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EXPEDIENTE<br />

CADERNO DE PESQUISA<br />

PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Programa de Mestrado em Administração<br />

Pós-Graduação do IMES – Centro Universitário<br />

Municipal de São Caetano do Sul<br />

Ano 5 – N. 9<br />

2° semestre de 2003<br />

ISSN 1517-820X<br />

Diretor da Mantenedora<br />

Prof. Marco Antonio Santos Silva<br />

Vice-diretor<br />

Marcos Sidnei Bassi<br />

Reitor do Centro Universitário<br />

Prof. Dr. Laércio Baptista da Silva<br />

Pró-reitores<br />

Prof. Carlos Alberto de Macedo (Graduação)<br />

Prof. Dr. René Licht (Pós-Graduação e <strong>Pesq</strong>uisa)<br />

Prof. Joaquim Celso Freire Silva (Comunitária e Extensão)<br />

Pós-Graduação<br />

Coordenador<br />

Prof. Dr. Antonio Carlos Gil<br />

Coordenador do Laboratório de Regionalidade e<br />

Gestão<br />

Prof. Dr. Jeroen Klink<br />

Editor<br />

Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos (MTb – 15.637)<br />

Conselho Editorial<br />

Dinizar Sermiano Decker (Universidade de Santa Cruz<br />

do Sul - RS), José Francisco Salm (UDESC-CCA/<br />

ESAG- SC), Marinho Jorge Scarpi (UNIFESP), Erika de<br />

Castro (University of British Columbia), Kevin Allison<br />

(University of Westminster), Sima Motamen-Samadian<br />

(University of Westminster).<br />

Secretárias<br />

Neusa Aparecida Marques, Marlene Forestiere de Melo<br />

e Ana Maria Nóbrega Cury<br />

Alunos de Iniciação Científica<br />

Cristiane Riberti e Marcelo Augusto Palermo.<br />

Revisão<br />

Simone Zaccarias<br />

Impressão<br />

HM Indústria Gráfica e Editora Ltda.<br />

Tiragem: 500 exemplares<br />

Correspondência<br />

IMES – Centro Universitário Municipal de São Caetano<br />

do Sul<br />

A/C <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação/IMES<br />

Avenida Goiás, 3400<br />

São Caetano do Sul – São Paulo – Brasil<br />

CEP 09550-051<br />

E-mail: labgest@imes.edu.br<br />

O conteúdo dos artigos assinados reflete a opinião dos<br />

autores, sendo de sua inteira responsabilidade.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

SUMÁRIO<br />

Arte/Palavra (Autores do ABC)<br />

Noturno<br />

(Deise Assumpção/ Constança Lucas)........................................... 4<br />

Introdução<br />

(Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos)............................................... 5<br />

Entrevista<br />

Jeroen Klink....................................................................................... 7<br />

Artigos<br />

1. Região, Regionalismo e Regionalidade<br />

(Prof. Dr. Antonio Carlos Gil / Profª. Drª. Carla Cristina<br />

Garcia / Prof. Dr. Jeroen Klink)................................................. 11<br />

2. Programas de qualidade no setor de serviços<br />

hospitalares: um estudo dos hospitais selados pelo C.Q.H.<br />

(Prof. Ms. Abrão Blumen /<br />

Dr. Eduardo de Camargo Oliva)................................................... 21<br />

3. A cidade industrial: expansão, crise e projetos de<br />

revitalização<br />

(Jefferson José da Conceição)..................................................... 29<br />

4. O sentido da história: em busca do poder popular<br />

(José Alfonso Klein)...................................................................... 37<br />

Debates<br />

Acesso à informação pública........................................................... 52<br />

Transcrição do Seminário................................................................... 53<br />

Resenha<br />

SCIFONI, Simone. O verde do ABC: reflexões sobre a<br />

questão ambiental urbana. São Paulo: Faculdade de<br />

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de<br />

São Paulo [dissertação de mestrado].<br />

(Júlio F. B. Facó)........................................................................... 70<br />

3


DEISE ASSUMPÇÃO*/CONSTANÇA LUCAS**<br />

NOTURNO<br />

4<br />

porta-balcão de apartamento:<br />

os olhos se abaixam e alongam<br />

no etéreo das ruas de luzes<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

se há anjos, têm documentos<br />

dormem e roncam, pensam feridas<br />

e eu perscruto:<br />

em que janela<br />

o trono de Deus?<br />

diabo escafedeu-se nas alturas<br />

* Formada em Letras, com<br />

especialização em Literatura Brasileira,<br />

tem uma longa atuação no magistério,<br />

ministrando aulas de Língua Portuguesa<br />

e Literatura no ensino fundamental e<br />

médio. Publicou o livro Cofre, poemas,<br />

(Alpharrabio edições, 2003) e seus<br />

poemas constam de antologias, revistas<br />

e sites literários. Reside em Mauá desde<br />

1968.<br />

ARTE / PALAVRA<br />

(Autores do ABC)<br />

** Artista plástica, desenvolve seu<br />

trabalho em pintura, desenho,<br />

gravura, aguarela e infografia. Fez<br />

Licenciatura Plena em Artes<br />

Plásticas na FAAP e Pós-<br />

Graduação em Artes na ECA -<br />

USP. Tem participado de várias<br />

exposições coletivas em diversos<br />

países e realizou exposições<br />

individuais no Brasil e Portugal.<br />

Curadoria desta página: Dalila Teles Veras, poeta, autora de, entre mais de 10 livros, À Janela dos Dias<br />

(Alpharrabio Edições). Reside em Santo André, onde dirige há 10 anos a livraria, editora e espaço cultural<br />

Alpharrabio.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Prof. Dr. ROBERTO ELÍSIO DOS SANTOS*<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

INTRODUÇÃO<br />

O SIGNIFICADO DA REGIONALIDADE<br />

Lívia Clozel Fuziy<br />

Participantes do debate que tratou do acesso à informação pública<br />

enômenos sociais recentes têm imposto aos<br />

pesquisadores a quebra dos paradigmas. Da mesma<br />

forma, a necessidade de criação de novos conceitos<br />

para dar conta das mudanças que ocorrem no mundo<br />

neste início de século obrigam o repensar das idéias e<br />

o estabelecimento de novas bases teóricas.<br />

Este é o caso dos estudos da Regionalidade.<br />

Muito se tem falado sobre este processo, mas sem a<br />

devida conceituação. Daí a importância do artigo que<br />

abre esta edição. Trabalho realizado por três professores<br />

(Antonio Carlos Gil, Carla Cristina Garcia e Jeroen<br />

Klink) do Programa de Mestrado em Administração<br />

do IMES, o texto estabelece as diferenças conceituais<br />

entre os termos região, regionalismo e regionalidade.<br />

No que se refere à área de Gestão, outro<br />

trabalho de destaque deste número é o artigo realizado<br />

pelo professor Eduardo de Camargo Oliva, ao lado do<br />

professor Abrão Blumem, que mostra os resultados dos<br />

programas de qualidade no setor de serviços<br />

hospitalares.<br />

O leitor vai encontrar nesta edição a transcrição<br />

do debate interno realizado em 25 de setembro que teve<br />

como tema “O acesso à informação pública”. A<br />

discussão dá prosseguimento ao estudo sobre este tema,<br />

publicado na edição número 7 do <strong>Cad</strong>erno de<br />

<strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação IMES.<br />

Nas próximas páginas há também textos realizados<br />

por dois ex-alunos do PMA do IMES, Jefferson José<br />

da Conceição e José Alfonso Klein, além de uma<br />

resenha escrita pelo aluno do mestrado Julio acó.<br />

* Jornalista, professor do PMA do IMES e editor<br />

do <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-Graduação<br />

IMES.<br />

5


6<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Priscila Tessarini<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

ENTREVISTA<br />

ASPECTOS DO ESTUDO DAS CIDADES-REGIÃO 1<br />

Neste depoimento, o economista<br />

Jeroen Klink aborda diferentes aspectos<br />

do fenômeno da regionalidade e fala da<br />

atuação do Laboratório de<br />

Regionalidade e Gestão do IMES.<br />

<strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa: Para começar, vamos<br />

começar a falar um pouco do senhor. Qual é a sua<br />

formação acadêmica?<br />

Jeroen Klink: Sou economista. iz graduação<br />

e mestrado em Economia na Holanda e doutorado na<br />

aculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP<br />

(Universidade São Paulo), sendo que a minha tese foi<br />

muito voltada à economia regional. alava sobre o<br />

processo da articulação regional no ABC paulista.<br />

C. P.: O que o senhor faz exatamente no<br />

momento?<br />

J. K.: Eu sou secretário de Desenvolvimento e<br />

Ação Regional da Prefeitura Municipal de Santo André.<br />

Sou professor da disciplina “Economia e Sociedade<br />

Regional”, do Programa de Mestrado em Administração,<br />

e também estou no curso de graduação dando<br />

orientações para as monografias, tanto para os alunos<br />

do quinto ano, quanto para os do quarto. Além disso,<br />

eu sou coordenador do Laboratório de Regionalidade e<br />

Gestão.<br />

C.P.: Como o senhor começou a ter interesse<br />

pela regionalidade?<br />

J.K.: oi basicamente quando eu entrei na<br />

Prefeitura Municipal de Santo André, em 1997, a<br />

convite do ex-prefeito Celso Daniel, pelo trabalho que<br />

Celso estava desenvolvendo na articulação regional do<br />

consórcio e supostamente na Câmara Regional do<br />

Grande ABC. Eu fiquei fascinado pelo processo de<br />

articulação regional, comecei a estudar e participar<br />

ativamente nesse processo.<br />

C.P.: Para o senhor, qual é o significado da<br />

regionalidade?<br />

J.K.: O significado da regionalidade é de tentar,<br />

a partir da negociação de conflitos, criar o que eu<br />

chamaria de um jogo de soma positiva, ou seja, superar<br />

um pouco dessa falsa dicotomia, de que o ganho de um<br />

é a perda necessariamente do outro.Traduzindo em<br />

português mais claro, vou dar um exemplo bem<br />

concreto. Os municípios, determinadas áreas e<br />

determinadas funções urbanas precisam coordenar<br />

determinadas funções, como, por exemplo, a gestão de<br />

resíduos sólidos, os temas ambientais, o transporte, e<br />

também a questão da coordenação das cadeias<br />

produtivas de desenvolvimento econômico-regional. A<br />

regionalidade tem essa certa necessidade de os governos<br />

locais se articular. Além disso, o processo de<br />

regionalidade envolve também outros atores, e não só<br />

públicos, ou seja, todo setor privado e sociedade civil.<br />

A partir desse processo da regionalidade, a conscientização<br />

de todos esses atores que fazem parte de uma<br />

região, de uma bacia sócio-econômica que se chama,<br />

1 Entrevista realizada por Cristiane Riberti, aluna do<br />

curso de Jornalismo do IMES.<br />

7


por exemplo, a região do Grande ABC, isso eu chamaria<br />

de processo de conscientização acerca da regionalidade.<br />

C.P.: Qual é a importância da regionalidade em<br />

um mundo globalizado como o de hoje?<br />

J.K.: Eu diria que a partir da década de 1970,<br />

muitas que eu chamaria de cidades-região e conurbações<br />

quase nunca conseguiram abrangência da regionalidade.<br />

Muitas dessas regiões, a partir daquela década,<br />

conscientizaram-se da importância de atuar em conjunto.<br />

Então, as regiões italianas, espanholas e francesas<br />

começaram a trabalhar e a desencadear um processo de<br />

articulação público-privado, a tentar trabalhar temas<br />

transversais como desenvolvimento econômico, meio<br />

ambiente, revitalização sócio-econômica e a própria<br />

qualidade de vida. Então, esse processo, tanto em cidades<br />

européias como também de alguma forma nas cidades<br />

norte-americanas, o processo de regionalidade surgiu com<br />

bastante ênfase, mundialmente. Eu diria que essa<br />

tendência do novo regionalismo tem suas particularidades<br />

em cada região. Europa não é Brasil, assim como<br />

o Brasil não é Europa. Exemplos europeus não são<br />

semelhantes aos norte-americanos, mas há essa tendência,<br />

uma conscientização de atores públicos e privados<br />

que fazem parte de uma mesma região que enfrenta<br />

problemas de potenciali-dades na globalização no cenário<br />

internacional.<br />

C.P.: O que falta para as pessoas criarem um<br />

sentimento de regionalidade da região do ABC?<br />

J.K.: A região do Grande ABC avançou<br />

substancialmente neste aspecto a partir da década de<br />

1990, com a criação do Consórcio Intermunicipal. Em<br />

seguida, foram criados o órum de Cidadania do Grande<br />

ABC e a Câmara Regional do ABC. Mais recentemente,<br />

também foi fundada a Agência de Desenvolvimento.<br />

Eu diria que a grande conquista desse processo de<br />

regionalidade no ABC foi colocar na rua um sistema<br />

de gestão participativo envolvendo todos esses atores,<br />

sindicalistas, empresas, governos locais e governos<br />

sociais. No entanto há uma certa fragilidade. Em<br />

primeiro lugar, precisa-se do apoio das esferas supralocais,<br />

de o governo estadual apoiar isto, ou seja, amarrar<br />

de forma mais concreta os projetos da região do Grande<br />

ABC e avançar de alguma forma na institucionalização<br />

de um sistema de governantes metropolitano. Também<br />

8<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

o governo federal é importante nessa retomada do<br />

debate sobre a governança metropolitana. Isso, hoje,<br />

ainda representa uma fragilidade e tomara que isso<br />

melhore, mas é um envolvimento em termos de<br />

arcabouço institucional, financiamento tanto das demais<br />

esferas do governo na estruturação do tema de<br />

governança metropolitana. Outro problema eu diria é<br />

que este processo de regionalidade precisa de uma certa<br />

profissionalização em termos de estruturas profissionais<br />

mais fortes. Tanto agências como Consórcio<br />

ainda dependem muito de um grau de voluntarismo de<br />

contrapartida muito grande dos governos. Isso faz com<br />

que esses organismos estejam extremamente acessíveis<br />

para o ciclo político. <strong>Cad</strong>a vez que você tem uma<br />

eleição, esse processo de articulação regional enfrenta<br />

uma certa fragilização. Na medida em que você consegue<br />

profissionalizar isso, garantir uma estrutura operacional<br />

mais forte, claro que não vai fugir do ciclo político,<br />

sempre vai ter isso, mas o foco técnico vai sobreviver a<br />

esses ciclos políticos. Então, isso é outra fragilidade<br />

que a regionalidade tem.<br />

C.P.: Qual é o objetivo do Laboratório Regional<br />

do IMES?<br />

J.K.: Em primeiro lugar, fazer com que a<br />

Universidade se aproxime mais desse processo real com<br />

avanços, retrocessos, mas é um processo sócio-econômico<br />

extremamente rico da regionalidade. A Universidade<br />

precisa interagir com esse processo que vem<br />

ocorrendo na sociedade. Esse é o primeiro objetivo do<br />

próprio Laboratório, fazer com que a Universidade<br />

quebre um pouco o seu isolamento, criar laços mais<br />

orgânicos com articulação nacional. Já o segundo ponto<br />

é que o Laboratório pretende fazer um elo com a<br />

graduação, com algumas coisas que estamos discutindo<br />

no programa de mestrado, vinculando isso com<br />

preocupações num curso de graduação. O Laboratório<br />

tem esse papel de fazer com que a Universidade interaja<br />

mais intensamente com a sociedade e criar um elo entre<br />

o curso de graduação com o mestrado. É também um<br />

espaço de aglutinação das várias agências. Nós já<br />

organizamos um debate sobre crédito, estamos<br />

organizando um que vai falar sobre a questão logística<br />

no ABC. Enfim, é um espaço para o debate, reflexão,<br />

que interage com a sociedade regional, e envolve os<br />

alunos de mestrado com os de graduação, além de<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


vincular melhor o ensino e a pesquisa. É uma<br />

plataforma de democratização de conhecimentos.<br />

C.P.: Vocês têm mais alguns projetos para o<br />

Laboratório de Regionalidade?<br />

J.K.: azemos um planejamento estratégico e<br />

estamos prevendo ainda neste ano uma reunião com<br />

os professores para fazer esse debate sobre o plano<br />

estratégico do ano que vem. Esse é o primeiro passo.<br />

Agora, já adiantando o resultado disso, é muito importante<br />

casar as chamadas pesquisas integradas. Tem<br />

algumas pesquisas com enfoque bastante abrangente<br />

sobre regionalidade, envolvendo um coordenador de<br />

pesquisa, mas também outros professores de mestrado e<br />

professores e alunos de graduação. A idéia é, a partir<br />

dessas pesquisas, dinamizar os chamados grupos temáticos.<br />

Começamos a formar grupo para eventos, já temos<br />

um para seminários, um de relações institucionais, de<br />

iniciação científica, entre outros. Eles vão criar produtos<br />

muito concretos relacionados com essas pesquisas, ou<br />

seja, a idéia é transformar, democratizar esse conhecimento<br />

e essas pesquisas integradas a partir desses grupos.<br />

Por exemplo, eu tenho uma pesquisa integrada que tem<br />

como foco principal a admissão sócio-econômica das<br />

cidades-região, pontos teóricos, quais são os limites no<br />

cenário internacional. Tem uma outra pesquisa integrada<br />

da professora Priscila, que é voltada à gestão de patrimônio<br />

histórico e cultural. Então, pegando essas duas<br />

pesquisas, de que forma elas podem sair no papel, como<br />

é que você pode criar debates, fazer seminários, criar<br />

um acervo no Laboratório acessível para os alunos de<br />

graduação e de pós, de que forma você pode fazer uma<br />

atividade com os organismos regionais. Enfim, a idéia é<br />

essa. A partir das pesquisas temáticas agrupar e disponibilizar<br />

atividades, debates, parcerias com outras instituições.<br />

A idéia é exatamente socializar conhecimento com<br />

a sociedade regional.<br />

C.P.: Gostaria que o senhor fizesse uma avaliação<br />

do atual desempenho deste Laboratório Regional.<br />

J.K.: Ainda precisamos avançar muito mais no<br />

sentido de envolvimento, em primeiro lugar, de atores<br />

da sociedade regional, outras universidades e empresas<br />

locais. O segundo ponto é que os próprios professores e<br />

alunos deveriam interagir mais, e eu acho que, a partir<br />

do ano que vem, precisamos fazer um esforço de<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

mobilização e de conscientização acerca da importância<br />

do papel do Laboratório em termos de socialização e<br />

democratização de conhecimentos da sociedade regional.<br />

C.P.: Gostaria que o senhor fizesse uma outra<br />

avaliação, só que agora das ações e instituições regionais<br />

existentes na região do Grande ABC.<br />

J.K.: O Consórcio avançou no sentido de fazer<br />

com que os prefeitos saíssem desse municipalismo<br />

autárquico. A Câmara Regional do Grande ABC foi muito<br />

importante. oi um palco de negociações. Houve mais<br />

de 20 acordos regionais negociados, voltados para<br />

questões urbanísticas, temas sócio-econômicos, e até<br />

mesmo a própria criação da Agência Regional, que foi<br />

um acordo regional negociado e fechado no âmbito<br />

regional. O problema é que esses acordos precisam de<br />

financiamentos, e aí o padrão de financiamento, como<br />

mencionei anteriormente, é um padrão ainda frágil, de<br />

pouco envolvimento das demais esferas do governo<br />

estadual e federal. A Agência de Desenvolvimento<br />

conseguiu várias coisas interessantes, como, por exemplo,<br />

organizou diagnósticos, workshops acerca dos pontos<br />

fortes e fracos da região do ABC. Hoje temos um grande<br />

diagnóstico que foi a Agência, o principal organismo<br />

responsável por isso. A gente também conseguiu várias<br />

ações voltadas para as pequenas empresas, agências<br />

parceiras de várias encubadoras (Santo André, São<br />

Bernardo...). Nós também conseguimos enviar e captar<br />

cursos voltados à economia, inclusive agora a gente está<br />

enviando agora um projeto para o Sebrae.<br />

Enfim, houve conquistas e avanços, mas ainda<br />

há o problema no padrão de financiamentos, a transparência<br />

e a previsibilidade em chegar a esses recursos,<br />

que ainda é um fator frágil.<br />

C.P.: Professor, o senhor gostaria de fazer mais<br />

algum comentário?<br />

J.K.: Eu acho extremamente interessante esse<br />

tipo de entrevista. Seria bom que se fizesse também<br />

com outros agentes públicos-privados, e mais ou menos<br />

implantar o mesmo roteiro para inclusive ter uma<br />

variedade de opiniões, para poder comparar como as<br />

opiniões de questões relativas ao público-privado<br />

divergem ou caminham na mesma direção.<br />

9


10<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Núcleo de Recursos Humanos<br />

Com o trabalho sério e reconhecido,<br />

o Núcleo de Recursos Humanos do IMES<br />

busca a integração entre o conhecimento<br />

teórico e a prática no campo da Administração<br />

de Recursos Humanos.<br />

Entre os serviços oferecidos, destacam-se:<br />

Realização de pesquisas em Recursos Humanos (cargos, salários, benefícios,<br />

acordos/convenções coletivas, remuneração variável, indicadores da performance<br />

de área e clima organizacional);<br />

Encontros de reciclagem para profissionais da área de RH;<br />

Publicação do boletim Notícias de Recursos Humanos, que traz uma sinopse da<br />

imprensa paulista com informações sobre RH;<br />

Desenvolvimento de projetos personalizados para empresas (consultoria, auditoria,<br />

e treinamento);<br />

Publicação de artigos que abordam ocomportamento do mercado de trabalho e<br />

suas tendências.<br />

Informações e consultas podem ser feitas na Av. Goiás, 3.400, em São Caetano do Sul,<br />

pelo telefone (011) 4239-3201, ou pelo e-mail: nucleorh@imes.edu.br<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


RESUMO: Este trabalho tem como objetivo a discussão<br />

dos conceitos região, regionalismo e regionalidade tanto<br />

no seu contexto geral quanto no âmbito específico das<br />

cidades-região. A região deve ser entendida como uma<br />

entidade socialmente construída, cujos limites não são<br />

definidos apenas pelo espaço geográfico que a delimita.<br />

A importância atribuída às regiões, sobretudo após a<br />

década de 1990, contribuiu para o desenvolvimento<br />

de um novo regionalismo que tende a ser visto como um<br />

processo espontâneo no qual outros atores além dos<br />

estados tendem progressivamente a se tornar os principais<br />

proponentes da integração regional. A efetividade do<br />

regionalismo, por sua vez, notadamente nas cidadesregião,<br />

depende do desenvolvimento de uma regionalidade,<br />

que pode ser entendida como uma verdadeira mentalidade<br />

da região. Por seu intermédio é que a administração<br />

pública, o setor privado e toda a sociedade civil<br />

adquirem a “consciência regional”, necessária para a<br />

união dos esforços em prol do desenvolvimento regional.<br />

ABSTRACT: This article was written with the objective<br />

of discussing the concepts region, regionalism and regionality<br />

both in their general concept as in the specific range of<br />

cities-regions. Region can be understood as a socially<br />

constructed being, that is defined not only by the<br />

geographic space. The importance of the regions has<br />

contributed for the development of a new regionalism,<br />

where other actors moreover the state are becoming the<br />

main proponents of regional integration. The efectivity<br />

of the regionalism mainly the cities-regions depends on<br />

the developing of a regionality that can be understood<br />

as the region mentality. Through this regionality the<br />

public administration, the private sector and all the civil<br />

society get the “regional conscience” that is necessary<br />

to unite efforts to obtain the regional development.<br />

PALAVRAS-CHAVE: região, regionalidade, regionalismo,<br />

cidades-região.<br />

KEYWORDS: region, regionality, regionalism, citiesregions.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

REGIÃO, REGIONALISMO E REGIONALIDADE<br />

Profs. Drs. ANTONIO CARLOS GIL/CARLA CRISTINA GARCIA/JEROEN KLINK*<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A ênfase conferida aos estudos locais e regionais,<br />

sobretudo a partir do início da última década do século<br />

XX, vem requerendo não apenas a definição de novos<br />

enfoques teóricos para tratar do assunto, mas também<br />

o estabelecimento de um sistema conceitual capaz de<br />

conferir clareza e precisão aos termos e expressões utilizados<br />

nesse contexto. Com efeito, os estudos locais e regionais,<br />

que durante muito tempo ficaram circunscritos<br />

ao domínio da ciência geográfica, deixam clara sua<br />

intersecção com muitas áreas, a ponto de serem considerados<br />

como integrantes de um campo multidisciplinar<br />

e mesmo de uma nova área do conhecimento. Assim,<br />

fica cada vez mais difícil falar em Economia Urbana ou<br />

em Sociologia Urbana. Torna-se mais adequado falar em<br />

Economia Urbana e Regional e também em Sociologia<br />

Urbana e Regional.<br />

Os estudos locais e regionais vêm incorporando<br />

neologismos, como regionalidade e glocalidade. Por outro<br />

lado, termos usados tradicionalmente costumam aparecer<br />

com novas definições, como é o caso de região. Outros<br />

termos passam a ser adjetivados, como: regionalismo aberto<br />

e novo regionalismo. Por essas razões, diversos estudos<br />

desenvolvidos a partir de meados dos anos 1990 tiveram<br />

como preocupação o estabelecimento de proposições<br />

teóricas capazes de fundamentar o tratamento teórico<br />

das questões locais e regionais, bem como a realização<br />

de estudos empíricos.<br />

Este trabalho tem como objetivo a discussão<br />

de alguns conceitos fundamentais para os estudos locais<br />

e regionais: região, regionalismo e regionalidade. Procura<br />

focalizar seu uso sobretudo no contexto das cidadesregião.<br />

A justificativa para sua realização está na importância<br />

que vem sendo conferida a esses conceitos nos<br />

estudos sobre desenvolvimento e gestão, especialmente<br />

no contexto das cidades-região. Sobretudo porque os<br />

termos adotados para a expressão desses conceitos<br />

variam de acordo com o quadro de referência adotado.<br />

11


12<br />

2 REGIÃO<br />

2.1 A emergência do conceito de região<br />

O termo região faz parte do linguajar cotidiano<br />

e é utilizado para designar determinada porção da<br />

superfície terrestre que por algum critério pode ser<br />

reconhecida como diferente de outra. Embora de uso<br />

tão comum, esse termo refere-se a um conceito-chave<br />

para os cientistas sociais que incorporam em seus<br />

estudos a dimensão espacial.<br />

Região deriva do latim regere, palavra cujo radical<br />

deu origem a outras, como regra, regente e regência.<br />

Regione, nos tempos do Império Romano, era a denominação<br />

usada para indicar áreas que, mesmo dispondo<br />

de administração local, estavam subordinadas às regras<br />

gerais e hegemônicas da capital imperial. Dessa forma,<br />

os mapas que representavam o Império Romano<br />

indicavam regiões que mostravam a extensão espacial<br />

do poder central hegemônico, onde os governadores<br />

locais dispunham de alguma autonomia, mas deviam<br />

obediência e impostos à cidade de Roma (Gomes, 1995).<br />

A questão regional ganhou grande ímpeto no<br />

século XVIII, com o surgimento de estado moderno. A<br />

questão da centralização e da uniformização administrativa<br />

e suas relações com a diversidade espacial, física,<br />

cultural, econômica e política gerou discussões em torno<br />

de conceitos como o de nação, estado, autonomia<br />

territorial e região. oi também neste momento histórico<br />

que despontou a Geografia como disciplina científica<br />

independente, tendo a região como um de seus conceitos<br />

básicos. Como a noção de modernidade conduzia à<br />

dissolução dos lugares, ao afrouxamento dos laços entre<br />

as pessoas e ao enfraquecimento da idéia de comunidade,<br />

o discurso regional tornou-se muito importante para a<br />

constituição da unidade nacional.<br />

A valorização do conceito de região foi fundamental<br />

para a Geografia no final do século XIX. No<br />

entanto, as distintas visões que se desenvolveram do<br />

ponto de vista teórico e metodológico estavam<br />

colocando-a em cheque. A tendência à separação entre<br />

ciência natural e ciência humana comprometia a unidade<br />

da ciência geográfica. oi justamente a emergência dos<br />

estudos regionais que veio possibilitar a combinação das<br />

diversas perspectivas. Assim, o objeto essencial do estudo<br />

da Geografia passou a ser a região, o espaço com<br />

características físicas e socioculturais homogêneas, fruto<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

de uma história que teceu relações que enraizaram os<br />

homens ao território e que particularizou este espaço,<br />

fazendo-o distinto dos espaços contíguos (Lencioni,<br />

1999, p. 100).<br />

2.2 A evolução do conceito de região<br />

Ao termo região foram atribuídos significados<br />

diversos pelos geógrafos e outros cientistas sociais ao<br />

longo da História. Carl Ritter (1779-1859), um dos<br />

principais pensadores que impulsionaram o desenvolvimento<br />

da Geografia moderna, em sua obra Erdkunde<br />

(Geografia), publicada entre 1817 e 1859, apresenta a<br />

região como algo fundado em critérios naturais e não<br />

administrativos ou políticos, como o era até então. Ritter<br />

influenciou o desenvolvimento de estudos comparativos,<br />

levando ao desenvolvimento da Geografia Regional. Mas<br />

foi com Paul Vidal de La Blache (1845-1918) que a<br />

Geografia assumiu o status de ciência independente.<br />

Esse pesquisador francês incorporou à Geografia o<br />

conceito de gênero de vida, que se define como resultado<br />

das influências físicas, históricas e sociais presentes na<br />

relação do homem com o meio. Para ele, os grupos sociais<br />

tendem a se circunscrever a uma região natural nos estágios<br />

primitivos da evolução. Tomando como referência<br />

os aspectos da natureza, como o geológico, o climático e<br />

as formas de relevo, bem como os aspectos históricos,<br />

Vidal de La Blache procurou extrair as diversas particularidades<br />

emanadas da relação entre o homem e o meio,<br />

que conformaram as distintas paisagens da rança. Dessa<br />

forma, propôs para a rança uma divisão composta de<br />

quinze regiões e que foi aceita pelo governo para substituir<br />

a anterior, baseada no critério de distância em relação<br />

ao centro (Lencioni, 1999).<br />

Desde o início do último quartel do século XIX<br />

até 1970, aproximadamente, três grandes acepções de<br />

região foram estabelecidas entre os geógrafos (Corrêa,<br />

1997). A primeira foi uma acepção de região natural<br />

concebida como uma porção da superfície terrestre<br />

identificada pela combinação de elementos da natureza,<br />

como clima, vegetação e relevo, que se traduzia numa<br />

específica paisagem natural. Essa acepção, por permitir<br />

a combinação dos processos naturais com o impacto<br />

da ação humana sobre a região natural, mostrou-se<br />

importante para explicar algumas diferenças no processo<br />

de desenvolvimento econômico e social. Ela vigorou<br />

no último quartel do século XIX e no primeiro do século<br />

XX. Mostrou-se, no entanto, insuficiente para esclarecer<br />

a evolução econômica e social mais recente.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Outra acepção de região desenvolveu-se a partir<br />

da década de 1920, como reação às idéias positivistas<br />

que sustentavam a leitura determinista da região natural.<br />

Hartsthorne, um dos principais expoentes desta nova<br />

tendência, considerava que para a compreensão do<br />

presente seria necessária a perspectiva histórica, embora<br />

não coubesse à Geografia investigar a gênese e o<br />

desenvolvimento dos fenômenos, mas sim a diferenciação<br />

das áreas na superfície terrestre. Assim, a região<br />

passou a ser vista como área de ocorrência de uma mesma<br />

paisagem cultural, como o resultado de um longo processo<br />

de transformação da paisagem natural em paisagem<br />

cultural.<br />

Uma terceira acepção de região desenvolveu-se<br />

a partir da década de 1950, em virtude principalmente<br />

da chamada revolução teórico-quantitativa. Assim, a<br />

região passou a ser considerada a partir de propósitos<br />

específicos, não tendo, como no caso da região natural e<br />

da região paisagem, uma única base empírica. Tornouse<br />

possível, então, identificar regiões climáticas, regiões<br />

industriais, regiões nodais, ou seja, tantos tipos de regiões<br />

quantos fossem os propósitos do pesquisador. A região<br />

natural e a região-paisagem passaram a constituir apenas<br />

duas das múltiplas possibilidades de se recortar o espaço<br />

terrestre (Corrêa, 1997).<br />

Nas três últimas décadas do século XX, o debate<br />

acerca do regionalismo acentuou-se e novas concepções<br />

foram acrescentadas. Gilbert (1988) estabelece a distinção<br />

entre três abordagens acerca do conceito de região na<br />

“nova geografia regional”. A primeira delas entende a<br />

região como a organização espacial dos processos sociais<br />

associados ao modo de produção capitalista com um<br />

modo específico de produção e que concentra uma base<br />

política. Esta acepção tem sido comum entre geógrafos<br />

que adotam um ponto de vista marxista e que enfatizam<br />

a regionalização da divisão social do trabalho, do processo<br />

de acumulação capitalista, da reprodução da forçade-trabalho<br />

e dos processos políticos e ideológicos.<br />

A segunda acepção entende a região como um<br />

cenário para interação social, desempenhando um papel<br />

fundamental na produção e reprodução de relações<br />

sociais. Essa abordagem emerge do fato de o espaço,<br />

suas dimensões simbólicas e ideológicas e suas bases<br />

materiais serem construtos sociais e culturais. O espaço,<br />

assim como os padrões sociais, vinculam-se estreitamente<br />

com os processos sociais, culturais e naturais, mas não<br />

pode ser entendido como um poder causal capaz de<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

determinar processos sociais. O social e o espacial são<br />

entendidos como constituintes e produtos ao mesmo<br />

tempo.<br />

A terceira acepção enfatiza a cultura como o<br />

primeiro ponto de partida, concentrando-se em problemas<br />

como identificação regional e identidades regionais.<br />

A região passa a ser entendida primariamente como um<br />

conjunto de relações entre um grupo específico e um<br />

lugar particular, como uma apropriação simbólica de uma<br />

porção do espaço por um determinado grupo. A região é<br />

perceptual, é um construto que reflete sentimentos e<br />

atitudes humanas sobre as áreas e é definida como subjetivas<br />

imagens daquelas áreas.<br />

2.3 Novas concepções de região<br />

Os impactos do processo de globalização e da<br />

revolução tecno-científica vêm exigindo mudanças<br />

contextuais e estruturais em torno do conceito de região.<br />

As concepções tradicionais de região, vinculadas<br />

principalmente à continuidade geográfica, entraram numa<br />

fase de obsolescência devido às mudanças tecnológicas,<br />

à evolução das comunicações e à diminuição dos custos<br />

dos transportes. Assim, a região deve ser entendida como<br />

uma estrutura flexível, cujos limites não são necessariamente<br />

fixados em termos geográficos ou jurisdicionais,<br />

mas em função de múltiplos aspectos, tais como:<br />

vinculação de atividades produtivas, articulações sociais,<br />

fatores produtivos predominantes, empreendimentos<br />

comuns e problemáticas concretas. Estas problemáticas,<br />

que podem se referir a demandas sociais, desafios competitivos,<br />

negociações com outras instâncias estatais e a fuga<br />

de fatores regionais de produção, constituem atualmente<br />

o mais importante aspecto considerado pelos autores<br />

vinculados ao novo regionalismo.<br />

A concepção clássica é a de que o mundo está<br />

dividido em regiões, configuradas por um certo número<br />

de países. <strong>Cad</strong>a um desses países, por sua vez, fragmentase<br />

