Estados debata e regulamente a matéria no âmbito<br />
das atividades federativas dos municípios. Ao não<br />
contestar a solicitação, qualquer órgão do Estado deve<br />
liberar o acesso à informação regularmente.<br />
Também se acertou que vai haver uma educação<br />
das crianças. oram distribuídas nas escolas do México<br />
apostilas esclarecendo que as crianças tenham acesso às<br />
informações do Estado. Esse trabalho de educação da<br />
população é para ela saber que tem esse direito a qualquer<br />
momento. Isso foi aprovado após a lei de Oaxaca.<br />
Citando Calmon Alves, diretor da Cátedra de<br />
Jornalismo da Universidade de Texas, Roberto Elísio diz<br />
não existir no Brasil sequer o conceito de informação<br />
pública. Não existe aqui uma “cultura” de governo aberto.<br />
Não existe nenhuma discussão de uma lei que possibilite<br />
o acesso a essas informações. Algumas Prefeituras passam<br />
com mais facilidade essas informações, que, inclusive<br />
podem ser achadas na internet. Ou seja, até existe a<br />
possibilidade de a população acessar essas informações,<br />
mas não temos uma lei federal que garanta esse acesso.<br />
55
Segundo o Inciso 23º da Constituição Brasileira,<br />
todos têm o direito de receber dos órgãos públicos<br />
informações de seu interesse particular, ou de interesse<br />
coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei,<br />
sob pena de responsabilidade, ressalvadas as informações<br />
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade<br />
e do Estado. Acontece que não há regulamentação e as<br />
pessoas não sabem em que constitui o sigilo. Não há<br />
nenhuma pena de responsabilidade estabelecida para o<br />
funcionário que não atende ao pedido do cidadão no<br />
que concerne a informações em poder do órgão público.<br />
No Brasil, temos o Habeas Data – no Inciso 72<br />
da Constituição do Brasil. Ele assegura que, para se ter<br />
acesso às informações, o cidadão tem que impetrar um<br />
mandado e ter a assistência de um advogado, inclusive<br />
com o fim de corrigir ou suprimir alguma informação que<br />
o Estado detenha sobre a pessoa e que esteja incorreta.<br />
Se alguém quiser saber que informação o Estado detenha<br />
sobre a minha pessoa, eu tenho que lançar mão do Hábeas<br />
Data, e, se houver algum dado incorreto, o Hábeas Data<br />
possibilita-lhe corrigi-lo. Então cada indivíduo tem de fazer<br />
isso individualmente.<br />
O Habeas Data é um mecanismo de informação<br />
muito importante. Uma lei de acesso à informação não<br />
o invalida porque é uma forma de garantir à pessoa o<br />
direito de ter acesso às informações sobre si mesmo e<br />
retificá-las, se julgar necessário.<br />
Na intenção de contribuir para a disseminação do<br />
conhecimento e da cultura da facilitação do acesso à<br />
informação, o Laboratório de Regionalidade e Gestão do<br />
IMES, por meio do seu servidor, passa agora a disponibilizar<br />
um serviço que é o “Arquivo Eletrônico de Informação<br />
Regional”, através do qual qualquer pessoa, tanto de<br />
dentro quanto de fora da faculdade, pode ter acesso às<br />
informações contidas nele do próprio site do IMES. Nele<br />
está disponível a relação de livros e trabalhos acadêmicos<br />
relacionados à região do ABC, pertencentes ao acervo do<br />
Laboratório. Qualquer pessoa que se interesse por algum<br />
conteúdo pode tirar xerox dos trabalhos ou dos livros. A<br />
pesquisa pode ser feita por palavras-chave, autor ou até<br />
mesmo por cidade. <strong>Cad</strong>a obra terá diversos de seus dados<br />
cadastrados no arquivo eletrônico, inclusive um breve<br />
resumo sobre seu conteúdo.<br />
No futuro, o arquivo, além da parte bibliográfica,<br />
irá fornecer, também, índices por meio de links,<br />
como com o Dieese, por exemplo, e está sempre sendo<br />
atualizando. Com isso, o IMES espera contribuir para<br />
56<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
o fortalecimento da região e para a disseminação das<br />
informações regionais para a sociedade.<br />
A EXPERIÊNCIA DE SANTO ANDRÉ<br />
A Cidade de Santo André (situada na região do<br />
Grande ABC) iniciou a experiência da Ouvidoria Pública<br />
municipal há quase quatro anos, por iniciativa do então<br />
prefeito Celso Daniel, tendo sido eleito Saul Gellman,<br />
que está no final do seu segundo mandato atualmente,<br />
que é bianual.<br />
O processo de eleição do Ouvidor contou com<br />
a participação do poder público local e da sociedade<br />
civil, formando um colegiado coordenado pelo órum<br />
da Cida-dania do Grande ABC, esta por sua vez uma<br />
entidade civil, sem fins lucrativos, surgida em 1994 pela<br />
aglutinação de mais de uma centena de outras entidades<br />
repre-sentativas dos mais variados setores da sociedade<br />
regional.<br />
Então neste campo – e dentro do tema do seminário<br />
– se insere a experiência de Santo André, mesmo<br />
considerando não ser a primeira experiência de auditorias.<br />
Aliás, São Caetano do Sul é mais antiga em termos<br />
de criação de uma auditoria pública municipal, mas<br />
cria uma enorme diferença ao introduzir um complexo<br />
processo que desembocou na escolha do Ouvidor por<br />
eleição. E ainda continua como processo inédito no<br />
país, sendo esta a única diferença significativa.<br />
Declara o Ouvidor que: “Nós aprendemos com<br />
o tempo que não existem ouvidorias melhores ou piores”.<br />
Ele reforça a fala do Prof. Roberto de que é importante<br />
criar um meio de ligação, de comunicação entre as diversas<br />
formas de administração, sejam elas públicas ou privadas.<br />
Da área médica ou da educação; o importante é que é<br />
um fato democrático e irreversível, um processo já<br />
desencadeado nos países nórdicos.<br />
Segundo o Ouvidor, alguns países que se<br />
desenvolvem buscando alcançar o nível de primeiro<br />
mundo atualmente, apesar de não possuírem uma lei<br />
federal, apresentam um crescimento irreversível e<br />
constante de ouvidorias públicas, porque as do setor<br />
privado dependem rigorosamente da vontade dos seus<br />
executivos – do presidente da empresa, do reitor da<br />
universidade etc. – mas considera que o importante,<br />
básico, fundamental “é a visão, a sensibilidade absolutamente<br />
clara de que uma ouvidoria é fundamental no<br />
desenvolvimento e na ligação que há entre os dois<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
pontos: o da administração e o que podemos até chamar<br />
de seu mercado de consumo, porque tudo é mercado de<br />
consumo”, pragmatiza. “O cidadão é um consumidor<br />
que tem a prerrogativa dura de pagar pelo serviço antes<br />
de recebê-lo”. A rigor, todos deveriam ter todos os seus<br />
direitos atendidos, “mas sabemos que não é bem assim”,<br />
diz Gellman. Apesar de todas as leis que possam existir<br />
nesses países, é imprescindível – ou tem sido considerada<br />
imprescindível – a criação desse instituto da ouvidoria.<br />
Pela sua experiência entende que a lei existe, mas isto<br />
não significa que o texto da lei é obedecido ipsis literis<br />
por parte dos servidores públicos. “Se todos nós fôssemos<br />
perfeitos bastaria obedecer aos dez mandamentos e estaria<br />
tudo liquidado, mas não é bem assim que acontece”,<br />
profetiza.<br />
Testemunhando a experiência de Santo André,<br />
embora peça que não considerem que seja uma propaganda<br />
política, falando que são “uma panacéia e uma<br />
solução, os fazedores de milagre de Santo André”,<br />
entende que a ouvidoria não é uma solução, mas uma<br />
ferramenta que trabalha ao lado da administração, e não<br />
contra ela, formando um todo, cuja complexidade deve<br />
ser entendida pela população. Para ele esse é um dos<br />
aspectos cujo princípio deve ser entendido inclusive pelos<br />
ouvidores: a constituição não é nova, mas a prática dela<br />
o é; com isso os novos ouvidores que ascendem a esta<br />
condição também não conhecem os seus limites, não<br />
conseguem encontrar o equilíbrio entre o que é desejável<br />
e o que é possível. O processo de implantação e desenvolvimento<br />
da ouvidoria é lento e começa com a demanda<br />
da sociedade e a disposição dos gestores públicos ou<br />
privados de se criar esse elo entre o prestador de um<br />
serviço e seus usuários, cuja experiência é realmente<br />
nova.<br />
O PONTO DE VISTA DE UM JORNALISTA<br />
Contando com uma experiência muito grande<br />
em jornalismo, tanto na área de assessoria de imprensa<br />
em órgãos oficiais como na área de redação, o jornalista<br />
Paulo Carneiro ocupa o cargo de editor-executivo do<br />
maior e mais importante jornal da região, o Diário do<br />
Grande ABC. Conta que, em 1979, trabalhava na Rede<br />
Tupi. Era a época em que estava iniciando o processo<br />
de abertura política no país, mas a censura era ainda muito<br />
forte e qualquer notícia que ia ser dada e tivesse relação<br />
com o governo demandava muito cuidado ao ser<br />
veiculada. Por isso ele afirma que não é só o acesso à<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
informação que é importante, mas também a liberdade<br />
que se tem para tratar com ela. Nessa época ocorreu a<br />
volta de Brizola (Leonel Brizola, ex-governador do Rio)<br />
do exílio, que saía do Uruguai para Nova York e ele<br />
noticiou isso. “De repente”, diz ele, “apareceu o censor<br />
que me ‘autorizou’ a dar essa informação. Evidente que<br />
eu não precisava legalmente de autorização, só que<br />
Brizola era um nome ‘indexado’ e não se podia falar nele<br />
naquela época”. Paulo Carneiro teve até que se socorrer<br />
de um advogado para proteger-se da pressão que sofreu.<br />
No mesmo período, conta Paulo Carneiro, militares<br />