em regiões sub-nacionais. Mas é possível agregar novas<br />

dimensões ao conceito de região, como o espaço delimitado<br />

por acordos ou pactos de integração entre países,<br />

como no caso da região do Mercosul. Ou também o<br />

espaço regional que constitui a área de influência de<br />

uma cidade, ou seja, a área metropolitana. Ou, ainda,<br />

um conjunto de municípios que por alguma razão<br />

decidem se constituir como regiões, como é o caso dos<br />

municípios que integram o Consórcio Regional do<br />

Grande ABC Paulista.<br />

13


De fato, o impacto da globalização e da revolução<br />

científico-tecnológica produz mudanças conjunturais e<br />

estruturais em torno do conceito de região. Assim, tornase<br />

necessário interpretar o conceito de região levando<br />

em consideração outros fatores, tais como a vinculação<br />

a processos produtivos. Nesse sentido, estudo realizado<br />

pela Universidade Nacional de Rosário (1997) define<br />

alguns aspectos importantes na definição de uma região:<br />

• encadeamento de fatores produtivos (vinculação<br />

de atividades produtivas);<br />

• recursos que a rodeiam (fatores produtivos<br />

predominantes);<br />

• empreendimentos comuns (obras, planos, instituições);<br />

• problemáticas concretas (demandas sociais<br />

focalizadas, desafios competitivos, negociações<br />

similares com outras instâncias estatais, fuga de<br />

fatores regionais de produção).<br />

Boisier (1996, p. 20), por sua vez, considera que:<br />

“Atualmente uma região constitui uma estrutura<br />

complexa e interativa, com múltiplos balizamentos, na<br />

qual o conteúdo define o continente (limites, dimensões<br />

e outros atributos geográficos). A região é, pois, entendida<br />

como una e múltipla simultaneamente, visto que<br />

já supera a noção de contigüidade, pois qualquer uma<br />

pode estabelecer alianças táticas com outras regiões<br />

com vistas ao alcance de objetivos específicos e por<br />

prazo determinado, a fim de posicionar-se melhor no<br />

contexto internacional. A partir de um núcleo original<br />

configuram-se muitas espirais associativas que dão<br />

origem a novas instâncias regionais, sem que a unidade<br />

básica perca a sua própria natureza”.<br />

A flexibilidade na definição de região, por sua<br />

vez, favorece sua adjetivação. Assim, lorida (1995, p.<br />

527), denomina regiões inteligentes aquelas capazes de<br />

funcionar como depositárias e geradoras de conhecimentos<br />

e idéias, que dispõem do ambiente e da infraestrutura<br />

necessária para facilitar os fluxos de conhecimentos<br />

e idéias e práticas de aprendizagem. Segundo<br />

Boisier (1996), essas regiões inteligentes, ou “regiões que<br />

aprendem” são aquelas capazes de adaptar seus padrões<br />

de conduta em meio a entornos turbulentos. Elas<br />

demandam pelo menos cinco habilidades: capacidade de<br />

resolução sistemática de conflitos; experimentação de<br />

novos enfoques; aproveitamento de sua própria expe-<br />

14<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

riência para aprender; capacidade de aprender as experiências<br />

e práticas mais apropriadas de outras regiões; e<br />

habilidade para transmitir rápida e eficazmente o conhecimento<br />

no território.<br />

2.4 Tipos de região<br />

A Geografia tradicional procurou classificar as<br />

regiões segundo critérios naturais, dos quais o mais importante<br />

foi o clima, considerado a “alma da região”<br />

(Moreira, 1993). A rigor, o clima foi entendido como a<br />

própria região em que a temperatura e as demais condições<br />

atmosféricas permaneciam as mesmas. O clima,<br />

onipresente na natureza, constituiu a base territorial das<br />

regiões para os geógrafos da escola determinista, fundada<br />

por riedrich Ratzel (1844-1904). Segundo essa escola,<br />

o homem adaptar-se-ia às condições naturais reinantes,<br />

cabendo, portanto, à Geografia, classificar as regiões e<br />

as populações do ponto de vista das condições naturais.<br />

Com a evolução do conhecimento geográfico e<br />

o surgimento de novos enfoques teóricos, como o da<br />

Escola Possibilista de Vidal de La Blache, da Nova<br />

Geografia e da Geografia Crítica, o ser humano passou a<br />

ser visto como agente ativo na região. Assim, passou-se<br />

a classificar as regiões considerando em primeiro lugar<br />

os aspectos sociais, econômicos e administrativos e não<br />

espaciais.<br />

A classificação das regiões torna-se muito<br />

importante para a definição de processos de regionalização<br />

e para o planejamento regional. Assim, nessa<br />

perspectiva, Boisier (1996) concebe a existência de três<br />

tipos de região:<br />

• Regiões pivotais: são os territórios organizados,<br />

complexos e identificáveis na escala da divisão<br />

político-administrativo-histórica. Estas regiões<br />

em alguns países constituem as províncias, os<br />

departamentos ou os estados. Em todos os casos<br />

são as menores unidades administrativas que ao<br />

mesmo tempo são estruturalmente complexas,<br />

possuem cultura e identidade e têm flexibilidade.<br />

• Regiões associativas: são regiões de maior amplitude,<br />

constituídas a partir da união voluntária<br />

de regiões pivotais com unidades territoriais<br />

adjacentes.<br />

• Regiões virtuais: são o resultado de acordos cooperativos<br />

táticos (formais ou não) entre duas ou<br />

mais regiões pivotais ou associativas (não<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


necessariamente contíguas, nem mesmo do<br />

mesmo país) para alcançar certos objetivos a curto<br />

ou médio prazo.<br />

3 REGIONALISMO<br />

A importância atribuída ao conceito de região<br />

vem intensificando o debate acerca da questão do regionalismo.<br />

Mais do que em qualquer outra época, geógrafos,<br />

economistas, sociólogos e outros estudiosos das<br />

questões relacionadas ao desenvolvimento vêm propondo<br />

questões que vão desde a simples definição do conceito<br />

até a formulação de estratégias para mobilização de<br />

populações em prol do regionalismo.<br />

O regionalismo tem sido definido de diversas<br />

maneiras. Para Alagappa (1995), o regionalismo consiste<br />

na cooperação entre organizações governamentais e não<br />

governamentais em três ou mais países geograficamente<br />

próximos e interdependentes com vistas à obtenção de<br />

ganhos mútuos em uma ou mais áreas. Para awcet (1998,<br />

p. 11), o regionalismo é constituído pela formação de<br />

agrupamentos de estados com base nas regiões. Para<br />

Waste (2001), o regionalismo pode ser definido como a<br />

crença segundo a qual os problemas mais amplos do que<br />

os problemas locais requerem soluções mais amplas do<br />

que soluções locais.<br />

O regionalismo também pode ser definido como<br />

o uso político da identidade regional ou como a<br />

identificação consciente, cultural, política e sentimental<br />

que grandes grupos de pessoas desenvolvem com o<br />

espaço regional. Toda região tem uma identidade política<br />

que gira ao redor de interesses, de obrigações, e de<br />

necessidades. O regionalismo está, pois, no uso dessa<br />

identidade para disputar espaços de poder. Assim, o<br />

regionalismo tem sido utilizado tanto pelos setores<br />

dominantes como pelos setores historicamente dominados<br />

para defender ou para reivindicar.<br />

Na definição de regionalismo leva-se em consideração<br />

tanto fatores sócio-culturais internos quanto<br />

fatores políticos externos à região. Cantori e Spiegel<br />

(1970) enfatizam os critérios de proximidade geográfica,<br />

a interação, vínculos étnicos, lingüísticos, culturais,<br />

sociais e históricos e também um senso de identidade,<br />

que é algumas vezes acentuado pelas ações e atitudes<br />

de estados exteriores à região. Já Russett (1968) define<br />

cinco critérios em que se fundamenta o regionalismo:<br />

homogeneidade social e cultural, atitudes políticas ou<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

comportamento externo, instituições políticas, interdependência<br />

econômica e proximidade geográfica.<br />

Embora definido de várias maneiras, o regionalismo<br />

é usualmente tomado em três dimensões. A<br />

primeira refere-se à extensão com que as nações situadas<br />

em determinada área compartilham conceitos comuns<br />

ou apresentam significativa experiência de cooperação<br />

entre si. A segunda enfatiza os vínculos sócio-culturais,<br />

políticos e econômicos que numa determinada área geográfica<br />

distinguem uma região do restante da comunidade<br />

global. A terceira, por sua vez, considera até que<br />

ponto agrupamentos de países geograficamente próximos<br />

têm desenvolvido organizações para administrar cruciais<br />

aspectos de suas questões coletivas. (Tsardanidis, 2002).<br />

A associação de estados nacionais em redes de<br />

cooperação e integração econômicas regionais vem se<br />

tornando cada vez mais freqüente, já que apresenta uma<br />

série de vantagens a seus associados, tais como:<br />

• possibilidade de determinados países desenvolverem<br />

atividades que seriam muito difíceis<br />

separadamente, devido à escassa dimensão de<br />

seus mercados nacionais, insuficiência tecnológica,<br />

incapacidade financeira etc.;<br />

• aumento do poder de negociação frente a outros<br />

países ou agrupamentos regionais, bem como a<br />

melhor definição de bases para a formulação<br />

de políticas econômicas mais coerentes;<br />

• conscientização da necessidade de introduzir a<br />

médio e longo prazo reformas estruturais que<br />

no contexto nacional poderiam ser retardadas.<br />

A despeito dos benefícios comuns que animam<br />

os estados a se organizarem em blocos cooperativos,<br />

as vantagens não costumam se distribuir de forma<br />

eqüitativa entre seus membros. Daí porque podem ser<br />

identificadas diferentes visões acerca do regionalismo.<br />

Por exemplo, quando se estuda a América Latina,<br />

verifica-se a ocorrência de duas diferentes visões regionalistas:<br />

a do Regionalismo Interamericano/Panamericano,<br />

fundamentado na integração hemisférica, e o da<br />

América Latina e Caribe, cujos propósitos básicos são<br />

os de integração regional.<br />

O Regionalismo na América Latina e Caribe<br />

tem sido visto principalmente como a cooperação entre<br />

os países da própria região. Desde a iniciativa de Simon<br />

Bolívar em convocar o Congresso Anfictiônico do<br />

15


Panamá, em 1826, a maioria das iniciativas dos países<br />

latino-americanos deixaram implícita uma missão<br />

defensiva. Primeiramente contra as pretensões de<br />

recuperação européia, notadamente da Espanha, assim<br />

como com a busca de mecanismos de arbitragem e de<br />

solução pacífica de controvérsias. Essa característica<br />

continuou presente nas primeiras reuniões da CEPAL,<br />

na década de 1950 e nos outros organismos de integração<br />

regional criados posteriormente, como a Associação<br />

Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), o<br />

Mercado Comum Centro-americano (MCCA) e o<br />

MERCOSUL (Lombano, 1998).<br />

A visão do Regionalismo Interamericano ou<br />

Hemisférico, por sua vez, fundamenta-se na ação<br />

hegemônica regional dos Estados Unidos, evidente<br />

desde o surgimento da Doutrina Monroe, em 1823. Essa<br />

tendência também se manifestou claramente na criação<br />

da Organização dos Estados Americanos (OEA), no<br />

contexto caracterizado pelo fim da Segunda Guerra<br />

Mundial, com o fim do eurocentrismo e o início da<br />

bipolaridade. Um importante marco dessa bipolaridade<br />

deu-se com a Aliança para o Progresso e a Reunião de<br />

Presidentes em Punta Del Este, em 1961. A ação<br />

hegemônica dos Estados Unidos também se mostra<br />

bastante presente na implantação da Área de Livre<br />

Comércio das Américas (ALCA).<br />

4 O NOVO REGIONALISMO<br />

É evidente que o estado-nação vem sendo<br />

desafiado pelos interesses regionais. Este clamor regional,<br />

por sua vez, pode ser visto como componente de um<br />

dos maiores desafios com que se deparam os estados<br />

como resposta a eles. Enquanto em boa parte do período<br />

que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial, os governos<br />

intervieram na economia com a finalidade de promover<br />

o desenvolvimento regional, a tendência mais moderna<br />

tem sido deixar as regiões mais diretamente expostas às<br />

formas internacionais de competição. As regiões vêm<br />

se tornando, portanto, atores de seu próprio desenvolvimento.<br />

Assim, desenvolve-se um novo regionalismo,<br />

marcado por duas características inter-relacionadas:<br />

1. não é contida dentro do arcabouço do estadonação;<br />

2. coloca uma região contra outra de um modo<br />

competitivo, mais do que providenciando papéis<br />

complementares para elas numa divisão nacional<br />

do trabalho (Keating, 1998, p. 73).<br />

16<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

O novo regionalismo surgiu porque o estadonação<br />

representa nos dias atuais um espaço econômico<br />

muito reduzido para as exigências do sistema capitalista.<br />

A necessidade de diminuir os custos de produção, a<br />

competitividade, a eficiência e o aumento da produtividade<br />

só podem ser alcançadas em espaços econômicos<br />

mais amplos. O que requer a união de diversos mercados<br />

nacionais em zonas geográficas claramente identificáveis<br />

e a abolição de fronteiras e limitações entre elas<br />

em terrenos como o fluxo de bens e serviços, capitais e<br />

mesmo de pessoas. Os fatores de produção adquirem<br />

uma extraordinária mobilidade em escala planetária<br />

porque o mundo se transformou numa gigantesca<br />

fábrica que requer dos estados nacionais o mínimo de<br />

intervenção possível nesta dinâmica econômica.<br />

Esse novo regionalismo, que começa a se manifestar<br />

na década de 1990, enfatiza a viabilidade das<br />

regiões na ordem multipolar global. Enquanto o velho<br />

regionalismo se constituía de cima para baixo, por conta<br />

principalmente da ação dos estados, o novo regionalismo<br />

tende a ser visto como um processo mais espontâneo<br />

que vem de baixo, visto que outros atores além dos<br />

estados tendem progressivamente a se tornar os principais<br />

proponentes da integração regional. Portanto, a direção<br />

na qual o regionalismo se desenvolve terá provavelmente<br />

um maior impacto no futuro da política internacional e<br />

do sistema econômico.<br />

O novo regionalismo, segundo Hettne (2002),<br />

difere do velho regionalismo em muitos aspectos:<br />

• o velho regionalismo se desenvolveu no âmbito<br />

bipolar da guerra fria e o novo apareceu numa<br />

ordem mundial multipolar marcada pela globalização;<br />

• o velho regionalismo foi criado de cima para<br />

baixo; o novo constitui um processo mais voluntário<br />

que nasce das regiões em formação, onde<br />

os estados participantes e outros atores se sentem<br />

impulsionados para cooperar com uma “urgência<br />

de unir-se” com o objetivo de fazer frente aos<br />

novos desafios mundiais;<br />

• o velho regionalismo foi protecionista em termos<br />

econômicos e orientou-se para o interior; o novo<br />

é considerado “aberto” e, portanto, compatível<br />

com uma política mundial independente;<br />

• o velho regionalismo tinha objetivos específicos,<br />

posto que algumas organizações estavam moti-<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


vadas principalmente pela segurança e outras por<br />

razões de ordem econômica; o novo é resultado<br />

de um processo social e multidimensional<br />

exaustivo;<br />

• o velho regionalismo ocupava-se das relações<br />

entre estados-nação; o novo faz parte de uma<br />

transformação estrutural ou globalização na qual<br />

também opera em distintos níveis uma variedade<br />

de atores não estatais.<br />

Se no passado os organismos regionais foram<br />

constituídos por um pequeno número de países, verificase<br />

hoje o inverso. Considere-se, por exemplo, o número<br />

crescente de países da Comunidade Econômica Européia<br />

e a proposta da Área de Livre Comércio das Américas.<br />

Além disso, potências econômicas, como os Estados<br />

Unidos e o Japão, que relutavam em participar de<br />

organismos regionais, desempenham hoje papel<br />

importante no regionalismo.<br />

Hoje, o regionalismo abrange tanto países<br />

desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O NATA,<br />

por exemplo, inclui tanto os Estados Unidos e o Canadá,<br />

países desenvolvidos, quanto o México, um país em<br />

desenvolvimento. Dessa forma, o novo regionalismo<br />

reflete uma mudança no relacionamento Norte-Sul, que<br />

no passado fora caracterizado pela confrontação. Os<br />

países em desenvolvimento, por sua vez, tendem a<br />

responder à globalização mediante a adoção de<br />

estratégias para assegurar investimentos das nações<br />

desenvolvidas bem como acesso a seus mercados. Por<br />

outro lado, a linha divisória entre o regionalismo<br />

econômico e o político torna-se mais difícil, visto que o<br />

novo regionalismo é alimentado tanto pelo fim da guerra<br />

fria quanto pela regionalização dos conceitos de<br />

segurança e pelo desenvolvimento da economia mundial<br />

(Tsardanidis, 2002).<br />

Apesar das evidentes características do novo<br />

regionalismo, não existe ainda um modelo adequado para<br />

explicá-lo. Nesse sentido, awcet e Hurrel (1998)<br />

identificam três grandes tendências: as teorias sistêmicas<br />

(neo-realistas e neoliberais), que vêem o regionalismo<br />

como resposta a pressões e forças exteriores; as teorias<br />

que enfatizam as interdependências regionais; e as teorias<br />

de nível doméstico, que enfatizam o impacto de mudanças<br />

como a democratização na tendência à regionalização e<br />

cooperação regional. De qualquer forma, para esses<br />

autores, o entendimento do conceito requer sua decom-<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

posição em cinco categorias, analiticamente diversas, mas<br />

cujas inter-relações são fundamentais para a teoria e a<br />

prática do regionalismo contemporâneo: a regionalização,<br />

as noções de consciência e identidade regionais, a cooperação<br />

regional entre os Estados, a integração econômica<br />

regional promovida pelo Estado e a coesão regional.<br />

Uma importante conseqüência do novo regionalismo<br />

é o papel atribuído às cidades, pois estas passam<br />

a constituir as principais jurisdições políticas regionais.<br />

São as cidades que concentram a infra-estrutura e a<br />

prestação de serviços que produzem as condições<br />

necessárias para exercer um controle global (Sassen,<br />

1998). Elas passam a desempenhar um novo papel como<br />

atores num cenário internacional que até então era monopolizado<br />

pelos estados nacionais. Assim, essa “internacionalização<br />

das cidades” tem como principal conseqüência<br />

a participação ativa dos governos urbanos e dos principais<br />

agentes de desenvolvimento local na vida internacional;<br />

situação que basicamente se apresenta através de quatro<br />

mecanismos: a participação nas associações de cidades,<br />

a inserção em redes, o desenvolvimento do “city marketing”<br />

e a presença em eventos internacionais (Borja, 1997).<br />

A cidade torna-se, portanto, o lugar estratégico<br />

para o desenvolvimento. Isto porque o rápido crescimento<br />

da globalização promoveu o aumento em escala e em<br />

complexidade das transações econômicas. As empresas<br />

que operam globalmente necessitam adquirir insumos<br />

cada vez mais especializados, demandam concentração<br />

de infra-estrutura e comunicações de ponta e mercados<br />

de recursos humanos altamente capacitados. Necessitam,<br />

também, acesso imediato a empresas especializadas em<br />

serviços contábeis, jurídicos e de gerenciamento.<br />

Requerem, portanto, o acesso a uma rede concentrada<br />

de empresas de serviços localizadas nas cidades.<br />

Em geral são as cidades-região os locais mais<br />

adequados para a produção dos insumos e serviços<br />

especializados requeridos pelas empresas globais.<br />

Entende-se por cidades-região aquelas áreas metropolitanas<br />

com aproximadamente mais de um milhão de<br />

habitantes, cuja delimitação administrativa e institucional<br />

nem sempre coincide com sua identidade política e<br />

econômica e que estão inseridas nos processos globais<br />

de transformação sócio-econômica.<br />

“A cidade-região constitui, pois, a plataforma<br />

privilegiada para disputar os mercados globais, aproveitando-se<br />

de uma série de vantagens da aglomeração. ace<br />

17


às limitações do estado-nação, a cidade-região seria o<br />

âmbito mais adequado para elaborar iniciativas políticoinstitucionais<br />

novas e flexíveis, tais como as exigidas no<br />

novo cenário de globalização. Além disso, a cidade-região<br />

estaria na maioria das vezes lidando com um fluxo migratório<br />

grande, absorvendo migrantes com características<br />

sócio-econômicas e culturais muito heterogêneas, inclusive<br />

grandes segmentos sociais relativamente marginalizados.<br />

A cidade-região enfrentaria, portanto, o desafio de elaborar<br />

novas formas de participação e democracia local, buscando<br />

uma redefinição da identidade local e da cidadania” (Klink,<br />

2001, p. 14).<br />

5 REGIONALIDADE<br />

Os dicionários de Língua Portuguesa, bem como<br />

os da maioria das outras línguas, ainda não registram o<br />

termo regionalidade. Seu uso, no entanto, vem se tornando<br />

cada vez mais comum nos estudos regionais desenvolvidos<br />

nos mais diversos países. Aparece como regionalidad,<br />

em espanhol, regionalità, em italiano, regionalité, em francês,<br />

regionality, em inglês e regionalität, em alemão.<br />

De uma forma bem simples, regionalidade pode<br />

ser definida como a “qualidade de ser de uma região”.<br />

Ou seja, como o conjunto das propriedades e circunstâncias<br />

econômicas e históricas que distinguem esse espaço<br />

e que permite sua comparação com as de outras regiões.<br />

Assim, a regionalidade constitui uma espécie de consciência<br />

coletiva que une os habitantes de uma determinada<br />

região em torno de sua cultura, sentimentos e problemas,<br />

tornando possível um esforço solidário pelo seu desenvolvimento.<br />

A regionalidade transmite um conjunto de características<br />

comuns que possibilitam identificar um grupo<br />

de indivíduos como a base para conformar uma região.<br />

A regionalidade implica, portanto, a configuração de uma<br />

verdadeira mentalidade da região aludida. Dessa forma,<br />

a administração pública e o setor privado, administradores<br />

e trabalhadores, dirigentes políticos e toda a sociedade<br />

civil tendem a assumir uma “consciência regional”, que<br />

não se contradiz com o pertencer à comunidade nacional.<br />

Pode-se dizer mesmo que a regionalidade constitui uma<br />

nova forma de contrato social no interior do país.<br />

A regionalidade relaciona-se com a descentralização<br />

da autoridade do estado, e é um conceito extensivo<br />

que se refere a diferentes formas de regionalização,<br />

incluindo tanto o regionalismo que ocorre no interior do<br />

estado-nação quanto como fenômeno inter-fronteiras.<br />

18<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

O conceito de regionalidade pode confundir-se<br />

com o de regionalismo, visto que ambos dependem dos<br />

movimentos regionais. A regionalidade, no entanto,<br />

vincula-se com a reorganização do estado local com<br />

novas formas de parceria que emergem para guiar e<br />

promover o desenvolvimento de recursos locais. Assim,<br />

só se pode falar em regionalidade quando se verificar a<br />

efetiva cooperação entre as instâncias de governo<br />

regional e os vários segmentos da sociedade civil com<br />

o propósito de promover o desenvolvimento regional.<br />

Na verdade, a regionalidade constitui um<br />

processo que, de acordo com Hettne (2002), evolui, de<br />

modo geral, em cinco etapas, de acordo com as<br />

características observadas na região:<br />

1. Região como unidade geográfica, delimitada em<br />

maior ou menor grau pelas barreiras físicas e<br />

marcada por características ecológicas.<br />

2. Região como sistema social, com relações de várias<br />

naturezas entre grupos em diferentes localidades.<br />

3. Região como organização formal para cooperação<br />

em alguns campos culturais, econômicos,<br />

políticos e militares.<br />

4. Região como sociedade civil, que toma forma<br />

quando o arcabouço organizacional promove a<br />

comunicação social e a convergência de valores<br />

por toda a região.<br />

5. Região como formação histórica com identidade<br />

própria que pode ser expressa na formação de<br />

uma micro-região com auto-determinação e<br />

autoridade obtida do estado que a inclui.<br />

O conceito de regionalidade pouco a pouco vem<br />

ganhando importância acadêmica. Tanto é que o<br />

Programa Centroamericano de Ciências Sociais da<br />

aculdade Latino-americana de Ciências Sociais<br />

estrutura-se segundo três princípios fundamentais: a<br />

regionalidade, a transdisciplinaridade e a excelência<br />

acadêmica. A regionalidade, por sua vez, fundamentase<br />

na cooperação e se desenvolve em quatro níveis:<br />

institucional, docente, estudantil e curricular. No Brasil,<br />

a identidade da Universidade do Oeste de Santa Catarina<br />

(2001) é definida pelo par dialético regionalidade e<br />

universalidade. O Centro Universitário Municipal de São<br />

Caetano do Sul, na Região do Grande ABC Paulista, onde<br />

se verificam algumas das mais importantes experiências<br />

em regionalismo no Brasil, definiu como área de concentração<br />

para seu Programa de Mestrado em Administração<br />

Inovação e Regionalidade.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


6 CONCLUSÕES<br />

A globalização, como fenômeno multidimensional<br />

e complexo, vem sendo responsável por mudanças<br />

significativas nas concepções acerca do estado-nação.<br />

Este, nos tempos atuais, constitui um espaço muito<br />

reduzido para as exigências do sistema capitalista. A<br />

competitividade, a diminuição dos custos de produção,<br />

o aumento da produtividade e a elevação dos níveis de<br />

eficiência só podem ser alcançados em espaços econômicos<br />

mais amplos. O que requer a união de diversos<br />

mercados nacionais em zonas geográficas claramente<br />

identificáveis e a abolição de fronteiras e limitações<br />

entre elas em terrenos como o fluxo de bens e serviços.<br />

Como resposta a esses desafios, surge como<br />

processo e como teoria o novo regionalismo. A fundamentação<br />

desse novo regionalismo, por sua vez, requer<br />

a redefinição de diversos conceitos, inclusive o de região,<br />

que nesse novo contexto deve ser entendido como realidade<br />

que transcende os domínios eminentemente geográficos.<br />

A região passa a ser vista como uma construção<br />

social, requerendo, portanto, a incorporação de novos<br />

conceitos de ordem sociológica, econômica e política.<br />

O próprio conceito de regionalismo passa a requerer<br />

redefinição, pois os novos movimentos apresentam-se<br />

como integrantes de um “novo regionalismo”, que se<br />

distingue do tradicional em múltiplos aspectos.<br />

O novo regionalismo não trata apenas de conglomerados<br />

de nações, mas também de grupamentos<br />

intra-nacionais, dos quais os mais importantes são<br />

constituídos pelas cidades-região, local privilegiado para<br />

disputar os mercados globais.<br />

Essas cidades-região são submetidas a inúmeros<br />

desafios, sobretudo no referente à sua gestão, visto que<br />

seu território não é necessariamente definido em termos<br />

jurídico-administrativos. Daí, então, a necessidade da<br />

integração desses espaços pela regionalidade, pois<br />

apenas desta forma a cidade-região pode ser entendida<br />

como agente com identidade distinta, poder de ação,<br />

legitimidade e estrutura para tomada de decisão. Assim,<br />

os principais desafios para garantir a gestão das cidadesregião<br />

são:<br />

• Políticas e programas de inclusão social. Um dos mais<br />

danosos efeitos da globalização tem sido a<br />

elevação dos níveis de exclusão. Assim, ao<br />

mesmo tempo que as cidades se situam na<br />

economia global, devem também integrar e<br />

estruturar sua sociedade local.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

• Democratização. Sem uma participação sólida dos<br />

cidadãos, os governos regionais não dispõem<br />

da força necessária para navegar nos circuitos<br />

globais. Requer-se, portanto, a criação de<br />

mecanismos políticos de democratização,<br />

baseados na participação dos cidadãos na gestão<br />

regional.<br />

• Descentralização e modernização administrativa. As<br />

cidades-região têm que se converter em redes<br />

dinâmicas e ativas, com máquinas administrativas<br />

permanentes e ágeis, com mentalidade<br />

empresarial, capazes de tomar iniciativas em<br />

nome dos governos que representam.<br />

• Parcerias privado-privado. O fortalecimento da<br />

cidade-região poderá ser incentivado por meio<br />

da criação de redes de cooperação entre empresas,<br />

fornecedores e matrizes, em atividades como<br />

as de pesquisa e de marketing, por exemplo.<br />

• ortalecimento da nacionalidade. Para evitar que o<br />

sentimento regionalista conduza a algum tipo de<br />

separatismo, tornam-se necessários esforços no<br />

sentido de garantir que a regionalidade se constitua<br />

um instrumento de integração e fortalecimento<br />

da unidade nacional e de projeção da<br />

política exterior da nação.<br />

• Participação dos movimentos sociais. Os movimentos<br />

sociais oferecem importante espaço para democratizar<br />

a globalização, que, de certa forma, vem<br />

significando exclusão. No Brasil, a participação<br />

da sociedade civil nos movimentos regionais<br />

não apenas tem sido escassa, mas também tem<br />

sido encarada com muita desconfiança pelas<br />

elites. Daí, então, a necessidade de amplos esforços<br />

com vistas a promover a participação desses<br />

movimentos em prol do desenvolvimento da<br />

região.<br />

• Comunicação entre os atores. A comunicação entre<br />

os atores envolvidos na gestão das cidades-região<br />

constitui elemento importante para favorecer<br />

tanto o entendimento das posições dos outros<br />

quanto a solução de conflitos, que são inevitáveis.<br />

• Esforços para garantir que a regionalidade constitua<br />

um instrumento de integração e fortalecimento<br />

da unidade nacional e de projeção da<br />

política exterior da nação.<br />

19


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20<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

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* Professores do PMA do IMES.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar e<br />

analisar as melhorias proporcionadas pelos programas<br />

de qualidade nos hospitais que aderiram ao Controle da<br />

Qualidade do atendimento médico-hospitalar do Estado<br />

de São Paulo – CQH, criado em 1991 pela Associação<br />

Paulista de Medicina – APM e o Conselho Regional de<br />

Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP. A partir<br />

da revisão da literatura foram enfocados os modelos de<br />

sistemas de gestão da qualidade, bem como as dificuldades<br />

e os benefícios alcançados na implementação destes<br />

processos de gestão, que, por sua vez, fundamentaram<br />

as principais categorias para a análise dos múltiplos casos.<br />

Optamos por questionário do tipo semi-estruturado e<br />

não disfarçado, contemplando um conjunto de questões<br />

fechadas e outras abertas, permitindo, desse modo, extrair<br />

um conjunto mais adequado de informações dos gestores<br />

quanto à condução e eficácia da implementação dos<br />

programas de acreditação. A população da pesquisa<br />

restringe-se ao número restrito de hospitais no Estado<br />

de São Paulo que mantém o selo de conformidade CQH.<br />

Dos 12 (doze) hospitais no Estado de São Paulo, apenas<br />

06 (seis) responderam a solicitação de entrevista, a saber:<br />

Hospital e Maternidade Brasil, Hospital e Maternidade<br />

Alvorada - Unidades de Santo Amaro e Moema, Hospital<br />

do Sepaco, Hospital e Maternidade São Luiz e Sociedade<br />

Brasileira e Japonesa Beneficente Santa Cruz. O questionário<br />

aplicado atendeu a três objetivos: levantamento<br />

do perfil da organização, o mapeamento das categorias<br />

para o sistema de gestão da qualidade e, por último, as<br />

categorias para as dificuldades e os benefícios encontrados<br />

durante a implementação do Programa CQH. Os<br />

resultados desta pesquisa apontam na direção de uma<br />

melhoria efetiva do cuidado e do gerenciamento dos<br />

serviços ao trazer eficiência aos processos assistenciais,<br />

melhorar o desempenho e a supervisão do quadro<br />

de pessoal, constituir e preparar equipes para uma nova<br />

lógica da organização e outras práticas, em especial, a<br />

implantação e aperfeiçoamento de um estilo gerencial<br />

participativo, organização das informações e disponibi-<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

PROGRAMAS DE QUALIDADE NO SETOR DE SERVIÇOS<br />

HOSPITALARES: UM ESTUDO DOS HOSPITAIS SELADOS PELO C.Q.H.<br />

Prof. Ms. ABRÃO BLUMEN*\Prof. Dr. EDUARDO DE CAMARGO OLIVA**<br />

lização para quem delas necessita e desenvolvimento/<br />

monitoração de um conjunto de indicadores de desempenho<br />

adequados, de modo a prover melhores condições<br />

de atendimento e criar “centros de excelência” em termos<br />

de sua aceitação e sustentabilidade dos objetivos da<br />

qualidade.<br />

ABSTRACT: The purpose of this study is to present<br />

and analyse the benefits provided by the Quality<br />

Improvements Programmes in the hospitals participating<br />

in the Quality in Health Care of São Paulo – “CQH”,<br />

created in 1991 by the Medical Association of São Paulo<br />

– “APM”, and the Regional Medical Council of Medicine<br />

of São Paulo – “CREMESP”.<br />

Accordingly to the revisal of the litterature, the models<br />

of the Quality Management Systems were focused as<br />

well as the barriers and the improvements perceived in<br />

the implementation of these management procedures,<br />

which were the basis of the most important categories<br />

to analyse all cases.<br />

In order to analyse the cases, six hospitals of the<br />

metropolitan area of São Paulo were choosen to the<br />

research through semistructured interviews with its<br />

respective chief executives, which enabled the<br />

identification and the analysis of the contributions and<br />

dificulties during the implementation of the “CQH”<br />

Programme.<br />

The questionnaire applied covered three points: the<br />

profile of the organization, the list of the categories of<br />

the Quality Management System and the categories of<br />

benefits and barriers founded during the implementation<br />

of the “CQH” Programme.<br />

The results of this research indicate an effective<br />

improvement in the health care and in the services<br />

management as the health care procedures became<br />

efficient. The performance and the supervision of the<br />

staff also improved. Viewing better conditions in the<br />

health care, groups were created and dully prepared to<br />

21


enter into new culture and practices inside the<br />

organisation. Those groups have also the task to generate<br />

excellence centres to assure the objectives of the Quality<br />

in Health Care Programme and its acceptation.<br />

PALAVRAS-CHAVE: sistema de qualidade, área<br />

hospitalar, resultados.<br />

KEYWORDS: quality system, health area, results.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Albrecht (1999) esclarece como os princípios<br />

da qualidade, os sistemas de gestão e as estratégias<br />

organizacionais são estabelecidos a partir das necessidades<br />

dos consumidores e servem como vetores de<br />

alinhamento na prestação dos serviços.<br />

Nesse diapasão, procurou-se responder ao<br />

seguinte problema de pesquisa: como a implantação de um<br />

programa de acreditação em qualidade contribui para a melhoria<br />

do processo de gestão hospitalar?<br />

Os hospitais são organizações complexas pela<br />

diversidade de atividades e atribuições que realizam,<br />

constituem-se de indivíduos de diferentes origens e<br />

formações profissionais e diferenciam-se pelo tipo de<br />

produto ou serviço oferecido, apresentando serviços<br />

de hotelaria, farmácia, lavanderia, restaurante, setores<br />

de apoio técnico, prevenção, diagnóstico e tratamento,<br />

e atividades de pesquisa e ensino, em especial, nos<br />

casos dos hospitais universitários.<br />

O CQH caracteriza-se como um modelo para<br />

diagnóstico e análise das interfaces de um hospital,<br />

considerando harmonicamente os diversos elementos<br />

interdependentes, tendo por base o enfoque sistêmico<br />

como pressuposto para compreensão da dinâmica<br />

organizacional, envolvendo os sinais do ambiente<br />

externo, os conflitos e as tensões que ocorrem no interior<br />

das organizações, quando se rompem os paradigmas<br />

culturais ao se conduzir um processo de mudança.<br />

Diversos autores – entre eles, Mezomo (2001),<br />

Bittar (1997), Quinto Neto (2000), Yamamoto (2001)<br />

e Malik e Teles (2001) – entendem que os hospitais<br />

deveriam se transformar em organizações mais competitivas,<br />

inovadoras e criativas; de modo a melhorar seus<br />

desempenhos, gerenciar seus resultados, cumprir seus<br />

papéis na sociedade e adotar estratégias modernas de<br />

gestão como: planejamento a longo prazo, decisões<br />

corporativas e participativas, tendo profundo conheci-<br />

22<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

mento dos seus clientes, consolidando a utilização de<br />

teamworks para diagnóstico e solução de problemas e<br />

criando significado para o trabalho das pessoas.<br />

A tendência é que estas organizações, diante dos<br />

questionamentos apresentados pela mídia, busquem<br />

orientar as políticas e as estratégias para o cliente, aumentando<br />

a sua fidelização. Satisfazer as expectativas dos<br />

pacientes e, preferencialmente, agregar maior valor no<br />

que recebem, constitui-se num dos atributos da<br />

diferenciação competitiva (Chéquer Neto, 2000).<br />

Prada, Miguel e rança (1999) entendem que a<br />

implantação e a certificação de sistemas de qualidade não<br />

garantem que as empresas atendam a todos os requisitos<br />

de qualidade do produto ou serviço; porém, a busca de<br />

satisfação de suas exigências estimula a consolidação e a<br />

construção de uma base de gerenciamento e garantia da<br />

qualidade, ordenando e sistematizando o processo de<br />

qualidade da organização.<br />

2 CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS<br />

HOSPITALARES<br />

Para Cunha (1994) e oucault (1989), os hospitais,<br />

no início, tinham um caráter protetor e repressivo,<br />

sendo uma mescla de segregação e detenção, de aprisionamento<br />

e asilo. Observam-se, contemporaneamente,<br />

modernos centros empresariais de saúde, onde<br />

se desenvolve uma medicina custosa, com equipes<br />

especializadas nos cuidados médicos, aflorando os<br />

problemas de eficiência administrativa, racionalidade,<br />

produtividade e responsabilidade de todo o corpo de<br />

funcionários.<br />

Ainda assim, os hospitais se caracterizam pela<br />

estrutura linear, centralizada nas figuras do Provedor,<br />

Diretor Geral e Superintendente, onde todas as comunicações<br />

e decisões são formais, e muitas vezes com excesso<br />

de volume de papéis e assinaturas nos documentos;<br />

trabalho hierarquizado, regras rígidas e impessoais, com<br />

baixo envolvimento dos diferentes setores e pessoas da<br />

organização. O alto nível de investimento tecnológico, a<br />

capacidade de atender várias especialidades médicas, com<br />

equipes de ampla aptidão técnico-profissional e, de outro<br />

lado, os clientes exigindo padrão de qualidade, baixo custo<br />

e rapidez do atendimento estimularam um conjunto de<br />

pessoas, orientando-as para a adoção de estratégias<br />

empresariais com o intuito de otimizar o funcionamento<br />

dos hospitais.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


É nesse momento que as organizações são<br />

impulsionadas a implementar, cada vez mais, programas<br />

de controle da qualidade – PCQ, como um mecanismo<br />

competitivo e estratégico. Entre os pressupostos de<br />

adesão ao Programa Controle de Qualidade Hospitalar – CQH<br />

está o de oferecer ao administrador hospitalar um modelo<br />

de gestão (e auto-avaliação) sistêmico, integrado e<br />

coerente, dando-lhe um horizonte para a sua ação gerencial<br />

e contribuindo para o programa de melhoria contínua. As<br />

principais características deste programa são: adesão<br />

voluntária, estímulo à participação de todas as partes interessadas,<br />

auto-avaliação, incentivo à mudança de atitudes e comportamentos,<br />

em especial, através do trabalho coletivo com grupos<br />

multidisciplinares e no aprimoramento dos processos de<br />

atendimento (Manual do CQH, 2001).<br />

As empresas que participaram da pesquisa<br />

cumprem um ritual extenso, iniciando pela adesão ao<br />

programa, seguido de diversos procedimentos e atividades,<br />

como preparação do ambiente, educação para a mudança,<br />

difusão de conceitos e valores da qualidade, criação de<br />

Comitês, relatório de indicadores, auto-avaliação e<br />

preparação para a visita que demandam planejamento,<br />

persistência de propósitos e compromisso da Alta Direção.<br />

oram consideradas e avaliadas, com prioridade<br />

neste estudo, as seguintes práticas de gestão: participação<br />

de diferentes níveis hierárquicos no processo de gestão, existência<br />

de planejamento de médio e longo prazo, periodicidade de reuniões<br />

de análise crítica, pesquisas de satisfação dos clientes internos e<br />

externos, serviços de apoio à comunidade, formulação e<br />

acompanhamento de diferentes indicadores de desempenho<br />

institucional, programas de pesquisa & ensino, gestão de<br />

competências, treinamento e monitoração do desempenho funcional.<br />

3 MODELOS DE SISTEMA DA QUALIDADE<br />

O enfoque sistêmico, neste estudo, é adotado como<br />

premissa filosófica para a abordagem da avaliação e<br />

implementação dos sistemas de gestão (SG) da qualidade<br />

hospitalar, inspirando-se nos modelos de acreditação, a<br />

exemplo do CQH que, por sua vez, aproveita os<br />

critérios de excelência propostos pelo Prêmio Nacional<br />

da Qualidade.<br />

O modelo sistêmico foi incorporado às idéias do<br />

pediatra armênio, radicado nos EUA, Avedis<br />

Donabedian. A noção de indicadores “explícitos” de<br />

estrutura – recursos materiais, humanos, estrutura da<br />

organização; de processo – diagnóstico, terapia,<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

tratamento clínico e de resultado – produtos, conseqüências<br />

e impactos, do atendimento hospitalar de<br />

Donabedian, referenda uma matriz de atributos e<br />

parâmetros que poderão ser validados quando se mostrarem<br />

hábeis em predizer resultados e proporcionar<br />

confiabilidade na avaliação.<br />

Desse modo, os critérios utilizados na avaliação<br />

da gestão de uma empresa necessitarão ser sempre<br />

comparados aos parâmetros de um modelo amplamente aceito<br />

e consensualmente eficaz para prover informações confiáveis e<br />

que sirvam para planejar e monitorar as atividades desenvolvidas,<br />

configurando-se em um instrumento válido para a<br />

melhoria gerencial.<br />

O modelo selecionado foi o de Silveira (1999),<br />

que desenvolveu uma maneira de analisar o sistema da<br />

qualidade praticado frente aos ambientes competitivos<br />

externo e interno. O primeiro passo do modelo de Silveira<br />

é definir o seu objetivo global – a sua visão, o seu estado de<br />

“arte”. Esse objetivo global se desdobra em objetivos dos<br />

subsistemas de níveis inferiores utilizando a Trilogia de<br />

Juran: planejamento, controle e melhoria da qualidade.<br />

Os componentes do sistema são aquelas atividades<br />

desenvolvidas para alcançar esses objetivos, cobrindo<br />

todas as alternativas existentes, já que se trata de um<br />

modelo geral. Estas atividades que têm como referência<br />

as atividades relacionadas com a função qualidade<br />

aplicadas pelos Critérios de Excelência do PNQ e foram<br />

agrupadas em um conjunto de 9 (nove) macro-funções.<br />

As macro-funções administração do sistema da<br />

qualidade, planejamento e controle dos processos de rotina,<br />

planejamento e controle de projeto & desenvolvimento, gestão de<br />

aquisição, gestão do ambiente e do relacionamento com os clientes,<br />

desenvolvimento e gestão dos recursos humanos, garantia da<br />

confiabilidade das medidas e dos dados, gestão da informação e<br />

melhoria contínua do sistema da qualidade estão sendo<br />

consideradas tendo por objetivo avaliar os subsídios mais<br />

relevantes para uma melhor compreensão do estágio que<br />

uma empresa alcançou na assimilação e implantação do<br />

modelo de gestão da qualidade e se compõem de:<br />

1. Administração do sistema da qualidade:<br />

requer o apoio estratégico da empresa, porque<br />

se exige liderança no planejamento, na<br />

coordenação do sistema da qualidade e na<br />

implementação da estratégia da empresa.<br />

2. Planejamento e controle dos processos de<br />

rotina: compreende o planejamento e controle<br />

23


24<br />

dos processos já estabelecidos, o planejamento<br />

e a organização das atividades produtivas e de<br />

apoio, bem como o controle das atividades de<br />

apoio, produção e de pós-produção e garantia<br />

da qualidade do produto.<br />

3. Planejamento e controle de projeto e<br />

desenvolvimento: deve incluir o planejamento<br />

e o controle dos processos ligados ao projeto, a<br />

definição dos requisitos de entrada, o controle<br />

das atividades de projeto e desenvolvimento<br />

bem como a garantia de adequação do projeto<br />

e desenvolvimento.<br />

4. Gestão da aquisição: requer o gerenciamento<br />

dos processos ligados à aquisição de produtos,<br />

ao planejamento e organização da aquisição,<br />

garantia na aquisição de produtos e administração<br />

do relacionamento com os fornecedores.<br />

5. Gestão do ambiente e do relacionamento com<br />

os clientes: possibilita o gerenciamento de fatos,<br />

oportunidades, ameaças e tendências do ambiente,<br />

compreendendo o planejamento e organização da<br />

relação com o ambiente, administração do<br />

relacionamento com os clientes e garantia e<br />

desenvolvimento da imagem da empresa.<br />

6. Desenvolvimento e gestão de recursos<br />

humanos: deve destacar o gerenciamento dos<br />

aspectos ligados ao fator humano, o planejamento<br />

e a organização das necessidades de recursos<br />

humanos, em especial, a seleção e qualificação<br />

bem como a garantia do bem estar e da satisfação<br />

dos empregados.<br />

7. Garantia da confiabilidade das medidas e dos<br />

dados: requer o planejamento e a garantia da<br />

confiabilidade das informações, dados e indicadores<br />

que podem ser utilizados como base para<br />

a tomada de decisões em toda a organização.<br />

8. Gestão da informação: deve compreender a<br />

administração de toda a informação utilizada,<br />

incluindo o planejamento, a organização, a coordenação,<br />

o controle e a distribuição do sistema<br />

de informação.<br />

9. Melhoria contínua do sistema da qualidade:<br />

requer orientar o sistema de gestão de qualquer<br />

entidade para o planejamento e organização da<br />

melhoria contínua, compreendendo tomada de<br />

ação preventiva ou corretiva e manutenção da<br />

melhoria.<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Em um estágio mais avançado do enfoque<br />

sistêmico, a qualidade, segundo o mesmo autor, permeia<br />

toda a estrutura organizacional, tanto vertical como<br />

horizontalmente. Entende-se, desse modo, que no<br />

contexto atual de competitividade da economia, com a<br />

Internet facilitando o fluxo de informações, as pessoas se<br />

tornaram mais conscientes de sua cidadania e desejosas<br />

de produtos e serviços personalizados. A noção de melhoria<br />

contínua incentivada pela qualidade precisa acontecer de<br />

fato, e isso parece estar mais ligado às práticas de gestão<br />

democrática e participativa, que liberam mais energia e<br />

criatividade dos colaboradores, do que ao controle<br />

autocrático e hierárquico, inibidor de comportamentos e<br />

de atitudes inovadoras, e que não permite o fluxo livre de<br />

idéias para melhoria e capacitação para a qualidade.<br />

A revisão da literatura nos permitiu reunir um<br />

conjunto expressivo de fatores que, de modo geral, quando<br />

agregados, estão associados aos problemas ou atrasos no<br />

atingimento das metas ou que prejudicam ou até mesmo<br />

impedem a implementação de um programa de qualidade.<br />

Estes fatores e/ou dificuldades dividem-se em 2 (dois)<br />

grupos: problemas nas práticas de implementação, quando<br />

da introdução dos programas de qualidade, a exemplo<br />

da criação de uma burocracia exagerada, falta de foco<br />

nos processos críticos, dispersão de energia, falta de<br />

integração entre os diferentes níveis hierárquicos, baixo<br />

nível de comprometimento e outro grupo de problemas<br />

mais crônicos, os relativos à concepção e desenho de um macroplano<br />

de implementação, com ausência de explicitação dos<br />

objetivos estratégicos e integração com o atendimento<br />

às necessidades dos diferentes atores organizacionais,<br />

gerando conflitos de poder, formação de grupos de<br />

evangélicos (apoiadores) e céticos (contestadores), resultando<br />

declínio de interesse com o tempo e inibindo condições<br />

para o envolvimento e participação dos funcionários<br />

(Macedo e Santos, 2001; Wood Jr. e Urdan, 1994;<br />

Tolovi, 1994 e Toledo e Martins, 1998).<br />

Os benefícios, supõem-se, são os pressupostos de<br />

um modelo implementado com sucesso. No contexto dos<br />

hospitais, a promoção da participação das pessoas em<br />

todos os aspectos do seu trabalho, a formação de equipes<br />

multidisciplinares e de alto desempenho quando lhes são<br />

dadas autonomia e responsabilidade para alcançar metas<br />

bem definidas pela organização; a necessidade de que o<br />

treinamento e o desenvolvimento de habilidades seja<br />

valorizado, avaliado e aperfeiçoado, preferencialmente,<br />

através de indicadores de satisfação e bem estar psicológico<br />

e físico, em muito contribuem para a minimização dos<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


iscos ambientais e de saúde aos quais estão expostos os<br />

profissionais deste setor, proporcionando maior compreensão<br />

das mudanças necessárias pelas pessoas, de modo<br />

a viabilizar os processos de engajamento e adesão (Vergara<br />

e Gomes, 2000).<br />

4 METODOLOGIA DA PESQUISA<br />

Os hospitais que aderiram ao Programa Controle<br />

de Qualidade Hospitalar – CQH, constituíram-se<br />

na população deste estudo. Este prêmio, atualmente<br />

alinhado aos critérios do Prêmio Nacional da Qualidade<br />

– PNQ, foi instituído em julho de 1991, pela Associação<br />

Paulista de Medicina (APM) e o Conselho Regional de<br />

Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).<br />

Dos 12 (doze) hospitais no Estado de São Paulo<br />

que mantêm o selo de conformidade, apenas 06 (seis)<br />

responderam à solicitação de entrevista, a saber: Hospital<br />

e Maternidade Brasil, Hospital e Maternidade Alvorada<br />

– Unidades de Santo Amaro e Moema, Hospital do<br />

Sepaco, Hospital e Maternidade São Luiz e Sociedade<br />

Brasileira e Japonesa Beneficente Santa Cruz.<br />

Os objetivos desta pesquisa estão focados na<br />

contribuição dos programas de qualidade, bem como<br />

na identificação dos resultados positivos e negativos<br />

como direcionadores estratégicos, encontrados durante<br />

o processo de implementação, segundo a ótica dos<br />

gestores das organizações hospitalares.<br />

O modelo conceitual desta pesquisa utilizouse<br />

da categorização das informações a partir da literatura<br />

existente sobre o assunto; para o cumprimento dos<br />

objetivos do trabalho, que foi o levantamento de<br />

informações dos gestores hospitalares relativas à<br />

contribuição dos programas de acreditação de qualidade do<br />

atendimento hospitalar, selecionou-se como instrumento<br />

para a coleta de dados qualitativos o questionário,<br />

utilizado como roteiro quando das entrevistas com os<br />

gestores dos hospitais. Participaram destas entrevistas<br />

os Gerentes ou Diretores de Qualidade e/ou Diretores<br />

Clínicos dos Hospitais.<br />

A análise dos dados alicerça-se nas macrofunções<br />

sugeridas no modelo de Silveira, e nos permite<br />

avaliar o modelo de implantação e/ou avaliação do<br />

sistema da qualidade objetivando a viabilidade de seu<br />

uso, aplicabilidade a qualquer tipo de empresa e<br />

comparabilidade com modelos amplamente utilizados,<br />

em especial, referenciando-o aos Critérios de<br />

Excelência do PNQ.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS<br />

Nesta pesquisa, os hospitais respondentes são<br />

do tipo gerais e não especializados, compreendendo<br />

pronto-atendimento, emergência e centros cirúrgicos. Em<br />

3 (três) deles encontrou-se, igualmente, atendimento<br />

ambulatorial, com consultórios clínicos especializados,<br />

tipicamente em: pediatria, geriatria, atendimento à gestante,<br />

ortopedia, oftalmologia, micro-cirurgias e outros.<br />

São quase todas empresas com capital nacional,<br />

duas deles se descrevem como filantrópicas, as demais<br />

não o são. Pela quantidade de leitos e número de funcionários,<br />

classificam-se como hospitais de porte médio<br />

(2 deles) a grandes (4 dos hospitais).<br />

Os hospitais pesquisados possuem outros programas<br />

de qualidade, já implementados e ativos, destacando-se<br />

como os mais citados, na ordem: programa de qualidade<br />

de vida (PQV) e sistema de sugestões (SG); grupos de<br />

melhoria, em metade dos casos e 5S, gestão participativa<br />

e ISO em um terço dos casos. Um hospital, apenas,<br />

implementou o TQM – Gestão da Qualidade Total como<br />

modelo de gestão para os resultados.<br />

Com relação ao mapeamento das categorias,<br />

utilizando-se o modelo para o Sistema de Qualidade<br />

com enfoque sistêmico de Silveira, os resultados mais<br />

relevantes apontados pelos respondentes foram no sentido<br />

de terem iniciado o Programa de Controle da<br />

Qualidade focando, em primeiro lugar, a melhoria no<br />

atendimento ao usuário e, em seqüência de importância, a<br />

melhoria da performance institucional e imagem da organização.<br />

A importância dos concorrentes como fator de estímulo<br />

à entrada em um Programa de Qualidade e o modismo<br />

cultural de “importação” de modelos em voga no mercado<br />

empresarial seriam os fatores considerados menos<br />

relevantes para os pesquisados, mas não deixaram de ser<br />

citados, mesmo que em quarta e quinta posições.<br />

A Alta Direção costuma ter uma participação ativa<br />

no planejamento da qualidade, encontrando-se a gestão<br />

participativa como uma prática regular. Em dois dos<br />

hospitais, considerou-se que esta prática poderia ter maior<br />

assiduidade.<br />

Divulgam-se, regularmente, aspectos da qualidade<br />

(notícias de qualidade, cursos de treinamento, atividades<br />

de prevenção de cuidados com a saúde psicológica e física).<br />

Dois hospitais, apenas, integram atividades de ensino e<br />

pesquisa. Os hospitais cumprem, satisfatoriamente, projetos<br />

assistenciais e educacionais com a comunidade local.<br />

25


Entende-se, neste caso, que o relacionamento com a<br />

comunidade poder-se-ia estreitar com o trabalho<br />

voluntário de seus funcionários, ajudando, com isso, a<br />

solucionar problemas na área da saúde e higiene da<br />

coletividade.<br />

O planejamento estratégico conta com a participação<br />

dos funcionários até o nível de gerências e chefias, na maioria<br />

dos casos estudados. Os planos de ação, a partir daí, são<br />

acompanhados e monitorados, sendo o planejamento<br />

avaliado e cotejado com as metas e objetivos estratégicos,<br />

através da utilização de um conjunto de indicadores<br />

previamente selecionados. Alguns indícios do reconhecimento<br />

das resistências encontradas na implementação<br />

destas ações podem fazem emergir conflitos políticos que<br />

tornam difíceis, muitas vezes, a obtenção de dados com<br />

razoável confiabilidade, em especial, quando o planejamento<br />

não é suficientemente participativo.<br />

No aspecto de relacionamento com os clientes e a<br />

sociedade, todos os hospitais realizam pesquisas com os<br />

clientes, as queixas e reclamações são ouvidas e tratadas<br />

como oportunidades de melhoria no atendimento.<br />

Aproveitam-se sobremaneira as observações dos clientes,<br />

na formulação de indicadores de desempenho e na<br />

divulgação da imagem do hospital no mercado, além de<br />

serem importantes no planejamento de novos produtos<br />

e/ou serviços.<br />

Chamou-nos atenção o fato de que poucos<br />

hospitais procuram informações em órgãos de classe ou<br />

de defesa do consumidor quanto às queixas e reclamações<br />

de clientes. Apenas um dos hospitais se colocou numa<br />

posição pró-ativa quanto a este item, procurando os<br />

órgãos e antecipando soluções com ações preventivas.<br />

Chéquer Neto (2000) identifica, claramente,<br />

que o diferencial de atendimento ao cliente em seus<br />

componentes: agilidade, presteza, oportunidade,<br />

suficiência de informações, capacitação técnica dos<br />

funcionários, custo otimizado e cordialidade, além do<br />

padrão técnico de qualidade, marcam a fidelização e<br />

re-compra dos serviços pelos clientes.<br />

No aspecto de informações e conhecimento, considerando<br />

o enfoque do uso da tecnologia na área de atendimento<br />

ao cliente, observou-se ser ainda muito recente a<br />

implementação de sistemas integrados de informação das<br />

áreas administrativo-financeiras e médico-clínicas. As<br />

informações nem sempre estão disponíveis e acessíveis<br />

para a maior parte dos funcionários, encontrando-se<br />

26<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

fragmentadas e setorizadas, dificultando sobremaneira o<br />

uso das mesmas como apoio à pesquisa e ao ensino e não<br />

permitindo o desejável funcionamento da gestão de informações.<br />

O uso de Intranet e Internet, aproveitadas para<br />

comunicações intra-organizacionais e intercâmbio para<br />

aperfeiçoamento dos resultados no cuidado à saúde, é<br />

de modo geral bastante disseminado nos hospitais<br />

pesquisados e utilizado como importante ferramenta de<br />

relacionamento com os clientes e a sociedade.<br />

Observou-se que a maioria dos hospitais<br />

investe e estimula atividades de treinamento e educação<br />

de seus funcionários com o objetivo de melhorar os<br />

padrões de atendimento e oferecer oportunidades para<br />

o crescimento profissional. No entanto, em alguns<br />

hospitais, não se observou uma perfeita integração entre<br />

as áreas de RH e o setor de qualidade hospitalar.<br />

Na maioria dos hospitais, o reconhecimento<br />

profissional é condicionado aos atrativos pecuniários como<br />

forte indutor de comprometimento e participação nos<br />

planos de metas e resultados corporativos. Em apenas 2<br />

(dois) dos hospitais a valorização profissional ocorre,<br />

exclusivamente, através de recompensas não pecuniárias,<br />

como troféus, homenagens, agradecimentos e<br />

solenidades de entrega de medalhas e brindes.<br />

Diante dos resultados encontrados em quase<br />

metade dos hospitais, vislumbramos oportunidades reais<br />

de melhoria no sistema de gestão de pessoas, no<br />

sentido de uma maior participação dos funcionários na<br />

elaboração dos critérios de promoção profissional,<br />

estímulos a programas de educação continuada<br />

extensíveis a todos os níveis funcionais, incentivo ao<br />

rodízio de funções e reformulação no desenho de cargos,<br />

pesquisas de satisfação dos funcionários rotineiras, com<br />

impacto na melhoria do ambiente físico, psicológico e<br />

profissional, maior envolvimento dos funcionários nos<br />

níveis decisoriais (empowerment) e treinamentos objetivados<br />

pelas necessidades de melhoria do atendimento<br />

ao cliente.<br />

Na avaliação dos aspectos de gestão de processos,<br />

os resultados encontrados apontam no sentido de<br />

oportunidades pouco aproveitadas, em alguns hospitais,<br />

de maior intercâmbio e estabelecimento de parcerias<br />

com institutos de pesquisa e universidades na busca de<br />

maior eficiência e produtividade de seus processos de<br />

trabalho e no treinamento e valorização da cultura de<br />

pesquisa de seu quadro profissional, numa área onde o<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


fator tecnológico se tornou marco diferenciador de<br />

atendimento.<br />

De modo geral, a maioria dos hospitais não se<br />

preocupa com informações comparativas de outros<br />

hospitais, evidenciando de certa forma um comportamento<br />

reativo diante do quadro de competitividade, que, ainda,<br />

não se tornou crucial na área de atendimento hospitalar.<br />

Constatou-se que, apesar desse comportamento reativo,<br />

a atuação dos hospitais com relação à comunidade e<br />

sociedade tem se firmado como uma nítida vantagem<br />

competitiva em sua preocupação de fidelizar seus clientes,<br />

acompanhar e discutir as medidas governamentais no setor<br />

de saúde, estudar e avaliar o impacto de suas atividades<br />

no meio ambiente e incrementar o apoio às atividades<br />

educacionais e assistenciais com a comunidade.<br />

Quanto ao aspecto das dificuldades encontradas<br />

na implantação do Programa de Qualidade CQH, as<br />

informações obtidas nos permitiram obter uma certa<br />

homogeneidade nas respostas – 5 (cinco) vezes citado<br />

como item prioritário: o aumento nos conflitos internos<br />

permite ter um quadro mais claro da complexidade em<br />

se criar mecanismos de mudança, em especial, quando<br />

na concepção do modelo de gestão e na integração dos<br />

diferentes atores da organização em torno dos objetivos<br />

estratégicos; ao se quebrar os paradigmas de uma gestão<br />

menos democrática para um modelo onde se privilegiam<br />

as atividades de grupo, os projetos de melhoria, focamse<br />

as necessidades e expectativas dos clientes com relação<br />

aos padrões de atendimento e serviços prestados,<br />

estimulam-se as posturas pró-ativas e dissemina-se a<br />

visão sistêmica dos processos.<br />

Nas entrevistas, alguns respondentes externaram<br />

críticas veladas ao comportamento dos principais<br />

executivos da organização, em especial, naquelas empresas<br />

com administração corporativa, quanto à forma como<br />

ocorrem as participações nas decisões, como dão acesso<br />

às informações e apóiam as atividades de qualidade,<br />

deixando aflorar mecanismos não muito transparentes de gestão,<br />

ao mesmo tempo que um outro grupo, bem mais numeroso,<br />

comportava-se mais confiante do comprometimento e do<br />

apoio que a Alta Direção proporciona às iniciativas de<br />

qualidade. Em todos os sentidos, o apoio da diretoria<br />

médica, em todos os casos, é considerado estratégico para<br />

o sucesso do programa.<br />

Quanto aos benefícios alcançados com o<br />

Programa CQH, os fatores pesquisa junto aos usuários,<br />

mudança de atitudes e comportamentos e fixação nos<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

processos críticos foram os mais citados em ordem de<br />

freqüência, seguidos pelo aprimoramento dos processos<br />

de atendimento, valorização do treinamento e desenvolvimento<br />

de habilidades, responsabilização dos<br />

funcionários e utilização de indicadores de bem estar<br />

psicológico e físico.<br />

Os benefícios apontados pelos entrevistados nos<br />

permitem inferir para as organizações hospitalares que<br />

aderiram ao Programa CQH que os ganhos obtidos na<br />

implementação dos programas de qualidade, no tocante:<br />

1. Ao modelo de gestão implantado e aos<br />

processos de trabalho – se desenvolveram ao<br />

longo do eixo de valorização da participação<br />

dos funcionários nos processos de decisão e nos<br />

comitês de estudo, como uma forma de iniciar<br />

um processo de mudança e comprometimento<br />

das pessoas em torno das metas e objetivos da<br />

organização, no sentido de internalizar atitudes<br />

e comportamentos, promovendo mudanças dos<br />

processos e práticas de atendimento ao cliente,<br />

enfatizando os processos mais críticos, evitando<br />

dispersão de energias na obtenção dos melhores<br />

resultados e desenvolvimento de posturas próativas.<br />

2. A interface entre a organização e a sociedade<br />

- fixaram-se na estruturação de um banco<br />

informacional para medição e avaliação do<br />

desempenho, utilizando dados internos e externos<br />

à organização, na criação de um ambiente mais<br />

adequado, melhor clima de trabalho e tornando<br />

a organização mais competitiva e em sintonia com<br />

o mercado.<br />

6 CONCLUSÃO<br />

No que diz respeito aos hospitais pesquisados,<br />

fica claro que eles constituem uma referência de<br />

qualidade, em geral, muito distante da realidade brasileira<br />

do atendimento à saúde, em especial, do setor público.<br />

São hospitais modernos, que buscaram caminhos próprios<br />

para sanar a defasagem tecnológica, oferecendo todas as<br />

especialidades médicas e serviços que exigem alta<br />

capacitação e nível de investimento, adaptando-se às<br />

demandas e disponibilizando o que existe de última<br />

geração em equipamentos médicos.<br />

Todos os esforços de qualidade empreendidos<br />

por esta amostra de hospitais são resultados de políticas<br />

e estratégias empresariais, pressionados igualmente por<br />

27


melhores serviços e menor tolerância dos clientes aos<br />

erros médicos. Os clientes hospitalares e suas famílias<br />

estão cada vez mais cientes dos seus direitos e sabem<br />

avaliar o nível de qualidade pessoal do seu atendimento.<br />

O atendimento à saúde, em particular quando<br />

da realização de internações e cirurgias, é uma das situações<br />

de grande insegurança e fragilidade a qual um indivíduo<br />

se submete. Para compensar essa fragilidade o paciente<br />

busca referenciais/indicadores de segurança no atendimento.<br />

Uma organização acreditada e avaliada externamente<br />

pode representar maior confiabilidade e menor<br />

exposição ao risco para o usuário, além de identificar um<br />

hospital com um padrão mais efetivo de qualidade de<br />

segurança de atendimento.<br />

Quinto Neto (2000) assevera que para os hospitais,<br />

além do apelo mercadológico e projeção da imagem da<br />

organização no mercado, a acreditação pode garantir maior<br />

ALBRECHT, K. Trazendo o poder do cliente para dentro da sua<br />

empresa. São Paulo: Pioneira, 1999.<br />

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CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

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estruturadas com foco no cliente e na medição dos<br />

resultados, diminuição de custos, prevenção de acidentes<br />

e riscos, estímulo a auto-avaliações e construção de uma<br />

cultura de qualidade por uma equipe, resultado de um<br />

gerenciamento mais integrado e harmônico dos<br />

indicadores de desempenho.<br />

Acredita-se que as organizações hospitalares, ao<br />

focarem a qualidade do atendimento e a melhoria contínua<br />

como uma ação em cadeia, após uma profunda mudança<br />

cultural, treinamento em liderança e educação continuada<br />

de todos os níveis funcionais, implantação/aperfeiçoamento<br />

de um estilo gerencial participativo, organização<br />

das informações e disponibilização para quem delas<br />

necessita e desenvolvimento/monitoração de um conjunto<br />

de indicadores de desempenho adequados, permitiriam<br />

realizar suas expectativas de fidelização do cliente e<br />

valorizar eticamente as suas atividades.<br />

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revisão crítica. Revista de Administração de Empresas, GV.<br />

34(6):46-59, nov./dez. 1994.<br />

YAMAMOTO, E. Os novos médicos administradores. São Paulo:<br />

utura, 2001.<br />

* Docente da UNISA e auditor do Tribunal de<br />

Contas do Município de São Paulo.<br />

** Professor do PMA do IMES e coordenador<br />

do Núcleo de RH do IMES.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


JEERSON JOSÉ DA CONCEIÇÃO*<br />

RESUMO: Este texto aborda a crise das cidades<br />

industriais fordistas e algumas das alternativas de<br />

revitalização. A Região do Grande ABC, no Brasil,<br />

Detroit, nos Estados Unidos, e o Vale do Ruhr, na<br />

Alemanha, são tomadas como exemplo de cidades<br />

industriais que têm mostrado impressionantes índices de<br />

crescimento desde o pós-guerra. Entretanto, a partir da<br />

década de 1970, elas têm sofrido uma crise estrutural de<br />

corte de empregos, fábricas fechadas e descentralização<br />

econômica.<br />

ABSTRACT: This article concerns to the crisis of the<br />

fordist industrial cities and some of their alternatives of<br />

revitalizing. ABC area in Brazil, Detroit in the USA and<br />

Vale Ruhr in Germany are taken as examples of industrial<br />

cities, which have showed remarkable rates of growth<br />

since the Second Post War. However, since the seventies<br />

they have been suffering a structural crisis of job cuts,<br />

factories closures and economic decentralization.<br />

PALAVRAS-CHAVE: fordismo, políticas urbanas,<br />

regionalidade.<br />

KEYWORDS: fordism, urban politics, regionalism.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Este artigo tem como objetivo recuperar,<br />

sucintamente, algumas das características do que aqui<br />

se denomina de cidade industrial. O texto resgata, em<br />

grandes linhas, o período de constituição, crescimento<br />

e auge da cidade industrial e a sua crise, a partir da<br />

década de 1970. Discutem-se, ao final, algumas das<br />

saídas apresentadas no debate sobre a revitalização<br />

dessas cidades, inseridas no contexto contemporâneo<br />

da globalização.<br />

Por cidade industrial entende-se aqui a região<br />

ou área geográfica que, por uma série de motivos<br />

históricos e locacionais1 , concentrou, no século XX,<br />

um expressivo volume de investimentos de indústrias<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

A CIDADE INDUSTRIAL: EXPANSÃO, CRISE E PROJETOS DE<br />

REVITALIZAÇÃO<br />

típicas do período fordista, e que, por isso, foi pólo de<br />

atração também de grandes fluxos populacionais<br />

migratórios. A definição, apesar de breve, incorpora<br />

abrangentes e complexos processos econômicos e sociais<br />

que naturalmente não se restringiram somente aos limites<br />

territoriais deste ou daquele município. Em realidade, a<br />

cidade industrial abrange em geral uma “região”<br />

composta por mais de uma cidade ou município, e que<br />

pode ou não ter existência administrativo-legal. Neste<br />

artigo, são tomados como exemplos de cidades industriais<br />

a região do Grande ABC Paulista no Brasil, a Grande<br />

Detroit nos EUA e o Vale do Ruhr na Alemanha, entre<br />

outros casos em todo o mundo por onde a grande<br />

indústria se concentrou 2 .<br />

2 O CRESCIMENTO DAS CIDADES<br />

INDUSTRIAIS<br />

As cidades industriais tornaram-se símbolo do<br />

vigoroso crescimento capitalista verificado entre o pós-<br />

1 Proximidade de importantes mercados de consumo e/<br />

ou fontes de matéria-prima; condições razoáveis de<br />

transporte intra e interurbano; oferta de bons terrenos;<br />

pré-existência de núcleos menores de produção<br />

manufatureira, facilitando a oferta de mão-de-obra com<br />

alguma qualificação, etc.<br />

2 De acordo com Klink (2000), Marshall foi um dos<br />

primeiros a mostrar os efeitos positivos da aglomeração<br />

de indústrias em determinadas regiões geográficas. Entre<br />

as principais vantagens competitivas apontadas por ele<br />

estão: a constituição de uma “bacia de mão-de-obra”<br />

(“labor pooling”), reduzindo custos de procura por este<br />

tipo de fator de produção; a formação de redes densas de<br />

cooperação entre empresas fornecedoras e concorrentes,<br />

reduzindo custos de transação; a geração de externalidades<br />

tecnológicas (“spill overs”), propiciando a difusão de<br />

inovações, o que aumenta a produtividade e reduz custos.<br />

29


guerra e a década de 1970. Em parte, isto se explica<br />

pelo fato de elas terem concentrado as indústrias que formaram<br />

o núcleo dinâmico da segunda revolução industrial,<br />

sendo, portanto, área de investimentos das grandes<br />

empresas capitalistas, multinacionais e nacionais. Em<br />

muitas destas cidades, estruturou-se o tripé formado pelas<br />

indústrias de bens de consumo duráveis (automobilística<br />

e eletroeletrônica), bens de capital (especialmente a indústria<br />

de máquinas e equipamentos) e alguns segmentos<br />

estratégicos dos bens intermediários (química, petroquímica,<br />

aço, carvão).<br />

No interior das fábricas instaladas nas cidades<br />

industriais, reproduziu-se em larga escala o modelo da<br />

produção em massa. Como se sabe, as principais características<br />

desse modelo são: padronização de produtos,<br />

intercambialidade de peças e componentes, linha de<br />

montagem, forte controle de tempos e movimentos, rígida<br />

divisão do trabalho, hierarquia e elevados estoques. A<br />

combinação destes elementos resultou em acentuado<br />

crescimento da produção e da produtividade.<br />

ábricas de grande porte dominaram o ambiente<br />

urbano das cidades industriais. Produção em grandes<br />

montantes exigia grandes e pesadas plantas fabris, pois<br />

várias fases da produção seriam ali desenvolvidas. A<br />

magnitude das fábricas explicava-se também pela alta<br />

verticalização3 da produção, uma vez que elas produziam<br />

grande parte dos componentes dos produtos finais<br />

que seriam ofertados no mercado. Não raro fases da<br />

produção dos insumos eram ali também realizadas. De<br />

resto, era necessário manter estoques elevados de<br />

insumos e produtos finais, pois isto garantiria que<br />

eventuais oscilações de quantidade demandadas pelo<br />

mercado seriam rapidamente atendidas.<br />

Os altos níveis de produção requeriam, por sua<br />

vez, a contratação de grandes contingentes de força-detrabalho.<br />

Por isso, as cidades industriais atraíram levas de<br />

imigrantes de diferentes locais e mesmo países, o que<br />

acabou por dar a elas um caráter multirracial e heterogêneo.<br />

Constituiu-se a partir daí uma cultura industrial, moldada<br />

em costumes, tradições e “know how” característicos de<br />

cidades operárias. Nas cidades industriais, a socialização<br />

assentou-se na crença de que a mobilidade e o sucesso de<br />

indivíduos e grupos aconteceriam por meio do trabalho.<br />

3 Verticalização ocorre quando uma empresa controla<br />

diversas fases da cadeia produtiva, desde a extração da<br />

matéria-prima até o produto final.<br />

30<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

3 ALGUMAS CONTRADIÇÕES DA<br />

CIDADE INDUSTRIAL<br />

Rolnik (1998) afirma que “a indústria é ao<br />

mesmo tempo inferno e espetáculo”. É espetáculo, entre<br />

outros, porque, como vimos, possibilitou, por meio da<br />

imigração de pessoas das mais variadas origens, o surgimento<br />

de uma população heterogênea e o intercâmbio<br />

de diferentes culturas. Mas também, inferno, porque<br />

trouxe em seu bojo a semente da violência, da segregação<br />

e do conflito.<br />

Uma segunda contradição importante repousou<br />

no excessivo grau de dependência da cidade e de suas outras<br />

atividades (comércio, serviços, agropecuária) em relação<br />

à performance da grande indústria. Não seria equivocado<br />

afirmar que, quando a grande empresa industrial<br />

ia bem, a comunidade também progredia; se a grande<br />

empresa ia mal, a comunidade igualmente decaía. Em<br />

muitas das cidades industriais, isto acabou prejudicando<br />

processos de desenvolvimento em diversas áreas importantes,<br />

como o turismo e os serviços especializados.<br />

De modo análogo, foi precária a integração entre<br />

a grande empresa e os canais clássicos de inovações da<br />

comunidade, como as universidades, os centros de<br />

pesquisa e as associações profissionais. Em geral, as<br />

atividades de pesquisa e desenvolvimento da grande<br />

empresa multinacional ocorreram de modo hermético<br />

para a comunidade, isto é, aconteceram por dentro das<br />

próprias estruturas internas da empresa. Como conseqüência,<br />

foi baixo o grau de difusão das inovações sobre<br />

o restante da estrutura econômica da cidade. Isto, como<br />

se verá adiante, terá repercussões importantes quando<br />

da fase de crise e do debate das alternativas de retomada<br />

do desenvolvimento.<br />

As cidades industriais também foram palco de<br />

grandes conflitos sociais, que, nos países europeus e nos<br />

EUA, resultaram na estruturação de uma espécie de pacto<br />

social calcado em círculo virtuoso de prosperidade (mais<br />

produção, mais empregos, melhores salários, mais<br />

consumo, mais produção...) e em um conjunto de programas<br />

sociais de ajuda aos desempregados (seguro<br />

desemprego, previdência social etc.), que constituem o<br />

“Welfare State”. Vale dizer, os anos dourados foram<br />

também anos de melhoria da qualidade de vida das<br />

camadas mais pobres, ainda que em proporções não<br />

necessariamente iguais aos das camadas mais altas.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Todavia, nos países latino-americanos, este pacto,<br />