chegaram à Rede Tupi para repreender quem tinha<br />
dado uma determinada notícia, mesmo tendo sido um<br />
simples nota. Houvera uma manobra militar de rotina<br />
na Serra do Mar e não era usual noticiar isso. Para azar<br />
desse redator, quem havia dado a notícia foi um repórter<br />
chamado Maurício Linine e já fizeram ilações de que,<br />
com esse nome, deveria ser alguém da esquerda engajada.<br />
O redator teve muita dificuldade para se explicar.<br />
“Então, a nossa relação com o poder é muito<br />
difícil, porque depende muito de como você vai trabalhar<br />
com a informação. Eles gostam que se noticie, mas do<br />
jeito deles”, diz o jornalista, relatando que, quando<br />
posteriormente trabalhou na assessoria de imprensa de<br />
Mário Covas, quando ele era Prefeito de São Paulo, era<br />
um período muito bom e havia uma certa liberdade de<br />
informação. Muitas pessoas procuravam por informações<br />
e ele as passava “da maneira que a Prefeitura realmente<br />
desejava”.<br />
Segundo ele, normalmente, os jornais de menor<br />
porte aproveitam os releases – “o que é um perigo”,<br />
alerta – e trabalham de acordo como o poder público<br />
quer. Já os jornais maiores o procuravam também para<br />
obter detalhes, como, por exemplo, o quanto fora gasto<br />
em determinada obra, informações que não se solta<br />
até que seja realmente necessário, mas que, na sua<br />
opinião, deveriam estar expostas para todo mundo.<br />
“Deveria ser uma coisa pública e não era”, denuncia.<br />
Carneiro relata que, ainda na Prefeitura, em<br />
outra época, já na gestão do prefeito Jânio Quadros,<br />
era muito mais difícil trabalhar, porque ele era mais<br />
exigente, embora divertido e exigia mais cuidado. Ele<br />
fazia um bilhete e os redatores tinham de redigir uma<br />
nota a partir dele. Carneiro conta que, em 1986, iria<br />
haver uma Olimpíada em São Paulo e havia a tocha<br />
olímpica que percorria diversas cidades como um fogo<br />
simbólico. O Comitê Olímpico foi entregar a tocha para<br />
57
o Jânio e este disse: “Com a idade provecta que tenho<br />
já não suporto mais tocha nenhuma!” E por não ter<br />
sido bem trabalhada essa nota, repercutiu muito mal.<br />
O jornalista informa que, nos dias atuais, aproximadamente<br />
50% dos trinta mil jornalistas do Estado de<br />
São Paulo são da área de assessoria de imprensa, o que<br />
entende ser um ponto positivo, pois facilita o acesso da<br />
imprensa às informações pelo fato de quem as passa é<br />
uma pessoa que “fala a mesma linguagem” do solicitante.<br />
Por outro lado, os assessores já conhecem o cacoete do<br />
jornalista e já se protegem aparando as arestas, ironiza.<br />
Diz notar, também, que houve muitas mudanças de uns<br />
tempos para cá, inclusive havendo uma “evolução” nos<br />
meios de comunicação de expressão, além da presença<br />
da Internet, um novo veículo que democratiza a<br />
disseminação da informação. Há um aperfeiçoamento<br />
da máquina de assessoria que serve de anteparo.<br />
Segundo Carneiro, existe um decálogo do<br />
governo atual orientando que toda nota sobre o governo<br />
tem de ser respondida sem atacar o jornalista, mas<br />
dizendo: “Tudo bem, você é genial, porém falseou<br />
determinada informação”. Isso tem gerado uma certa<br />
intimidação porque, mesmo na gestão do Partido dos<br />
Trabalhadores, os jornalistas sofrem uma certa pressão,<br />
tendo ele próprio já vivenciado essa experiência. Existe<br />
uma discussão nos meios de comunicação sobre o que é<br />
mais importante, se a ética ou a técnica. Para o jornalista,<br />
as duas devem caminhar juntas para se processar bem a<br />
questão da informação pública. Muitas vezes, a notícia<br />
não é relevante para o leitor, mas, porque o jornalista<br />
teve acesso a ela, publica-a. Lembra-nos um caso em<br />
que uma revista publicou algo sobre um filho que o expresidente<br />
ernando Henrique teria na Espanha fora do<br />
casamento. Isso não era relevante para o leitor e a<br />
imprensa não levou em conta a sensibilidade do rapaz.<br />
Apesar disto, acha que nós devemos aperfeiçoar<br />
mais esse processo, melhorando não só institucionalmente,<br />
mas também a imprensa precisa se capacitar mais para<br />
saber lidar melhor com a informação a que teve acesso<br />
através do setor público ou governamental, finaliza.<br />
58<br />
A PESQUISADORA E A LEGISLAÇÃO<br />
Lastreada na sua vasta experiência como<br />
pesquisadora em Arquivística e Historiografia, Maria de<br />
Lourdes erreira (a Malu) deslumbrou a todos os<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
debatedores e demais presentes ao seminário pelo fato<br />
de ter ido ao debate munida de farto material sobre legislação<br />
e regulamentação referente ao acesso da população<br />
à informação pública, relatando sua experiência<br />
como pesquisadora e usuária dos arquivos públicos.<br />
Ela iniciou ilustrando que a legislação sobre o<br />
acesso à informação diz respeito à administração pública<br />
e deve, obrigatoriamente, levar em consideração os<br />
documentos produzidos pelos poderes públicos, os<br />
quais são responsáveis por conservar e facilitar o acesso<br />
a esses documentos. Malu explicou que a palavra<br />
arquivo originou-se do grego “arkien”, residência dos<br />
magistrados “arkon”, quem comandava os cidadãos e<br />
detinha o direito de fazer ou de representar as leis.<br />
Desde a antiguidade tem-se esta relação entre<br />
documentos e poder. Nas monarquias os governantes os<br />
mantinham sob sua guarda e viajavam com eles em seus<br />
deslocamentos, tornando-os vulneráveis, e passa-ram a<br />
copiá-los, guardando as cópias em mosteiros, uma vez<br />
que se tinha a Igreja Católica como uma instituição<br />
organizada, passando – os mosteiros e as igrejas – a<br />
funcionarem como uma espécie de cartório. Guardavam<br />
os títulos, os contratos de casamento, que garantiam a<br />
posse de terras pelos nobres. A partir da expansão das<br />
cidades na idade média foram constituídos os arquivos<br />
urbanos sob a responsabilidade das administrações locais.<br />
Já nos séculos XVI e XVII os arquivos foram institucionalizados<br />
na Península Ibérica, todavia somente na rança<br />
adquirem o caráter de públicos, durante a Revolução<br />
rancesa. Nessa época são publicados os “Direitos<br />
Universais do Homem e do Cidadão” (1789) e a<br />
“Declaração de Virginia” (1776). Já não são mais arquivos<br />
do nobre e sim do cidadão.<br />
Referindo-se à legislação em vigor sobre a matéria<br />
em pauta, citada no início deste texto e comentada pelo<br />
professor Roberto Elísio, Malu salienta que, desde os<br />
anos 1980, foi nomeada uma comissão para elaborar um<br />
projeto de lei. Ao longo de quatro anos se trabalhou em<br />
cima disso e, finalmente, entrou em vigor, em 1991, a<br />
“Lei dos Arquivos”. Esta Lei demarca conceitualmente<br />
diversos aspectos da atividade arquivística, apresentando<br />
um conjunto de definições para os termos que são arquivos,<br />
gestão de documentos, arquivos públicos, documentos<br />
permanentes, arquivos privados; reitera o princípio<br />
constitucional de acesso do cidadão à informação governamental,<br />
bem como garante o sigilo ao determinar<br />
categorias de documentos.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Malu tem observado e esclarece que muitas pessoas<br />
carregam uma dúvida sobre a instituição arquivística<br />
pública, aquela cuja atividade, o seu fim, é a gestão,<br />
o recolhimento, a preservação e o acesso produzido por<br />
uma determinada esfera estatal. Então, no âmbito federal,<br />
a instituição arquivística pública é o Arquivo Nacional.<br />
Já no âmbito estadual é o Arquivo do Estado e,<br />
finalmente, no âmbito municipal é o Arquivo Público<br />
Municipal, os quais promover essa “gestão de documentos”.<br />
Entende a pesquisadora que o arquivo espelha<br />
instituição, é o retrato dela. Às vezes o administrador<br />
público de arquivos alega que tem um site na Internet<br />
com as informações. “Mas eles colocam lá o que querem.<br />
Publica-se somente o serviço de arquivo e protocolo, o<br />
serviço de comunicação administrativa. A maioria das<br />
Prefeituras descumpre a lei de arquivos públicos. Assim,<br />
torna-se apenas um serviço arquivístico, uma atividade<br />
meio e não uma atividade fim, como deveria ser”.<br />
Em cada Estado, continua, há um Arquivo Público<br />
Estadual que regula a atividade. O Arquivo<br />
Público de São Paulo estabeleceu um convênio com o<br />
Ministério Público e este está denunciando todos os<br />
municípios que não estão cumprindo a Lei dos Arquivos<br />
ao não instituírem o Arquivo Público Municipal. Aos<br />
poucos todos estão sendo citados.<br />
Recentemente, o Decreto 4553, de 27/12/2002,<br />
foi um duro golpe ao apagar das luzes do governo HC,<br />
o qual permitiu que os documentos classificados de ultrasecretos<br />
sejam arquivados por até 50 anos (antes era 30<br />
anos prorrogáveis por mais 30) ou até indefinidamente a<br />
critério da autoridade pública, provocando um horror<br />
para toda a comunidade arquivística e pesquisadores.<br />
“Todo cidadão deveria arrepiar-se com isso e pensar que<br />
no caso do SIVAM, por exemplo, nós nunca vamos saber<br />
direito o que foi feito, o que é bastante grave”, lamenta<br />
Malu. E, apesar de informado sobre esse fato, o presidente<br />
Luiz Inácio Lula da Silva não manifestou qualquer intenção<br />
de revogar esse decreto. A discussão sobre a “inclusão<br />
digital” não contempla a “inclusão informacional”,<br />
que são coisas diferentes.<br />
Para a pesquisadora, os princípios constitucionais<br />
que favorecem a transparência do Estado continuam<br />