por diversas razões históricas, acabou não acontecendo,<br />

e o ciclo de crescimento, se representou geração postos<br />

de trabalhos, não significou crescimento do consumo<br />

generalizado. Nesses países, a produção em massa foi<br />

em parte destinada ao consumo das elites, e em parte às<br />

exportações (Dupas, 1999). Desta maneira, no caso de<br />

países como o Brasil, o crescimento não ajudou a resolver<br />

os problemas sociais. Ao contrário, agravou-os. Um<br />

desses problemas foi o crescimento do déficit habitacional<br />

e a conseqüente proliferação das favelas e cortiços<br />

(Chafun, 1997; Kovarick, 2000) acompanhada da<br />

expansão da violência urbana.<br />

Por último, embora não menos importante, foi a<br />

grave destruição do meio-ambiente das cidades industriais<br />

gerada pela grande empresa fabril: agressão às áreas verdes,<br />

contaminação do solo, poluição de ar e dos rios. Em realidade,<br />

a visão da cidade enquanto ecossistema só veio a<br />

acontecer recentemente, a partir dos anos 1970 (Alva,<br />

1997). Desde então, o ataque aos graves problemas ambientais<br />

passou a ser uma das prioridades dessas cidades,<br />

em seus esforços de revitalização (Marcondes, 1999).<br />

4 A CRISE DAS CIDADES INDUSTRIAIS<br />

A série de rápidas transformações em curso desde<br />

os anos 1970 alterou a lógica de valorização capitalista.<br />

O crescimento dos déficits fiscais, das taxas de inflação<br />

e da instabilidade econômica obrigou a mudanças<br />

profundas no sistema econômico. Como resposta à crise,<br />

diversos governos, em diferentes países, passaram a<br />

adotar políticas de redução do Estado na economia,<br />

desaceleração econômica, incremento de juros, abertura<br />

comercial e reestruturação produtiva nas empresas.<br />

Neste novo cenário, a lucratividade do setor industrial<br />

passou a ser freqüentemente inferior ao verificado<br />

na área financeira (Sassen, 1998). Como conseqüência<br />

dessa comparação de taxas e da instabilidade<br />

reinante do mercado, as empresas buscaram fugir dos<br />

riscos da “iliquidez” – ou seja, do capital na sua forma<br />

imobilizada em instalações e maquinários, ou na sua<br />

forma mutante em matérias-primas, insumos e força-detrabalho,<br />

ou ainda em elevados estoques de produtos<br />

acabados –, de modo a permitir ‘giros’ mais rápidos do<br />

capital. Assim, a meta a ser atingida em todas as áreas é<br />

a da flexibilização organizacional: focalização, desverticalização,<br />

enxugamento de fornecedores, trabalho<br />

temporário, just in time, entre tantas outras.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Este novo cenário mundial resultou em impactos<br />

importantes sobre as fábricas, e, por conseguinte, sobre<br />

a cidade industrial. Alguns dos impactos são bastante<br />

dolorosos, tais como o fechamento ou enxugamento de<br />

plantas fabris, os galpões industriais vazios por toda a<br />

cidade, o desemprego, a queda da qualidade de vida, o<br />

crescimento da violência urbana, a desvalorização imobiliária,<br />

o refluxo da imigração e a perda da arrecadação.<br />

Para exemplificar o quão dramáticas foram as<br />

mudanças econômicas das últimas décadas para a cidade<br />

industrial, são expostos agora alguns números relativos<br />

às três cidades industriais aqui mencionadas. Desde logo,<br />

chama-se a atenção para as similaridades dos processos<br />

de crise das regiões, ainda que sejam grandes suas<br />

diferenças em termos de trajetórias históricas, culturais<br />

e econômicas.<br />

Detroit foi, ao longo da maior parte do século<br />

XX, o centro da indústria automobilística americana. O<br />

Nordeste dos EUA – especialmente o quadrilátero<br />

formado pelas regiões dos grandes lagos (onde está<br />

situada Detroit, no Estado de Michigan), Baltimore,<br />

Nova York e Boston – chegou a ser conhecido como<br />

“Manufacturing Belt” (cinturão industrial), pois ali se<br />

concentrou grande parte da indústria mecânica pesada e<br />

uma importante indústria fornecedora de insumos<br />

básicos. No entanto, esta cidade vem, desde os anos<br />

1970, sofrendo grave esvaziamento industrial, econômico<br />

e populacional cujo determinante reside na perda de<br />

competitividade da indústria americana face os novos<br />

competidores internacionais, em especial o Japão.<br />

Empresas e população têm gradativamente migrado para<br />

o sul e oeste dos EUA (lórida, Texas, Califórnia), que<br />

por isto vem sendo chamada de “Sun Belt” (cinturão do<br />

sol). Havia, no início dos anos 1970, nos EUA, aproximadamente<br />

850 mil trabalhadores empregados na indústria<br />

automobilística de Detroit, enquanto, em 1982, o<br />

contingente caiu para 477.000. Devido à migração<br />

populacional para outras regiões do país, a cidade perdeu<br />

50% da população branca entre 1970 e 1980 (Thompson,<br />

1997). Em decorrência da redução dos investimentos<br />

nas plantas da região nordeste, e a conseqüente presença<br />

de diversos galpões vazios, aquela região vem sendo<br />

denominada de “Rust Belt” (cinturão da ferrugem).<br />

A Região do Vale do Ruhr, no Estado da Renânia<br />

do Norte-Westfalia, no oeste da Alemanha, constituiuse,<br />

desde o século XIX, como o maior centro da produ-<br />

31


ção do carvão, do aço e da metalurgia daquele país. No<br />

entanto, desde o final dos anos 1950, em razão do surgimento<br />

de fontes de energia mais limpas e econômicas,<br />

a região viu o emprego formal na extração de carvão<br />

cair de 470 mil para cerca de 100 mil ao final dos anos<br />

1990. A produção de aço da região também enfrenta<br />

um quadro bastante difícil, em virtude da competição<br />

internacional mais acirrada no setor nas últimas três<br />

décadas. Desde então a produção das siderúrgicas locais<br />

foi reduzida em 1/3 e o emprego no setor de aço caiu<br />

de 200 mil em 1960 para 110 mil no final da década de<br />

1990 (Klink, 1998).<br />

Núcleo da acumulação capitalista no Brasil, entre<br />

a segunda metade da década de 1950 e o início dos anos<br />

1980, a região do ABC agregou duas grandes cadeias<br />

produtivas: a indústria automotiva e a indústria petroquímica.<br />

No caso da produção automobilística, a região<br />

chegou a representar 85% da produção nacional de<br />

veículos, além de percentual significativo (em torno de<br />

20%) do parque produtor de peças e componentes automotivos,<br />

máquinas, equipamentos e eletroele-trônicos.<br />

Contudo, a descentralização da produção a partir dos<br />

anos 1980, a guerra fiscal, a abertura acelerada às<br />

importações, entre outros fatores, levaram a região a viver<br />

uma grave crise, especialmente nos anos 1990. Alguns<br />

indicadores são bastante expressivos neste sentido: a)<br />

segundo informações da Eletropaulo, entre 1989 e 1999,<br />

foram fechados cerca de 750 estabelecimentos industriais<br />

(entre grandes, médias e pequenas unidades) na região;<br />

b) de acordo com a RAIS, entre 1990 e 1999, foram<br />

eliminados 92.500 postos de trabalho na indústria de<br />

transformação do ABC; c) a pesquisa do DIEESE /<br />

SEADE chegou a apontar taxas de desemprego regional<br />

próximas de 20% em 2002; d) as taxas de crescimento<br />

populacional dos municípios de São Bernardo e Diadema<br />

que foram, respectivamente, de 9,36% e 20,4%, entre<br />

1960 e 1970, caíram para 3,41% e 1,28%, entre 1991 e<br />

1999; e) o Imposto sobre produtos industrializados (IPI)<br />

arrecadado em São Bernardo do Campo, que totalizou<br />

R$ 1,9 bilhões em 1989 e atingiu R$ 3,2 bilhões em 1994,<br />

caiu a partir daí até o patamar de R$ 1,6 bilhões.<br />

Os três casos evidenciam que a amplitude e<br />

duração dos problemas da cidade industrial não são mais<br />

apenas de caráter conjuntural, isto é, motivadas por<br />

retrações temporárias do nível de atividade – que são<br />

sucedidas, ciclicamente, por novas ondas de crescimento<br />

32<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

e prosperidade. A crise é profunda e persistente, exigindo<br />

da comunidade (autoridades locais, estaduais e nacionais<br />

e representantes da sociedade civil) uma intervenção<br />

incisiva, para a revitalização destas regiões.<br />

5 AS LUZES DA CIDADE GLOBAL E O<br />

ECLIPSE DA CIDADE INDUSTRIAL<br />

A mencionada crise da cidade industrial fez com<br />

que as “luzes” dessa cidade fossem aos poucos se apagando<br />

para os planejadores urbanos. Ao mesmo tempo,<br />

começam a luzir mais brilhantes os raios da “cidade<br />

global”. Em outras palavras, o fortalecimento do setor<br />

industrial deixou de ser para muitos o melhor caminho<br />

para a revitalização das cidades industriais.<br />

Antes, porém, de entrar nesta discussão quanto<br />

às melhores alternativas para as cidades industriais,<br />

convém apresentar rapidamente o conceito atual de<br />

cidade global. De modo geral, considera-se que cidade<br />

global é aquela que, por um conjunto de fatores, vem<br />

conseguindo inserir-se no fluxo de comércio e investimentos<br />

internacionais da nova era da globalização. Posto<br />

que esta fase do capitalismo tem sido comandada pela<br />

acumulação financeira e que ela ocorre simultaneamente<br />

às grandes transformações tecnológicas (Internet, telefonia<br />

celular, novos materiais), as cidades globais são aquelas<br />

que se tornam os centros financeiros, comerciais e do<br />

intenso fluxo de informações internacionais (Sassen,<br />

1998; Klink, 2000).<br />

Além disso, as cidades globais caracterizam-se<br />

também pela boa infra-estrutura logística (telecomunicações,<br />

aeroporto, estradas, rede de hotelaria, etc.),<br />

possibilitando aos capitais externos uma movimentação<br />

rápida pelos diversos cantos do planeta. As cidades<br />

globais são antes de tudo cidades homogêneas.<br />

Para muitos seriam cidades globais, entre outras,<br />

Nova York, Londres, Paris, rankfurt, Tóquio e Barcelona.<br />

Essas cidades “articulam economias globais”, ao exercer<br />

as funções básicas de direção, promoção, gestão, financiamento<br />

de investimentos e distribuição comercial, além<br />

de atuarem como centros de informação. Mas algumas<br />

cidades de países subdesenvolvidos têm também relevante<br />

significado econômico regional (Cidade do México,<br />

São Paulo, Buenos Aires, Rio de Janeiro) ou nacional<br />

(Lima, Bogotá, Santiago e Caracas), e portanto seriam<br />

também cidades globais, ainda que neste caso o conceito<br />

de globalidade represente domínios territoriais mais<br />

estreitos.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


6 A EMERGÊNCIA DO NOVO<br />

GERENCIAMENTO PÚBLICO: O<br />

“EMPRESARIAMENTO”<br />

Como visto anteriormente, a partir dos anos<br />

1970, ocorreram mudanças estruturais na economia<br />

internacional. A incapacidade dos Estados nacionais em<br />

formular respostas satisfatórias para os diversos problemas<br />

decorrentes destas mudanças levou à descrença em<br />

planejamentos macroeconômicos e, em contrapartida,<br />

ao crescente interesse pelas esferas regionais e locais.<br />

Hall (1988) e Harvey (1989) mencionam, a partir das<br />

experiências de países europeus e dos EUA, o surgimento<br />

e ampliação de uma nova forma de gestão pública das<br />

cidades (inclusive das cidades industriais): o “empresariamento”.<br />

A hegemonia desta linha de ação pública passou<br />

a ser tão grande que praticamente homogeneizou as<br />

políticas públicas locais, independentemente do matiz<br />

ideológico do governante, seja de esquerda, centro ou<br />

direita.<br />

Em grandes linhas, a gestão pública do empresariamento<br />

estabelece:<br />

a) a reversão de prioridades nos planos governamentais,<br />

com a eleição de novos setores e áreas<br />

como focos de atenção na estratégia de retomada<br />

do desenvolvimento local;<br />

b) a gestão pública da cidade em moldes semelhantes<br />

aos de uma empresa privada – isto é, a<br />

gestão pública passa a correr “riscos”, através da<br />

implementação de projetos estratégicos;<br />

c) uma política de marketing city, para “vender” a<br />

cidade aos investidores nacionais e internacionais;<br />

d) a ênfase na busca de coalizões entre os diversos<br />

atores públicos e privados que compõem a cidade<br />

– os conflitos tornam-se secundários;<br />

e) a conclamação para o surgimento de uma<br />

“identidade local”, capaz de unir diversos segmentos<br />

sociais em torno de interesses comuns.<br />

7 OS PROJETOS DE REVITALIZAÇÃO DAS<br />

CIDADES INDUSTRIAIS<br />

Tendo como pano de fundo a relativa hegemonia<br />

atual desta nova forma de gestão pública, cabe discutir<br />

agora qual o melhor caminho a seguir para revitalizar<br />

as cidades industriais. Muitos teóricos da questão urbana<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

sugerem para as cidades [industriais] a saída de “ajustarse<br />

aos novos tempos” do mercado. O que, em outras<br />

palavras, significa estruturar políticas e programas de tal<br />

monta que favoreçam a conexão dessas cidades à<br />

economia mundial de fluxos de comércio e investimento<br />

(Ohmae, 1996; Borja, 1997; Sassen, 1998). A cidade<br />

deveria ofertar-se como um dos nós da nova rede mundial.<br />

Para alguns, isto significa menos ênfase em preocupações<br />

no sentido de manter e revitalizar o parque industrial<br />

dessas cidades, e maior foco na atração de atividades<br />

comerciais e de serviços. Os projetos vão desde as estratégias<br />

de “city marketing” até a constituição de parques<br />

temáticos (que inclusive aproveitariam galpões vazios<br />

deixados pelas grandes indústrias) com o objetivo de<br />

desenvolver o turismo, e a concessão de incentivos à<br />

construção de grandes centros comerciais e financeiros<br />

(“shoppings”, hipermercados, atração de sedes de agências<br />

bancárias, telecomunicações etc).<br />

Um exemplo próximo desta visão de gestão<br />

pública foi a experiência do Prefeito Archer, em Detroit,<br />

nos meados da década de 1990. De acordo com<br />

Thompson (1997), Archer concentrou-se menos em<br />

preservar e atrair investimentos novos para a indústria<br />

automobilística na cidade, e mais em incentivar os empreendimentos<br />

no comércio, varejo e turismo. Assim,<br />

entre outros projetos, estavam as construções de um<br />

grande estádio de baseball e de futebol americano; de<br />

um museu de história afro-americana; de cassinos na<br />

cidade, a partir da legalização do jogo. Apesar disso, as<br />

evidências apontam para o fato de que esta estratégia<br />

não conseguiu reverter a imensa perda de postos de<br />

trabalho e de influência econômica e política da cidade.<br />

Uma experiência mais bem sucedida desta<br />

estratégia tem sido a do Vale do Ruhr (Klink, 1998).<br />

Com base na mobilização e aproximação de diversos<br />

atores sociais (Estado, setor privado, sindicatos e outros<br />

membros da sociedade civil) constituiu-se, inicialmente,<br />

uma agência de desenvolvimento regional, que teria a<br />

função de elaborar políticas de desenvolvimento<br />

econômico, “lobby” e “marketing” institucional. A partir<br />

das atividades da Internationale Bauausstellung Emscher<br />

Park – empresa que estabelece parcerias entre os atores<br />

–, montou-se um modelo de desenvolvimento sustentável,<br />

com projetos em áreas do tipo habitação, preservação<br />

do patrimônio histórico, escritórios, serviços e comércio.<br />

33


De modo geral, tanto em Detroit sob a gestão<br />

Archer quanto no caso do Vale do Ruhr, a saída para a<br />

revitalização da cidade foi buscada “fora” da indústria.<br />

Vale dizer, aceitou-se, implícita ou explicitamente, o<br />

diagnóstico de que aos poucos a função da cidade mudaria,<br />

passando esta a se caracterizar como cidade prestadora<br />

de serviços. E as soluções para o parque industrial – o<br />

processo de fechamento de unidades industriais e de<br />

empregos, a reestruturação organizacional e produtiva –<br />

deveriam ser deixadas para o livre funcionamento do<br />

mercado, ou como objeto de políticas públicas nacionais.<br />

Apesar dos eventuais sucessos deste ou daquele<br />

empreendimento, um problema que está na base deste<br />

tipo de visão é o da relativamente baixa capacidade de<br />

efeitos multiplicadores e encadeadores das atividades de<br />

comércio e serviços mencionados. A geração de demanda<br />

para eventuais cadeias de empresas fornecedoras e de<br />

renda para os empregados (na forma de empregos e<br />

salários) e para a comunidade em geral (na forma de<br />

arrecadação tributária) ainda parece bem aquém do<br />

proporcionado pela antiga atividade industrial. Isto,<br />

evidentemente, tem um reflexo direto sobre a capacidade<br />

de alavancagem econômica e social destes projetos.<br />

Por outro lado, há aqueles que defendem que o<br />

alvo principal das políticas públicas da cidade deve ser a<br />

revitalização da própria indústria local. Mas aqui também<br />

as estratégias se bifurcam. Há aqueles que propõem a<br />

geração de um ambiente propício às vantagens comparativas<br />

do lado da oferta, sobretudo através de medidas<br />

de concessão fiscais e trabalhistas para evitar a “evasão<br />

industrial” e para atrair novas empresas. Thompson (1997)<br />

relata experiência da mesma Detroit, nos anos 1980, os<br />

mais agudos de sua crise, em que a Prefeitura (gestão<br />

Coleman) e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria<br />

Automobilística (UAW) de Detroit optaram por este<br />

caminho, realizando vultosas reduções fiscais e sindicais4 (salários, benefícios e condições de trabalho). No entanto,<br />

a autora conclui que as medidas não alcançaram resultados<br />

minimamente aceitáveis.<br />

O equívoco desta via “inferior” (como denominou<br />

Sengenberger e Pike, 1999), reside, ao que parece,<br />

no fato de que desconsidera que os determinantes da<br />

1 Thompson (op. cit.) exemplifica com as concessões<br />

sindicais à Chrysler, em 1981, que resultaram num total<br />

de economia da ordem de US$ 673 milhões, incluindo<br />

corte salarial de US$ 1,15 por hora.<br />

34<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

crise industrial não residem propriamente nos altos<br />

impostos municipais ou estaduais, nem nos custos trabalhistas,<br />

e sim no profundo processo de reestruturação<br />

industrial, que inclui as novas formas de organização da<br />

produção e do trabalho, a concentração do capital, a<br />

racionalização de plantas e processos produtivos, entre<br />

outros.<br />

Uma segunda via, pregada por outro conjunto<br />

de autores – e no qual nos incluímos (Conceição, 2001)<br />

– é aquela que busca conjugar as políticas que visam<br />

atrair os investimentos do setor financeiro, do turismo e<br />

do comércio com um esforço mais eficaz no sentido da<br />

revitalização sustentável do parque industrial. Isto<br />

significa apoiar sistemas de parceria e cooperação entre<br />

as empresas intra e intercadeias produtivas (Scott, 2000);<br />

o estímulo à adoção de fontes de energia e processos<br />

produtivos ecologicamente aceitáveis; a escolarização e<br />

a requalificação da mão-de-obra; e as iniciativas que vão<br />

ao encontro dos movimentos de reestruturação industrial<br />

em curso, tais como o estímulo à criação local – e, portanto,<br />

retenção da geração de renda na própria região –<br />

de empresas para atender os serviços industriais que a<br />

grande indústria está repassando a fornecedores terceiros,<br />

tais como logística, manutenção, pintura, engenharia,<br />

processamento de dados, alimentação etc.<br />

Ressalve-se que todos os caminhos alternativos<br />

apontados acima são compatíveis com uma série de<br />

projetos sociais complementares que já vêm sendo<br />

implementados por algumas destas regiões, objetivando<br />

minimizar os efeitos mais perversos da crise de emprego.<br />

Podem ser citados o apoio ao micro-crédito, o<br />

estímulo à formação da autogestão e cooperativas de<br />

trabalhadores, o apoio à escolarização e requalificação<br />

da mão-de-obra, as frentes de trabalho associadas aos<br />

programas públicos de obras em infra-estrutura educacional,<br />

saneamento básico, entre outros.<br />

Para finalizar, cabe dizer que a revitalização das<br />

cidades industriais ainda é um processo em aberto. Não<br />

se pode afirmar ainda que este caminho é melhor do que<br />

aquele. Mas seguramente a melhor alternativa será aquela<br />

que diagnostique melhor os elementos da crise e<br />

evidencie com clareza as opções em jogo. E é muito<br />

provável que também seja aquela em que os diversos<br />

atores sociais consigam, de modo negociado, inserir e<br />

perceber nela o atendimento de suas demandas. Qualquer<br />

que seja a escolha há evidências de que as “livres forças<br />

de mercado” estão longe de se constituir como o caminho<br />

ideal para as cidades industriais.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


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* Economista formado pela URJ, Mestre em<br />

Administração pelo IMES, doutorando em<br />

Sociologia pela USP e técnico do DIEESE.<br />

35


36<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


RESUMO: Este artigo apresenta opiniões históricas e<br />

sociológicas a respeito do Grande ABC, em particular,<br />

de Diadema. Na primeira parte faz-se uma recuperação<br />

histórica das nações indígenas e dos negros na produção<br />

de riquezas em nível nacional, na resistência e na<br />

acumulação de forças contra a dominação européia. A<br />

marca dessa dominação resultou em massacres de milhões<br />

de seres humanos sob o modelo agro-exportador. Na<br />

segunda parte são feitas algumas reflexões sobre a história<br />

do movimento operário do ABC, como instrumento de<br />

acúmulo de forças no período da industrialização, do<br />

modelo substituição de importações e do modelo<br />

monopolista dependente associado. Essa dependência<br />

subordinou-se, nas últimas décadas, ao monopólio das<br />

transnacionais sob a lógica da tirania do dinheiro e das<br />

informações. O movimento operário da região se<br />

constitui a partir das reivindicações econômicas e das<br />

lutas políticas do anarco-sindicalismo, da hegemonia<br />

comunista na esquerda e do chamado sindicalismo<br />

combativo, que dá origem ao PT e à CUT. O objetivo<br />

desse resgate é o de compreender melhor algumas<br />

determinantes histórico-sociológicas, dos “de baixo” na<br />

perspectiva de uma possível continuidade na construção<br />

do sonho de liberdade ou do poder popular. Se existe ou<br />

não um fio condutor entre os lutadores do passado para<br />

o presente e que possa alimentar sonhos futuros. Seja<br />

das nações indígenas, dos negros contra a discriminação<br />

étnica, dos trabalhadores livres e dos movimentos sociais<br />

ou da “democracia participativa”.<br />

ABSTRACT: This article presents historical and<br />

sociological opinions about the so-called “Grande ABC”<br />

area and, more specifically, about Diadema. In the first<br />

part of it, a historical recovery of the indigenous nations<br />

and of the black people in the production of wealth at<br />

the national level, as well as in the resistance and in the<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

O SENTIDO DA HISTÓRIA: EM BUSCA DO PODER POPULAR<br />

JOSÉ ALONSO KLEIN*<br />

accumulation of forces against the European domination<br />

is made. Such domination resulted in the massacre of<br />

millions of human beings under the agricultural-exporting<br />

model. In the second part of it, some reflections about<br />

the history of the movements of the working classes of<br />

the ABC area as an instrument for the accumulation of<br />

forces in the period of the industrialization of the country<br />

and of the substitution of the importation model – and<br />

the depending monopolist model associated to it – are<br />

made. Over the last decades, such dependence has<br />

become subordinated to the monopoly of the transnational<br />

companies under the logic of the tyranny of<br />

the capital and of the information. The social movements<br />

of the working classes of the area has been constituted<br />

from the economical demands and the political struggle<br />

of the anarchic-syndicalism, from the communist<br />

hegemony in the left and from the so-called fighting<br />

syndicalism, which have originated the PT (Brazilian<br />

Labor Party) and the CUT (Brazilian Central Union of<br />

the Workers). The objective of such historical rescue is<br />

to better understand some decisive historical-sociological<br />

conditions, from “the lower ones” in the perspective of<br />

a possible continuity in the construction of the dream<br />

of freedom or of the popular power. Whether there is a<br />

common line uniting the fighters of the past and those<br />

of the present, and if so whether it may nurture future<br />

dreams. Be it from the indigenous nations, from the black<br />

people against segregation, from free workers and social<br />

movements or from the “participating democracy”.<br />

PALAVRAS-CHAVE: acúmulo de forças, resistência,<br />

poder popular dos “de baixo”.<br />

KEYWORDS: accumulation of forces, resistance,<br />

popular power of “the lower ones”.<br />

37


1 O SENTIDO DA HISTÓRIA – OS “DE<br />

BAIXO” CONSTROEM SONHOS DE<br />

LIBERDADE E DE PODER POPULAR<br />

“A nação é levada a pensar-se por seus<br />

intelectuais, artistas, líderes, grupos, classes, movimentos<br />

sociais, partidos políticos, correntes de opinião pública<br />

(...) Ao pensar o presente, são obrigadas a repensar o<br />

passado, buscar e rebuscar continuidades, rupturas e<br />

inovações. Mesmo quando pretendem o futuro, são postas<br />

a pensar outra vez o passado, acomodá-lo ao presente,<br />

ou até mesmo transformá-lo em matriz do devir”<br />

(IANNI, 1992, p. 7 e 8).<br />

O artigo em debate refere-se ao primeiro capítulo<br />

da dissertação de Mestrado em Administração de Klein<br />

(2002), que pesquisou sobre o tema: O poder popular –<br />

democracia participativa em Diadema. A partir da<br />

colonização brasileira até os dias de hoje, todas as<br />

transições políticas do Estado foram feitas de cima para<br />

baixo, conhecidas como “transições pelo alto”. Os pobres<br />

foram, ao longo dessa História, os responsáveis pela<br />

extração ou produção de riquezas. Os índios e negros na<br />

mineração e na agricultura (1500 a 1888), os<br />

trabalhadores “livres”, na agricultura e na industrialização<br />

(1889 a 2002). No entanto, em nenhum momento, os<br />

“de baixo” ocuparam o poder central da nação brasileira<br />

porque a correlação de forças objetiva e subjetiva em<br />

poucas oportunidades esteve a seu favor.<br />

Talvez uma única possibilidade histórica objetiva,<br />

nesse sentido, tenha-se apresentado, em 1964, a partir<br />

do golpe militar. A classe dominante usou a força militar<br />

nacional e internacional, contou com o reforço dos EUA<br />

e das multinacionais para derrubar o governo brasileiro<br />

que se propunha realizar reformas de base. Naquele<br />

período, havia o espaço revolucionário tanto para a<br />

burguesia “nacional” quanto para a esquerda sob<br />

hegemonia do PCB. Segundo lorestan ernandes<br />

(1986), a burguesia preferiu abrir mão do projeto nacional<br />

e “associar-se” ao capital mundial. O PCB se omitiu de<br />

fazer a luta contra o golpe militar, enquanto outras<br />

dezenas de forças, guerrilhas urbanas e rurais<br />

minoritárias, reagiram e foram aniquiladas ao longo das<br />

resistências contra o regime. Em períodos anteriores da<br />

História do Brasil, houve outras lutas importantes dos<br />

“de baixo”: a Confederação dos Tamoio, o Quilombo<br />

dos Palmares; da Guerra de Canudos; do Contestado,<br />

entre outras, também todas aniquiladas pela classe<br />

dominante brasileira. Para contextualizar esse período<br />

38<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

histórico, são indicados os principais tópicos dos modelos<br />

capitalistas de produção: o modelo “agro-exportador”<br />

(1500 a 1930), o modelo de “substituição de importações”<br />

(1930 a 1964) e o modelo “monopolista dependente<br />

associado” (1964 a 2002). O atual modelo está<br />

em crise somente do ponto de vista “associado”. Segundo<br />

Santos (2001), a tirania do dinheiro e a tirania das<br />

informações são de imposição via motor único da maisvalia<br />

universal.<br />

Em nível internacional, o sistema social do<br />

chamado “socialismo real” até 1989 fazia o contraponto<br />

ao capitalismo, mesmo que questionável em vários<br />

aspectos, mas segurava a ferocidade do livre mercado<br />

em grande parte do mundo. Após a “queda do muro de<br />

Berlim”, o mundo ficou quase livre de barreiras para o<br />

fluxo internacional do capital. As razões da falência do<br />

Estado soviético são várias, porém a que mais interage<br />

com o objeto de estudo da referida dissertação de Klein<br />

é o aspecto da exclusão dos sovietes (conselhos<br />

populares) do poder frente ao Estado burocrático. No<br />

Estado soviético, os “de baixo” também ficaram<br />

excluídos do poder real, deixou de ser poder do<br />

proletariado, embora tenha sido resultado de uma<br />

revolução de baixo para cima. Na atualidade, os<br />

militantes que se referenciam no ideário socialista estão<br />

avaliando o Manifesto do Partido Comunista (Marx e<br />

Engels, 1848) após 150 anos da sua existência. Percebese<br />

um esforço de vários autores para atualizar as<br />

discussões de Marx e Engels. Avalia-se, por exemplo,<br />

que algumas experiências revolucionárias de alguns países<br />

latino-americanos, a exemplo de Cuba, ocorreram no<br />

sentido da libertação nacional, em primeiro momento e<br />

no sentido da emancipação da classe trabalhadora, em<br />

segundo momento.<br />

Em seu projeto político, “O modo petista de<br />

governar”, o PT apresenta diferenças em sua prática<br />

administrativa de município para município. Contribuições<br />

teóricas de vários autores indicam que existem<br />

divergências quanto aos resultados práticos e de<br />

concepção deste modo participativo de governar. Em<br />

princípio, as políticas públicas locais apontam priorização<br />

na infra-estrutura e na área social para recuperar a autoestima<br />

da população e para garantir os direitos básicos<br />

dos cidadãos. Porém, esta priorização teórica apresenta<br />

problemas frente às políticas neoliberais que forçam o<br />

enxugamento do Estado em função das políticas fiscais<br />

do MI e dos banqueiros. Em conseqüência da<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


diminuição de recursos para a área social, apresentamse<br />

maiores demandas de direitos não atendidos pelas<br />

administrações e cresce a cobrança dos movimentos<br />

sociais no ABC e no país.<br />

1.1 Escravidão de índios e negros – resistências e<br />

massacres durante o modelo agro-exportador<br />

Mesmo pouco povoada, a região do ABC possuía<br />

trabalho escravo de índios e de negros, havendo uma<br />

variação quantitativa entre os diferentes momentos<br />

históricos da ocupação geográfica e de produção.<br />

Monteiro, no II Congresso de História do Grande ABC,<br />

faz uma caracterização do trabalho escravo na região<br />

até ao final do século XVIII. Segundo o autor, enquanto<br />

presença na população e enquanto estrutura de produção<br />

de riquezas, o ator principal foi o índio nesse período.<br />

Karaí-Mirim, representante dos índios guaranis nesse<br />

Congresso, avaliou a situação dos mesmos, que, segundo<br />

ele, em muitos casos eram amarrados ao canhão e ali<br />

explodiam para servirem de exemplo à população<br />

restante. Só com o passar do tempo que se começou a<br />

adotar uma outra prática, salvar o corpo do índio porque<br />

ele era necessário como escravo. José de Souza Martins,<br />

também nesse Congresso, apontou como grande<br />

problema a falta de democracia das informações sobre a<br />

escravidão na região. Segundo Martins, a documentação<br />

do mosteiro de São Bento contém muitas informações<br />

ricas a respeito do assunto, porém pouca gente tem<br />

acesso. Em 1730, havia 17 escravos na região; em 1886,<br />

o número aumentou para mais de 50. A maior concentração<br />

de escravos (índios e negros) durante os séculos<br />

XVII e XVIII se deu nas fazendas Tijucussu e São<br />

Bernardo, dos beneditinos, atuais cidades de São Caetano<br />

e São Bernardo do Campo. No século XIX, com a<br />

redução do número de abades beneditinos e o aumento<br />

do tributo sobre o preço do escravo, houve uma<br />

aproximação dos abades com os escravos e aos poucos<br />

foi definhando esse tipo de trabalho. Segundo Iokoi<br />

(2001, p. 88), dois motivos básicos forçaram os beneditinos<br />

a acabar com a escravidão nas suas fazendas: a<br />

pressão moral muito forte contra a igreja, e a revolta dos<br />

escravos da fazenda de São Caetano. Tudo indica ter<br />

sido essa a primeira greve de trabalhadores da região<br />

(1870). Os escravos conheciam bem o trabalho rural e<br />

não conheciam o trabalho urbano; na exigência dos<br />

senhores sobre o trabalho semi-industrial, os escravos<br />

organizaram sua rebeldia.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

A partir de 1870, espalhou-se em todo o estado<br />

a fuga em massa que, aos poucos, desorganizou o<br />

trabalho escravo nas fazendas. A necessidade de força<br />

de trabalho na cidade de São Paulo e depois em outras<br />

cidades fez com que os fugitivos, em alguma medida,<br />

fossem contratados no trabalho urbano. Porém, a<br />

maioria dos ex-escravos não tinha para onde ir após a<br />

Lei Áurea de 1888, dando origem aos grandes bolsões<br />

de negros excluídos na periferia das cidades (favelas).<br />

Padre Bartolomeu de Las Casas responsabilizou<br />

os espanhóis pelo genocídio de 40 milhões de índios em<br />

60 anos na América. No quadro das divergências dos<br />

estudos “clássicos” sobre a população indígena do<br />

Continente Americano, os números variam entre 8,4<br />

milhões a 40 ou 50 milhões. No Brasil essas divergências<br />

numéricas variam entre 3 a 5 milhões de habitantes. No<br />

mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes, Curt<br />

Nimuendaju (In Ribeiro, 1984) registrou que havia 1400<br />

tribos pertencentes a 40 famílias lingüísticas. Na soma<br />

dos países: Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, segundo<br />

Pierre Clastres, havia cerca de 1.404 milhões de guaranis<br />

quando os europeus aqui chegaram.<br />

Os índios recebiam o batismo em troca da<br />

“liberdade”, aliados aos jesuítas para produção agrícola<br />

e do governo como força militar para expulsar invasores<br />

não portugueses, além de sustentar a dependência<br />

econômica dos colonos. Impôs-se a eles os costumes<br />

europeus em substituição da liberdade nativa, em nome<br />

do cristianismo e da civilização. Os colégios dos padres<br />

jesuítas que catequizavam em língua tupi na Bahia, São<br />

Paulo e Rio de Janeiro eram os instrumentos principais<br />

dessa aculturação. Ribeiro (1984) conclui que as derrotas<br />

dos índios da América se devem à desunião entre as<br />

diferentes tribos, além da inferioridade técnica de seus<br />

instrumentos de resistência contra os invasores<br />

portugueses e espanhóis. A única resistência significativa<br />

que se apresentou foi a Confederação dos Tamoio, que<br />

foi dizimada.<br />

Segundo ernandes (In Ribeiro, 1984), a resistência<br />

dos índios contra dominação portuguesa tinha<br />

três alternativas básicas: a expulsão do invasor pela<br />

força; a subordinação na condição de aliado como<br />

escravo e/ou a fuga para áreas inatingíveis. Ribeiro<br />

avalia que os índios trouxeram para a sociedade atual<br />

lições de respeito sobre a integridade da natureza e da<br />

democratização das relações humanas e de propriedade.<br />

Para Karaí-Mirim (2000, p. 27), a escravidão dos índios<br />

39


sobreviventes ainda não acabou. Segundo ele, o velho<br />

conquistador foi apenas substituído por um novo.<br />

Oficialmente, havia 900 nações indígenas quando os<br />

europeus chegaram aqui. Dessas, foram massacradas 720<br />

nações. Na atualidade há em torno de 180 nações.<br />

rancisca Severino (2001, p. 339 e 340), em sua análise<br />

da situação dos índios do Brasil, chega a uma conclusão<br />

semelhante à dos autores anteriores. Assim como no<br />

passado, o sistema de violência continua contra as nações<br />

indígenas brasileiras. No passado prevaleciam a “civilização”<br />

e a “cristianização”, em nome do ouro e de outras<br />

riquezas naturais. Atualmente, em nome de “salvar o<br />

pulmão do mundo”, das reservas da biodiversidade,<br />

porém do lucro internacional sob outro império, não mais<br />

o inglês, agora o norte-americano, além de outros<br />

interesses estratégicos, a privatização das águas, o<br />

domínio geopolítico, entre outros. Em nome do “desenvolvimento”<br />

nacional, a manipulação política e a<br />

transformação das reservas agricultáveis que se salvaram<br />

até aqui estão na mira dos negócios internacionais.<br />

A revista Cultura Negra (2000) registrou que os<br />

negros vieram substituir os índios, esses avaliados pelos<br />

portugueses como indolentes e avessos ao trabalho escravo.<br />

Durante os mais de 300 anos de escravidão no Brasil<br />

(séc. XVI a XIX), sob o “modelo agro-exportador”, foram<br />

trazidos da África entre 3 e 13 milhões de negros para o<br />

trabalho escravo. Essa disparidade numérica se deve<br />

principalmente ao fato de que a elite fez a tentativa de<br />

apagar da História a prática do tráfico e da escravidão<br />

brasileira. Rui Barbosa, Secretário de Estado de Negócios<br />

da azenda e Presidente do Tribunal do Tesouro<br />

Nacional, baixou um decreto (14/12/1890) para “limpar”<br />

a marca da escravidão frente aos outros países e de sua<br />

própria população. Já que a escravidão havia oficialmente<br />

terminado em 1888, deveria destruir todos os vestígios<br />

que ficaram por honra da pátria, e mandou queimar todos<br />

os documentos referentes ao assunto.<br />

Segundo Moura (1988), houve várias formas de<br />

resistência contra a escravidão no Brasil. Os negros<br />

resistiram na organização dos quilombos, com destaque<br />

ao Quilombo dos Palmares, entre outras formas de luta<br />

com alta capacidade de organização. Essa resistência dos<br />

negros se caracterizou no sentido de preservar crenças,<br />

valores culturais, alforrias, valores materiais, cultos e pelo<br />

fim da escravidão. Segundo Moura, os quilombolas<br />

dominavam estradas e áreas de terra do Pará ao Rio<br />

Grande do Sul. rancisca Severino (2001, p. 343 e 345)<br />

40<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

denunciou a violência da escravidão. Além de ter feito<br />

do negro um mero instrumento de trabalho, à força, ele<br />

foi dominado na sua cultura, na sua subjetividade antropológica,<br />

o que caracteriza uma dominação estrutural<br />

totalitária (física e espiritual) e a pior das violências contra<br />

segmentos sociais. O desafio de desfazer-se da discriminação<br />

contra o negro hoje é de recuperar a sua identidade,<br />

sem aceitar a inferiorização que se perpetua no sistema<br />

social brasileiro ao longo dos últimos quinhentos anos.<br />

1.2 Operários do Grande ABC – acumulação de<br />

forças frente ao modelo “substituição de<br />

importações” e ao modelo “monopolista<br />

dependente associado”<br />

O movimento operário no ABC iniciou-se junto<br />

ao movimento grevista do país, nas cidades mais industrializadas<br />

a partir do dia 1º de Maio de 1906. Nesse<br />

mesmo ano, realizou-se a primeira greve de assalariados<br />

da região na fábrica Ipiranguinha. A empresa empregava<br />

500 trabalhadores, dos quais 150 tecelões que realizaram<br />

uma greve de um mês. Depois do fechamento temporário<br />

da empresa, de muitas agressões policiais e da ameaça<br />

de demissões por parte dos patrões, os trabalhadores<br />

voltaram ao trabalho. Essa greve foi debatida no Primeiro<br />

Congresso Operário Brasileiro de 1906. Nesse congresso<br />

foi substituída a idéia de sindicatos por ofício pelo sistema<br />

federativo de sindicatos ou sociedades de resistência de<br />

diferentes categorias do operariado, garantindo autonomia<br />

aos mesmos.<br />

Em 1908, a recessão econômica no Brasil fez<br />

com que o movimento grevista operário surgido desde<br />

1901 sofresse um refluxo significativo com a crescente<br />

onda de desemprego. Nesse mesmo ano, segundo Iokoi<br />

(2001), uma organização de orientação anarquista, a<br />

União Internacional dos Canteiros de Ribeirão Pires, se<br />

destacou como melhor organização operária do ABC,<br />

inclusive durante toda a Primeira República. Entre 1909-<br />

1912 houve um refluxo do movimento operário devido<br />

à crise econômica e a partir de 1913-1914 houve uma<br />

retomada significativa das lutas operárias que marcaram<br />

seu apogeu entre 1917-1919. Os canteiros das pedreiras<br />

de Ribeirão Pires mantiveram-se na militância permanente<br />

no operariado organizado com estreitos vínculos<br />

com o anarquismo. Esses militantes marcaram presença<br />

importante nos congressos operários nacionais entre 1913<br />

e 1920. A greve dos trabalhadores de São Paulo em julho<br />

de 1917, no ano da Revolução Russa, marcou a história<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