longe de serem implantados. O território da “opacidade”<br />
interdita o Estado ao cidadão, enquanto se amplia a forte<br />
reserva de corrupção, denuncia.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
OS OPERADORES DO DIREITO<br />
A participação da Dra. Tânia Gambiatti de<br />
Mello, presidente da OAB/SCS, representando o pensamento<br />
dos operadores do Direito – os advogados – deixou<br />
claro que seu segmento está pouco capacitado para lidar<br />
com a questão do tema em debate. oi humilde em<br />
reconhecer que, em vez de trazer contribuições de relevo,<br />
acabou recebendo uma carga enorme de informações<br />
a respeito do assunto. Declarou-se uma pessoa muito<br />
preocupada com a história e “a História é o arquivo”,<br />
disse ela. “A minha gestão na OAB está terminando e<br />
estou preocupada em deixar tudo organizado para quem<br />
vai chegar e quer ter as informações. E repente é o<br />
arquivo “dela” (da Malu), que ela falou aqui e eu não<br />
me dava conta.<br />
alando sobre o Poder Judiciário, na lide dos<br />
processos, ela informou que a justiça estadual não possui<br />
uma ouvidoria e os advogados não têm um acesso<br />
eficiente. “Na Internet até tem o site do TJ (Tribunal de<br />
Justiça), mas é muito pouco”. Já na justiça federal, na<br />
esfera da justiça do trabalho, existe uma ouvidoria e que,<br />
segundo a Dra. Tânia, está funcionando, pois lá se tem<br />
acesso a qualquer processo, pois certa feita reclamou pelo<br />
site e obteve resposta. Alega que o conteúdo de um<br />
processo não é público, mas o seu andamento o é. “Apesar<br />
disso”, acredita, “já tivemos ouvidores mais acessíveis<br />
pelo país”.<br />
Quanto ao “Habeas Data”, durante os vinte<br />
anos que advogo nunca vi um processo dessa natureza.<br />
“Nós, os brasileiros, não estamos acostumados a isso,<br />
a imaginar que eu tenho acesso, eu posso saber sobre<br />
meus dados ou outra coisa. Algum colega comenta, de<br />
passagem, mas eu nunca vi.”<br />
Como ilustração ela comenta que, em São<br />
Caetano do Sul, existe uma lei que impede haver uma<br />
empresa funerária a menos do que três quilômetros da<br />
outra e que, desta forma, dadas as dimensões do município,<br />
deveria haver somente duas delas. Ela queria saber<br />
o teor da referida lei e não conseguiu pela vias formais,<br />
precisando recorrer a amigos para obter o que queria.<br />
“Perguntavam para que eu queria saber sobre a lei”,<br />
ironiza a advogada.<br />
Dando um depoimento pessoal, diz a advogada:<br />
“Outra coisa que eu quero mencionar é que, no meu<br />
parecer, os jornalistas hoje em dia dão notícias de acordo<br />
com o seu interesse. Não sei se esse interesse é do próprio<br />
59
jornalista ou do diretor, pois já tive um problema relacionado<br />
a esse assunto”.<br />
Já em relação à documentação pública, ela<br />
acredita que seja uma questão de cultura. “Nós, brasileiros,<br />
não estamos acostumados a procurar informações<br />
públicas, ao contrário do México (referindo-se à fala do<br />
professor Roberto) que briga pelos seus direitos. Acho<br />
que isso é necessário e deve passar a ser um hábito nosso”,<br />
sugere e conclui: “Já minhas filhas estão acostumadas a<br />
acessar a Internet, e essa geração pode mudar esse estado<br />
de coisas através do acesso à informação”.<br />
A CONTRIBUIÇÃO DA PLATÉIA<br />
AO DEBATE<br />
No segundo momento do debate, houve uma<br />
intensa participação das pessoas presentes levantando<br />
questões para os expositores – e estes, por sua vez,<br />
entre si – algumas das quais são aqui apresentadas.<br />
VÍTOR DA SILVA BITTENCOURT<br />
O professor Vítor Bittencourt é aluno do<br />
Programa de Mestrado do IMES e faz sua pesquisa sobre<br />
as instituições de ensino superior da região, algumas<br />
das quais apresentam o regime jurídico de autarquias<br />
municipais. Daí a sua argüição.<br />
“Ao pesquisar as instituições de ensino superior<br />
da região, incluindo aí as autarquias aculdade de<br />
Direito de São Bernardo, a undação Santo André e o<br />
IMES de São Caetano do Sul, quais os caminhos que<br />
eu devo tomar quando eu precisar fazer a minha pesquisa<br />
ou efetuar o meu levantamento sobre as informações<br />
dos últimos 20 anos, por exemplo, que é o período que<br />
nós vamos pesquisar? Quais as atividades de marketing<br />
que elas desenvolveram, principalmente as autarquias?<br />
Até porque existe a concorrência entre elas – apesar de<br />
ter um objetivo acadêmico –, pode gerar alguma<br />
dificuldade no acesso a essa informação, que é pública,<br />
já que se refere a uma autarquia? Eu gostaria de saber,<br />
por exemplo, quanto a undação gastou em publicidade<br />
nos últimos 20 anos e em quais veículos. Como eu<br />
conseguiria uma informação como esta?”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Eu acho que, no caso das autarquias, é complicado<br />
porque não deixam de ser empresas.”<br />
60<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />
O professor Sílvio é especialista em Marketing<br />
e atua como docente no Programa de Mestrado em<br />
Administração do IMES, além de chefiar uma agência<br />
do governo do Estado, reguladora dos pedágios das<br />
estradas paulistas. Sua fala traduz a experiência de quem<br />
tem de lidar com a informação pública da fonte para o<br />
público, sob o filtro da imprensa.<br />
“A questão que ele coloca entra no limbo da nossa<br />
conversa e é de extrema importância. A autarquia, na<br />
realidade, é uma figura jurídica de direito público, uma<br />
extensão do Estado, com características próprias, mas ela<br />
obedece toda uma liturgia de extensão pública. Em tese,<br />
deveriam ser mantidas às expensas do governo municipal,<br />
estadual, etc. Por circunstâncias, as autarquias voltadas<br />
ao ensino superior têm uma remuneração (via mensalidade)<br />
que acaba gerando essa coisa meio que “líquida-pastosa”.<br />
E nesse aspecto existem outras autarquias que também<br />
têm desempenhos de forma competitiva sob a ótica da<br />
formalidade, mas se você encarar sob a gestão daquela<br />
entidade, é possível que haja algum zelo, alguma inibição<br />
em oferecer dados de impacto, de marketing, por exemplo.<br />
De fato, eu não tenho resposta, não sei como se explica<br />
isso, se estaria abrangido nesta concepção de que é pública<br />
e deve dar informação, já que isto não é exatamente uma<br />
questão de segurança, não está nos quesitos que<br />
justificariam a exceção.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Ele vai ter esse mesmo problema quando fizer<br />
esta mesma pesquisa na área privada.”<br />
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“Nas instituições privadas, não tenho dúvidas<br />
que dependerá dos donos, mas, e nas autarquias, há<br />
alguma diferença? Pela legislação em vigor, elas se<br />
enquadram na definição de públicas, porque, embora<br />
de caráter privado, estão exercendo uma função de<br />
guardar documentos de caráter público e assim deveriam<br />
agir conforme a Lei de Arquivos, artigo 7, § 1º .”<br />
SAUL GELLMAN<br />
Pelo inusitado do cargo, o Ouvidor de Santo<br />
André foi bastante instado a falar sobre sua pasta, seja<br />
enquanto representante do poder público seja do ponto<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
de vista do munícipe-cidadão-usuário que a ele recorre<br />
quando necessita obter uma informação a respeito do<br />
andamento de um processo administrativo.<br />
“Deixe-me achar uma abertura para explicar o<br />
que é uma ouvidoria e como não existem duas iguais.<br />
Na verdade, a ouvidoria de Santo André foi criada com<br />
determinados objetivos e com determinadas limitações.<br />
Devo dar um exemplo muito forte: a diferença da<br />
auditoria de Santo André com a da cidade de São Paulo.<br />
A lei que a criou determina que as relações de trabalho<br />
entre o funcionalismo e a administração não são de<br />
competência (não sofrem a interferência) da ouvidoria<br />
– isso, em Santo André. São Paulo não se preocupa<br />
com isso. Resultado: passa-se a maior parte do tempo<br />
em discussão das relações de trabalho entre os<br />
funcionários em relação à administração do que do<br />
munícipe em relação à administração. Se não houve<br />
um cuidado com essa questão o foco foi desviado e o<br />
desempenho dessa ouvidoria vai ficar comprometido.<br />
Então, o que eu quero dizer é que, infelizmente, o seu<br />
problema não pode vir para a auditoria de Santo André,<br />
mas eu penso que você suscita uma questão filosófica<br />
que deve ser levantada sobre até onde uma autarquia<br />
tem o direito de guardar os seus arquivos ou abri-los e<br />
o que é realmente uma definição de uma autarquia. No<br />
caso da Semasa, em Santo André, ela tem a obrigação<br />
de publicar os seus balanços porque é uma empresa<br />
monopolista, pois ela é a única fornecedora, mas ela<br />
não é sustentada pelo Estado ou pelo município, ao<br />
contrário, ela tem de se auto-sustentar e apresentar<br />
resultados, porque senão seria considerada má gestão.<br />
Então, provavelmente, no seu balanço deverão ser<br />
publicados inclusive os recursos do orçamento para<br />
marketing ou para investimento. Eu estou falando de<br />
empresa porque é mais fácil. Em escola, de fato, não é<br />
minha área. Eu não sei se os ajudei a obter uma idéia<br />
do que possa ser uma ouvidoria.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Eu tenho uma questão a respeito da ouvidoria.<br />
Vocês já receberam algum pedido de munícipes a respeito<br />
de informações em poder da Prefeitura?”<br />
SAUL GELLMAN<br />
“A auditoria foi criada com a intenção de facilitar<br />
a vida do munícipe no que se refere a todos os servi-<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