de grandes greves brasileiras. A industrialização brasileira<br />

de grande porte se iniciou em 1889. Segundo Iokoi (2001)<br />

esse processo tardio e recente do desenvolvimento<br />

industrial fez com que o empresariado e as<br />

autoridades brasileiras não soubessem como enfrentar o<br />

problema das greves, quase sempre encaradas como caso<br />

de polícia e não como um problema social.<br />

Munakata (1981) conclui que o Estado assumia<br />

o papel de interventor nas relações capital e trabalho, a<br />

favor do capital, entre 1889-1930. Embora na época<br />

prevalecesse para os liberais e também para os anarcosindicalistas,<br />

a não-intervenção do Estado nessas relações.<br />

Os liberais porque entendiam o papel do Estado<br />

apenas para algumas questões sociais e não na economia<br />

em geral. Para os anarquistas, por ignorarem a necessidade<br />

da existência de qualquer instituição, as negociações<br />

trabalhistas tinham que acontecer de forma direta<br />

entre patrões e trabalhadores. No ano de 1917, uma<br />

greve deflagrada pelos trabalhadores da ábrica<br />

Cotonifício Crespi tornou-se quase geral em São Paulo,<br />

atingindo 45.000 trabalhadores. O estopim desta greve<br />

foi o assassinato do sapateiro Antonio Martinez, baleado<br />

pela orça Pública (09/07/17), em repressão à greve<br />

deflagrada contra o prolongamento do trabalho noturno<br />

de 2.000 trabalhadores. O enterro de Martinez foi acompanhado<br />

por aproximadamente 10.000 operários.<br />

Em meados de 1918, os trabalhadores do ABC<br />

criaram a União Operária de São Bernardo do Campo,<br />

uma composição de várias categorias: trabalhadores da<br />

construção civil, metalúrgicos, químicos e mobiliários,<br />

dentre outros. Suas principais bandeiras de luta foram:<br />

redução da jornada de trabalho e o fim da Primeira Guerra<br />

Mundial. O movimento grevista continuou mais forte<br />

em abril de 1919, com a paralisação dos trabalhadores<br />

da iação Ipiranguinha, que já lutavam contra a jornada<br />

do trabalho noturno. Os trabalhadores foram intensamente<br />

perseguidos no final de abril. Nesse contexto, os<br />

dirigentes prepararam o dia 1º de Maio, contando com a<br />

participação da União Operária. No dia 5 de maio, os<br />

trabalhadores faziam uma passeata, quando pararam em<br />

frente à fábrica de móveis Streiff, em Santo André. Um<br />

dos líderes da União Operária, Constantino Castelani,<br />

foi friamente assassinado pelas forças policiais quando<br />

subia num caixote para iniciar um discurso. A União<br />

Operária foi duramente reprimida e desorganizada, seus<br />

dirigentes foram presos, sua sede foi invadida pela polícia,<br />

a partir da greve de 1919. Mesmo assim, continuou sendo<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

uma importante referência política, por isso deveria ser<br />

reorganizada para continuar a mobilização dos trabalhadores.<br />

Os grevistas continuaram sua luta, mesmo sem<br />

poder contar com a União Operária. Em outubro de<br />

1919, os trabalhadores da Light Power realizaram uma<br />

greve em todo o estado, inclusive no ABC. Munakata<br />

(1981) observou que em 1919, no Tratado de Versalhes,<br />

foi assinado, entre os países em guerra, o acordo do fim<br />

da I Guerra Mundial e entre outras deliberações foi criada<br />

a OIT (Organização Internacional do Trabalho).<br />

Em 1922, os trabalhadores das pedreiras de<br />

Ribeirão Pires, os mais combativos da época, obtiveram<br />

vitórias em melhorias salariais e trabalhistas contra os<br />

patrões. O sindicalismo libertário mantinha um vínculo<br />

articulado de lutas com as organizações populares. Os<br />

sindicalistas distribuíam panfletos à população, recomendando<br />

o não consumo dos produtos das fábricas que<br />

reprimiam e demitiam trabalhadores, dando o nome dos<br />

patrões e esclarecendo o motivo do boicote. Nesse período<br />

histórico, o movimento popular marcou presença<br />

nas intensas lutas contra a carestia, além de apoiar concretamente<br />

as lutas operárias. Entre 1917 e 1920,<br />

ocorreram cerca de 156 greves em São Paulo, enquanto<br />

entre 1920 e 1940 apenas ocorreram 127. Artur Bernardes<br />

a partir de 1924 e o “Estado Nacional” forte de Getúlio<br />

Vargas a partir de 1930 atrelaram a estrutura sindical ao<br />

Estado. Com a tomada do governo por Vargas em 1930, o<br />

capitalismo deixou de ser, na sua essência, rural para tornarse<br />

hegemonicamente urbano e industrial (CEDI, 1987, p.<br />

48-55). Martins (2000, p. 65) observou que o governo de<br />

Vargas estava de olho na região do ABC por uma questão<br />

estratégica nacional, particularmente através da indústria<br />

de interesse militar.<br />

O sindicalismo de Estado, em meio à crise do<br />

capitalismo internacional de 1929, mudou a relação entre<br />

as classes sociais no Brasil. A estrutura sindical começou<br />

a viver um dilema: enquanto crescia o movimento operário<br />

com a industrialização do país, o Estado centralizado<br />

exercia uma nova forma de dominação de classe. Getúlio,<br />

inspirado no fascismo italiano, criou uma política sindical<br />

corporativista. Criou também o Ministério do Trabalho,<br />

a Justiça do Trabalho e a CLT (Consolidação das Leis<br />

Trabalhistas), com o objetivo de conter os conflitos entre<br />

as classes. Essas mudanças no campo político e econômico<br />

da conjuntura nacional e internacional repercutiram<br />

com muita força no ABC. No início dos anos 1930, o<br />

sindicalismo oficial marcou o fim do sindicalismo liber-<br />

41


tário na região. Em relatos do CEDI (1987) consta que<br />

os sindicatos oficiais, a criação do imposto sindical, o<br />

dissídio individual nas causas trabalhistas facilitaram o<br />

surgimento dos chamados sindicatos “pelegos”.<br />

O dia 1º de Maio, dia internacional de lutas, foi<br />

aprovado como feriado nacional por Getúlio e passou a<br />

ser o dia de grandes concentrações de trabalhadores nos<br />

estádios de futebol para anunciar as novas medidas<br />

sindicais e trabalhistas do governo. Em 1928, militantes<br />

do PCB (Partido Comunista Brasileiro), com medo das<br />

perseguições policiais, reuniam-se no mato em São<br />

Bernardo do Campo, na tentativa de reconstruir e oficializar<br />

a União Operária, com o novo nome “Sindicato de<br />

Ofícios Vários”. Após dois anos de abaixo-assinados e<br />

mobilizações, o Ministério do Trabalho negou o pedido<br />

alegando tratar-se de sindicatos que representariam mais<br />

do que uma categoria. O anarco-sindicalismo no ABC<br />

também persistia na reconstrução da COB (Confederação<br />

Operária Brasileira); não tendo mais espaço<br />

político para sindicatos independentes, a idéia foi aniquilada<br />

pelo sindicalismo oficial. O primeiro sindicato oficial<br />

a surgir no ABC foi o Sindicato dos Marceneiros, cuja<br />

comissão organizadora foi escolhida em outubro de 1932.<br />

O segundo foi o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo<br />

André, que na época formava município único com São<br />

Bernardo do Campo. Em 1947, Armando Mazzo, militante<br />

do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, foi<br />

eleito primeiro prefeito operário comunista do país,<br />

cassado dias antes da sua posse junto com treze vereadores<br />

comunistas daquela cidade. O PCB, embora fundado<br />

em 1922, organizou-se no ABC em 1925 e passou a<br />

assumir papel de direção do movimento operário em<br />

1932. Sua concepção política global era de apoio ao<br />

projeto populista de frente ampla da classe trabalhadora<br />

em sintonia com a burguesia nacional.<br />

A Igreja, através da JOC (Juventude Operária<br />

Católica), organizou-se na região a partir de 1945, com a<br />

criação da Diocese de Santo André; a vinda do bispo D.<br />

Jorge Marcos reforçou a luta dos trabalhadores do ABC.<br />

No meio da militância católica, havia também pelegos,<br />

inclusive integralistas que tinham sua sede com o nome<br />

“Sociedade de Socorro Mútuo Italiano”, na Avenida<br />

Marechal Deodoro, em São Bernardo do Campo,<br />

conhecida como o “Partido da Marechal”. Com a<br />

implantação do Estado Novo, em 1937, Getúlio mudou<br />

as regras da estrutura sindical, perseguiu e prendeu<br />

vários líderes de esquerda. Quase fechou as portas dos<br />

42<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

sindicatos, funcionando sob comando policial e com<br />

direções conservadoras. Somente em 1942 foram retomadas<br />

as lutas sindicais. O Sindicato dos Metalúrgicos,<br />

sob a presidência de Marcos Andreotti, dividia sua sede<br />

com várias outras categorias. Em 1935, aconteceu uma<br />

das lutas mais importantes do período, a greve na Pirelli,<br />

que se alastrou para outras categorias e resultou em<br />

ganhos parciais. Para não deixar de lado a idéia de unificar<br />

as forças no ABC, uma vez que a legislação trabalhista<br />

proibia organizações entre as categorias, os trabalhadores<br />

metalúrgicos, químicos, da construção civil, borracheiros<br />

e mobiliários organizaram uma Cooperativa de Consumo<br />

como instrumento de resistência contra a imposição do<br />

Estado. Em 1943, na comemoração do 1º de Maio, uma<br />

imensa manifestação de trabalhadores no estádio do<br />

Pacaembu exigia a redemocratização do país. Nesse dia,<br />

Getúlio anunciou a CLT, enquanto os cartazes exibidos<br />

pelos trabalhadores exigiam liberdade sindical, aumento<br />

salarial, eleições diretas para presidente da República e<br />

anistia aos presos políticos (entre outros, Luís Carlos<br />

Prestes).<br />

Em 1944 e 1945, as lutas se intensificavam<br />

contra o nazi-fascismo e pela anistia aos sindicalistas; o<br />

movimento sindical levantou a bandeira de uma<br />

Assembléia Constituinte e pela legalidade dos partidos<br />

políticos, inclusive do PCB. Em 1945, com o fim da<br />

ditadura Vargas, os trabalhadores deflagraram várias<br />

greves no país: funcionários públicos, bancários,<br />

estivadores, motoristas. Depois de um conjunto de lutas<br />

no ABC e no país pelas liberdades democráticas, Getúlio<br />

anunciou eleições gerais em 90 dias a partir de 28 de<br />

fevereiro de 1945. Em 18 de abril do mesmo ano foi<br />

decretada a anistia aos presos políticos e, no mesmo mês,<br />

os trabalhadores criaram o Movimento Unificador dos<br />

Trabalhadores (MUT). A bandeira principal do MUT era<br />

o fim do imposto sindical, defendido pelos sindicalistas<br />

que voltaram da prisão. Contra a vontade de parte<br />

expressiva dos sindicalistas combativos e todas as<br />

lideranças dos sindicatos “pelegos”, a proposta foi<br />

enterrada em menos de um ano e o MUT se desarticulou.<br />

O PCB saiu fortalecido do processo, Luís Carlos Prestes,<br />

após 9 anos de prisão, realizou grandes comícios no ABC,<br />

reforçando o partido.<br />

A CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores<br />

do Brasil) que havia sido rearticulada em 1946 foi fechada<br />

em 1947 e as eleições sindicais foram suspensas. O<br />

Ministério do Trabalho fez intervenção em cerca de 400<br />

sindicatos no governo Dutra. Uma greve de 300.000<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


trabalhadores em São Paulo criou condições para a<br />

retomada dos sindicatos, em 1953. Um ano depois, foi<br />

fundado o PUA (Pacto de Unidade e Ação Sindical) e<br />

também foi realizada uma eleição do Sindicato das<br />

Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e Material Elétrico<br />

dos Municípios de Santo André, São Caetano do Sul,<br />

São Bernardo do Campo, Ribeirão Pires e Mauá. O<br />

resultado foi vitorioso para os não intervencionistas,<br />

porém o interventor Rafael Martins anulou o processo e<br />

continuou na direção. Somente em 1956, uma chapa<br />

encabeçada por Henrique Lopes (“pelego”), com maioria<br />

de comunistas na direção, conseguiu afastar a intervenção<br />

do sindicato. Durante o governo de Kubitschek, entre<br />

1956 e 1961, no “Plano de Metas”, alterou-se totalmente<br />

a estrutura industrial do país, estimulando a instalação<br />

das grandes multinacionais. As montadoras de automóveis:<br />

Willys, Vemag, Volkswagen, ord, Internacional<br />

Harverster, Mercedes Bens e General Motors foram<br />

instaladas no ABC. São Bernardo do Campo passou a<br />

ter 40.000 trabalhadores em sua base sindical, dado que<br />

a maioria das empresas se instalou nessa cidade. Com o<br />

fim da II Guerra Mundial, que deu vitória aos EUA e<br />

seus aliados , e o fim da ditadura de Getúlio, o movimento<br />

sindical retomou suas lutas no ABC. Mas a democracia,<br />

a liberdade e a participação popular tiveram vida curta.<br />

Com a vitória eleitoral do General Dutra, as intervenções<br />

nos sindicatos voltaram e foi promulgada uma lei<br />

antigreve, que resultou na intervenção do Sindicato dos<br />

Metalúrgicos em 1947.<br />

Durante a vigência da Guerra ria entre o bloco<br />

capitalista e o bloco socialista, os comunistas em todo o<br />

país passaram a ser perseguidos e condenados à clandestinidade.<br />

Getúlio voltou ao governo pelo voto direto em<br />

1950, adotou um discurso e práticas nacionalistas. Ao<br />

perceber a ameaça de golpe pelas forças conservadoras,<br />

ele se suicidou em 1954. Em 1956, Juscelino Kubitschek,<br />

eleito presidente da República, acelerou o processo de<br />

industrialização com a implantação das montadoras<br />

automobilísticas multinacionais. Segundo contribuições<br />

da ACO (Ação Católica Operária, 1985), a população<br />

brasileira, de modo geral, alegrou-se muito com o plano<br />

“50 anos em 5” (Plano de Metas), porque melhorou o<br />

padrão de vida dos trabalhadores e da população durante<br />

a instalação inicial das multinacionais no Brasil. As<br />

pessoas só perceberam o processo rápido de dependência<br />

que se instalou em território nacional bem mais tarde,<br />

quando se percebeu que recursos do Estado foram<br />

usados para garantir as instalações estrangeiras. O<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

movimento sindical brasileiro retomou sua efervescência<br />

durante o governo de João Goulart, que foi interrompido<br />

com o golpe militar em 1964. Por mais que esse período<br />

tenha deixado sua marca de importantes mudanças<br />

políticas, econômicas e sociais, nele prevaleceu a cooptação<br />

e a desorganização sindical. A classe trabalhadora<br />

virou sócia menor nas relações entre o capital e o trabalho.<br />

O período do populismo brasileiro foi de muitas<br />

mobilizações e conquistas para os trabalhadores, mas<br />

também acabou conduzindo a história do movimento<br />

operário à sua maior derrota política, ou seja, para o golpe<br />

militar e à ditadura de 1964-1985 (CEDI, 1987, p. 79).<br />

Com a retomada das lutas sindicais, em 1957, aconteceu<br />

o primeiro dissídio coletivo acompanhado de uma ampla<br />

greve em São Paulo, inclusive no ABC, que durou 15<br />

dias. Em 1959, foi fundada a Associação Profissional<br />

dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de<br />

Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema,<br />

desmembrando-se do Sindicato dos Metalúrgicos de<br />

Santo André. No mesmo ano, houve uma greve geral em<br />

São Paulo contra a carestia, era uma proposta do PCB<br />

que criou força no movimento popular e sindical. Em<br />

1962, repetiu-se a luta contra a carestia, ampliada em<br />

todo país, com invasão de casas comerciais mais careiras<br />

no Rio de Janeiro. Nos anos 1960, a luta sindical do país<br />

e na região ocupou papel de destaque; período em que<br />

os índices de inflação eram alarmantes, a participação<br />

deste sindicato foi fundamental. Em 1961, os<br />

metalúrgicos de São Bernardo e Diadema conseguiram<br />

um reajuste de 40% no salário, aumento concedido sob<br />

ameaça de greve. Em 1962, conseguiram mais um<br />

aumento de aproximadamente 48%, em campanha<br />

conjunta com a ederação dos Metalúrgicos de São Paulo.<br />

Em fevereiro de 1963, a campanha salarial foi<br />

interrompida pela ação policial com espancamentos e<br />

prisões, em assembléia da categoria metalúrgica. Os<br />

trabalhadores transferiram a assembléia para um terreno<br />

do sindicato e decretaram assembléia permanente. Após<br />

muita negociação com o DRT, foi conquistado um<br />

reajuste de 70% e criada uma comissão paritária entre<br />

trabalhadores e patrões para discutir os próximos índices.<br />

Em janeiro de 1964, em grande assembléia da categoria,<br />

os trabalhadores aprovaram um índice único de 120% e<br />

uma procuração para a ederação dos Metalúrgicos de<br />

São Paulo negociar com os patrões. Durante essa<br />

assembléia, houve discursos inflamados na defesa de que<br />

somente as Reformas de Base resolveriam o problema e<br />

43


que uma revolução social brasileira estaria em curso. Após<br />

uma greve de cerca de 220.000 trabalhadores durante 3<br />

dias, envolvendo 30 sindicatos do estado, os trabalhadores<br />

conquistaram um reajuste salarial de 90%.<br />

Segundo o CEDI este foi o último grande movimento<br />

de conquistas para os trabalhadores no período, processo<br />

histórico interrompido pelo golpe militar de 1964. Os<br />

sindicatos ajudavam a organizar comícios e debates com<br />

alguns líderes da política nacional, entre eles Miguel<br />

Arraes, Luís Carlos Prestes e o presidente da República,<br />

João Goulart.<br />

No final de 1963, nas eleições sindicais dos<br />

Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, concorriam<br />

duas chapas, uma representando a diretoria sob<br />

hegemonia do PCB e outra das forças conservadoras<br />

(Câmaras de vereadores, setores da Igreja e empresariado<br />

reacionários). Segundo o CEDI, esse foi o primeiro ensaio<br />

local para preparar o golpe militar. O resultado deu vitória<br />

fácil para os comunistas, porém os derrotados assumiram<br />

o sindicato como interventores durante a ditadura militar.<br />

A intervenção e a ocupação militar atingiram cerca de<br />

2.000 sindicatos no país. O resultado foi desastroso, a<br />

luta da classe foi substituída pelo assistencialismo<br />

atrelado ao Estado. A amortização e repressão dos movimentos,<br />

a tortura, a censura, os assassinatos de militantes,<br />

a política de arrocho salarial, a lei antigreve nº 4.330 e o<br />

fim da estabilidade do emprego marcaram parte da<br />

crueldade do período. Nessa repressão profunda e<br />

duradoura, as principais lideranças do movimento operário<br />

foram presas, perseguidas, exiladas ou assassinadas,<br />

desarticulando e destruindo as formas anteriores de<br />

organização da classe.<br />

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que<br />

tinha 70.000 sócios em 1964, foi reduzido para 40.000<br />

em 1969. Em São Bernardo e Diadema, entre 1964 e<br />

1966, 4.202 sócios pediram baixa na filiação sindical dos<br />

metalúrgicos. Em 1968, intensificam-se as mobilizações<br />

contra a ditadura militar, tendo como estopim principal<br />

o assassinato do estudante Edson Luís por ação policial<br />

no Rio de Janeiro. Grandes parcelas da sociedade<br />

brasileira, entre manifestações estudantis, greve dos<br />

metalúrgicos de Osasco – São Paulo e Contagem – Minas<br />

Gerais, foram reprimidas duramente (CEDI, 1987). A<br />

partir de 1968, no ABC, a esquerda articulada em torno<br />

da AP (Ação Popular), PCB e POLOP (Política Operária),<br />

que atuava de forma clandestina no movimento<br />

sindical, ainda que em pequena base social, conseguiu<br />

fazer oposição à diretoria atrelada aos militares. Em 13<br />

44<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

de dezembro de 1968, o governo militar promulgou o<br />

AI-5 (Ato Institucional nº 5), limitou a ação do Congresso<br />

Nacional e impôs as mais terríveis medidas repressivas.<br />

A resistência ao regime militar ficou mais difícil com o<br />

distanciamento dos sindicatos das reais aspirações da<br />

classe. As poucas lutas de resistência se organizavam<br />

nos bairros populares, nos clubes de rua, nas associações<br />

de moradores, nas pastorais sociais, nas CEBs. (Comunidades<br />

Eclesiais de Base). Os encontros, seminários,<br />

debates eram feitos nas Igrejas, como únicos espaços<br />

para organizar a resistência. O país começou a presenciar<br />

uma grande crise econômica em meados dos anos 1970,<br />

os militares perderam importantes bases sociais e parte<br />

da sociedade civil começou a manifestar-se contra o<br />

regime. O movimento estudantil fez grandes manifestações<br />

em 1976. O movimento popular contra a carestia,<br />

pelas liberdades democráticas e pela anistia começou a<br />

tomar as ruas do país.<br />

Durante os 502 anos de História, há muitas<br />

resistências mais orgânicas dos índios, a exemplo da<br />

“Confederação dos Tamoio”, dos escravos negros e seus<br />

aliados nos quilombos, destacando-se o Quilombo dos<br />

Palmares. Algumas lutas populares e experiências<br />

revolucionárias urbanas e rurais, que não se concluíram<br />

como estratégia porque foram enterrompidas pelas elites<br />

dominantes do país. Entre elas a Guerra de Canudos, o<br />

Contestado, a Guerrilha do Araguaia, as guerrilhas urbanas,<br />

entre outras. Nas décadas 1960-1970, mais de cinqüenta<br />

iniciativas revolucionárias se organizaram no Brasil em<br />

combate à ditadura militar, após o PCB renunciar sua<br />

vocação revolucionária. Segundo lorestan ernandes<br />

(1986), a burguesia deixou de realizar seu projeto de Brasil<br />

Nação nesse período, em associar-se ao projeto das<br />

multinacionais, abrindo mão do modelo econômico<br />

“substituição de importações” e dando origem ao modelo<br />

“monopolista dependente associado”. Da mesma forma,<br />

segundo o autor, o PCB, como maior partido da esquerda<br />

brasileira do momento, se omitiu a fazer a revolução<br />

socialista. Por essa razão a fragmentação revolucionária<br />

foi derrotada e seus integrantes presos, mortos ou exilados,<br />

além de abortar a possibilidade do Brasil Nação. Esse<br />

resultado consolidou uma ditadura militar que perdurou<br />

durante 21 anos (1964-1985). Segundo Prado Júnior, o<br />

conceito de revolução é geralmente usado no sentido de<br />

“insurreição”, tomada de poder à força e com uso de<br />

violência pelas forças sociais, categorias ou oposições. Para<br />

o caso brasileiro, trata-se de discutir um outro modelo de<br />

revolução. Esse modelo significa um processo histórico<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


construído por reformas e mudanças econômicas, sociais<br />

e políticas contínuas, concentradas num curto período<br />

histórico e que seqüencialmente façam transformações<br />

estruturais da sociedade sob o equilíbrio das diferentes<br />

classes e categorias sociais. Nesse processo, diz o autor,<br />

convivem em alternância a relativa estabilidade e as<br />

bruscas mudanças político-sociais que vão acelerando as<br />

relações sociais com transformações mais profundas<br />

(Prado Jr., 1978).<br />

A elite brasileira justificou o golpe e a ditadura<br />

militar como sendo uma reação preventiva a uma<br />

possível revolução brasileira, motivada pelos “ventos”<br />

revolucionários vindos de Cuba, com a vitória da<br />

Revolução naquele país em 1959. Revolução essa que<br />

combinou a luta pela libertação nacional e a emancipação<br />

da classe trabalhadora, segundo vários autores em<br />

releitura do Manifesto do Partido Comunista (1998).<br />

rancisca Severino (2001, p. 314 a 316), falando da<br />

participação das mulheres nas organizações populares,<br />

sindicais e revolucionárias na História do Brasil,<br />

enfatizou que normalmente elas são esquecidas ou lhes<br />

são atribuídas atividades ou interpretações de fragilidade.<br />

Mas na contra-ordem machista, as mulheres se<br />

somam aos homens na luta contra a dominação do<br />

sistema de exclusão social. A autora lembra da atuação<br />

dos revolucionários da Guerrilha do Araguaia e do MST<br />

(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) como<br />

exemplos de resistência e luta pela libertação,<br />

empurrados para a periferia, espaço no qual encontram<br />

apoio popular para organizar suas estratégias de<br />

transformação.<br />

Em 12 de maio de 1978, os trabalhadores da<br />

Saab-Scânia de São Bernardo do Campo bateram o<br />

cartão e entraram na fábrica, porém, não acionaram as<br />

máquinas, cruzaram os braços. Esta greve deu início a<br />

uma nova proposta sindical no país. Em 1975, foram<br />

assassinados os presos políticos Vlademir Herzog e<br />

Manoel iel ilho. Essa tragédia abriu caminho amplo<br />

de lutas pelo fim da ditadura militar. Em fevereiro de<br />

1978, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos<br />

Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.<br />

No discurso de posse em abril, Lula denunciou o diálogo<br />

que o governo militar propôs para a transição e<br />

conclamou os trabalhadores para a luta. O sindicato<br />

tomou uma postura de mobilização e conscientização<br />

da categoria, que deu o resultado de algumas greves<br />

parciais, na ord e na Mercedes. Em 1978, realizou-se<br />

o III Congresso dos Metalúrgicos que, entre outras<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

coisas, decidiu pela criação da CUT (Central Única dos<br />

Trabalhadores), a luta pela criação das Comissões de<br />

ábrica, a unidade e pluralismo sindicais e eleições<br />

sindicais.<br />

Em abril de 1979, os metalúrgicos de São<br />

Bernardo do Campo e Diadema deflagraram a primeira<br />

greve de ampla adesão dos trabalhadores desde 1964.<br />

Com a legislação trabalhista ainda antigreve, a greve foi<br />

considerada ilegal, o Ministério do Trabalho fez a<br />

intervenção no sindicato e afastou toda a diretoria, que<br />

após 45 dias de “trégua” voltou ao sindicato. As<br />

assembléias da categoria passaram a ser feitas no Estádio<br />

da Vila Euclides (atual Estádio 1 º de Maio), a partir de<br />

março de 1979, porque os trabalhadores não cabiam mais<br />

na sede do sindicato. Em 1979 foi realizada uma greve<br />

da categoria de 41 dias, mesmo com a intervenção no<br />

sindicato, prisões de diretores, contando com o apoio do<br />

undo de Greve, da Igreja Católica, dos movimentos<br />

populares e outras instituições solidárias na luta. Em<br />

1980, São Bernardo do Campo virou uma praça de guerra<br />

depois da intervenção militar no sindicato. As manifestações<br />

de rua, as passeatas eram reprimidas, as assembléias<br />

somente podiam ser realizadas na Praça da Igreja<br />

Matriz, posteriormente apenas dentro da Igreja. No dia<br />

1 º de Maio de 1980 as forças militares ocuparam todas<br />

as ruas de São Bernardo do Campo para tentar impedir a<br />

realização do ato. Os trabalhadores começaram a se<br />

concentrar na missa, dentro da Igreja e, aos poucos,<br />

juntaram-se mais de 150.000 pessoas na Praça da Matriz,<br />

que saíram em passeata até o Estádio da Vila Euclides.<br />

Não restando outra saída, os militares recuaram. Após<br />

41 dias, os metalúrgicos suspenderam a greve e seus<br />

dirigentes foram soltos.<br />

2 ORIGEM E PRIMEIROS PASSOS<br />

DO PT E DA CUT<br />

A conjuntura exigia outras iniciativas da nova<br />

direção sindical, sobretudo com a nova tarefa de Lula,<br />

a de construir o PT. Seu distanciamento do papel de<br />

dirigente sindical deixou um certo vazio político e, ao<br />

mesmo tempo, delegou maior responsabilidade para os<br />

demais. A resposta da diretoria foi organizar os trabalhadores<br />

pela base, nas comissões de fábrica, na formação<br />

política, na propaganda e na ampliação de filiações<br />

sindicais. Luiz Roberto Alves (1999, p. 47) descreveu os<br />

aspectos culturais e a ação concreta daquele período<br />

como fatores significativos na mudança histórica da<br />

45


egião do Grande ABC. Ressaltou a importância da<br />

narrativa dos fatos, da memória que alimenta a solidariedade<br />

e o sonho nos marcos da transformação. Contudo,<br />

afirma Alves, é a ação concreta que unifica os agentes<br />

históricos e os faz apontar os caminhos conceituais das<br />

mudanças.<br />

O PT (Partido dos Trabalhadores) surgiu em 1980,<br />

a partir do combate à ditadura militar. O movimento<br />

operário enfrentou obstáculos políticos que não seriam<br />

resolvidos apenas na luta sindical, por isso entenderam<br />

a necessidade de se criar um partido político que<br />

defendesse os interesses dos trabalhadores. As referências<br />

internacionais do chamado socialismo real estavam em<br />

debate entre os trabalhadores. Entendia-se que também<br />

os sovietes (conselhos populares) da ex-URSS (União<br />

das Repúblicas Socialistas Soviéticas) foram excluídos<br />

do poder real a partir de 1924, com a morte de Lênin e o<br />

início do poder de Stalin. A postura de partido único do<br />

PCUS (Partido Comunista da União Soviética) também<br />

não servia de referência para os fundadores do PT. Por<br />

isso da definição de princípios do PT de massas,<br />

democrático e socialista. Sua estratégia intermediária<br />

seria o governo democrático-popular e sua estratégia<br />

principal a construção do socialismo.<br />

Em 1982, nas eleições para prefeitos e vereadores<br />

vários diretores do Sindicato dos Metalúrgicos foram<br />

eleitos em espaço institucional. Além de vários<br />

vereadores eleitos, Expedito Soares foi eleito deputado<br />

estadual, Djalma de Souza Bom foi o deputado federal<br />

com maior número de votos, 164.000; Lula fez 1.144.648<br />

votos para governo do estado de São Paulo; Gilson<br />

Menezes foi eleito primeiro prefeito do PT em Diadema.<br />

Em julho de 1983, 400 delegados realizaram o IV<br />

Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo<br />

em Piracicaba, tendo duas posições políticas em<br />

discussão: uma parcela dos delegados que defendiam a<br />

realização do I Congresso da Classe Trabalhadora – I<br />

CONCLAT, para a fundação da CUT (Central Única<br />

dos Trabalhadores) e outra representada pelos chamados<br />

pelegos e reformistas que propunham adiar este debate.<br />

A conjuntura para os trabalhadores brasileiros era difícil,<br />

o governo militar baixava muitos decretos contra os<br />

direitos trabalhistas (de arrocho salarial, entre outros)<br />

para atender as pressões do MI (undo Monetário<br />

Internacional), confrontando-se com o movimento<br />

sindical. Em reação ao Decreto-lei 2036, os operários<br />

petroleiros de Mataripe da Bahia e Paulínia de São Paulo<br />

exigiram estabilidade de emprego e o fim das perdas<br />

46<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

salariais. Em solidariedade, os trabalhadores metalúrgicos<br />

de São Bernardo do Campo e Diadema entraram em greve<br />

contra a política econômica do governo militar contra<br />

todos os trabalhadores do país. Os militares realizaram<br />

sua quarta intervenção no sindicato, com a cassação de<br />

sua diretoria e a imposição de uma outra diretoria sob<br />

tutela do Ministério do Trabalho. Da mesma forma<br />

aconteceu à intervenção no Sindicato dos Petroleiros<br />

em Mataripe e Paulínia, no Sindicato dos Bancários e<br />

Metroviários de São Paulo, ambos comprometidos em<br />

construir a CUT. Esta greve foi determinante para a<br />

mobilização dos trabalhadores e a preparação da greve<br />

geral de 21 de julho de 1982, que paralisou cerca de dois<br />

milhões de trabalhadores no país.<br />

Em agosto de 1983, o I CONCLAT fundou a<br />

CUT, sob dificuldades enormes da classe trabalhadora<br />

brasileira. Na economia, subordinação do Brasil ao MI<br />

e aos banqueiros internacionais, recessão, redução<br />

salarial, corte nos gastos públicos na área social e o<br />

aumento de impostos. Na atuação política, o regime<br />

militar cassava dirigentes sindicais e fechava os olhos à<br />

violência dos latifundiários contra os trabalhadores do<br />

campo. A fundação da CUT foi preparada por CECLATs<br />

(Congressos Estaduais da Classe Trabalhadora) com<br />

participação de cerca de 20.000 delegados. O I<br />

CONCLAT realizou-se com a participação de 5.059<br />

delegados, 912 entidades sindicais e 25 convidados<br />

sindicais internacionais. Ainda em 1983, houve mais uma<br />

intervenção militar no Sindicato dos Metalúrgicos de São<br />

Bernardo do Campo e Diadema, o que, por sua vez,<br />

mobilizou a direção sindical a procurar alternativas. Em<br />

frente ao sindicato, a diretoria cassada abriu um novo<br />

espaço com a ajuda do undo de Greve. Na prática o<br />

sindicato só mudou de endereço: tendo como instrumentos<br />

principais a categoria organizada e a experiência<br />

de vários dirigentes sindicais, pouca coisa mudou. A<br />

tática da direção alternativa foi organizar greves por<br />

fábrica que atingiram 64.610 trabalhadores, conseguindo<br />

negociar aumentos salariais acima dos próprios decretos<br />

militares (nº 2.045 e nº 2.065). O resultado foi de 11<br />

acordos salariais diferenciados com reajustes acima dos<br />

decretos, além do abono conquistado em várias empresas,<br />

beneficiando 78.641 trabalhadores.<br />

Em 1984, a campanha salarial exigia reajuste<br />

de 83,3% (piso do DIEESE) para os metalúrgicos e a<br />

reconquista do sindicato. O movimento sindical já<br />

havia experimentado várias formas de greve: “cruzado<br />

os braços e parado as máquinas”, “fora da fábrica”,<br />

“dentro da fábrica”, “greve arrastão”; tratava-se de<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