ços prestados pela Prefeitura. O trabalho interessante e<br />
básico de uma ouvidoria é que ela é uma conseqüência<br />
de uma série de ações. Ela não foi criada a partir do<br />
momento em que se decidiu criar uma auditoria e sim<br />
como complemento de um processo de modernização<br />
da administração, para propiciar facilidade de acesso do<br />
munícipe às informações sobre aquilo que lhe interessa<br />
diretamente, ou seja, um pedido feito à Prefeitura, um<br />
processo aberto, a facilidade ou não de ter uma resposta<br />
e, tendo como conseqüência final, desde que não recebida<br />
resposta ou desde que a resposta não seja satisfatória,<br />
ele recorre à ouvidoria, que se manifesta em favor do<br />
cidadão “em princípio”, uma vez que também a ouvidoria<br />
considera que haja, no mínimo, o benefício da<br />
dúvida em favor do cidadão. Quando cidadão recorre à<br />
ouvidoria, no princípio, tem 100% de crédito; às vezes,<br />
após levantamento da questão, ele não tem razão. Ele<br />
também é um ser humano, ele distorce, ele acrescenta,<br />
ele manipula e, às vezes, nós entramos ou não (como<br />
demanda). É um processo que, no mínimo, deve-se<br />
começar pela disposição do ouvidor em não querer ter<br />
as luzes sobre si. Ele é um instrumento e não é o ator<br />
principal da história. Esta é uma condição é fundamental<br />
porque ele se preocupa em resolver o problema do<br />
munícipe.<br />
A cidade de Santo André tem 500 serviços. O<br />
que ela fez: relacionou um chamado “Guia ácil” e foram<br />
distribuídos, há dois anos, 150 mil exemplares, os quais<br />
correspondiam, na época, às 150 mil residências da cidade.<br />
Seu papel e o seu formato era de jornal. Nesse Guia ácil<br />
constam todos os serviços com custo e com prazos para<br />
atendimento, inclusive com alguns prazos absurdos (de<br />
300 dias) para se obter uma informação – apesar de ser<br />
muito raro. E esta é uma baliza com que trabalha o ouvidor<br />
porque senão ficaria apenas na dependência do seu bomsenso<br />
e isso é muito pouco.<br />
Com base nisso, é possível fazer um trabalho.<br />
É perfeito esse guia? Absolutamente; ele é imperfeito,<br />
vai ser revisto – tanto é que os exemplares estão no fim<br />
– já que vai haver uma segunda edição. Agora, esses<br />
prazos existem, embora não tenham sido discutidos com<br />
o ouvidor e eles (os funcionários) os determinaram<br />
embora eles próprios respeitam. Isso ocorre, muitas vezes,<br />
porque realmente é imperfeita a relação entre a<br />
administração e o munícipe. Voltando ao tema do nosso<br />
encontro, exatamente porque a informação não é<br />
prestada de forma clara, transparente e, principalmente,<br />
61
com a consciência do funcionário de que ele é um<br />
“servidor do público” e não um mero “servidor público”.<br />
É o seu trabalho e tem de estar à disposição do público.<br />
E aí a ouvidoria recebe essa missão (que deve ser<br />
considerada como tal) de tentar obter a resposta que o<br />
munícipe não consegue obter sozinho. Por força da lei a<br />
ouvidoria tem mais força do que tem o munícipe no seu<br />
particular. Já em relação a prazos, em Santo André, a lei<br />
determina que, recebido o pedido, o funcionário tem<br />
cinco dias úteis para iniciar um processo para indeferir<br />
ou não o pedido e a secretaria, ou o departamento, tem<br />
vinte dias corridos para responder. Nós classificamos o<br />
processo aberto em dois: o que chamamos de “encerrado”<br />
– quando aceitamos a resposta – e o que chamamos de<br />
“resolvido” – quando a resposta realmente satisfaz não<br />
só à ouvidoria como ao munícipe, quando chegou ao<br />
encontro do que ele precisa e aí é uma festa. Muitas vezes<br />
nós recebemos as respostas e as consideramos plausíveis,<br />
mas não satisfatórias quanto no pedido do munícipe. Este<br />
é o objetivo. Agora, como conseguir esse objetivo?<br />
Regime militar? Impondo?<br />
Estamos falando de um organismo com sete ou<br />
oito mil funcionários. E o funcionário acreditando, em<br />
primeira mão, que o ouvidor é um dedo-duro, auditor<br />
ou fiscal, enfim, alguém que vai prejudicá-lo. As<br />
referências para a atuação, um curso de auditoria, uma<br />
prática, não existem; vai-se aprendendo sozinho, mas<br />
você tem que entender que vai “engolir sapo”, que você<br />
vai, talvez, ter que “seduzir” o setor. Usando um pouco<br />
da pressão que a lei dá e um pouco de diplomacia até<br />
conquistar a confiança do funcionalismo.<br />
Quando Mário Covas, ex-prefeito de São Paulo,<br />
criou o Centro de Auditoria de São Paulo – e lamento<br />
dizer que a maior parte desse serviço não vingou –, ele<br />
dizia que não queria no ouvidor um “senador” para<br />
resolver as questões. Ele queria alguém que atendesse<br />
as pessoas no seu particular, na sua questão. Resolvida a<br />
questão, estava encerrado o assunto. Não se procura o<br />
culpado e não se recomenda a punição, mas também cabe<br />
à Secretaria fiscalizar a unidade e nós, depois de algum<br />
tempo, sem dúvida, teremos a condição de fazer recomendações<br />
que serão ou não comunicadas pela secretaria ou<br />
pela administração e é só. Este é o papel da auditoria.<br />
Muitas das recomendações não serão nem lidas e nós<br />
sabemos disso. Agora, nós esperamos que o processo<br />
evolua e questões básicas sejam resolvidas.<br />
62<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Existem questões em Santo André, por exemplo,<br />
que podem tocar vocês, quanto à remoção de árvores. A<br />
poda e a remoção de árvores. “A árvore (e olha que eu<br />
amo árvores)”, dizia o munícipe, “em frente à minha<br />
casa, faz muita sujeira e ela tem de ser podada. Ela também<br />
está muito alta. Além do mais, as folhas que caem<br />
no meu telhado e na minha calha entopem os encanamentos”.<br />
As árvores de todo o mundo têm o hábito de<br />
soltar folhas e quem tem uma casa tem que zelar por ela;<br />
é de responsabilidade do próprio dono limpar a calha<br />
como tem de limpar a caixa d’água, como tem de varrer<br />
as folhas que caem no seu quintal, apesar de que, na rua,<br />
a responsabilidade é do poder público. Então, até os meus<br />
vizinhos reclamam! Dizem que eu não tomo providência.<br />
Mas por que, a árvore é sua? Não, a árvore é um bem<br />
público, de todos nós. Você não é responsável se a raiz<br />
está quebrando a calçada do vizinho. Essas questões,<br />
três anos e meio depois, ainda não foram resolvidas. O<br />
departamento da área verde se sente o dono da verdade<br />
e as recomendações não se referem à comunicação, à<br />
transparência, entender e ouvir o munícipe, porque não<br />
se esqueça: nós podemos achar banal a questão, mas não<br />
é, porque quando o cidadão reclama demais, ele está<br />
dizendo o seguinte: ‘Eu não acredito no poder público<br />
porque se essa árvore está aí na minha casa e derrubar<br />
alguma coisa, eu não vou ser ressarcido’. Isso é o que ele<br />
está dizendo e ‘é por isso que eu quero que tirem essa<br />
árvore porque balança e me assusta quando eu durmo’.<br />
Dá para fazer um livro sobre por que um cidadão<br />
simplesmente faz um pedido para tirar uma árvore. Isto<br />
reflete a falta de confiança no poder público.<br />
Eu gostaria de dizer, ainda, que seria bom que<br />
uma ouvidoria fosse responsável por suprir a implantação<br />
de uma universidade ou de uma orquestra sinfônica<br />
no seu bairro ou uma biblioteca melhor e deixasse essas<br />
questões básicas resolvidas. Ainda nós não estamos lá.<br />
az parte de toda a questão básica desse encontro, mas<br />
as ouvidorias são limitadas no seu espaço, no seu contexto<br />
e deve ser mesmo, porque não há capacidade para<br />
resolver tudo. Ela é apenas um passo a mais. E como<br />
eu disse no começo, a autoridade máxima, mais do que<br />
o ouvidor, tem de entender que o papel do ouvidor, com<br />
a agravante do risco de ser uma pasta, uma assessoria –<br />
e esse risco é grande – pode depor contra aquele que<br />
instituiu a ouvidoria. Não pode ser uma brincadeira!<br />
Então seria melhor não criar uma ouvidoria porque,<br />
então, seria inventar de maneira demagógica ou sem<br />
maiores preparos.”<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“Se eu não consigo uma informação de Santo<br />
André, sendo moradora de São Bernardo do Campo,<br />
posso entrar com um pedido na ouvidoria?”<br />
SAUL GELLMAN<br />
“Quero acrescentar que a ouvidoria não é a porta<br />
de entrada na Prefeitura. Então o pedido tem que ser<br />
feito primeiro à Prefeitura e, com esse pedido, haverá<br />
um número. A praça de atendimento – ou o que chamam<br />
de “one ácil” – registra e fornece o número do seu<br />
pedido, e ele dá um prazo para que este pedido seja<br />
respondido. Passou deste prazo e não foi atendido é mais<br />
do que seguro procurar os direitos e recorrer à ouvidoria.”<br />
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“Gostaria de dizer que em um seminário internacional<br />
a diretora do arquivo do México relatou um<br />
convênio firmado com as forças armadas para que os<br />
jovens das comunidades longínquas ajudassem na<br />
recuperação dos documentos que se deterioravam em<br />
porões úmidos, higienizando e classificando-os de<br />
acordo com um manual. Era uma questão de segurança<br />
nacional, uma forma de criar uma identidade entre<br />
aqueles jovens, suas famílias e a memória da sua nação,<br />
do seu País. E eles se encantaram com essa relação.<br />
Com relação à questão sobre disponibilizar a<br />
informação na Internet, eu acho que não é o mesmo<br />
que disponibilizar a informação pública. Eu acho que<br />
isso é outra coisa.<br />
O acesso à informação independe de uma forma<br />
de política nacional que envolva o tratamento dessa<br />
documentação eletrônica. Daí a gente tem um problema<br />
muito sério agora com toda essa documentação eletrônica,<br />
como lidar com ela, que necessita ser discutida<br />
no âmbito das administrações, o que você gerencia e<br />
como conserva. Até se pergunta, às vezes: O que vai<br />
ser do historiador no futuro com essas ferramentas?<br />
Como é que vai ser gerencia-da essa comunicação, pois<br />
não se consegue organizar, não existe uma gestão. Nós<br />
precisamos de uma série de informação completa.<br />
Também se deve preocupar com aquele documento que<br />
está sendo produzido agora e não só o documento<br />
antigo. Quem trabalha com esses arquivos em geral são<br />
oficiais administrativos, sem preparo adequado.”<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
PROESSOR EXPEDITO NUNES<br />
“Pelo correr do debate fica claro que a cultura<br />
pelo interesse à informação não existe sequer no poder<br />
público e sequer no próprio cidadão que, de certa forma<br />
ostensiva, me parece que é um problema de educação.<br />
Nós estamos numa instituição de educação e é como se<br />
fosse uma corda circular com duas pontas que se unem<br />
em um mesmo ponto. A Dra. Tânia falou que obteve<br />
uma informação que se quer importante e que não<br />
conseguira pelas vias formais. Então por uma questão<br />
de cultura um cidadão que não sabe lidar com essa<br />
questão mas também não conhece ninguém com<br />
autoridade para ‘dar um jeitinho’ acaba por não ter acesso<br />
à informação.<br />
E como é a experiência do jornalista, em termos<br />
da região, esse retrocesso democrático sobre o<br />
prolongamento dos prazos referido pela Malu? Pareceme<br />
que, agora, estamos em um período dos mais ‘civis’<br />
da administração pública federal, enfim, parece que é<br />
um retrocesso do ponto de vista do acesso e do direito<br />
do cidadão à informação pública.”<br />
PAULO CARNEIRO<br />
Eu conheço o professor Sílvio Minciotti há muito<br />
tempo e sei que ele trabalha no serviço público. Eu posso<br />
procurá-lo e obter uma informação de forma reservada,<br />
mas essa maneira informal de obter uma informação<br />
pública corre um risco ético.<br />
Então, eu acho que a gente ainda vive esse<br />
requisito de entulho autoritário e é difícil de se livrar,<br />
porque não há uma cultura de cidadania, de direito.<br />
Chega lá e o próprio funcionário que vai conhecer a<br />
informação está dando um acesso porque é um direito,<br />
está na lei. Um exemplo concreto é de um rádio-repórter<br />
policial. Ele tem o direito de pegar o Boletim de<br />
Ocorrência na delegacia. Como em qualquer lugar do<br />
mundo, isso acontece. Um delegado de Diadema resolveu<br />
não dar acesso ao B.O. Mas o repórter ficou desesperado,<br />
disse que precisava daquilo para fazer a matéria e que<br />
era cobrado pelo editor e insistiu. O delegado olhou para<br />
a 45 e começou a ameaçar. O repórter foi embora para a<br />
corregedoria. O corregedor deu a resposta e pediu para<br />
falar com o secretário de segurança, que confirmou que<br />
o acesso ao B.O. é livre, estranhando o fato. Após isso, o<br />
repórter voltou para a delegacia e o delegado começou a<br />
fazer discursos. Enfim, o repórter não conseguiu fazer a<br />
63
matéria. Parece que ele alegou que teve alguns problemas<br />
técnicos. Então, é uma questão de cultura, principalmente<br />
em relação a essa educação autoritária que ele teve que<br />
às vezes é ofensiva. Ele faz o que quer por ter o “poder<br />
de funcionário” que não deveria ter. ica difícil porque,<br />
neste caso, trata-se de informação pública. No caso de<br />
Diadema, a alegação do delegado é que se trata de uma<br />
cidade que tem um índice de criminalidade que, às vezes,<br />
tem de ser atribuído ao fato de situar-se em uma fronteira,<br />
onde acontecem crimes em outras cidades, e o B.O. é<br />
feito lá, porque é acessível, gerando uma relação desproporcional<br />
ao número de casos de homicídios. Por esse<br />
motivo, eles relutam em permitir algum acesso, mas o<br />
que a gente vê é essa dificuldade. E às vezes a indignação<br />
é de nós próprios e a gente não sabe o que fazer. É uma<br />
coisa que tem de ser dissipada gradativamente, o que<br />
poderia mudar essa postura. Nós vivemos hoje mesmo<br />
o regime em plena democracia. Quem chega ao poder<br />
por vezes beneficia-se também nesse resquício do autoritarismo<br />
e tira um pouco de proveito disso. Às vezes até<br />
com essa feição democrática aparente existe um certo<br />
cerceamento da informação. Algumas vezes isso é até<br />
planejado nesse sentido.<br />
Em relação à questão da formalidade, muitas<br />
vezes, até por cultura ou pela dificuldade das vias formais<br />
sobre a informação e a informalidade através do conhecimento<br />
você acaba tendo acesso, só que as pessoas que<br />
não têm essa possibilidade e não conhecem ninguém,<br />
acabam não tendo acesso à informação.<br />
Já a informalidade no caso dos jornalistas, ao<br />
usar essas informações de forma técnica, envolve a<br />
questão da ética. Você dá ou não uma informação que<br />
seria importante, porém eu posso dar a informação<br />
(publicar a notícia) porque ela foi coletada informalmente,<br />
mas aí entra o perigo, principalmente quando<br />
envolve poder público na utilização dessas informações<br />
na imprensa. Nesse momento entra o aspecto ético, pois<br />
a informação pode prejudicar alguém. Tem que ter esse<br />
fundamento, independente do grau da força do poder,<br />
tem que ter uma comprovação.”<br />
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“E quando são trabalhos sob questões ligadas<br />
ao poder público, como a saúde e a educação? É um<br />
pressuposto que eu tinha, em um determinado momento.<br />
Por ter trabalhado dentro das administrações,<br />
64<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
eu achava que isso facilitaria o acesso à pesquisa, primeiro<br />
porque não acarretaria uma dificuldade maior, e,<br />
em segundo lugar, de repente pode ter uma série de<br />
coisas interessantes e o funcionário não sabe por que,<br />
então, como ele vai pedir? Por isso, muitas pessoas da<br />
comunicação sabem e têm acesso.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“O poder público, muitas vezes, utiliza a imprensa<br />
para veicular as informações que interessam. Então,<br />
o governo, o Estado, envia informações que, na realidade,<br />
não passam de propagandas. O governo vai fazer uma<br />
obra, por exemplo, e divulga isso para a imprensa para<br />
ter um espaço, não para informar o público, e sim fazer<br />
propaganda. O jornalista simplesmente pode publicar<br />
isso, e tem direito, mas ele deve ir atrás para saber se<br />
essa obra é importante, o quanto vai ser gasto, como foi<br />
feita a concorrência, se é realmente necessária, como<br />
era antes e como vai ficar no futuro. Essas informações<br />
eles só vão obter também através do poder público. Para<br />
fazer uma reportagem – não apenas publicar dando um<br />
espaço para fazer propagandas – o jornalista tem de ir<br />
atrás para não informar nada sem prova e, também, para<br />
não ficar publicando algo que seja apenas “propaganda”<br />
para o público. Por isso, o jornalista deve ir atrás de<br />
determinados dados e saber qual será o seu impacto.<br />
Muitas vezes esses dados são sonegados, pois essas<br />
informações acabam sendo filtradas pelo poder público<br />
para que a matéria mostre o lado positivo da ação do<br />
Estado.”<br />
PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />
“A conversa está convergindo por uma vertente<br />
extremamente interessante, o que nos remete, também,<br />
para completar esse diagnóstico e tentar entender por<br />
que são sonegadas essas informações. Pode ser para fugir<br />
do controle, de uma prestação de contas, porque é mais<br />
confortável atirar uma seta e depois desenhar o alvo em<br />
volta dela para não correr o risco de errar ao invés de<br />
tentar antes. Mas há também uma relação complicada<br />
entre a autoridade e a opinião pública e os setores que<br />
fazem essa comunicação. Então, também não é menos<br />
verdade que, invariavelmente, utilizam-se informações<br />
de forma pesada com interesses. O professor Roberto<br />
faz um desenho daquilo que seria uma condição ideal.<br />
Quem recebe uma informação deve, primeiro, respeitála,<br />
tratá-la na sua plenitude. Deve-se fazer a investigação<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
necessária para que não sofra distorção e consiga chegar<br />
ao final de uma forma plena, de forma contributiva.<br />
A questão é que, também não é menos verdade,<br />
pouca gente sabe o que fazer com a informação. E aí pinça<br />
aquilo que é legível a qualquer cristão e usa aquilo como<br />
se fosse a grande essência da formalidade, e não o é. Aquilo<br />
pode ser muito bom para um, mas se for muito ruim, se<br />
analisar no contexto da introdução, ele se neutraliza, ele<br />
se explica. Nós vivemos no país num momento muito<br />
complicado, porque depois, freqüentemente, você vai ver<br />
que não tinha acontecido nada, porque aquilo não tinha<br />
fundamento e nem procedência, era uma parte de uma<br />
história que não foi muito bem colocada e, quando foi ver<br />
bem, não era nada daquilo. Conclusão: isso acaba também<br />
acirrando essa posição contrária cerceando a informação.<br />
Então, nós vamos ter pelo menos dois motivos que eu<br />
resumo para que a informação seja negada. Um é quando<br />
eu não entrego a informação para que ninguém saiba o<br />
que eu tenho que fazer. E o outro é o temor quando vou<br />
ter que explicar para a pessoa porque senão ela não vai<br />