iniciar uma nova forma, “Pinta um e pula dois”, a<br />

chamada “greve tartaruga”. Em 1984 criou-se outra<br />

forma de greve, a chamada “greve pipoca”. Tratava-se<br />

da luta por equiparação salarial dos trabalhadores que<br />

exerciam a mesma profissão em diferentes fábricas.<br />

No início de 1984, o Ministério do Trabalho,<br />

percebendo que quem dava direção ao movimento<br />

sindical era a direção cassada, tomou a iniciativa de<br />

convocar eleições para diretoria. Em 25 de março do<br />

mesmo ano, os diretores cassados organizaram uma<br />

Convenção da Categoria para compor uma chapa de<br />

representantes das fábricas para disputar a direção<br />

sindical. Vários líderes cassados ocuparam a nova<br />

diretoria, além de outros indicados pela primeira vez.<br />

Meneguelli ocupou a presidência para um segundo<br />

mandato. Em agosto de 1984, a CUT realizou seu 1º<br />

Congresso Nacional com a participação de 5.260 delegados,<br />

representando 937 entidades sindicais de todos<br />

os estados do país. Os principais pontos de pauta foram:<br />

40 horas semanais, sem redução dos salários; reajuste<br />

trimestral de salários; estabilidade no emprego; saláriodesemprego<br />

e reforma agrária sob o controle dos trabalhadores.<br />

Essas bandeiras de luta motivaram as centenas<br />

de greves e conquistas no ano de 1985, ampliaram as<br />

bases sindicais da CUT e foram importantes para a<br />

criação das CUTs regionais.<br />

Em 1985, a história do movimento operário<br />

brasileiro registrou o maior número de greves, cerca de<br />

novecentas greves com a participação de quase sete<br />

milhões de trabalhadores. Houve nesse período uma<br />

unificação das campanhas salariais dos trabalhadores do<br />

país e as reivindicações e conquistas passam a ter outras<br />

qualidades, sob hegemonia da CUT. A luta pela redução<br />

da jornada de trabalho, nas empresas em processo de<br />

inovação tecnológica no ABC, mobilizou uma greve de<br />

54 dias com a “operação vaca brava” (combinação de<br />

todas as táticas de greve já conhecidas na categoria).<br />

Esse longo período de greve aconteceu nas eleições para<br />

presidente da República, em que foi eleito Tancredo<br />

Neves sob o discurso do pacto social. O resultado dessa<br />

greve foi a redução da jornada de trabalho, que depois se<br />

espalhou pelo país. Após essa greve, vários militantes e<br />

ativistas do meio sindical foram cassados e cerca de<br />

6.000 demissões aconteceram. Com o episódio do<br />

Colégio Eleitoral de 1985, as divergências no movimento<br />

sindical se aprofundaram; após a morte de Tancredo,<br />

Sarney propôs um pacto social. A CONCLAT defendia<br />

o pacto, enquanto a CUT repudiava a política de<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

conciliação de classes, defendia a autonomia e a independência<br />

de classe frente aos patrões e aos governos.<br />

Ricardo Antunes (2000), em Os sentidos do<br />

trabalho, avaliou que durante a década de 1980 houve<br />

um grande movimento de greves no Brasil, entre operários<br />

industriais, em especial, os metalúrgicos, assalariados<br />

rurais, funcionários públicos e bancários. Houve greves<br />

com ocupação de fábricas como a dos trabalhadores da<br />

General Motors em São José dos Campos em 1985, e a<br />

da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda<br />

em 1989. Greves gerais nacionais como, por exemplo, a<br />

de 1989, que paralisou cerca de 35 milhões de trabalhadores<br />

do país. Em 1987, houve um total geral de 2.259<br />

greves no Brasil. Em 1988, aconteceram 63,5 milhões<br />

de jornadas de trabalho paralisadas. No final da década<br />

de 1980, havia 9.833 sindicatos brasileiros, entre patronais<br />

e trabalhadores do campo e da cidade. Nas cidades<br />

havia 10.779 sindicatos; destes, 5.621 de trabalhadores.<br />

Em 1996, eram contabilizados 1.335 sindicatos de<br />

servidores públicos e 572 de trabalhadores autônomos.<br />

No mesmo ano, havia 5.193 sindicatos rurais, dos quais<br />

3.098 eram de trabalhadores.<br />

Na reestruturação produtiva, sob efeitos recessivos<br />

da economia, houve uma desproletarização de importantes<br />

parcelas da força de trabalho e uma precarização<br />

ainda maior dos direitos trabalhistas, especialmente nas<br />

montadoras automobilísticas. Os resultados da desregulamentação,<br />

da flexibilização, da privatização acelerada de<br />

estatais e da desindustrialização se fazem sentir fortemente<br />

nos governos de Collor e ernando Henrique Cardoso,<br />

fiéis seguidores da política neoliberal. Em 1987, havia cerca<br />

de 200.000 metalúrgicos no ABC; já em 1998, esse número<br />

foi reduzido para 120.000. Em Campinas, no ano de 1989<br />

havia 70.000 operários industriais; em 1998, esse número<br />

caiu para 40.000. Em 1989, havia mais de 800.000<br />

bancários no Brasil. Em 1996, esse número foi reduzido<br />

para 570.000. Para Antunes (2000), o quadro crítico no<br />

sindicalismo brasileiro se acentua muito nos anos 1990.<br />

O movimento operário do novo sindicalismo, responsável<br />

pela criação da CUT de concepções socialistas, agora vai<br />

perdendo a perspectiva ideológica anticapitalista, vai se<br />

acomodando à agenda neoliberal e deixando o espaço a<br />

ser ocupado pela orça Sindical.<br />

Segundo Antunes (2000), os desafios e as dificuldades<br />

para os setores socialistas e anticapitalistas dentro<br />

da CUT, do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e<br />

de São José dos Campos são de grande envergadura, além<br />

47


da sua importância histórica para o movimento operário<br />

brasileiro. Até mesmo porque não aceitaram participar<br />

das “Câmaras Setoriais” e dos pactos com o governo.<br />

Na CUT, a ASS (Alternativa Sindical Socialista) e o MTS<br />

(Movimento por uma Tendência Socialista), entre outras<br />

tendências de orientação socialista, estão concentrando<br />

esforços para unificar esses setores no interior da central.<br />

A CST (Corrente Sindical Classista) vem pautando sua<br />

política dúbia, ora mais próxima da articulação sindical,<br />

ora mais próxima da esquerda, afirmou Antunes. Segundo<br />

lorestan ernandes, em Que tipo de República (1986), a<br />

solução para os problemas sociais da maioria do povo<br />

não vem de cima, vem da organização e da pressão popular.<br />

Gilmar Mauro (MST) reafirma uma frase de Lênin:<br />

“Vale mais um passo no movimento real de massas do<br />

que mil projetos” e completa (In Barsotti e Pericás, 1999,<br />

p. 225): “A estratégia na luta de classes só se encontra<br />

no próprio processo da luta de classes (...) É a luta imediata<br />

com luta política, essa que é a conjugação. Se você<br />

não tem claro o rumo, cai na luta imediata. Se você não<br />

tem claro a realidade objetiva do povo, vai lá em cima e<br />

fica voando e sem fazer nada...”.<br />

3 A HISTÓRIA DE DIADEMA – ALGUNS<br />

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS<br />

No início da colonização da região, os índios<br />

serviram como guias indispensáveis para os bandeirantes,<br />

porque eles sabiam melhor que ninguém criar caminhos<br />

de penetração mata adentro ou pelo próprio litoral, tanto<br />

para a agricultura quanto para a mineração. Segundo Iokoi<br />

(2001), nos primeiros séculos de história, o estado de<br />

São Paulo teve maior lucratividade com a comercialização<br />

de escravos índios e criação do gado, do que outros<br />

negócios.<br />

A construção de cidades na região não seguiu<br />

planejamento urbano. Seguiu uma lógica semelhante à<br />

dos portugueses no Brasil, cuja relação foi comercial e<br />

também à revelia da necessidade dos pobres. Segundo<br />

Buarque de Holanda, as primeiras cidades brasileiras<br />

não foram planejadas, porque construir cidades ou<br />

construir uma nova nação não fazia parte dos objetivos<br />

dos portugueses, “estavam aqui com saudades de lá”,<br />

apenas querendo enriquecer a Europa. Os primeiros<br />

núcleos coloniais dos imigrantes europeus se instalaram<br />

em São Bernardo entre 1876 e 1886, tanto na Sede<br />

Colonial quanto nas “regiões rurais limítrofes”. O<br />

Núcleo de São Bernardo transformou-se de reguesia<br />

48<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

para Vila em 1889 e, em 1902, para Município. A diversificação<br />

de funções dos imigrantes, que deixavam de<br />

ser apenas agricultores, exercendo outras profissões, são<br />

os principais responsáveis pelo rápido crescimento dessa<br />

região.<br />

Diadema era bairro residencial para os de baixa<br />

renda na periferia de São Bernardo do Campo, sua<br />

afirmação e evolução como cidade se deu dentro do processo<br />

de industrialização regional. Com suas características<br />

de cidade dormitório para os trabalhadores, no<br />

processo de industrialização da região, Diadema ampliou<br />

seus índices demográficos. Em dez anos (entre 1960 e<br />

1970), a população cresceu de 12.308 para 79.316 (544%).<br />

E os trabalhadores da indústria aumentaram de 632 para<br />

9.622 (1.422%). Diadema também não foi planejada,<br />

organizou-se por ocupação à revelia do planejamento. A<br />

cidade foi edificada e tomou forma a partir da instalação<br />

das fábricas, da construção das casas, da abertura das<br />

avenidas e ruas para suprir necessidades do momento.<br />

A população foi crescendo, as exigências dos trabalhadores<br />

nas fábricas por melhores condições de trabalho<br />

passaram a ser, nos bairros, também as exigências por<br />

melhores condições de moradia e de vida. Diadema possui<br />

uma população atual de 375.064 habitantes (IBGE,<br />

2000), em uma área de 30,7 Km2 , a segunda densidade<br />

demográfica do país, superada apenas pela Baixada<br />

luminense. Os primeiros moradores de Diadema eram<br />

imigrantes alemães. Depois vieram os migrantes de vários<br />

estados do país. A maioria dos migrantes veio da Bahia,<br />

Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Rio Grande<br />

do Norte, Paraná e de outras partes do estado de São<br />

Paulo.<br />

No período do Estado novo, da ditadura Vargas<br />

(1937 a 1945), iniciou-se o processo de busca maior da<br />

cidade como espaço de sobrevivência da sociedade, em<br />

virtude da industrialização do País (modelo substituição<br />

de importações). A passagem do modelo “agro-exportador”<br />

para uma economia em vias de industrialização na região<br />

se deu a partir da década de 1930. A indústria automobilística<br />

se organizou na proximidade da Via Anchieta.<br />

Ali se instalaram a Willys (ord), a Mercedes-Benz, a<br />

Scania e a Volkswagen. A ampliação dos postos de trabalho<br />

nessas empresas foi intensificando também a procura<br />

de terrenos residenciais em São Bernardo e Diadema<br />

nos anos 1950. Entre 1945 e 1947, o setor industrial<br />

foi se consolidando no ABC, especificamente ao longo<br />

da ferrovia Santos-Jundiaí.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Até 1948, quando foi criado o distrito de<br />

Diadema, a região central chama-se Vila Conceição. Até<br />

hoje a data de aniversário da cidade é comemorada no<br />

dia 8 de dezembro, em homenagem à padroeira da cidade,<br />

Nossa Senhora da Conceição. O nome de “Diadema<br />

Cidade Vermelha”, usado por vários pesquisadores, vem<br />

de um duplo sentido: por conta da cor da terra e por<br />

conta dos então 15 anos de PT no governo da cidade.<br />

Até o início do governo de Gilson Menezes, a cidade era<br />

vermelha de barro, sem pavimentação. As pessoas que<br />

saíam de Diadema a trabalho ou passeio traziam em suas<br />

roupas as marcas do barro da cidade. Em 24 de dezembro<br />

de 1958, aproximadamente 300 eleitores aptos decidiram<br />

(com a diferença de 36 votos) pela emancipação do<br />

município.<br />

Em 03 de outubro de 1959, houve a primeira<br />

eleição na qual foi eleito o primeiro prefeito da cidade, o<br />

Prof. Evandro Caiafa Esquível. Esse prefeito, em sua<br />

primeira gestão (1960 a 1963), favoreceu a instalação<br />

de indústrias de médio porte, enquanto Michels, em sua<br />

primeira gestão (1964 a 1968), facilitou a instalação de<br />

indústrias de pequeno porte de auto-peças, acessórios e<br />

outros bens complementares ao ramo automobilístico.<br />

Segundo Simões (1992), em 1960 existiam 37 indústrias<br />

em Diadema; em 1970 havia 199, com média de 16<br />

indústrias novas por ano; em 1980 esse número chegou<br />

próximo a 900. No final da segunda gestão de Esquível<br />

(1969 a 1972), não havia qualquer investimento em rede<br />

de esgoto, com uma população de quase 100.000 habitantes.<br />

A gestão Putz do MDB (1973 a 1976) caracterizouse<br />

por um intenso trabalho assistencialista junto aos<br />

bairros carentes e às favelas que se ampliavam cada vez<br />

mais. No final da sua gestão, Putz realizou uma série de<br />

obras de impacto no centro da cidade com recursos<br />

federais do Plano Cura (Comunidade Urbana para<br />

Recuperação Acelerada).<br />

A segunda gestão Michels (1977 a 1982) continuou<br />

com investimento público no centro da cidade,<br />

terminando algumas obras iniciadas no governo anterior<br />

entre outras novas: duas praças, um prédio para o<br />

órum, um “Centro Cultural” de 400 lugares, espaço<br />

para biblioteca, espaço para exposições e algumas<br />

pequenas salas. No final desse governo, a população<br />

de aproximadamente 300.000 habitantes se constituía<br />

majoritariamente de pobres e jovens. Além de saneamento<br />

básico e atendimento médico quase inexistente,<br />

a economia nacional em recessão provocou o fecha-<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

mento de muitas pequenas indústrias, o que causou<br />

muito desemprego no país e também na cidade. O<br />

contraste entre centro, com várias realizações, e a pobreza<br />

da maioria do povo era visível.<br />

Entre 1983-2002, o PT (Partido dos Trabalhadores:<br />

Gilson Menezes, 1983-1988; José Augusto Ramos,<br />

1989-1992; José de ilippi Júnior, 1993-1996 e 2001-<br />

2004) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro: Gilson<br />

Menezes, 1997-2000) governaram Diadema com<br />

participação popular. As gestões se pautaram pela<br />

inversão das prioridades sociais, particularmente conquistando<br />

vários prêmios internacionais pela qualidade<br />

de saúde, educação e urbanização de favelas. Dos anos<br />

1990 em diante, com a internacionalização do neoliberalismo,<br />

os governos locais começaram a ter mais dificuldades<br />

financeiras porque os governos federal e estadual<br />

começaram a repassar os serviços de saúde e educação<br />

para os municípios (municipalização), sem aumentar o<br />

repasse de recursos financeiros, quando se tem um<br />

crescimento demográfico anual de 2,48% (IBGE, 2000)<br />

na cidade. E através da Lei de Responsabilidade iscal,<br />

o ajuste fiscal exigido pelo MI atingiu diretamente as<br />

políticas sociais dos municípios. A exclusão social na<br />

cidade se acentua à medida que aumenta o desemprego<br />

e o custo de vida em nível nacional. Na avaliação de<br />

Iokoi (2001), a cidade Diadema que se transformara em<br />

cidade da cidadania nos anos 1980 atualmente tem como<br />

maior preocupação os altos índices de violência e a<br />

negação do direito à infância, crianças sem perspectivas<br />

de vida. inalmente, Oliveira (1999, p. 78) faz uma<br />

referência aos 150 anos do Manifesto Comunista com<br />

um chamado sobre as mudanças e os desafios dos nossos<br />

tempos: “Devemos lutar para que os governos de nossos<br />

países não se transformem em ‘comitês executivos’ da<br />

burguesia. Para que este anátema não se cumpra, é<br />

preciso que nós, com outros sujeitos da política e da sociedade,<br />

consigamos, por nosso lado, nos transformarmos<br />

em comitês executivos da transformação social”.<br />

4 CONCLUSÕES<br />

Ao concluir este artigo, observa-se uma identidade<br />

entre a história dos povos indígenas massacrados, a história<br />

dos negros escravos, dos trabalhadores assalariados, das<br />

mulheres e dos trabalhadores excluídos no Brasil: a<br />

produção de riquezas, a exploração da força de trabalho, a<br />

resistência e o acúmulo de forças. A produção de riquezas<br />

passou pelos diferentes modelos econômicos, diferentes<br />

49


formas de trabalho e trouxe consigo o sofrimento dos<br />

excluídos durante cinco séculos de História do Brasil.<br />

Percebe-se que, paralelamente ao acúmulo de riquezas<br />

das classes ricas, desenvolveram-se, de forma lenta e sutil,<br />

“pegadas de poder” dos povos oprimidos e das classes<br />

pobres, em resistência à exploração e dominação. Há, ao<br />

longo de muitos anos, algumas resistências mais orgânicas<br />

dos índios, dos escravos, algumas lutas populares e experiências<br />

revolucionárias urbanas e rurais, que não se concluíram<br />

como estratégia porque foram enterrompidas pelas<br />

elites dominantes do país. Contudo, se essas experiências<br />

não vingaram em âmbito maior no sentido do poder dos<br />

“de baixo”, é possível perceber-se sua resistência e sua<br />

luta pela liberdade, custando, ao longo de vários séculos,<br />

milhões de vidas, muitas vezes indefesas. Ao mesmo tempo,<br />

muitos sujeitos ativos envolvidos em cada processo histórico<br />

entendiam que era preciso esperançar: esperar na luta<br />

em busca do poder popular.<br />

O movimento operário se diferencia das lutas<br />

anteriores, em particular, porque conseguiu muitas<br />

conquistas, mesmo que pequenas e temporárias, mas que<br />

alimentavam seus sonhos de um devir humano, com justiça<br />

social. Os poucos momentos de vitórias dos escravos<br />

negros nos quilombos deixaram a sua marca para toda a<br />

história, particularmente como inspiração para negros,<br />

índios e brancos que sonham com a libertação. A história<br />

dos índios brasileiros é um exemplo de massacre de<br />

culturas, de centenas de povos em nome da “civilização”<br />

e em nome da acumulação de riquezas da oligarquia rural.<br />

Diadema e a região do ABC foram e são o palco<br />

de muitas lutas e vitórias dos “de baixo”. Por várias vezes<br />

os operários atuaram como agente principal da pauta<br />

política do país e das cidades da região, outras vezes<br />

também massacrados pelo desemprego ou pela negação<br />

da dignidade de vida. Atualmente o movimento sindical<br />

parece estar em crise, não se sabe ao certo qual será o<br />

50<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

novo caminho dessas organizações do ABC. O modelo<br />

arrojado de resistências com centenas de greves, prisões<br />

e até mortes parece ter-se esgotado no imaginário dos<br />

dirigentes atuais. Junto a essa aparente crise, caminha a<br />

crise da industrialização que muito rapidamente está<br />

sendo substituída pelo capitalismo financeiro e informacional.<br />

O conjunto de mudanças que ocorreram no<br />

mundo após o fim da bipolarização dos sistemas sociais<br />

(socialismo x capitalismo), com a queda do chamado<br />

“socialismo real” e da internacionalização do capitalismo,<br />

manifestam seqüelas de profundo refluxo das conquistas<br />

sociais dos trabalhadores, fragilizando também as<br />

direções sindicais e as organizações populares.<br />

Em Diadema, a inversão das prioridades sociais<br />

e os prêmios internacionais pela qualidade dos serviços<br />

públicos no passado recente não garantem sua continuidade.<br />

Dos anos 1990 para cá aumentam as demandas<br />

sociais, o poder público local não consegue dar conta<br />

das reivindicações da população, porque essas têm origem<br />

no projeto de exclusão social, resultado direto do neoliberalismo.<br />

A busca de novos paradigmas quanto ao papel<br />

do Estado na sociedade e o papel da sociedade na consolidação<br />

da democracia rumo ao “socialismo de um novo<br />

tipo” continua um sonho em construção.<br />

inalmente, este artigo é resultado de uma<br />

produção coletiva. Apenas inseriu-se um olhar e uma<br />

opinião a mais no processo histórico em curso. Este estudo<br />

aponta perspectivas que podem ser reforçadas pelo “verbo<br />

esperançar”, usado por Paulo reire. Persistir na busca,<br />

porque o pior acontece quando já não se tem mais<br />

esperança. Contudo, é preciso estar sempre atento ao que<br />

diz também Paulo reire, que aqui se coloca em<br />

combinação com contribuições de lorestan ernandes: é<br />

preciso tomar cuidado para não se concretizar, outra vez,<br />

a transição apenas pelo alto e os “de baixo”, as camadas<br />

populares, ficarem de novo fora do poder.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


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N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

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Universidade de São Paulo, 2001. Tese de doutorado.<br />

* ilósofo, pós-graduado em Ciências Sociais,<br />

mestre em Administração, professor da ESP-<br />

SP e da IRP e da rede estadual de ensino.<br />

51


DEBATE<br />

52<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA*<br />

Lívia Clozel Fuziy<br />

O debate contou com a participação do professor Roberto Elísio, do ouvidor<br />

Saul Gellman e do jornalista Paulo Carneiro<br />

O debate sobre acesso da população à informação<br />

gerada ou coletada pelo Estado, realizado em<br />

25 de setembro, foi promovido pelo Laboratório de<br />

Regionalidade e Gestão do Programa de Mestrado em<br />

Administração do IMES (Centro Universitário Municipal<br />

de São Caetano do Sul).<br />

O assunto foi discutido tendo como enfoque a<br />

legislação de outros países que permite maior acesso à<br />

informação pública. Além disso, debateu-se o papel do<br />

Estado em encontrar a melhor maneira de disponibilizar<br />

essas informações de forma democrática à população,<br />

e como os órgãos públicos veiculam essa informação<br />

atualmente.<br />

Participaram do debate o ouvidor da cidade de<br />

Santo André, Saul Gellman, a advogada e presidente<br />

da OAB de São Caetano do Sul, Tânia Gambiatti de<br />

Mello, Paulo Carneiro, editor-executivo do jornal<br />

Diário do Grande ABC, e Maria de Lourdes erreira, pesquisadora<br />

especialista em documentação e arquivos. A<br />

coordenação do evento foi feita pelo professor do IMES,<br />

Roberto Elísio dos Santos, que realiza pesquisa sobre<br />

o assunto.<br />

* Texto realizado por ernanda Giollo Cressoni,<br />

aluna do curso de Jornalismo do IMES.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


TRANSCRIÇÃO DO DEBATE*<br />

Lívia Clozel Fuziy<br />

Considerando-se a alta relevância do livre<br />

acesso à informação pública para o exercício pleno da<br />

cidadania em uma sociedade que pauta seus princípios<br />

no regime democrático de direito – adotado, ao menos<br />

formalmente, pelo Brasil – e entendendo-se que as<br />

instituições educacionais têm o dever de instrumentalizar<br />

a comunidade na qual estão inseridas com o que<br />

é seu fim maior, a produção e disseminação do conhecimento,<br />

o Centro Universitário IMES, por meio do Laboratório<br />

de Regionalidade e Gestão – órgão vinculado ao<br />

Programa de Mestrado em Administração – realizou, no<br />

dia 25 de setembro de 2003, o “Debate sobre o Acesso<br />

à Informação Pública”, como atividade de pesquisa da<br />

Disciplina “Gestão de Processos de Comunicação e<br />

Cultura”.<br />

Os objetivos desse seminário foram: 1) ampliar<br />

as discussões levantadas no artigo “Gestão de informação<br />

pública: transparência e obstáculos”, do Prof.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

A pesquisadora Maria de Lourdes erreira e a advogada Tânia Gambiatti de<br />

Mello contribuíram para a discussão do tema<br />

Dr. Roberto Elísio dos Santos (titular da mencionada<br />

disciplina), publicado no <strong>Cad</strong>erno de <strong>Pesq</strong>uisa Pós-<br />

Graduação IMES nº 7; e 2) propiciar uma reflexão sobre<br />

o texto da Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, a<br />

qual “dispõe sobre a política de arquivos públicos e<br />

privados e dá outras providências”.<br />

Sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Elísio dos<br />

Santos, o encontro contou com a participação do<br />

jornalista Paulo Carneiro (editor-executivo do jornal<br />

Diário do Grande ABC, sediado na cidade de Santo<br />

André); do ouvidor da Cidade de Santo André, Saul<br />

Gellman; da pesquisadora de Documentação e<br />

Historiografia, Maria de Lourdes erreira, e da Dra. Tânia<br />

Gambiatti de Mello, presidente da OAB – Seção de São<br />

Caetano do Sul; a organização e apresentação foram do<br />

mestrando professor Expedito Nunes, como atividade<br />

de pesquisa para obtenção de créditos na disciplina.<br />

53


54<br />

A LEI Nº 8.159<br />

Publicada no dia 9 de janeiro de 1991 no Diário<br />

Oficial da União, foi sancionada pelo então presidente da<br />

República ernando Collor de Melo e assinada pelo<br />

ministro Jarbas Passarinho essa Lei que trata dos arquivos<br />

públicos e privados. Em seu Capítulo I – Disposições<br />

Gerais, o art. 1 diz que: “É dever do Poder Público a<br />

gestão documental e a proteção especial a documentos<br />

de arquivos, como instrumento de apoio à administração,<br />

à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos<br />

de prova e informação”. Continua definindo o que é<br />

arquivo, o que é gestão de documentos e incumbe a administração<br />

pública de franquear a consulta aos documentos<br />

públicos “na forma da Lei”. No art. 4 fica explícito<br />

que todas as pessoas “têm direito a receber dos órgãos<br />

públicos informações de seu interesse particular ou de<br />

interesse coletivo ou geral (...) ressalvadas aquelas cujo<br />

sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do<br />

Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da<br />

vida privada, da honra e da imagem das pessoas”. Esta<br />

parte final do artigo quanto às ressalvas encontra reforço<br />

no artigo 6 ao resguardar “o direito de indenização pelo<br />

dano material ou moral decorrente da violação do sigilo”<br />

e acaba sendo uma importante causa da polêmica a<br />

respeito do conflito entre o direito à informação e o direito<br />

ao sigilo.<br />

No Capítulo II – Dos Arquivos Públicos, há a<br />

definição do que são os arquivos públicos, considerados<br />

com sendo “os conjuntos de documentos produzidos e<br />

recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos<br />

públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito ederal<br />

e municipal em decorrência de suas funções administrativas,<br />

legislativas e judiciárias” (art. 7), além dos<br />

documentos “produzidos e recebidos por instituições<br />

de caráter público, por entidades privadas encarregadas<br />

da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades”<br />

(§1). Trata, também, da classificação dos documentos<br />

e outras questões pertinentes.<br />

O Capítulo III – Dos Arquivos Privados, no<br />

artigo 11, define como tal “os conjuntos de documentos<br />

produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou jurídicas,<br />

em decorrência de suas atividades”. Segue regulando o<br />

assunto e destaca, no artigo 16, uma especificidade<br />

quanto aos registros civis de arquivos de entidades religiosas,<br />

os quais se “produzidos anteriormente à vigên-<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

cia do Código Civil ficam identificados como de interesse<br />

público e social”.<br />

O Capítulo IV – Da Organização e Administração<br />

de Instituições Arquivísticas Públicas, esclarece<br />

a competência pela administração da documentação<br />

pública ou de caráter público, define o que são os<br />

arquivos ederais, Estaduais e Municipais, os quais<br />

abrangem as três esferas do poder: Executivo, Legislativo<br />

e Judiciário. Neste particular, o artigo 21 diz que a<br />

“Legislação Estadual, do Distrito ederal e municipal<br />

definirá os critérios de organização e vinculação dos<br />

arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o<br />

acesso aos documentos, observado o disposto na<br />

Constituição ederal, e nesta Lei”.<br />

O Capítulo V – Do Acesso e do Sigilo dos Documentos<br />

Públicos – é aberto afirmando que é “assegurado<br />

o direito de acesso pleno aos documentos públicos”, mas<br />

deixa para que um Decreto fixe as categorias de sigilo a<br />

serem obedecidas pelos órgãos públicos, dando ao sigilo<br />

atenção especial, definindo prazos para a sua prescrição<br />

e resguardando a honra e imagem das pessoas como<br />

também a segurança da sociedade e do Estado. Dá ao<br />

Poder Judiciário poderes para determinar a “exibição<br />

reservada” de documentos sigilosos quando forem<br />

indispensáveis “à defesa de direito próprio ou esclarecimento<br />

de situação pessoal da parte”, e termina dizendo<br />

que “nenhuma norma de organização administrativa será<br />

interpretada de modo a, por qualquer forma, restringir o<br />

disposto neste artigo”.<br />

Nas Disposições inais, o legislador termina<br />

responsabilizando penal, civil e administrativamente<br />

quem “desfigurar ou destruir documentos de valor<br />

permanente ou considerado de interesse público e social”,<br />

cria o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ,<br />

vinculado ao Arquivo Nacional que será presidido pelo<br />

Diretor-Geral do Arquivo Nacional e integrado por<br />

representantes de instituições arquivísticas e acadêmicas,<br />

públicas e privadas.<br />

A EXPOSIÇÃO<br />

Iniciando o módulo das exposições, o professor<br />

Roberto Elísio dos Santos abordou as questões<br />

referentes às legislações existentes no mundo sobre este<br />

assunto dizendo que houve muitos avanços na gestão<br />

da informação pública nos últimos 20 anos e que a<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


sociedade tem se livrado dos entulhos autoritários e<br />

conseguido espaço representativo em vários setores,<br />

muito embora ainda não tenhamos uma lei ampla que<br />

nos dê acesso à informação pública. “O Estado é opaco<br />

em relação às informações que detém e produz”, diz<br />

ele, apesar de já haver algumas experiências em vários<br />

países que obrigam o Estado a disponibilizar à sociedade<br />

essas informações pois, se a informação é pública,<br />

ela deve ser difundida.<br />

“O Laboratório de Regionalidade e Gestão do<br />

IMES está fazendo um levantamento sobre a saúde<br />

pública no ABC e, com isso, estamos enfrentando<br />

dificuldades para se obter alguns dados. Algumas cidades<br />

até forneceram, enquanto outras ou alegavam que não<br />

tinham ou percebíamos que havia medo por parte do<br />

funcionário de abrir as informações daquele setor para<br />

uma instituição”.<br />

Ele entende que o funcionário público não deve<br />

ter medo de passar as informações, pois faz parte das<br />

suas atribuições. Toda área pública tem que ser transparente<br />

para qualquer pessoa a qualquer momento.<br />

Há alguns países que já têm leis de acesso à<br />

informação pública, o que facilita muito a vida de várias<br />

pessoas. A pioneira é a Suécia, que a possui desde 1766.<br />

Em segundo lugar fica a inlândia (1951) e em terceiro<br />

os Estados Unidos (1954).<br />

Depois do episódio do dia 11 de setembro de 2001,<br />

está sendo mais difícil obter informações públicas no<br />

território norte-americano. Isso fez surgir um movimento<br />

formado por professores universitários e jornalistas, por<br />

exemplo, por serem contra este tipo de atitude e acharem<br />

que as informações estão sendo censuradas, usando-se<br />

como pretexto o combate ao terrorismo. Em 2005, esta<br />

lei de acesso à informação pública será regulamentada<br />

na Inglaterra.<br />

A legislação mais recente é a de Oaxaca, uma<br />

província do México, lugar onde foi formulada uma lei<br />

de acesso à informação pública. Os representantes locais<br />

apresentaram uma proposta de lei que, posta em debate,<br />

foi aprovada sem nenhuma modificação. Eles alegam que<br />

as informações públicas pertencem às pessoas, sendo<br />

obrigação do Estado publicar e integrar as informações<br />

que possuem. Esta obrigação deve ser cumprida sob<br />

procedimentos ágeis e simples, de custo mínimo, e as<br />

informações passadas para o solicitante rapidamente.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Pode haver exceções a esta norma, mas só em<br />

casos referentes à vida privada. Informações que o Estado<br />

detém sobre cada um, segurança pública, política externa<br />

e segredos científicos, industriais e bancários, para se ter<br />

acesso, deve-se ter uma forte justificativa. É necessário<br />

que exista um organismo autônomo responsável para<br />

treinar, divulgar e oferecer assessoria sobre a matéria,<br />

assim como resolver controvérsias e impor sanções<br />

administrativas eficazes a quem desrespeitar as normas.<br />

As sanções administrativas também existem nos Estados<br />

Unidos, com a aprovação da OIA (reedom of<br />

Information Act): o funcionário que não atender a<br />

solicitação de informação pode ser punido se não tiver<br />

uma justificativa para a negação da informação. Todos<br />

os órgãos do Estado devem ser obrigados a informar<br />

sobre o exercício do gasto público, uma transparência<br />

com os negócios do Estado. Isso previne corrupção e<br />

desvios de verba.<br />

Segundo o entendimento dos mexicanos, as leis<br />

devem ser corrigidas para permitir consistência jurídica,<br />

alheia ao acesso à informação. As leis conflitantes foram<br />

modificadas para que não interferissem quando alguém<br />

solicitasse alguma informação. O texto aprovado prevê<br />

alcance federal, mesmo assim se buscará que cada um<br />

dos Estados debata e regulamente a matéria no âmbito<br />

das atividades federativas dos municípios. Ao não<br />

contestar a solicitação, qualquer órgão do Estado deve<br />

liberar o acesso à informação regularmente.<br />

Também se acertou que vai haver uma educação<br />

das crianças. oram distribuídas nas escolas do México<br />

apostilas esclarecendo que as crianças tenham acesso às<br />

informações do Estado. Esse trabalho de educação da<br />

população é para ela saber que tem esse direito a qualquer<br />

momento. Isso foi aprovado após a lei de Oaxaca.<br />

Citando Calmon Alves, diretor da Cátedra de<br />

Jornalismo da Universidade de Texas, Roberto Elísio diz<br />

não existir no Brasil sequer o conceito de informação<br />

pública. Não existe aqui uma “cultura” de governo aberto.<br />

Não existe nenhuma discussão de uma lei que possibilite<br />

o acesso a essas informações. Algumas Prefeituras passam<br />

com mais facilidade essas informações, que, inclusive<br />

podem ser achadas na internet. Ou seja, até existe a<br />

possibilidade de a população acessar essas informações,<br />

mas não temos uma lei federal que garanta esse acesso.<br />

55


Segundo o Inciso 23º da Constituição Brasileira,<br />

todos têm o direito de receber dos órgãos públicos<br />

informações de seu interesse particular, ou de interesse<br />

coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei,<br />

sob pena de responsabilidade, ressalvadas as informações<br />

cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade<br />

e do Estado. Acontece que não há regulamentação e as<br />

pessoas não sabem em que constitui o sigilo. Não há<br />

nenhuma pena de responsabilidade estabelecida para o<br />

funcionário que não atende ao pedido do cidadão no<br />

que concerne a informações em poder do órgão público.<br />

No Brasil, temos o Habeas Data – no Inciso 72<br />

da Constituição do Brasil. Ele assegura que, para se ter<br />

acesso às informações, o cidadão tem que impetrar um<br />

mandado e ter a assistência de um advogado, inclusive<br />

com o fim de corrigir ou suprimir alguma informação que<br />

o Estado detenha sobre a pessoa e que esteja incorreta.<br />

Se alguém quiser saber que informação o Estado detenha<br />

sobre a minha pessoa, eu tenho que lançar mão do Hábeas<br />

Data, e, se houver algum dado incorreto, o Hábeas Data<br />

possibilita-lhe corrigi-lo. Então cada indivíduo tem de fazer<br />

isso individualmente.<br />

O Habeas Data é um mecanismo de informação<br />

muito importante. Uma lei de acesso à informação não<br />

o invalida porque é uma forma de garantir à pessoa o<br />

direito de ter acesso às informações sobre si mesmo e<br />

retificá-las, se julgar necessário.<br />

Na intenção de contribuir para a disseminação do<br />

conhecimento e da cultura da facilitação do acesso à<br />

informação, o Laboratório de Regionalidade e Gestão do<br />

IMES, por meio do seu servidor, passa agora a disponibilizar<br />

um serviço que é o “Arquivo Eletrônico de Informação<br />

Regional”, através do qual qualquer pessoa, tanto de<br />

dentro quanto de fora da faculdade, pode ter acesso às<br />

informações contidas nele do próprio site do IMES. Nele<br />

está disponível a relação de livros e trabalhos acadêmicos<br />

relacionados à região do ABC, pertencentes ao acervo do<br />

Laboratório. Qualquer pessoa que se interesse por algum<br />

conteúdo pode tirar xerox dos trabalhos ou dos livros. A<br />

pesquisa pode ser feita por palavras-chave, autor ou até<br />

mesmo por cidade. <strong>Cad</strong>a obra terá diversos de seus dados<br />

cadastrados no arquivo eletrônico, inclusive um breve<br />

resumo sobre seu conteúdo.<br />

No futuro, o arquivo, além da parte bibliográfica,<br />

irá fornecer, também, índices por meio de links,<br />

como com o Dieese, por exemplo, e está sempre sendo<br />

atualizando. Com isso, o IMES espera contribuir para<br />

56<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

o fortalecimento da região e para a disseminação das<br />

informações regionais para a sociedade.<br />

A EXPERIÊNCIA DE SANTO ANDRÉ<br />

A Cidade de Santo André (situada na região do<br />

Grande ABC) iniciou a experiência da Ouvidoria Pública<br />

municipal há quase quatro anos, por iniciativa do então<br />

prefeito Celso Daniel, tendo sido eleito Saul Gellman,<br />

que está no final do seu segundo mandato atualmente,<br />

que é bianual.<br />

O processo de eleição do Ouvidor contou com<br />

a participação do poder público local e da sociedade<br />

civil, formando um colegiado coordenado pelo órum<br />

da Cida-dania do Grande ABC, esta por sua vez uma<br />

entidade civil, sem fins lucrativos, surgida em 1994 pela<br />

aglutinação de mais de uma centena de outras entidades<br />

repre-sentativas dos mais variados setores da sociedade<br />

regional.<br />

Então neste campo – e dentro do tema do seminário<br />

– se insere a experiência de Santo André, mesmo<br />

considerando não ser a primeira experiência de auditorias.<br />

Aliás, São Caetano do Sul é mais antiga em termos<br />

de criação de uma auditoria pública municipal, mas<br />

cria uma enorme diferença ao introduzir um complexo<br />

processo que desembocou na escolha do Ouvidor por<br />

eleição. E ainda continua como processo inédito no<br />

país, sendo esta a única diferença significativa.<br />

Declara o Ouvidor que: “Nós aprendemos com<br />

o tempo que não existem ouvidorias melhores ou piores”.<br />

Ele reforça a fala do Prof. Roberto de que é importante<br />

criar um meio de ligação, de comunicação entre as diversas<br />

formas de administração, sejam elas públicas ou privadas.<br />

Da área médica ou da educação; o importante é que é<br />

um fato democrático e irreversível, um processo já<br />

desencadeado nos países nórdicos.<br />

Segundo o Ouvidor, alguns países que se<br />

desenvolvem buscando alcançar o nível de primeiro<br />

mundo atualmente, apesar de não possuírem uma lei<br />

federal, apresentam um crescimento irreversível e<br />

constante de ouvidorias públicas, porque as do setor<br />

privado dependem rigorosamente da vontade dos seus<br />

executivos – do presidente da empresa, do reitor da<br />

universidade etc. – mas considera que o importante,<br />

básico, fundamental “é a visão, a sensibilidade absolutamente<br />

clara de que uma ouvidoria é fundamental no<br />

desenvolvimento e na ligação que há entre os dois<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


pontos: o da administração e o que podemos até chamar<br />

de seu mercado de consumo, porque tudo é mercado de<br />

consumo”, pragmatiza. “O cidadão é um consumidor<br />

que tem a prerrogativa dura de pagar pelo serviço antes<br />

de recebê-lo”. A rigor, todos deveriam ter todos os seus<br />

direitos atendidos, “mas sabemos que não é bem assim”,<br />

diz Gellman. Apesar de todas as leis que possam existir<br />

nesses países, é imprescindível – ou tem sido considerada<br />

imprescindível – a criação desse instituto da ouvidoria.<br />

Pela sua experiência entende que a lei existe, mas isto<br />

não significa que o texto da lei é obedecido ipsis literis<br />

por parte dos servidores públicos. “Se todos nós fôssemos<br />

perfeitos bastaria obedecer aos dez mandamentos e estaria<br />

tudo liquidado, mas não é bem assim que acontece”,<br />

profetiza.<br />

Testemunhando a experiência de Santo André,<br />

embora peça que não considerem que seja uma propaganda<br />

política, falando que são “uma panacéia e uma<br />

solução, os fazedores de milagre de Santo André”,<br />

entende que a ouvidoria não é uma solução, mas uma<br />

ferramenta que trabalha ao lado da administração, e não<br />

contra ela, formando um todo, cuja complexidade deve<br />

ser entendida pela população. Para ele esse é um dos<br />

aspectos cujo princípio deve ser entendido inclusive pelos<br />

ouvidores: a constituição não é nova, mas a prática dela<br />

o é; com isso os novos ouvidores que ascendem a esta<br />

condição também não conhecem os seus limites, não<br />

conseguem encontrar o equilíbrio entre o que é desejável<br />

e o que é possível. O processo de implantação e desenvolvimento<br />

da ouvidoria é lento e começa com a demanda<br />

da sociedade e a disposição dos gestores públicos ou<br />

privados de se criar esse elo entre o prestador de um<br />

serviço e seus usuários, cuja experiência é realmente<br />

nova.<br />

O PONTO DE VISTA DE UM JORNALISTA<br />

Contando com uma experiência muito grande<br />

em jornalismo, tanto na área de assessoria de imprensa<br />

em órgãos oficiais como na área de redação, o jornalista<br />

Paulo Carneiro ocupa o cargo de editor-executivo do<br />

maior e mais importante jornal da região, o Diário do<br />

Grande ABC. Conta que, em 1979, trabalhava na Rede<br />

Tupi. Era a época em que estava iniciando o processo<br />

de abertura política no país, mas a censura era ainda muito<br />

forte e qualquer notícia que ia ser dada e tivesse relação<br />

com o governo demandava muito cuidado ao ser<br />

veiculada. Por isso ele afirma que não é só o acesso à<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

informação que é importante, mas também a liberdade<br />

que se tem para tratar com ela. Nessa época ocorreu a<br />

volta de Brizola (Leonel Brizola, ex-governador do Rio)<br />

do exílio, que saía do Uruguai para Nova York e ele<br />

noticiou isso. “De repente”, diz ele, “apareceu o censor<br />

que me ‘autorizou’ a dar essa informação. Evidente que<br />

eu não precisava legalmente de autorização, só que<br />

Brizola era um nome ‘indexado’ e não se podia falar nele<br />

naquela época”. Paulo Carneiro teve até que se socorrer<br />

de um advogado para proteger-se da pressão que sofreu.<br />

No mesmo período, conta Paulo Carneiro, militares<br />

chegaram à Rede Tupi para repreender quem tinha<br />

dado uma determinada notícia, mesmo tendo sido um<br />

simples nota. Houvera uma manobra militar de rotina<br />

na Serra do Mar e não era usual noticiar isso. Para azar<br />

desse redator, quem havia dado a notícia foi um repórter<br />

chamado Maurício Linine e já fizeram ilações de que,<br />

com esse nome, deveria ser alguém da esquerda engajada.<br />

O redator teve muita dificuldade para se explicar.<br />

“Então, a nossa relação com o poder é muito<br />

difícil, porque depende muito de como você vai trabalhar<br />

com a informação. Eles gostam que se noticie, mas do<br />

jeito deles”, diz o jornalista, relatando que, quando<br />

posteriormente trabalhou na assessoria de imprensa de<br />

Mário Covas, quando ele era Prefeito de São Paulo, era<br />

um período muito bom e havia uma certa liberdade de<br />

informação. Muitas pessoas procuravam por informações<br />

e ele as passava “da maneira que a Prefeitura realmente<br />

desejava”.<br />

Segundo ele, normalmente, os jornais de menor<br />

porte aproveitam os releases – “o que é um perigo”,<br />

alerta – e trabalham de acordo como o poder público<br />

quer. Já os jornais maiores o procuravam também para<br />

obter detalhes, como, por exemplo, o quanto fora gasto<br />

em determinada obra, informações que não se solta<br />

até que seja realmente necessário, mas que, na sua<br />

opinião, deveriam estar expostas para todo mundo.<br />

“Deveria ser uma coisa pública e não era”, denuncia.<br />

Carneiro relata que, ainda na Prefeitura, em<br />

outra época, já na gestão do prefeito Jânio Quadros,<br />

era muito mais difícil trabalhar, porque ele era mais<br />

exigente, embora divertido e exigia mais cuidado. Ele<br />

fazia um bilhete e os redatores tinham de redigir uma<br />

nota a partir dele. Carneiro conta que, em 1986, iria<br />

haver uma Olimpíada em São Paulo e havia a tocha<br />

olímpica que percorria diversas cidades como um fogo<br />

simbólico. O Comitê Olímpico foi entregar a tocha para<br />

57


o Jânio e este disse: “Com a idade provecta que tenho<br />

já não suporto mais tocha nenhuma!” E por não ter<br />

sido bem trabalhada essa nota, repercutiu muito mal.<br />

O jornalista informa que, nos dias atuais, aproximadamente<br />

50% dos trinta mil jornalistas do Estado de<br />

São Paulo são da área de assessoria de imprensa, o que<br />

entende ser um ponto positivo, pois facilita o acesso da<br />

imprensa às informações pelo fato de quem as passa é<br />

uma pessoa que “fala a mesma linguagem” do solicitante.<br />

Por outro lado, os assessores já conhecem o cacoete do<br />

jornalista e já se protegem aparando as arestas, ironiza.<br />

Diz notar, também, que houve muitas mudanças de uns<br />

tempos para cá, inclusive havendo uma “evolução” nos<br />

meios de comunicação de expressão, além da presença<br />

da Internet, um novo veículo que democratiza a<br />

disseminação da informação. Há um aperfeiçoamento<br />

da máquina de assessoria que serve de anteparo.<br />

Segundo Carneiro, existe um decálogo do<br />

governo atual orientando que toda nota sobre o governo<br />

tem de ser respondida sem atacar o jornalista, mas<br />

dizendo: “Tudo bem, você é genial, porém falseou<br />

determinada informação”. Isso tem gerado uma certa<br />

intimidação porque, mesmo na gestão do Partido dos<br />

Trabalhadores, os jornalistas sofrem uma certa pressão,<br />

tendo ele próprio já vivenciado essa experiência. Existe<br />

uma discussão nos meios de comunicação sobre o que é<br />

mais importante, se a ética ou a técnica. Para o jornalista,<br />

as duas devem caminhar juntas para se processar bem a<br />

questão da informação pública. Muitas vezes, a notícia<br />

não é relevante para o leitor, mas, porque o jornalista<br />

teve acesso a ela, publica-a. Lembra-nos um caso em<br />

que uma revista publicou algo sobre um filho que o expresidente<br />

ernando Henrique teria na Espanha fora do<br />

casamento. Isso não era relevante para o leitor e a<br />

imprensa não levou em conta a sensibilidade do rapaz.<br />

Apesar disto, acha que nós devemos aperfeiçoar<br />

mais esse processo, melhorando não só institucionalmente,<br />

mas também a imprensa precisa se capacitar mais para<br />

saber lidar melhor com a informação a que teve acesso<br />

através do setor público ou governamental, finaliza.<br />

58<br />

A PESQUISADORA E A LEGISLAÇÃO<br />

Lastreada na sua vasta experiência como<br />

pesquisadora em Arquivística e Historiografia, Maria de<br />

Lourdes erreira (a Malu) deslumbrou a todos os<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

debatedores e demais presentes ao seminário pelo fato<br />

de ter ido ao debate munida de farto material sobre legislação<br />

e regulamentação referente ao acesso da população<br />

à informação pública, relatando sua experiência<br />

como pesquisadora e usuária dos arquivos públicos.<br />

Ela iniciou ilustrando que a legislação sobre o<br />

acesso à informação diz respeito à administração pública<br />

e deve, obrigatoriamente, levar em consideração os<br />

documentos produzidos pelos poderes públicos, os<br />

quais são responsáveis por conservar e facilitar o acesso<br />

a esses documentos. Malu explicou que a palavra<br />

arquivo originou-se do grego “arkien”, residência dos<br />

magistrados “arkon”, quem comandava os cidadãos e<br />

detinha o direito de fazer ou de representar as leis.<br />

Desde a antiguidade tem-se esta relação entre<br />

documentos e poder. Nas monarquias os governantes os<br />

mantinham sob sua guarda e viajavam com eles em seus<br />

deslocamentos, tornando-os vulneráveis, e passa-ram a<br />

copiá-los, guardando as cópias em mosteiros, uma vez<br />

que se tinha a Igreja Católica como uma instituição<br />

organizada, passando – os mosteiros e as igrejas – a<br />

funcionarem como uma espécie de cartório. Guardavam<br />

os títulos, os contratos de casamento, que garantiam a<br />

posse de terras pelos nobres. A partir da expansão das<br />

cidades na idade média foram constituídos os arquivos<br />

urbanos sob a responsabilidade das administrações locais.<br />

Já nos séculos XVI e XVII os arquivos foram institucionalizados<br />

na Península Ibérica, todavia somente na rança<br />

adquirem o caráter de públicos, durante a Revolução<br />

rancesa. Nessa época são publicados os “Direitos<br />

Universais do Homem e do Cidadão” (1789) e a<br />

“Declaração de Virginia” (1776). Já não são mais arquivos<br />

do nobre e sim do cidadão.<br />

Referindo-se à legislação em vigor sobre a matéria<br />

em pauta, citada no início deste texto e comentada pelo<br />

professor Roberto Elísio, Malu salienta que, desde os<br />

anos 1980, foi nomeada uma comissão para elaborar um<br />

projeto de lei. Ao longo de quatro anos se trabalhou em<br />

cima disso e, finalmente, entrou em vigor, em 1991, a<br />

“Lei dos Arquivos”. Esta Lei demarca conceitualmente<br />

diversos aspectos da atividade arquivística, apresentando<br />

um conjunto de definições para os termos que são arquivos,<br />

gestão de documentos, arquivos públicos, documentos<br />

permanentes, arquivos privados; reitera o princípio<br />

constitucional de acesso do cidadão à informação governamental,<br />

bem como garante o sigilo ao determinar<br />

categorias de documentos.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Malu tem observado e esclarece que muitas pessoas<br />

carregam uma dúvida sobre a instituição arquivística<br />

pública, aquela cuja atividade, o seu fim, é a gestão,<br />

o recolhimento, a preservação e o acesso produzido por<br />

uma determinada esfera estatal. Então, no âmbito federal,<br />

a instituição arquivística pública é o Arquivo Nacional.<br />

Já no âmbito estadual é o Arquivo do Estado e,<br />

finalmente, no âmbito municipal é o Arquivo Público<br />

Municipal, os quais promover essa “gestão de documentos”.<br />

Entende a pesquisadora que o arquivo espelha<br />

instituição, é o retrato dela. Às vezes o administrador<br />

público de arquivos alega que tem um site na Internet<br />

com as informações. “Mas eles colocam lá o que querem.<br />

Publica-se somente o serviço de arquivo e protocolo, o<br />

serviço de comunicação administrativa. A maioria das<br />

Prefeituras descumpre a lei de arquivos públicos. Assim,<br />

torna-se apenas um serviço arquivístico, uma atividade<br />

meio e não uma atividade fim, como deveria ser”.<br />

Em cada Estado, continua, há um Arquivo Público<br />

Estadual que regula a atividade. O Arquivo<br />

Público de São Paulo estabeleceu um convênio com o<br />

Ministério Público e este está denunciando todos os<br />

municípios que não estão cumprindo a Lei dos Arquivos<br />

ao não instituírem o Arquivo Público Municipal. Aos<br />

poucos todos estão sendo citados.<br />

Recentemente, o Decreto 4553, de 27/12/2002,<br />

foi um duro golpe ao apagar das luzes do governo HC,<br />

o qual permitiu que os documentos classificados de ultrasecretos<br />

sejam arquivados por até 50 anos (antes era 30<br />

anos prorrogáveis por mais 30) ou até indefinidamente a<br />

critério da autoridade pública, provocando um horror<br />

para toda a comunidade arquivística e pesquisadores.<br />

“Todo cidadão deveria arrepiar-se com isso e pensar que<br />

no caso do SIVAM, por exemplo, nós nunca vamos saber<br />

direito o que foi feito, o que é bastante grave”, lamenta<br />

Malu. E, apesar de informado sobre esse fato, o presidente<br />

Luiz Inácio Lula da Silva não manifestou qualquer intenção<br />

de revogar esse decreto. A discussão sobre a “inclusão<br />

digital” não contempla a “inclusão informacional”,<br />

que são coisas diferentes.<br />

Para a pesquisadora, os princípios constitucionais<br />

que favorecem a transparência do Estado continuam<br />

longe de serem implantados. O território da “opacidade”<br />

interdita o Estado ao cidadão, enquanto se amplia a forte<br />

reserva de corrupção, denuncia.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

OS OPERADORES DO DIREITO<br />

A participação da Dra. Tânia Gambiatti de<br />

Mello, presidente da OAB/SCS, representando o pensamento<br />

dos operadores do Direito – os advogados – deixou<br />

claro que seu segmento está pouco capacitado para lidar<br />

com a questão do tema em debate. oi humilde em<br />

reconhecer que, em vez de trazer contribuições de relevo,<br />

acabou recebendo uma carga enorme de informações<br />

a respeito do assunto. Declarou-se uma pessoa muito<br />

preocupada com a história e “a História é o arquivo”,<br />

disse ela. “A minha gestão na OAB está terminando e<br />

estou preocupada em deixar tudo organizado para quem<br />

vai chegar e quer ter as informações. E repente é o<br />

arquivo “dela” (da Malu), que ela falou aqui e eu não<br />

me dava conta.<br />

alando sobre o Poder Judiciário, na lide dos<br />

processos, ela informou que a justiça estadual não possui<br />

uma ouvidoria e os advogados não têm um acesso<br />

eficiente. “Na Internet até tem o site do TJ (Tribunal de<br />

Justiça), mas é muito pouco”. Já na justiça federal, na<br />

esfera da justiça do trabalho, existe uma ouvidoria e que,<br />

segundo a Dra. Tânia, está funcionando, pois lá se tem<br />

acesso a qualquer processo, pois certa feita reclamou pelo<br />

site e obteve resposta. Alega que o conteúdo de um<br />

processo não é público, mas o seu andamento o é. “Apesar<br />

disso”, acredita, “já tivemos ouvidores mais acessíveis<br />

pelo país”.<br />

Quanto ao “Habeas Data”, durante os vinte<br />

anos que advogo nunca vi um processo dessa natureza.<br />

“Nós, os brasileiros, não estamos acostumados a isso,<br />

a imaginar que eu tenho acesso, eu posso saber sobre<br />

meus dados ou outra coisa. Algum colega comenta, de<br />

passagem, mas eu nunca vi.”<br />

Como ilustração ela comenta que, em São<br />

Caetano do Sul, existe uma lei que impede haver uma<br />

empresa funerária a menos do que três quilômetros da<br />

outra e que, desta forma, dadas as dimensões do município,<br />

deveria haver somente duas delas. Ela queria saber<br />

o teor da referida lei e não conseguiu pela vias formais,<br />

precisando recorrer a amigos para obter o que queria.<br />

“Perguntavam para que eu queria saber sobre a lei”,<br />

ironiza a advogada.<br />

Dando um depoimento pessoal, diz a advogada:<br />

“Outra coisa que eu quero mencionar é que, no meu<br />

parecer, os jornalistas hoje em dia dão notícias de acordo<br />

com o seu interesse. Não sei se esse interesse é do próprio<br />

59


jornalista ou do diretor, pois já tive um problema relacionado<br />

a esse assunto”.<br />

Já em relação à documentação pública, ela<br />

acredita que seja uma questão de cultura. “Nós, brasileiros,<br />

não estamos acostumados a procurar informações<br />

públicas, ao contrário do México (referindo-se à fala do<br />

professor Roberto) que briga pelos seus direitos. Acho<br />

que isso é necessário e deve passar a ser um hábito nosso”,<br />

sugere e conclui: “Já minhas filhas estão acostumadas a<br />

acessar a Internet, e essa geração pode mudar esse estado<br />

de coisas através do acesso à informação”.<br />

A CONTRIBUIÇÃO DA PLATÉIA<br />

AO DEBATE<br />

No segundo momento do debate, houve uma<br />

intensa participação das pessoas presentes levantando<br />

questões para os expositores – e estes, por sua vez,<br />

entre si – algumas das quais são aqui apresentadas.<br />

VÍTOR DA SILVA BITTENCOURT<br />

O professor Vítor Bittencourt é aluno do<br />

Programa de Mestrado do IMES e faz sua pesquisa sobre<br />

as instituições de ensino superior da região, algumas<br />

das quais apresentam o regime jurídico de autarquias<br />

municipais. Daí a sua argüição.<br />

“Ao pesquisar as instituições de ensino superior<br />

da região, incluindo aí as autarquias aculdade de<br />

Direito de São Bernardo, a undação Santo André e o<br />

IMES de São Caetano do Sul, quais os caminhos que<br />

eu devo tomar quando eu precisar fazer a minha pesquisa<br />

ou efetuar o meu levantamento sobre as informações<br />

dos últimos 20 anos, por exemplo, que é o período que<br />

nós vamos pesquisar? Quais as atividades de marketing<br />

que elas desenvolveram, principalmente as autarquias?<br />

Até porque existe a concorrência entre elas – apesar de<br />

ter um objetivo acadêmico –, pode gerar alguma<br />

dificuldade no acesso a essa informação, que é pública,<br />

já que se refere a uma autarquia? Eu gostaria de saber,<br />

por exemplo, quanto a undação gastou em publicidade<br />

nos últimos 20 anos e em quais veículos. Como eu<br />

conseguiria uma informação como esta?”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Eu acho que, no caso das autarquias, é complicado<br />

porque não deixam de ser empresas.”<br />

60<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />

O professor Sílvio é especialista em Marketing<br />

e atua como docente no Programa de Mestrado em<br />

Administração do IMES, além de chefiar uma agência<br />

do governo do Estado, reguladora dos pedágios das<br />

estradas paulistas. Sua fala traduz a experiência de quem<br />

tem de lidar com a informação pública da fonte para o<br />

público, sob o filtro da imprensa.<br />

“A questão que ele coloca entra no limbo da nossa<br />

conversa e é de extrema importância. A autarquia, na<br />

realidade, é uma figura jurídica de direito público, uma<br />

extensão do Estado, com características próprias, mas ela<br />

obedece toda uma liturgia de extensão pública. Em tese,<br />

deveriam ser mantidas às expensas do governo municipal,<br />

estadual, etc. Por circunstâncias, as autarquias voltadas<br />

ao ensino superior têm uma remuneração (via mensalidade)<br />

que acaba gerando essa coisa meio que “líquida-pastosa”.<br />

E nesse aspecto existem outras autarquias que também<br />

têm desempenhos de forma competitiva sob a ótica da<br />

formalidade, mas se você encarar sob a gestão daquela<br />

entidade, é possível que haja algum zelo, alguma inibição<br />

em oferecer dados de impacto, de marketing, por exemplo.<br />

De fato, eu não tenho resposta, não sei como se explica<br />

isso, se estaria abrangido nesta concepção de que é pública<br />

e deve dar informação, já que isto não é exatamente uma<br />

questão de segurança, não está nos quesitos que<br />

justificariam a exceção.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Ele vai ter esse mesmo problema quando fizer<br />

esta mesma pesquisa na área privada.”<br />

MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“Nas instituições privadas, não tenho dúvidas<br />

que dependerá dos donos, mas, e nas autarquias, há<br />

alguma diferença? Pela legislação em vigor, elas se<br />

enquadram na definição de públicas, porque, embora<br />

de caráter privado, estão exercendo uma função de<br />

guardar documentos de caráter público e assim deveriam<br />

agir conforme a Lei de Arquivos, artigo 7, § 1º .”<br />

SAUL GELLMAN<br />

Pelo inusitado do cargo, o Ouvidor de Santo<br />

André foi bastante instado a falar sobre sua pasta, seja<br />

enquanto representante do poder público seja do ponto<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


de vista do munícipe-cidadão-usuário que a ele recorre<br />

quando necessita obter uma informação a respeito do<br />

andamento de um processo administrativo.<br />

“Deixe-me achar uma abertura para explicar o<br />

que é uma ouvidoria e como não existem duas iguais.<br />

Na verdade, a ouvidoria de Santo André foi criada com<br />

determinados objetivos e com determinadas limitações.<br />

Devo dar um exemplo muito forte: a diferença da<br />

auditoria de Santo André com a da cidade de São Paulo.<br />

A lei que a criou determina que as relações de trabalho<br />

entre o funcionalismo e a administração não são de<br />

competência (não sofrem a interferência) da ouvidoria<br />

– isso, em Santo André. São Paulo não se preocupa<br />

com isso. Resultado: passa-se a maior parte do tempo<br />

em discussão das relações de trabalho entre os<br />

funcionários em relação à administração do que do<br />

munícipe em relação à administração. Se não houve<br />

um cuidado com essa questão o foco foi desviado e o<br />

desempenho dessa ouvidoria vai ficar comprometido.<br />

Então, o que eu quero dizer é que, infelizmente, o seu<br />

problema não pode vir para a auditoria de Santo André,<br />

mas eu penso que você suscita uma questão filosófica<br />

que deve ser levantada sobre até onde uma autarquia<br />

tem o direito de guardar os seus arquivos ou abri-los e<br />

o que é realmente uma definição de uma autarquia. No<br />

caso da Semasa, em Santo André, ela tem a obrigação<br />

de publicar os seus balanços porque é uma empresa<br />

monopolista, pois ela é a única fornecedora, mas ela<br />

não é sustentada pelo Estado ou pelo município, ao<br />

contrário, ela tem de se auto-sustentar e apresentar<br />

resultados, porque senão seria considerada má gestão.<br />

Então, provavelmente, no seu balanço deverão ser<br />

publicados inclusive os recursos do orçamento para<br />

marketing ou para investimento. Eu estou falando de<br />

empresa porque é mais fácil. Em escola, de fato, não é<br />

minha área. Eu não sei se os ajudei a obter uma idéia<br />

do que possa ser uma ouvidoria.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Eu tenho uma questão a respeito da ouvidoria.<br />

Vocês já receberam algum pedido de munícipes a respeito<br />

de informações em poder da Prefeitura?”<br />

SAUL GELLMAN<br />

“A auditoria foi criada com a intenção de facilitar<br />

a vida do munícipe no que se refere a todos os servi-<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

ços prestados pela Prefeitura. O trabalho interessante e<br />

básico de uma ouvidoria é que ela é uma conseqüência<br />

de uma série de ações. Ela não foi criada a partir do<br />

momento em que se decidiu criar uma auditoria e sim<br />

como complemento de um processo de modernização<br />

da administração, para propiciar facilidade de acesso do<br />

munícipe às informações sobre aquilo que lhe interessa<br />

diretamente, ou seja, um pedido feito à Prefeitura, um<br />

processo aberto, a facilidade ou não de ter uma resposta<br />

e, tendo como conseqüência final, desde que não recebida<br />

resposta ou desde que a resposta não seja satisfatória,<br />

ele recorre à ouvidoria, que se manifesta em favor do<br />

cidadão “em princípio”, uma vez que também a ouvidoria<br />

considera que haja, no mínimo, o benefício da<br />

dúvida em favor do cidadão. Quando cidadão recorre à<br />

ouvidoria, no princípio, tem 100% de crédito; às vezes,<br />

após levantamento da questão, ele não tem razão. Ele<br />

também é um ser humano, ele distorce, ele acrescenta,<br />

ele manipula e, às vezes, nós entramos ou não (como<br />

demanda). É um processo que, no mínimo, deve-se<br />

começar pela disposição do ouvidor em não querer ter<br />

as luzes sobre si. Ele é um instrumento e não é o ator<br />

principal da história. Esta é uma condição é fundamental<br />

porque ele se preocupa em resolver o problema do<br />

munícipe.<br />

A cidade de Santo André tem 500 serviços. O<br />

que ela fez: relacionou um chamado “Guia ácil” e foram<br />

distribuídos, há dois anos, 150 mil exemplares, os quais<br />

correspondiam, na época, às 150 mil residências da cidade.<br />

Seu papel e o seu formato era de jornal. Nesse Guia ácil<br />

constam todos os serviços com custo e com prazos para<br />

atendimento, inclusive com alguns prazos absurdos (de<br />

300 dias) para se obter uma informação – apesar de ser<br />

muito raro. E esta é uma baliza com que trabalha o ouvidor<br />

porque senão ficaria apenas na dependência do seu bomsenso<br />

e isso é muito pouco.<br />

Com base nisso, é possível fazer um trabalho.<br />

É perfeito esse guia? Absolutamente; ele é imperfeito,<br />

vai ser revisto – tanto é que os exemplares estão no fim<br />

– já que vai haver uma segunda edição. Agora, esses<br />

prazos existem, embora não tenham sido discutidos com<br />

o ouvidor e eles (os funcionários) os determinaram<br />

embora eles próprios respeitam. Isso ocorre, muitas vezes,<br />

porque realmente é imperfeita a relação entre a<br />

administração e o munícipe. Voltando ao tema do nosso<br />

encontro, exatamente porque a informação não é<br />

prestada de forma clara, transparente e, principalmente,<br />

61


com a consciência do funcionário de que ele é um<br />

“servidor do público” e não um mero “servidor público”.<br />

É o seu trabalho e tem de estar à disposição do público.<br />

E aí a ouvidoria recebe essa missão (que deve ser<br />

considerada como tal) de tentar obter a resposta que o<br />

munícipe não consegue obter sozinho. Por força da lei a<br />

ouvidoria tem mais força do que tem o munícipe no seu<br />

particular. Já em relação a prazos, em Santo André, a lei<br />

determina que, recebido o pedido, o funcionário tem<br />

cinco dias úteis para iniciar um processo para indeferir<br />

ou não o pedido e a secretaria, ou o departamento, tem<br />

vinte dias corridos para responder. Nós classificamos o<br />

processo aberto em dois: o que chamamos de “encerrado”<br />

– quando aceitamos a resposta – e o que chamamos de<br />

“resolvido” – quando a resposta realmente satisfaz não<br />

só à ouvidoria como ao munícipe, quando chegou ao<br />

encontro do que ele precisa e aí é uma festa. Muitas vezes<br />

nós recebemos as respostas e as consideramos plausíveis,<br />

mas não satisfatórias quanto no pedido do munícipe. Este<br />

é o objetivo. Agora, como conseguir esse objetivo?<br />

Regime militar? Impondo?<br />

Estamos falando de um organismo com sete ou<br />

oito mil funcionários. E o funcionário acreditando, em<br />

primeira mão, que o ouvidor é um dedo-duro, auditor<br />

ou fiscal, enfim, alguém que vai prejudicá-lo. As<br />

referências para a atuação, um curso de auditoria, uma<br />

prática, não existem; vai-se aprendendo sozinho, mas<br />

você tem que entender que vai “engolir sapo”, que você<br />

vai, talvez, ter que “seduzir” o setor. Usando um pouco<br />

da pressão que a lei dá e um pouco de diplomacia até<br />

conquistar a confiança do funcionalismo.<br />

Quando Mário Covas, ex-prefeito de São Paulo,<br />

criou o Centro de Auditoria de São Paulo – e lamento<br />

dizer que a maior parte desse serviço não vingou –, ele<br />

dizia que não queria no ouvidor um “senador” para<br />

resolver as questões. Ele queria alguém que atendesse<br />

as pessoas no seu particular, na sua questão. Resolvida a<br />

questão, estava encerrado o assunto. Não se procura o<br />

culpado e não se recomenda a punição, mas também cabe<br />

à Secretaria fiscalizar a unidade e nós, depois de algum<br />

tempo, sem dúvida, teremos a condição de fazer recomendações<br />

que serão ou não comunicadas pela secretaria ou<br />

pela administração e é só. Este é o papel da auditoria.<br />

Muitas das recomendações não serão nem lidas e nós<br />

sabemos disso. Agora, nós esperamos que o processo<br />

evolua e questões básicas sejam resolvidas.<br />

62<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Existem questões em Santo André, por exemplo,<br />

que podem tocar vocês, quanto à remoção de árvores. A<br />

poda e a remoção de árvores. “A árvore (e olha que eu<br />

amo árvores)”, dizia o munícipe, “em frente à minha<br />

casa, faz muita sujeira e ela tem de ser podada. Ela também<br />

está muito alta. Além do mais, as folhas que caem<br />

no meu telhado e na minha calha entopem os encanamentos”.<br />

As árvores de todo o mundo têm o hábito de<br />

soltar folhas e quem tem uma casa tem que zelar por ela;<br />

é de responsabilidade do próprio dono limpar a calha<br />

como tem de limpar a caixa d’água, como tem de varrer<br />

as folhas que caem no seu quintal, apesar de que, na rua,<br />

a responsabilidade é do poder público. Então, até os meus<br />

vizinhos reclamam! Dizem que eu não tomo providência.<br />

Mas por que, a árvore é sua? Não, a árvore é um bem<br />

público, de todos nós. Você não é responsável se a raiz<br />

está quebrando a calçada do vizinho. Essas questões,<br />

três anos e meio depois, ainda não foram resolvidas. O<br />

departamento da área verde se sente o dono da verdade<br />

e as recomendações não se referem à comunicação, à<br />

transparência, entender e ouvir o munícipe, porque não<br />

se esqueça: nós podemos achar banal a questão, mas não<br />

é, porque quando o cidadão reclama demais, ele está<br />

dizendo o seguinte: ‘Eu não acredito no poder público<br />

porque se essa árvore está aí na minha casa e derrubar<br />

alguma coisa, eu não vou ser ressarcido’. Isso é o que ele<br />

está dizendo e ‘é por isso que eu quero que tirem essa<br />

árvore porque balança e me assusta quando eu durmo’.<br />

Dá para fazer um livro sobre por que um cidadão<br />

simplesmente faz um pedido para tirar uma árvore. Isto<br />

reflete a falta de confiança no poder público.<br />

Eu gostaria de dizer, ainda, que seria bom que<br />

uma ouvidoria fosse responsável por suprir a implantação<br />

de uma universidade ou de uma orquestra sinfônica<br />

no seu bairro ou uma biblioteca melhor e deixasse essas<br />

questões básicas resolvidas. Ainda nós não estamos lá.<br />

az parte de toda a questão básica desse encontro, mas<br />

as ouvidorias são limitadas no seu espaço, no seu contexto<br />

e deve ser mesmo, porque não há capacidade para<br />

resolver tudo. Ela é apenas um passo a mais. E como<br />

eu disse no começo, a autoridade máxima, mais do que<br />

o ouvidor, tem de entender que o papel do ouvidor, com<br />

a agravante do risco de ser uma pasta, uma assessoria –<br />

e esse risco é grande – pode depor contra aquele que<br />

instituiu a ouvidoria. Não pode ser uma brincadeira!<br />

Então seria melhor não criar uma ouvidoria porque,<br />

então, seria inventar de maneira demagógica ou sem<br />

maiores preparos.”<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“Se eu não consigo uma informação de Santo<br />

André, sendo moradora de São Bernardo do Campo,<br />

posso entrar com um pedido na ouvidoria?”<br />

SAUL GELLMAN<br />

“Quero acrescentar que a ouvidoria não é a porta<br />

de entrada na Prefeitura. Então o pedido tem que ser<br />

feito primeiro à Prefeitura e, com esse pedido, haverá<br />

um número. A praça de atendimento – ou o que chamam<br />

de “one ácil” – registra e fornece o número do seu<br />

pedido, e ele dá um prazo para que este pedido seja<br />

respondido. Passou deste prazo e não foi atendido é mais<br />

do que seguro procurar os direitos e recorrer à ouvidoria.”<br />

MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“Gostaria de dizer que em um seminário internacional<br />

a diretora do arquivo do México relatou um<br />

convênio firmado com as forças armadas para que os<br />

jovens das comunidades longínquas ajudassem na<br />

recuperação dos documentos que se deterioravam em<br />

porões úmidos, higienizando e classificando-os de<br />

acordo com um manual. Era uma questão de segurança<br />

nacional, uma forma de criar uma identidade entre<br />

aqueles jovens, suas famílias e a memória da sua nação,<br />

do seu País. E eles se encantaram com essa relação.<br />

Com relação à questão sobre disponibilizar a<br />

informação na Internet, eu acho que não é o mesmo<br />

que disponibilizar a informação pública. Eu acho que<br />

isso é outra coisa.<br />

O acesso à informação independe de uma forma<br />

de política nacional que envolva o tratamento dessa<br />

documentação eletrônica. Daí a gente tem um problema<br />

muito sério agora com toda essa documentação eletrônica,<br />

como lidar com ela, que necessita ser discutida<br />

no âmbito das administrações, o que você gerencia e<br />

como conserva. Até se pergunta, às vezes: O que vai<br />

ser do historiador no futuro com essas ferramentas?<br />

Como é que vai ser gerencia-da essa comunicação, pois<br />

não se consegue organizar, não existe uma gestão. Nós<br />

precisamos de uma série de informação completa.<br />

Também se deve preocupar com aquele documento que<br />

está sendo produzido agora e não só o documento<br />

antigo. Quem trabalha com esses arquivos em geral são<br />

oficiais administrativos, sem preparo adequado.”<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