entender. Se ele sai por aí com isso e vai fazer mal uso, e<br />
como eu não tenho como explicar, escondo-a.<br />
Simplesmente disponibilizar a informação, sem<br />
que sequer você retifique, qual é o seu esforço? Porque<br />
senão você estará fornecendo um dado e não uma<br />
informação (a qual é um dado ‘trabalhado’) um conjunto<br />
de informações que só tem sentido quando completo.<br />
Eu acho que nós estamos discutindo uma questão<br />
absolutamente relevante, que é a disponibilização da<br />
informação, e eu gostaria de concluir que disponibilizar<br />
informação é uma parte muito importante da história,<br />
mas que poderá ficar muito melhor se, ao disponibilizála,<br />
você também entregar um instrumental a alguém ou<br />
se coloque à disposição. ‘Qual é o problema que você<br />
tem para que eu possa ajudá-lo?’ Muitas vezes, não se<br />
sabem as informações que se tem e que poderiam ser<br />
fundamentais. Assim haveria menos risco de a informação<br />
ser mal usada. Infelizmente há pessoas que fazem<br />
o mal uso da informação, mas estas poucas pessoas fazem<br />
um estrago muito grande. É como se alguém pegasse<br />
um grande travesseiro de penas e jogasse as penas e, em<br />
seguida, alguém dissesse: ‘Ora, não foi bem assim. Vou<br />
pegar tudo de volta’. Nunca mais se consegue recuperar<br />
isso. Depois que se gerou uma notícia, um fato ou um<br />
boato ruim, você não recupera. Então, este temor está<br />
sempre presente. E hoje eu digo o seguinte por experiência<br />
própria: ser administrador público é uma atividade de<br />
altíssimo risco. Qualquer um pode entrar com uma ação<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
popular. O Estado não defende esse funcionário. Ele<br />
tem que contratar um advogado para se defender de um<br />
eventual uso equivocado de alguma informação que<br />
alguém prestou. Aí o que acontece: é mais cômodo para<br />
ele dizer não! Então, nós estamos tocando em um ponto<br />
que é de extrema importância. Ter acesso é a mínima<br />
demonstração de cidadania e a União, os Estados e os<br />
Municípios têm de passar as informações. Isso tem de<br />
ficar enraizado na alma do servidor público, fazendo parte<br />
do seu ideário. Agora é preciso que também não deixemos<br />
de compor no diagnóstico quais as causas que geram<br />
esses efeitos, senão vamos ficar com a sensação de que<br />
só o dolo, a má intenção que há no lugar da informação<br />
tem que estar presente. Tem uma outra causa que<br />
também gera uma possibilidade que também pode ser<br />
trabalhada.”<br />
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“A revista Cenário Arquivístico, da Associação<br />
Brasileira de Tipologia, em seu primeiro artigo, fala sobre<br />
cessão e utilização de arquivos produzidos ou sob a guarda<br />
de um órgão público, comentado por um advogado<br />
professor de Direito Constitucional e por um consultor<br />
legislativo da Câmara dos Deputados e também mestre<br />
em Direito na UNB. Aqui são relatadas todas as possíveis<br />
situações que possam ocorrer: a citação de um órgão<br />
público, a violação do direito de imagem das pessoas, do<br />
registro, dos instrumentos etc.<br />
Há todo um cuidado no acesso à documentação<br />
arquivística, de maneira a procurar prevenir aquele que<br />
segue essa informação, mas de maneira que as pessoas<br />
saibam claramente que existe seu direito. Um determinado<br />
autor discute à luz da legislação, colocando o<br />
direito das pessoas ao uso da informação, seja um pesquisador,<br />
um jornalista ou cidadão comum. As questões,<br />
as preocupações, os cuidados que se deve ter pelos<br />
usuários dos arquivos públicos, para o fornecimento<br />
dessas informações. Desta forma sabemos que é possível<br />
cercear o direito à informação, mas, conhecendo<br />
a lei, vamos tomar certos cuidados.<br />
Eu queria fazer uma pergunta ao Paulo: quando<br />
iniciei minhas pesquisas, no Diário do Grande ABC e na<br />
biblioteca de Santo André, nos anos 1970, havia muito<br />
mais “ABC” nos jornais do que tem hoje. Parece que<br />
havia uma preocupação maior de noticiar a região. Hoje,<br />
tem muitos fatos que a gente sabe que estão acontecendo<br />
65
e eles não estão no jornal. O que é isso? Também vejo<br />
que hoje não há uma certa preocupação em colocar as<br />
informações da região à disposição do público.”<br />
PAULO CARNEIRO<br />
“Talvez isso pelo fato de os leitores que buscam<br />
o Diário estarem em busca de informações sobre sua<br />
região nos jornais, mas, ao mesmo tempo, estarem preocupados<br />
com outros lugares, como o World Trade Center,<br />
por exemplo. Aí a gente pega aquele fato sobre o qual<br />
está todo mundo falando e coloca lá. Mas eu diria que se<br />
deve ao fato de que o Diário não tem um forte concorrente<br />
na região. No caso do Diário do Grande ABC, fica<br />
difícil pelo fato de abranger as sete cidades, porém nem<br />
todas produzem o mesmo volume de notícias de interesse<br />
geral. Eu participo do “Conselho de Leitores” do jornal,<br />
formado por um grupo de leitores que se reúnem para<br />
discutir as matérias que são publicadas, e a dúvida que<br />
você expõe elas expõem também. Um deles apontou mais<br />
matéria sobre Mauá do que sobre Santo André, já que<br />
esta é maior e produz mais notícias. Há uma dificuldade<br />
em selecionar e fazer uma distribuição hierarquizada<br />
disso. Hoje penso que isso se deve à concorrência dos<br />
jornais de fora (os grandes) que provocam notícias de<br />
fora da região. E o Conselho detecta isso – e eu concordo<br />
– que há muitas notícias de agências, negligenciando a<br />
região. Você como pesquisadora gostaria de ver mais<br />
notícias sobre a região porque sobre outras localidades<br />
você já viu nos demais jornais. A diferença é que eles<br />
noticiam no “pirulito”, enquanto no Diário nós trabalhamos<br />
melhor e damos uma manchete.<br />
Em decorrência disto, nos anos 1960/1970, o<br />
jornal Diário do Grande ABC era muito mais centrado<br />
na região do ABC do que é hoje, mas deveria ter uma<br />
carga maior de informações regionais ao leitor. O que<br />
acontece também nos dias de hoje é que a gente pode<br />
trabalhar melhor em uma matéria da região enquanto<br />
um algum jornal grande de São Paulo o publica com<br />
menor ênfase.”<br />
PROESSOR EXPEDITO NUNES<br />
“Eu gostaria que o Paulo pudesse confirmar um<br />
número comentado no órum da Cidadania do Grande<br />
ABC, o qual eu pesquiso, sobre a abrangência do Diário<br />
do Grande ABC ser de aproximadamente 10% da<br />
população do Grande ABC que procura informação, o<br />
66<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
que dá para perceber que poucos têm acesso. A informação<br />
até é veiculada, mas, como a população que tem<br />
acesso é pequena, dá a impressão de que a informação<br />
não foi veiculada. Isso procede?”<br />
PAULO CARNEIRO<br />
“O Diário do Grande ABC e outros também. A<br />
maior parte da distribuição acaba indo para assinantes.<br />
A venda em bancas é menor. Os números oficiais me<br />
parecem que são 35 mil assinantes e o número de<br />
vendas em bancas, que tem caído recentemente, por<br />
motivos internos os quais os senhores devem estar<br />
acompanhando, gira em torno de 10 mil. Eu não tenho<br />
com muita precisão esta informação por não ser da<br />
minha área e eu não me preocupo muito com ela. Talvez<br />
o Saul saiba mais sobre isso porque a Prefeitura de Santo<br />
André trabalha com essas informações porque o jornal<br />
interessa para a Prefeitura por ser a principal mídia da<br />
região. Eles podem até ter uma pesquisa própria em<br />
relação a isso. O que eu sei, e posso confirmar, é que o<br />
Diário é lido por 70% das pessoas que lêem jornais na<br />
região. Uma pequena parte desta parcela lê dois jornais:<br />
o Diário do Grande ABC e algum outro, mas grande parte<br />
lê somente o Diário. Então, o jornal tem essa importância<br />
como veículo de informação e se reflete até no próprio<br />
comportamento de alguns. Se o caderno “Cultura e<br />
Lazer” publicar algum evento, muitos acabam indo, ao<br />
contrário do que se não houvesse a publicação. Outro<br />
dia um conselheiro me dizia que um evento em São<br />
Caetano do Sul não teve público por não ter saído no<br />
Diário do Grande ABC. Outro dia ele estava em outro<br />
evento de outra cidade e viu muita gente com o caderno<br />
de “Cultura e Lazer” debaixo do braço. Talvez não nesta<br />
proporção, mas o jornal é um forte formador de opinião.”<br />
MARGARETH KAJYIAMA<br />
(REPRESENTANTE DO ÓRUM DA<br />
CIDADANIA DO GRANDE ABC)<br />
“Quero dizer que fui conselheira de Saúde e<br />
Educação. A gente recebe dados, mas não sabe como<br />
trabalhá-los, principalmente a sociedade civil dentro dos<br />
conselhos municipais. Existem alguns dados pela<br />
Internet, mas não são os mesmos dados que os governos<br />
trabalham. Nós até temos acesso a esses dados, mas não<br />
fomos capacitados a utilizá-los. A Dra. Tânia fala que<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
suas filhas já sabem lidar com as novas mídias, pois foram<br />
educadas para isso, mas a maioria da sociedade civil não<br />
o foi. Os governos não trazem os dados do jeito que nós<br />
precisamos e dizemos: ‘Tudo bem, mas e aí, o que fazemos<br />
com isso? Prestam-se contas, mas que contas são essas se<br />
não sabemos lidar com elas?’<br />
Então, eu acho que o acesso à formação pública<br />
é muito importante, seja ela pública ou não. Nós da sociedade<br />
civil temos outra dificuldade que é a de saber lidar<br />
com a informação apesar de existir a lei, porque não fomos<br />
formados para lidar com isso. Alguns conselheiros até<br />
podem ler o jornal, mas vão para as reuniões direto do<br />
trabalho, por conta própria e não estão capacitados para<br />
lidar com essas questões. Como fazer para que as informações<br />
cheguem até as populações que fazem parte das<br />
políticas públicas dos municípios?”<br />
DRA. TÂNIA GAMBIATTI DE MELLO<br />
“Eu mesma estou saindo daqui com a minha<br />
biblioteca mental repleta de informações que eu sequer<br />
sabia que existiam. oi preciso eu estar nesta reunião<br />
para entrar em contato com coisas até simples, mas que<br />
eu não sabia que existiam. Nós, que temos um pouco<br />
de cultura, estamos passando por isso, imagina a população.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Completando a fala do professor Sílvio, eu diria<br />
que a instância que deveria fazer essa mediação entre a<br />
informação e a população seria a mídia. Porém, ela não<br />
tem sido a mais louvável das instituições, sem risco de<br />
estar sendo injusto. Ela tem disseminado informações<br />
falsas, trabalhado mais com o sensacionalismo, com o<br />
boato, com a fofoca. Da mesma forma que o cidadão<br />
tem de ficar de olho no poder público, ter acesso à<br />
informação, ele precisa fiscalizar a imprensa. Nós estamos<br />
começando a ter uma reação contra essas pessoas para<br />
que dêem um tratamento adequado às informações. A<br />
sociedade está começando a exigir isso. Não que haja<br />
censura, mas uma cobrança para que a mídia em geral<br />
evite distorções por causa de comportamentos inadequados,<br />
podendo levar a situações de conflito, decidindo<br />
pela vida e pela morte das pessoas. A mídia tem uma<br />
responsabilidade enorme e, nesse sentido, a questão da<br />
ética, levantada pelo Paulo Carneiro, é muito importante.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Se ela não estiver preocupada com a ética e somente<br />
com os números, vai acabar perdendo essa batalha! As<br />
pessoas passarão a desconfiar das informações veiculadas,<br />
a não mais acreditar nela, a não mais utilizá-la<br />
para pensar, para receber os dados que se transformariam<br />
em informações úteis. A ela eu credito uma grande<br />
parcela de culpa; embora isso não exima o Estado de ser<br />
transparente, a mídia tem de ser cobrada, já que seus<br />
profissionais são pagos e treinados para darem o melhor<br />
tratamento às informações.”<br />
PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />
“Eu sempre fui muito chato com a questão de<br />
causa e efeito. Enquanto não identifico a causa, fico<br />
inseguro. Quando o IMES iniciou o curso de Jornalismo<br />
eu acentuei bem esta questão da ética, porque penso<br />
requerer muito mais responsabilidade do que um curso<br />
de medicina. Um médico mal-formado pode matar uma<br />
pessoa de cada vez, enquanto um jornalista mal-formado<br />
pode acabar com a vida, com a auto-estima de milhões<br />
de uma só vez. Então, as instituições (de ensino), que<br />
formam e colocam no mercado de trabalho esses profissionais,<br />
devem ter cuidado. É preciso plantar também a<br />
semente da ética. Na cabeça de um burro velho nem<br />
xampu faz espuma. Depois que alguém se forma, que<br />
aprendeu o caminho torto da celebridade, é difícil<br />
corrigir-se.<br />
ico pensando: como é que funciona não a<br />
redação, mas a alma de cada um, de si para consigo<br />
mesmo? É nessa hora que se necessita de uma força<br />
interior para ser reto, ético. O jornalista mais do que<br />
qualquer outro profissional porque, do microfone dele,<br />
pode sair uma brincadeira terrível! No passado houve<br />
aquela brincadeira do Orson Welles que teve uma<br />
grande repercussão, mostrando como isso pode refletir<br />
para o bem e para o mal. Hoje a população está sendo<br />
influenciada (acho que não é um bom termo), está sendo<br />
convidada a ver os aspectos positivos de uma certa<br />
política pública, o que não é errado, não há mentira, há<br />
comportamento. Pode-se convidar as pessoas a olharem<br />
aspectos positivos ou os aspectos negativos de um caso.<br />
Está-se carregando esse monte de gente (apontando<br />
para a Margareth, por ela representar ali a sociedade<br />
civil) que vem atrás e não tem condições de filtrar as<br />
informações. Eu recebo e creio, porque creio naquele<br />
veículo e pronto.”<br />
67
DRA. TÂNIA GAMBIATTI DE MELLO<br />
“Precisa a Globo soltar em uma novela: ‘Vão<br />
todos procurar um psicólogo’, para os drogaditos procurarem<br />
tratamento...”<br />
PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />
“Essa é a influência da mídia. Tocamos num ponto<br />
que é de grande interesse. É como o efeito da a pedra<br />
jogada no lago: ela provoca uma série de ondinhas na<br />
água... Vejam para onde nossa discussão está caminhando.<br />
De repente estamos fazendo uma auto-crítica dentro de<br />
uma escola. Nós estamos formando bons profissionais para<br />
‘entregar’ ao mercado? Ou estamos falando de ética para<br />
eles? Eu não sei.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Para se ter uma idéia, ano passado aqui no<br />
IMES, realizamos a Semana de Comunicação e um dos<br />
temas tratados foi ‘A Ética no Jornalismo’. Nós temos<br />
centenas de alunos nessa área e poucos se inscreveram<br />
para esta palestra, que acabou não sendo realizada.”<br />
PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />
“Isto é um problema grave. Certamente isto se<br />
estenda a outras áreas. Na verdade, parece que o tecido<br />
social está se esgarçando, os valores estão se perdendo.<br />
Temos de começar a plantar isto de novo, tentar resgatar<br />
o mérito – não há mais valor no mérito –, projeto de<br />
vida, que isso os jovens têm. Quanto à fala da Margareth<br />
eu diria que disponibilizar a informação é importante,<br />
mas instrumentalizar pessoas para o uso delas é fundamental.<br />
Para transformar dados em informação útil.”<br />
MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />
“Há um livro no qual o autor levanta esta questão<br />
de até que ponto existe transparência da informação e<br />
propõe formarmos mais especialistas para lidar com ela.<br />
Sua fala vai deixar-me remoendo por muito tempo por<br />
ser extremamente importante o que acaba de dizer.”<br />
PAULO CARNEIRO<br />
“A sua metáfora do travesseiro [referindo-se à<br />
fala do professor Sílvio Minciotti] lembra-me o caso do<br />
ex-ministro Alcenir Guerra, o qual nunca se recompôs.<br />
68<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Penso que deve ser regulamentado o acesso e o uso da<br />
informação. A ederação dos Jornalistas está tentando<br />
formar algo correspondente ao CONAR (Conselho de<br />
Auto-regulamentação da Propaganda e Publicidade)<br />
para o jornalismo também ter uma organismo de regulamentação<br />
para evitar casos como esses. O senhor tem<br />
muita razão em preocupar-se com isso, sobre a formação<br />
ética dos alunos porque quando eles chegam ao<br />
mercado ficam divididos entre a emoção e a carreira,<br />
muitas vezes priorizando esta última em detrimento da<br />
ética. Vou refletir sobre tudo isso que estou ouvindo e<br />
acrescentar elementos que contribuam de alguma forma<br />
com o aprimoramento do processo.”<br />
SAUL GELLMAN<br />
“Recentemente, eu li que o centenário New York<br />
Times – considerado o maior jornal do mundo e que sofreu<br />
um deslize há pouco tempo por conta de um um<br />
jornalista desonesto – após cem anos, está criando a<br />
ouvidoria do jornal. Isso mostra a importância que é,<br />
nos dias de hoje, a instituição da ouvidoria em um jornal,<br />
mesmo grande como o que mencionei. ico chocado com<br />
a informação de apenas quatro alunos inscreverem-se<br />
para uma palestra sobre ética no jornalismo.<br />
Ética aprende-se em casa e na escola. A educação<br />
é fundamental para que os consumidores do Gugu<br />
(apresentador de programa do SBT) o procurem. Mas,<br />
se forem bem formados, passarão a ter outras necessidades<br />
e a buscar outras informações.”<br />
PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />
“Encerro dizendo que a democracia é um exercício<br />
diário e, como disse Saul Gellman, tem avanços e<br />
retrocessos. O acesso à informação é mais um passo para<br />
a consolidação de um Estado democrático, transparente,<br />
e para a constituição de cidadãos conscientes e<br />
esclarecidos.”<br />
COMENTÁRIOS INAIS<br />
O debate mostrou que o assunto em torno da<br />
informação é relevante e desperta a atenção de todos<br />
que se acercam dele. A pertinência deste evento se<br />
confirma pelo fato de todas as pessoas presentes a ele<br />
terem afirmado que aprenderam muito durante a troca<br />
de experiências, refletindo sobre questões poucas vezes<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
antes consideradas tão importantes para o pleno exercício<br />
da cidadania, como é o direito à informação pública, ou<br />
de posse do poder público, sobre as pessoas. Confirmando<br />
essa pertinência foi publicada matéria no site do<br />
Estadão (www.estadao.com.br/agestado/notícias/<br />
2003/set/30/111.htm) com o título: “Brasileiros não<br />
têm acesso a informações de órgãos públicos’. O texto<br />
informa que o professor de jornalismo Rosental Calmon<br />
Alves, da Universidade do Texas, defendeu a aprovação<br />
pelo Congresso Nacional que garanta aos cidadãos amplo<br />
acesso aos documentos e aos dados públicos.<br />
Dessa forma, esperamos contribuir para o<br />
aprofundamento da reflexão sobre o tema e para a<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
conscientização dos gestores públicos locais e nacionais<br />
da necessidade urgente de se propor e aprovar leis que<br />
facilitem o acesso das pessoas aos arquivos públicos,<br />