PROESSOR EXPEDITO NUNES<br />

“Pelo correr do debate fica claro que a cultura<br />

pelo interesse à informação não existe sequer no poder<br />

público e sequer no próprio cidadão que, de certa forma<br />

ostensiva, me parece que é um problema de educação.<br />

Nós estamos numa instituição de educação e é como se<br />

fosse uma corda circular com duas pontas que se unem<br />

em um mesmo ponto. A Dra. Tânia falou que obteve<br />

uma informação que se quer importante e que não<br />

conseguira pelas vias formais. Então por uma questão<br />

de cultura um cidadão que não sabe lidar com essa<br />

questão mas também não conhece ninguém com<br />

autoridade para ‘dar um jeitinho’ acaba por não ter acesso<br />

à informação.<br />

E como é a experiência do jornalista, em termos<br />

da região, esse retrocesso democrático sobre o<br />

prolongamento dos prazos referido pela Malu? Pareceme<br />

que, agora, estamos em um período dos mais ‘civis’<br />

da administração pública federal, enfim, parece que é<br />

um retrocesso do ponto de vista do acesso e do direito<br />

do cidadão à informação pública.”<br />

PAULO CARNEIRO<br />

Eu conheço o professor Sílvio Minciotti há muito<br />

tempo e sei que ele trabalha no serviço público. Eu posso<br />

procurá-lo e obter uma informação de forma reservada,<br />

mas essa maneira informal de obter uma informação<br />

pública corre um risco ético.<br />

Então, eu acho que a gente ainda vive esse<br />

requisito de entulho autoritário e é difícil de se livrar,<br />

porque não há uma cultura de cidadania, de direito.<br />

Chega lá e o próprio funcionário que vai conhecer a<br />

informação está dando um acesso porque é um direito,<br />

está na lei. Um exemplo concreto é de um rádio-repórter<br />

policial. Ele tem o direito de pegar o Boletim de<br />

Ocorrência na delegacia. Como em qualquer lugar do<br />

mundo, isso acontece. Um delegado de Diadema resolveu<br />

não dar acesso ao B.O. Mas o repórter ficou desesperado,<br />

disse que precisava daquilo para fazer a matéria e que<br />

era cobrado pelo editor e insistiu. O delegado olhou para<br />

a 45 e começou a ameaçar. O repórter foi embora para a<br />

corregedoria. O corregedor deu a resposta e pediu para<br />

falar com o secretário de segurança, que confirmou que<br />

o acesso ao B.O. é livre, estranhando o fato. Após isso, o<br />

repórter voltou para a delegacia e o delegado começou a<br />

fazer discursos. Enfim, o repórter não conseguiu fazer a<br />

63


matéria. Parece que ele alegou que teve alguns problemas<br />

técnicos. Então, é uma questão de cultura, principalmente<br />

em relação a essa educação autoritária que ele teve que<br />

às vezes é ofensiva. Ele faz o que quer por ter o “poder<br />

de funcionário” que não deveria ter. ica difícil porque,<br />

neste caso, trata-se de informação pública. No caso de<br />

Diadema, a alegação do delegado é que se trata de uma<br />

cidade que tem um índice de criminalidade que, às vezes,<br />

tem de ser atribuído ao fato de situar-se em uma fronteira,<br />

onde acontecem crimes em outras cidades, e o B.O. é<br />

feito lá, porque é acessível, gerando uma relação desproporcional<br />

ao número de casos de homicídios. Por esse<br />

motivo, eles relutam em permitir algum acesso, mas o<br />

que a gente vê é essa dificuldade. E às vezes a indignação<br />

é de nós próprios e a gente não sabe o que fazer. É uma<br />

coisa que tem de ser dissipada gradativamente, o que<br />

poderia mudar essa postura. Nós vivemos hoje mesmo<br />

o regime em plena democracia. Quem chega ao poder<br />

por vezes beneficia-se também nesse resquício do autoritarismo<br />

e tira um pouco de proveito disso. Às vezes até<br />

com essa feição democrática aparente existe um certo<br />

cerceamento da informação. Algumas vezes isso é até<br />

planejado nesse sentido.<br />

Em relação à questão da formalidade, muitas<br />

vezes, até por cultura ou pela dificuldade das vias formais<br />

sobre a informação e a informalidade através do conhecimento<br />

você acaba tendo acesso, só que as pessoas que<br />

não têm essa possibilidade e não conhecem ninguém,<br />

acabam não tendo acesso à informação.<br />

Já a informalidade no caso dos jornalistas, ao<br />

usar essas informações de forma técnica, envolve a<br />

questão da ética. Você dá ou não uma informação que<br />

seria importante, porém eu posso dar a informação<br />

(publicar a notícia) porque ela foi coletada informalmente,<br />

mas aí entra o perigo, principalmente quando<br />

envolve poder público na utilização dessas informações<br />

na imprensa. Nesse momento entra o aspecto ético, pois<br />

a informação pode prejudicar alguém. Tem que ter esse<br />

fundamento, independente do grau da força do poder,<br />

tem que ter uma comprovação.”<br />

MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“E quando são trabalhos sob questões ligadas<br />

ao poder público, como a saúde e a educação? É um<br />

pressuposto que eu tinha, em um determinado momento.<br />

Por ter trabalhado dentro das administrações,<br />

64<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

eu achava que isso facilitaria o acesso à pesquisa, primeiro<br />

porque não acarretaria uma dificuldade maior, e,<br />

em segundo lugar, de repente pode ter uma série de<br />

coisas interessantes e o funcionário não sabe por que,<br />

então, como ele vai pedir? Por isso, muitas pessoas da<br />

comunicação sabem e têm acesso.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“O poder público, muitas vezes, utiliza a imprensa<br />

para veicular as informações que interessam. Então,<br />

o governo, o Estado, envia informações que, na realidade,<br />

não passam de propagandas. O governo vai fazer uma<br />

obra, por exemplo, e divulga isso para a imprensa para<br />

ter um espaço, não para informar o público, e sim fazer<br />

propaganda. O jornalista simplesmente pode publicar<br />

isso, e tem direito, mas ele deve ir atrás para saber se<br />

essa obra é importante, o quanto vai ser gasto, como foi<br />

feita a concorrência, se é realmente necessária, como<br />

era antes e como vai ficar no futuro. Essas informações<br />

eles só vão obter também através do poder público. Para<br />

fazer uma reportagem – não apenas publicar dando um<br />

espaço para fazer propagandas – o jornalista tem de ir<br />

atrás para não informar nada sem prova e, também, para<br />

não ficar publicando algo que seja apenas “propaganda”<br />

para o público. Por isso, o jornalista deve ir atrás de<br />

determinados dados e saber qual será o seu impacto.<br />

Muitas vezes esses dados são sonegados, pois essas<br />

informações acabam sendo filtradas pelo poder público<br />

para que a matéria mostre o lado positivo da ação do<br />

Estado.”<br />

PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />

“A conversa está convergindo por uma vertente<br />

extremamente interessante, o que nos remete, também,<br />

para completar esse diagnóstico e tentar entender por<br />

que são sonegadas essas informações. Pode ser para fugir<br />

do controle, de uma prestação de contas, porque é mais<br />

confortável atirar uma seta e depois desenhar o alvo em<br />

volta dela para não correr o risco de errar ao invés de<br />

tentar antes. Mas há também uma relação complicada<br />

entre a autoridade e a opinião pública e os setores que<br />

fazem essa comunicação. Então, também não é menos<br />

verdade que, invariavelmente, utilizam-se informações<br />

de forma pesada com interesses. O professor Roberto<br />

faz um desenho daquilo que seria uma condição ideal.<br />

Quem recebe uma informação deve, primeiro, respeitála,<br />

tratá-la na sua plenitude. Deve-se fazer a investigação<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


necessária para que não sofra distorção e consiga chegar<br />

ao final de uma forma plena, de forma contributiva.<br />

A questão é que, também não é menos verdade,<br />

pouca gente sabe o que fazer com a informação. E aí pinça<br />

aquilo que é legível a qualquer cristão e usa aquilo como<br />

se fosse a grande essência da formalidade, e não o é. Aquilo<br />

pode ser muito bom para um, mas se for muito ruim, se<br />

analisar no contexto da introdução, ele se neutraliza, ele<br />

se explica. Nós vivemos no país num momento muito<br />

complicado, porque depois, freqüentemente, você vai ver<br />

que não tinha acontecido nada, porque aquilo não tinha<br />

fundamento e nem procedência, era uma parte de uma<br />

história que não foi muito bem colocada e, quando foi ver<br />

bem, não era nada daquilo. Conclusão: isso acaba também<br />

acirrando essa posição contrária cerceando a informação.<br />

Então, nós vamos ter pelo menos dois motivos que eu<br />

resumo para que a informação seja negada. Um é quando<br />

eu não entrego a informação para que ninguém saiba o<br />

que eu tenho que fazer. E o outro é o temor quando vou<br />

ter que explicar para a pessoa porque senão ela não vai<br />

entender. Se ele sai por aí com isso e vai fazer mal uso, e<br />

como eu não tenho como explicar, escondo-a.<br />

Simplesmente disponibilizar a informação, sem<br />

que sequer você retifique, qual é o seu esforço? Porque<br />

senão você estará fornecendo um dado e não uma<br />

informação (a qual é um dado ‘trabalhado’) um conjunto<br />

de informações que só tem sentido quando completo.<br />

Eu acho que nós estamos discutindo uma questão<br />

absolutamente relevante, que é a disponibilização da<br />

informação, e eu gostaria de concluir que disponibilizar<br />

informação é uma parte muito importante da história,<br />

mas que poderá ficar muito melhor se, ao disponibilizála,<br />

você também entregar um instrumental a alguém ou<br />

se coloque à disposição. ‘Qual é o problema que você<br />

tem para que eu possa ajudá-lo?’ Muitas vezes, não se<br />

sabem as informações que se tem e que poderiam ser<br />

fundamentais. Assim haveria menos risco de a informação<br />

ser mal usada. Infelizmente há pessoas que fazem<br />

o mal uso da informação, mas estas poucas pessoas fazem<br />

um estrago muito grande. É como se alguém pegasse<br />

um grande travesseiro de penas e jogasse as penas e, em<br />

seguida, alguém dissesse: ‘Ora, não foi bem assim. Vou<br />

pegar tudo de volta’. Nunca mais se consegue recuperar<br />

isso. Depois que se gerou uma notícia, um fato ou um<br />

boato ruim, você não recupera. Então, este temor está<br />

sempre presente. E hoje eu digo o seguinte por experiência<br />

própria: ser administrador público é uma atividade de<br />

altíssimo risco. Qualquer um pode entrar com uma ação<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

popular. O Estado não defende esse funcionário. Ele<br />

tem que contratar um advogado para se defender de um<br />

eventual uso equivocado de alguma informação que<br />

alguém prestou. Aí o que acontece: é mais cômodo para<br />

ele dizer não! Então, nós estamos tocando em um ponto<br />

que é de extrema importância. Ter acesso é a mínima<br />

demonstração de cidadania e a União, os Estados e os<br />

Municípios têm de passar as informações. Isso tem de<br />

ficar enraizado na alma do servidor público, fazendo parte<br />

do seu ideário. Agora é preciso que também não deixemos<br />

de compor no diagnóstico quais as causas que geram<br />

esses efeitos, senão vamos ficar com a sensação de que<br />

só o dolo, a má intenção que há no lugar da informação<br />

tem que estar presente. Tem uma outra causa que<br />

também gera uma possibilidade que também pode ser<br />

trabalhada.”<br />

MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“A revista Cenário Arquivístico, da Associação<br />

Brasileira de Tipologia, em seu primeiro artigo, fala sobre<br />

cessão e utilização de arquivos produzidos ou sob a guarda<br />

de um órgão público, comentado por um advogado<br />

professor de Direito Constitucional e por um consultor<br />

legislativo da Câmara dos Deputados e também mestre<br />

em Direito na UNB. Aqui são relatadas todas as possíveis<br />

situações que possam ocorrer: a citação de um órgão<br />

público, a violação do direito de imagem das pessoas, do<br />

registro, dos instrumentos etc.<br />

Há todo um cuidado no acesso à documentação<br />

arquivística, de maneira a procurar prevenir aquele que<br />

segue essa informação, mas de maneira que as pessoas<br />

saibam claramente que existe seu direito. Um determinado<br />

autor discute à luz da legislação, colocando o<br />

direito das pessoas ao uso da informação, seja um pesquisador,<br />

um jornalista ou cidadão comum. As questões,<br />

as preocupações, os cuidados que se deve ter pelos<br />

usuários dos arquivos públicos, para o fornecimento<br />

dessas informações. Desta forma sabemos que é possível<br />

cercear o direito à informação, mas, conhecendo<br />

a lei, vamos tomar certos cuidados.<br />

Eu queria fazer uma pergunta ao Paulo: quando<br />

iniciei minhas pesquisas, no Diário do Grande ABC e na<br />

biblioteca de Santo André, nos anos 1970, havia muito<br />

mais “ABC” nos jornais do que tem hoje. Parece que<br />

havia uma preocupação maior de noticiar a região. Hoje,<br />

tem muitos fatos que a gente sabe que estão acontecendo<br />

65


e eles não estão no jornal. O que é isso? Também vejo<br />

que hoje não há uma certa preocupação em colocar as<br />

informações da região à disposição do público.”<br />

PAULO CARNEIRO<br />

“Talvez isso pelo fato de os leitores que buscam<br />

o Diário estarem em busca de informações sobre sua<br />

região nos jornais, mas, ao mesmo tempo, estarem preocupados<br />

com outros lugares, como o World Trade Center,<br />

por exemplo. Aí a gente pega aquele fato sobre o qual<br />

está todo mundo falando e coloca lá. Mas eu diria que se<br />

deve ao fato de que o Diário não tem um forte concorrente<br />

na região. No caso do Diário do Grande ABC, fica<br />

difícil pelo fato de abranger as sete cidades, porém nem<br />

todas produzem o mesmo volume de notícias de interesse<br />

geral. Eu participo do “Conselho de Leitores” do jornal,<br />

formado por um grupo de leitores que se reúnem para<br />

discutir as matérias que são publicadas, e a dúvida que<br />

você expõe elas expõem também. Um deles apontou mais<br />

matéria sobre Mauá do que sobre Santo André, já que<br />

esta é maior e produz mais notícias. Há uma dificuldade<br />

em selecionar e fazer uma distribuição hierarquizada<br />

disso. Hoje penso que isso se deve à concorrência dos<br />

jornais de fora (os grandes) que provocam notícias de<br />

fora da região. E o Conselho detecta isso – e eu concordo<br />

– que há muitas notícias de agências, negligenciando a<br />

região. Você como pesquisadora gostaria de ver mais<br />

notícias sobre a região porque sobre outras localidades<br />

você já viu nos demais jornais. A diferença é que eles<br />

noticiam no “pirulito”, enquanto no Diário nós trabalhamos<br />

melhor e damos uma manchete.<br />

Em decorrência disto, nos anos 1960/1970, o<br />

jornal Diário do Grande ABC era muito mais centrado<br />

na região do ABC do que é hoje, mas deveria ter uma<br />

carga maior de informações regionais ao leitor. O que<br />

acontece também nos dias de hoje é que a gente pode<br />

trabalhar melhor em uma matéria da região enquanto<br />

um algum jornal grande de São Paulo o publica com<br />

menor ênfase.”<br />

PROESSOR EXPEDITO NUNES<br />

“Eu gostaria que o Paulo pudesse confirmar um<br />

número comentado no órum da Cidadania do Grande<br />

ABC, o qual eu pesquiso, sobre a abrangência do Diário<br />

do Grande ABC ser de aproximadamente 10% da<br />

população do Grande ABC que procura informação, o<br />

66<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

que dá para perceber que poucos têm acesso. A informação<br />

até é veiculada, mas, como a população que tem<br />

acesso é pequena, dá a impressão de que a informação<br />

não foi veiculada. Isso procede?”<br />

PAULO CARNEIRO<br />

“O Diário do Grande ABC e outros também. A<br />

maior parte da distribuição acaba indo para assinantes.<br />

A venda em bancas é menor. Os números oficiais me<br />

parecem que são 35 mil assinantes e o número de<br />

vendas em bancas, que tem caído recentemente, por<br />

motivos internos os quais os senhores devem estar<br />

acompanhando, gira em torno de 10 mil. Eu não tenho<br />

com muita precisão esta informação por não ser da<br />

minha área e eu não me preocupo muito com ela. Talvez<br />

o Saul saiba mais sobre isso porque a Prefeitura de Santo<br />

André trabalha com essas informações porque o jornal<br />

interessa para a Prefeitura por ser a principal mídia da<br />

região. Eles podem até ter uma pesquisa própria em<br />

relação a isso. O que eu sei, e posso confirmar, é que o<br />

Diário é lido por 70% das pessoas que lêem jornais na<br />

região. Uma pequena parte desta parcela lê dois jornais:<br />

o Diário do Grande ABC e algum outro, mas grande parte<br />

lê somente o Diário. Então, o jornal tem essa importância<br />

como veículo de informação e se reflete até no próprio<br />

comportamento de alguns. Se o caderno “Cultura e<br />

Lazer” publicar algum evento, muitos acabam indo, ao<br />

contrário do que se não houvesse a publicação. Outro<br />

dia um conselheiro me dizia que um evento em São<br />

Caetano do Sul não teve público por não ter saído no<br />

Diário do Grande ABC. Outro dia ele estava em outro<br />

evento de outra cidade e viu muita gente com o caderno<br />

de “Cultura e Lazer” debaixo do braço. Talvez não nesta<br />

proporção, mas o jornal é um forte formador de opinião.”<br />

MARGARETH KAJYIAMA<br />

(REPRESENTANTE DO ÓRUM DA<br />

CIDADANIA DO GRANDE ABC)<br />

“Quero dizer que fui conselheira de Saúde e<br />

Educação. A gente recebe dados, mas não sabe como<br />

trabalhá-los, principalmente a sociedade civil dentro dos<br />

conselhos municipais. Existem alguns dados pela<br />

Internet, mas não são os mesmos dados que os governos<br />

trabalham. Nós até temos acesso a esses dados, mas não<br />

fomos capacitados a utilizá-los. A Dra. Tânia fala que<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


suas filhas já sabem lidar com as novas mídias, pois foram<br />

educadas para isso, mas a maioria da sociedade civil não<br />

o foi. Os governos não trazem os dados do jeito que nós<br />

precisamos e dizemos: ‘Tudo bem, mas e aí, o que fazemos<br />

com isso? Prestam-se contas, mas que contas são essas se<br />

não sabemos lidar com elas?’<br />

Então, eu acho que o acesso à formação pública<br />

é muito importante, seja ela pública ou não. Nós da sociedade<br />

civil temos outra dificuldade que é a de saber lidar<br />

com a informação apesar de existir a lei, porque não fomos<br />

formados para lidar com isso. Alguns conselheiros até<br />

podem ler o jornal, mas vão para as reuniões direto do<br />

trabalho, por conta própria e não estão capacitados para<br />

lidar com essas questões. Como fazer para que as informações<br />

cheguem até as populações que fazem parte das<br />

políticas públicas dos municípios?”<br />

DRA. TÂNIA GAMBIATTI DE MELLO<br />

“Eu mesma estou saindo daqui com a minha<br />

biblioteca mental repleta de informações que eu sequer<br />

sabia que existiam. oi preciso eu estar nesta reunião<br />

para entrar em contato com coisas até simples, mas que<br />

eu não sabia que existiam. Nós, que temos um pouco<br />

de cultura, estamos passando por isso, imagina a população.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Completando a fala do professor Sílvio, eu diria<br />

que a instância que deveria fazer essa mediação entre a<br />

informação e a população seria a mídia. Porém, ela não<br />

tem sido a mais louvável das instituições, sem risco de<br />

estar sendo injusto. Ela tem disseminado informações<br />

falsas, trabalhado mais com o sensacionalismo, com o<br />

boato, com a fofoca. Da mesma forma que o cidadão<br />

tem de ficar de olho no poder público, ter acesso à<br />

informação, ele precisa fiscalizar a imprensa. Nós estamos<br />

começando a ter uma reação contra essas pessoas para<br />

que dêem um tratamento adequado às informações. A<br />

sociedade está começando a exigir isso. Não que haja<br />

censura, mas uma cobrança para que a mídia em geral<br />

evite distorções por causa de comportamentos inadequados,<br />

podendo levar a situações de conflito, decidindo<br />

pela vida e pela morte das pessoas. A mídia tem uma<br />

responsabilidade enorme e, nesse sentido, a questão da<br />

ética, levantada pelo Paulo Carneiro, é muito importante.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Se ela não estiver preocupada com a ética e somente<br />

com os números, vai acabar perdendo essa batalha! As<br />

pessoas passarão a desconfiar das informações veiculadas,<br />

a não mais acreditar nela, a não mais utilizá-la<br />

para pensar, para receber os dados que se transformariam<br />

em informações úteis. A ela eu credito uma grande<br />

parcela de culpa; embora isso não exima o Estado de ser<br />

transparente, a mídia tem de ser cobrada, já que seus<br />

profissionais são pagos e treinados para darem o melhor<br />

tratamento às informações.”<br />

PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />

“Eu sempre fui muito chato com a questão de<br />

causa e efeito. Enquanto não identifico a causa, fico<br />

inseguro. Quando o IMES iniciou o curso de Jornalismo<br />

eu acentuei bem esta questão da ética, porque penso<br />

requerer muito mais responsabilidade do que um curso<br />

de medicina. Um médico mal-formado pode matar uma<br />

pessoa de cada vez, enquanto um jornalista mal-formado<br />

pode acabar com a vida, com a auto-estima de milhões<br />

de uma só vez. Então, as instituições (de ensino), que<br />

formam e colocam no mercado de trabalho esses profissionais,<br />

devem ter cuidado. É preciso plantar também a<br />

semente da ética. Na cabeça de um burro velho nem<br />

xampu faz espuma. Depois que alguém se forma, que<br />

aprendeu o caminho torto da celebridade, é difícil<br />

corrigir-se.<br />

ico pensando: como é que funciona não a<br />

redação, mas a alma de cada um, de si para consigo<br />

mesmo? É nessa hora que se necessita de uma força<br />

interior para ser reto, ético. O jornalista mais do que<br />

qualquer outro profissional porque, do microfone dele,<br />

pode sair uma brincadeira terrível! No passado houve<br />

aquela brincadeira do Orson Welles que teve uma<br />

grande repercussão, mostrando como isso pode refletir<br />

para o bem e para o mal. Hoje a população está sendo<br />

influenciada (acho que não é um bom termo), está sendo<br />

convidada a ver os aspectos positivos de uma certa<br />

política pública, o que não é errado, não há mentira, há<br />

comportamento. Pode-se convidar as pessoas a olharem<br />

aspectos positivos ou os aspectos negativos de um caso.<br />

Está-se carregando esse monte de gente (apontando<br />

para a Margareth, por ela representar ali a sociedade<br />

civil) que vem atrás e não tem condições de filtrar as<br />

informações. Eu recebo e creio, porque creio naquele<br />

veículo e pronto.”<br />

67


DRA. TÂNIA GAMBIATTI DE MELLO<br />

“Precisa a Globo soltar em uma novela: ‘Vão<br />

todos procurar um psicólogo’, para os drogaditos procurarem<br />

tratamento...”<br />

PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />

“Essa é a influência da mídia. Tocamos num ponto<br />

que é de grande interesse. É como o efeito da a pedra<br />

jogada no lago: ela provoca uma série de ondinhas na<br />

água... Vejam para onde nossa discussão está caminhando.<br />

De repente estamos fazendo uma auto-crítica dentro de<br />

uma escola. Nós estamos formando bons profissionais para<br />

‘entregar’ ao mercado? Ou estamos falando de ética para<br />

eles? Eu não sei.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Para se ter uma idéia, ano passado aqui no<br />

IMES, realizamos a Semana de Comunicação e um dos<br />

temas tratados foi ‘A Ética no Jornalismo’. Nós temos<br />

centenas de alunos nessa área e poucos se inscreveram<br />

para esta palestra, que acabou não sendo realizada.”<br />

PROESSOR SÍLVIO MINCIOTTI<br />

“Isto é um problema grave. Certamente isto se<br />

estenda a outras áreas. Na verdade, parece que o tecido<br />

social está se esgarçando, os valores estão se perdendo.<br />

Temos de começar a plantar isto de novo, tentar resgatar<br />

o mérito – não há mais valor no mérito –, projeto de<br />

vida, que isso os jovens têm. Quanto à fala da Margareth<br />

eu diria que disponibilizar a informação é importante,<br />

mas instrumentalizar pessoas para o uso delas é fundamental.<br />

Para transformar dados em informação útil.”<br />

MARIA DE LOURDES ERREIRA<br />

“Há um livro no qual o autor levanta esta questão<br />

de até que ponto existe transparência da informação e<br />

propõe formarmos mais especialistas para lidar com ela.<br />

Sua fala vai deixar-me remoendo por muito tempo por<br />

ser extremamente importante o que acaba de dizer.”<br />

PAULO CARNEIRO<br />

“A sua metáfora do travesseiro [referindo-se à<br />

fala do professor Sílvio Minciotti] lembra-me o caso do<br />

ex-ministro Alcenir Guerra, o qual nunca se recompôs.<br />

68<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Penso que deve ser regulamentado o acesso e o uso da<br />

informação. A ederação dos Jornalistas está tentando<br />

formar algo correspondente ao CONAR (Conselho de<br />

Auto-regulamentação da Propaganda e Publicidade)<br />

para o jornalismo também ter uma organismo de regulamentação<br />

para evitar casos como esses. O senhor tem<br />

muita razão em preocupar-se com isso, sobre a formação<br />

ética dos alunos porque quando eles chegam ao<br />

mercado ficam divididos entre a emoção e a carreira,<br />

muitas vezes priorizando esta última em detrimento da<br />

ética. Vou refletir sobre tudo isso que estou ouvindo e<br />

acrescentar elementos que contribuam de alguma forma<br />

com o aprimoramento do processo.”<br />

SAUL GELLMAN<br />

“Recentemente, eu li que o centenário New York<br />

Times – considerado o maior jornal do mundo e que sofreu<br />

um deslize há pouco tempo por conta de um um<br />

jornalista desonesto – após cem anos, está criando a<br />

ouvidoria do jornal. Isso mostra a importância que é,<br />

nos dias de hoje, a instituição da ouvidoria em um jornal,<br />

mesmo grande como o que mencionei. ico chocado com<br />

a informação de apenas quatro alunos inscreverem-se<br />

para uma palestra sobre ética no jornalismo.<br />

Ética aprende-se em casa e na escola. A educação<br />

é fundamental para que os consumidores do Gugu<br />

(apresentador de programa do SBT) o procurem. Mas,<br />

se forem bem formados, passarão a ter outras necessidades<br />

e a buscar outras informações.”<br />

PROESSOR ROBERTO ELÍSIO<br />

“Encerro dizendo que a democracia é um exercício<br />

diário e, como disse Saul Gellman, tem avanços e<br />

retrocessos. O acesso à informação é mais um passo para<br />

a consolidação de um Estado democrático, transparente,<br />

e para a constituição de cidadãos conscientes e<br />

esclarecidos.”<br />

COMENTÁRIOS INAIS<br />

O debate mostrou que o assunto em torno da<br />

informação é relevante e desperta a atenção de todos<br />

que se acercam dele. A pertinência deste evento se<br />

confirma pelo fato de todas as pessoas presentes a ele<br />

terem afirmado que aprenderam muito durante a troca<br />

de experiências, refletindo sobre questões poucas vezes<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


antes consideradas tão importantes para o pleno exercício<br />

da cidadania, como é o direito à informação pública, ou<br />

de posse do poder público, sobre as pessoas. Confirmando<br />

essa pertinência foi publicada matéria no site do<br />

Estadão (www.estadao.com.br/agestado/notícias/<br />

2003/set/30/111.htm) com o título: “Brasileiros não<br />

têm acesso a informações de órgãos públicos’. O texto<br />

informa que o professor de jornalismo Rosental Calmon<br />

Alves, da Universidade do Texas, defendeu a aprovação<br />

pelo Congresso Nacional que garanta aos cidadãos amplo<br />

acesso aos documentos e aos dados públicos.<br />

Dessa forma, esperamos contribuir para o<br />

aprofundamento da reflexão sobre o tema e para a<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

conscientização dos gestores públicos locais e nacionais<br />

da necessidade urgente de se propor e aprovar leis que<br />

facilitem o acesso das pessoas aos arquivos públicos,<br />

conforme instrui a Constituição Brasileira, aprimorando<br />

a prática da cidadania na região, no Estado e no país.<br />

* Trabalho realizado pela aluna do curso de Jornalismo<br />

do IMES Cristiane Riberti (transcrição)<br />

e pelo aluno do PMA do IMES Expedito Nunes<br />

(edição do texto).<br />

69


JÚLIO . B. ACÓ*<br />

“A natureza é objeto de permanente atividade humana, daí<br />

porque é uma realidade social e não exclusivamente natural”.<br />

(M. Santos) 2<br />

Simone Scifoni, quando da realização de seu<br />

mestrado, participava do CONDEPHAAT, desenvolvendo<br />

projetos como geógrafa na equipe de áreas<br />

naturais 3 . O interesse pela temática que envolvia a paisagem<br />

urbana e suas áreas cobertas de vegetação deu-se<br />

nesse período.<br />

Um dos diversos estudos sobre áreas verdes<br />

urbanas que envolviam a preservação do patrimônio<br />

ambiental estava relacionado a uma porção específica<br />

da metrópole paulistana: o ABC paulista. Suscitou uma<br />

reflexão mais profunda para a autora e um trabalho de<br />

dissertação de mestrado 4 .<br />

Ao buscar compreender a carência de vegetação<br />

a partir do entendimento do processo que a gera (p. 13),<br />

a intenção da autora é trazer à discussão da questão<br />

ambiental urbana alguma contribuição que a Geografia<br />

Humana pode oferecer.<br />

Do ponto de vista metodológico, a autora apresentou<br />

sua dissertação em quatro capítulos. Começa<br />

pela apreciação de questões introdutórias ao tema proposto,<br />

apresentando, em seguida, a problemática e a<br />

busca de explicações do processo de produção do<br />

espaço urbano do ABC, e por fim, analisa o aspecto da<br />

preservação.<br />

Logo de início, no capítulo um, Scifoni propõe<br />

que a mera constatação do fenômeno da carência de<br />

vegetação nos espaços urbanos não é suficiente para<br />

entendê-lo (p. 9). A busca pela explicação nos processos<br />

que orientam a produção do espaço urbano tem grande<br />

relevância nesse contexto.<br />

70<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

RESENHA<br />

SCIONI, Simone. O verde do ABC: reflexões sobre a questão ambiental urbana. São Paulo:<br />

aculdade de ilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo –<br />

Departamento de Geografia, 1994. [Dissertação de Mestrado] 1<br />

Antes de refletir, porém, sobre essa explicação,<br />

no capítulo dois, a autora coleta dados de imagens de<br />

satélite, fotos aéreas e pesquisas de campo, que permitem<br />

um levantamento da cobertura vegetal da área<br />

urbana do ABC e possibilitam as demarcações limítrofes<br />

da mancha verde, bem como o cálculo das áreas verdes<br />

e demais espaços de cobertura vegetal.<br />

Ainda nesse capítulo, evidencia-se a tentativa<br />

da autora de relacionar dados numéricos e geográficos<br />

a conceitos sociais e humanos; para analisar esses dados<br />

coletados, Scifoni aborda o conceito de áreas verdes,<br />

as quais associa com espaços arborizados ou ajardinados<br />

que cumprem a função de lazer (p. 22). Também<br />

apresenta o conceito de espaços verdes, associados aos<br />

terrenos públicos ou protegidos por legislação, onde<br />

predomina arborização e que podem vir a tornar-se<br />

locais de lazer. As grandes glebas de terras sem<br />

ocupação são citadas, das quais distinguem-se aquelas<br />

dotadas de cobertura vegetal arbórea. A partir dessas<br />

informações, a autora evidenciou oitenta e quatro<br />

diferentes áreas (p. 125) e as analisou do ponto de vista<br />

dos conceitos apresentados, e em relação aos três<br />

municípios do ABC.<br />

1 Este trabalho acadêmico encontra-se disponível, para<br />

consulta, no acervo do Laboratório de Regionalidade e<br />

Gestão da Pós-graduação do IMES.<br />

2 SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo:<br />

Hucitec/Edusp, 1978.<br />

3 Informações extraídas em 29/09/2003 da plataforma<br />

Lattes (http://lattes.cnpq.br/).<br />

4 O estudo da autora refere-se aos municípios de Santo<br />

André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul,<br />

que compõem o ABC.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003


Scifoni teoriza, ainda, alguns outros tópicos,<br />

para tratar da disponibilidade das áreas verdes no ABC.<br />

Estuda o índice de área verde/habitante, a distribuição<br />

espacial das áreas verdes nas cidades e o papel que estes<br />

locais representam na dinâmica ambiental urbana.<br />

Quanto à qualidade da vegetação urbana do ABC,<br />

a autora identificou a diversidade arbórea e o tipo de<br />

cobertura vegetal predominante em cada área mapeada.<br />

O que existe hoje nas cidades do ABC, observa, pouco<br />

tem a ver com a cobertura vegetal nativa da região.<br />

A autora encerra esse segundo capítulo discorrendo<br />

sobre a dualidade da vegetação urbana: natural,<br />

sendo objeto da natureza, e produto humano, determinada<br />

pelas necessidades da vida urbana (p. 50).<br />

O terceiro capítulo destaca a busca da autora<br />

pela compreensão da retirada da vegetação nativa,<br />

aliada com o momento de transformação da paisagem<br />

geográfica e, portanto, como resultado da produção do<br />

espaço urbano do ABC.<br />

A partir desta postura, Scifoni mergulha na<br />

história de ocupação e desenvolvimento da região do<br />

ABC evidenciando fatos importantes e até curiosos,<br />

que se originam no século XVII e vão até o século XX.<br />

Alguns como a instalação das fazendas dos monges<br />

beneditinos (p. 61), em áreas do atual município de São<br />

Caetano (azenda Tijucuçu) e nos atuais municípios<br />

de São Bernardo e Santo André (azenda São Bernardo),<br />

ou a transformação da paisagem bucólica da região com<br />

as chaminés das primeiras indústrias instaladas ao longo<br />

da ferrovia (p. 71).<br />

A farta informação levantada por Scifoni dá<br />

pistas para quem quiser aprofundar-se na história da<br />

região do ABC. Apenas uma delas: o Caminho do Mar<br />

era a rota obrigatória da capital São Paulo ao porto de<br />

Santos (p. 59), passava pelos atuais municípios de São<br />

Caetano e São Bernardo. Lá existiam pousos 5 de paradas<br />

para descanso, alimentação e troca de animais. A relação<br />

disso como um dos fatores que impulsionaram o desenvolvimento<br />

urbano e industrial com o favorecimento<br />

geográfico da região do ABC entre Santos e São Paulo<br />

é uma das lacunas que a autora deixa para o pesquisador<br />

que se propuser a estudar esses fatores de desenvolvimento<br />

da região do ABC.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Da metade do capítulo até seu final, Scifoni<br />

busca um tratamento das cidades do ABC sob a ótica<br />

da industrialização e suas relações com as paisagens da<br />

região. A autora apresenta a indústria como motor das<br />

transformações espaciais na região do ABC, que<br />

induziu um grande crescimento urbano, substituindo a<br />

paisagem bucólica da região, representada pelos quintais<br />

com pomares e hortas e os remanescentes de mata<br />

nativa (p. 79), por edifícios e chaminés.<br />

Um tema de extrema importância e merecedor<br />

de um cuidado maior em pesquisas futuras a quem se<br />

interessar é o conceito de espaço em uma sociedade<br />

capitalista e sua relação com a transformação da paisagem<br />

original da região (p. 103), abordado por Scifoni<br />

no trabalho. Nesse contexto, a autora apresenta dois<br />

grandes elementos de força: o capital industrial, disputando<br />

o espaço para seu uso, e os setores imobiliários,<br />

procurando utilizar o espaço como instrumento gerador<br />

de ganhos.<br />

Scifoni segue para o quarto capítulo, mantendo<br />

a expectativa de abordar o espaço em função das<br />

condições de reprodução humana (p. 105) na perspectiva<br />

de Carlos 6 .<br />

O terceiro elemento de força apresentado pela<br />

autora diz respeito às forças sociais que também<br />

disputam o espaço urbano em função da satisfação de<br />

suas necessidades. Cita a reação da sociedade, num<br />

primeiro momento, reivindicando condições básicas de<br />

existência, dentre estas, o direito ao espaço para habitar,<br />

evoluindo ao longo do tempo para a também patente<br />

necessidade de garantir o espaço como lazer ou para<br />

atividades culturais (p. 107).<br />

Scifoni apresenta em sua conclusão a preservação<br />

como meio de a sociedade fazer valer seu direito<br />

à participação na produção e apropriação da cidade<br />

(p. 114), citando alguns fatos nesse contexto. Apenas<br />

5 A autora cita alguns pousos: Pouso de Tropa de<br />

Lágrimas, Pouso dos Meninos e Pouso São Bernardo.<br />

O primeiro deles situado no setor sul do atual município<br />

de São Caetano e os outros dois ao longo do atual<br />

município de São Bernardo.<br />

6 CARLOS, A. . A. A cidade. São Paulo: Contexto,<br />

1992.<br />

71


um deles: a luta em prol da proteção do Haras São<br />

Bernardo (p. 110). Explora também o conceito de<br />

metrópole e suas inferências sob essa óptica (p. 112).<br />

O trabalho não constitui uma leitura pesada. São<br />

126 páginas de informações sobre as origens e transformações<br />

da vegetação e geografia humana ocorridas<br />

desde o século XVII na região do ABC. É um conjunto<br />

de informações imprescindíveis para quem desejar<br />

aprofundar-se sobre a região no tema abordado.<br />

72<br />

CADERNO DE PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO/IMES<br />

Entretanto, considerado o estudo reflexivo e<br />

atento de Scifoni, ainda resta espaço para questões a<br />

serem investigadas. Particularmente para quem, como<br />

Santos, citado na epígrafe, deseja se aprofundar em<br />

outros aspectos relacionados à natureza sob a perspectiva<br />

de realidade social.<br />

* Aluno do PMA do IMES.<br />

N. 9 – 2. semestre de 2003

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