conforme instrui a Constituição Brasileira, aprimorando<br />
a prática da cidadania na região, no Estado e no país.<br />
* Trabalho realizado pela aluna do curso de Jornalismo<br />
do IMES Cristiane Riberti (transcrição)<br />
e pelo aluno do PMA do IMES Expedito Nunes<br />
(edição do texto).<br />
69
JÚLIO . B. ACÓ*<br />
“A natureza é objeto de permanente atividade humana, daí<br />
porque é uma realidade social e não exclusivamente natural”.<br />
(M. Santos) 2<br />
Simone Scifoni, quando da realização de seu<br />
mestrado, participava do CONDEPHAAT, desenvolvendo<br />
projetos como geógrafa na equipe de áreas<br />
naturais 3 . O interesse pela temática que envolvia a paisagem<br />
urbana e suas áreas cobertas de vegetação deu-se<br />
nesse período.<br />
Um dos diversos estudos sobre áreas verdes<br />
urbanas que envolviam a preservação do patrimônio<br />
ambiental estava relacionado a uma porção específica<br />
da metrópole paulistana: o ABC paulista. Suscitou uma<br />
reflexão mais profunda para a autora e um trabalho de<br />
dissertação de mestrado 4 .<br />
Ao buscar compreender a carência de vegetação<br />
a partir do entendimento do processo que a gera (p. 13),<br />
a intenção da autora é trazer à discussão da questão<br />
ambiental urbana alguma contribuição que a Geografia<br />
Humana pode oferecer.<br />
Do ponto de vista metodológico, a autora apresentou<br />
sua dissertação em quatro capítulos. Começa<br />
pela apreciação de questões introdutórias ao tema proposto,<br />
apresentando, em seguida, a problemática e a<br />
busca de explicações do processo de produção do<br />
espaço urbano do ABC, e por fim, analisa o aspecto da<br />
preservação.<br />
Logo de início, no capítulo um, Scifoni propõe<br />
que a mera constatação do fenômeno da carência de<br />
vegetação nos espaços urbanos não é suficiente para<br />
entendê-lo (p. 9). A busca pela explicação nos processos<br />
que orientam a produção do espaço urbano tem grande<br />
relevância nesse contexto.<br />
70<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
RESENHA<br />
SCIONI, Simone. O verde do ABC: reflexões sobre a questão ambiental urbana. São Paulo:<br />
aculdade de ilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo –<br />
Departamento de Geografia, 1994. [Dissertação de Mestrado] 1<br />
Antes de refletir, porém, sobre essa explicação,<br />
no capítulo dois, a autora coleta dados de imagens de<br />
satélite, fotos aéreas e pesquisas de campo, que permitem<br />
um levantamento da cobertura vegetal da área<br />
urbana do ABC e possibilitam as demarcações limítrofes<br />
da mancha verde, bem como o cálculo das áreas verdes<br />
e demais espaços de cobertura vegetal.<br />
Ainda nesse capítulo, evidencia-se a tentativa<br />
da autora de relacionar dados numéricos e geográficos<br />
a conceitos sociais e humanos; para analisar esses dados<br />
coletados, Scifoni aborda o conceito de áreas verdes,<br />
as quais associa com espaços arborizados ou ajardinados<br />
que cumprem a função de lazer (p. 22). Também<br />
apresenta o conceito de espaços verdes, associados aos<br />
terrenos públicos ou protegidos por legislação, onde<br />
predomina arborização e que podem vir a tornar-se<br />
locais de lazer. As grandes glebas de terras sem<br />
ocupação são citadas, das quais distinguem-se aquelas<br />
dotadas de cobertura vegetal arbórea. A partir dessas<br />
informações, a autora evidenciou oitenta e quatro<br />
diferentes áreas (p. 125) e as analisou do ponto de vista<br />
dos conceitos apresentados, e em relação aos três<br />
municípios do ABC.<br />
1 Este trabalho acadêmico encontra-se disponível, para<br />
consulta, no acervo do Laboratório de Regionalidade e<br />
Gestão da Pós-graduação do IMES.<br />
2 SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo:<br />
Hucitec/Edusp, 1978.<br />
3 Informações extraídas em 29/09/2003 da plataforma<br />
Lattes (http://lattes.cnpq.br/).<br />
4 O estudo da autora refere-se aos municípios de Santo<br />
André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul,<br />
que compõem o ABC.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003
Scifoni teoriza, ainda, alguns outros tópicos,<br />
para tratar da disponibilidade das áreas verdes no ABC.<br />
Estuda o índice de área verde/habitante, a distribuição<br />
espacial das áreas verdes nas cidades e o papel que estes<br />
locais representam na dinâmica ambiental urbana.<br />
Quanto à qualidade da vegetação urbana do ABC,<br />
a autora identificou a diversidade arbórea e o tipo de<br />
cobertura vegetal predominante em cada área mapeada.<br />
O que existe hoje nas cidades do ABC, observa, pouco<br />
tem a ver com a cobertura vegetal nativa da região.<br />
A autora encerra esse segundo capítulo discorrendo<br />
sobre a dualidade da vegetação urbana: natural,<br />
sendo objeto da natureza, e produto humano, determinada<br />
pelas necessidades da vida urbana (p. 50).<br />
O terceiro capítulo destaca a busca da autora<br />
pela compreensão da retirada da vegetação nativa,<br />
aliada com o momento de transformação da paisagem<br />
geográfica e, portanto, como resultado da produção do<br />
espaço urbano do ABC.<br />
A partir desta postura, Scifoni mergulha na<br />
história de ocupação e desenvolvimento da região do<br />
ABC evidenciando fatos importantes e até curiosos,<br />
que se originam no século XVII e vão até o século XX.<br />
Alguns como a instalação das fazendas dos monges<br />
beneditinos (p. 61), em áreas do atual município de São<br />
Caetano (azenda Tijucuçu) e nos atuais municípios<br />
de São Bernardo e Santo André (azenda São Bernardo),<br />
ou a transformação da paisagem bucólica da região com<br />
as chaminés das primeiras indústrias instaladas ao longo<br />
da ferrovia (p. 71).<br />
A farta informação levantada por Scifoni dá<br />
pistas para quem quiser aprofundar-se na história da<br />
região do ABC. Apenas uma delas: o Caminho do Mar<br />
era a rota obrigatória da capital São Paulo ao porto de<br />
Santos (p. 59), passava pelos atuais municípios de São<br />
Caetano e São Bernardo. Lá existiam pousos 5 de paradas<br />
para descanso, alimentação e troca de animais. A relação<br />
disso como um dos fatores que impulsionaram o desenvolvimento<br />
urbano e industrial com o favorecimento<br />
geográfico da região do ABC entre Santos e São Paulo<br />
é uma das lacunas que a autora deixa para o pesquisador<br />
que se propuser a estudar esses fatores de desenvolvimento<br />
da região do ABC.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Da metade do capítulo até seu final, Scifoni<br />
busca um tratamento das cidades do ABC sob a ótica<br />
da industrialização e suas relações com as paisagens da<br />
região. A autora apresenta a indústria como motor das<br />
transformações espaciais na região do ABC, que<br />
induziu um grande crescimento urbano, substituindo a<br />
paisagem bucólica da região, representada pelos quintais<br />
com pomares e hortas e os remanescentes de mata<br />
nativa (p. 79), por edifícios e chaminés.<br />
Um tema de extrema importância e merecedor<br />
de um cuidado maior em pesquisas futuras a quem se<br />
interessar é o conceito de espaço em uma sociedade<br />
capitalista e sua relação com a transformação da paisagem<br />
original da região (p. 103), abordado por Scifoni<br />
no trabalho. Nesse contexto, a autora apresenta dois<br />
grandes elementos de força: o capital industrial, disputando<br />
o espaço para seu uso, e os setores imobiliários,<br />
procurando utilizar o espaço como instrumento gerador<br />
de ganhos.<br />
Scifoni segue para o quarto capítulo, mantendo<br />
a expectativa de abordar o espaço em função das<br />
condições de reprodução humana (p. 105) na perspectiva<br />
de Carlos 6 .<br />
O terceiro elemento de força apresentado pela<br />
autora diz respeito às forças sociais que também<br />
disputam o espaço urbano em função da satisfação de<br />
suas necessidades. Cita a reação da sociedade, num<br />
primeiro momento, reivindicando condições básicas de<br />
existência, dentre estas, o direito ao espaço para habitar,<br />
evoluindo ao longo do tempo para a também patente<br />
necessidade de garantir o espaço como lazer ou para<br />
atividades culturais (p. 107).<br />
Scifoni apresenta em sua conclusão a preservação<br />
como meio de a sociedade fazer valer seu direito<br />
à participação na produção e apropriação da cidade<br />
(p. 114), citando alguns fatos nesse contexto. Apenas<br />
5 A autora cita alguns pousos: Pouso de Tropa de<br />
Lágrimas, Pouso dos Meninos e Pouso São Bernardo.<br />
O primeiro deles situado no setor sul do atual município<br />
de São Caetano e os outros dois ao longo do atual<br />
município de São Bernardo.<br />
6 CARLOS, A. . A. A cidade. São Paulo: Contexto,<br />
1992.<br />
71
um deles: a luta em prol da proteção do Haras São<br />
Bernardo (p. 110). Explora também o conceito de<br />
metrópole e suas inferências sob essa óptica (p. 112).<br />
O trabalho não constitui uma leitura pesada. São<br />
126 páginas de informações sobre as origens e transformações<br />
da vegetação e geografia humana ocorridas<br />
desde o século XVII na região do ABC. É um conjunto<br />
de informações imprescindíveis para quem desejar<br />
aprofundar-se sobre a região no tema abordado.<br />
72<br />
CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />
Entretanto, considerado o estudo reflexivo e<br />
atento de Scifoni, ainda resta espaço para questões a<br />
serem investigadas. Particularmente para quem, como<br />
Santos, citado na epígrafe, deseja se aprofundar em<br />
outros aspectos relacionados à natureza sob a perspectiva<br />
de realidade social.<br />
* Aluno do PMA do IMES.<br />
N. 9 – 2. semestre de 2003