II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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A estória do velho Camilo. – “Em era um homem fazendeiro, e muito bom vaqueiro. (...) De daí, ô gente, agora me venham, para perto, e queiram, todo o mundo a escutar. Ao velho Camilo de gandavo, mas saído em outro velho Camilo, sobremente, com avoada cabeça, com senso forte. Venham, minha gente, e os outros, pessoas, meus bons vaqueiros de campo, hóspedes de minha seriedade. (Idem, p.229) Ao assumir a posição de intérprete, Seo Camilo, mudado de figura, toma o meio da roda, ocupando posição de destaque no grupo, que antes o marginalizava. Todos se juntam, se aproximam, para escutá-lo. Manuelzão mesmo os convoca. A postura da personagem e a colocação da voz, “singular, que não se esperava”, são de imediato reconhecidas pelos convidados como a figuração do xamã, do guardião da Palavra. Seo Camilo é o mediador da revelação contida na estória que vai contar, o guia de Manuelzão para encontrar aquilo que procura, para orientar sua dúvida. A fonte do saber é a própria Palavra. A “Décima do Boi e do Cavalo” ou o “Romanço do Boi Bonito” é reconhecida pela platéia já no início da narração. A sabedoria coletiva, popular, é então colocada a serviço da vivência individual. O que se conta: um rico fazendeiro do interior do sertão morre, legando como herança ao filho a fazenda, um cavalo encantado e o Boi Bonito. Certa feita, o filho-então- fazendeiro resolve dar uma festa para que lhe recuperem o Boi, fugido já há algum tempo, em troca de recompensa. Dentre os candidatos, sobressai o Vaqueiro Menino, que “montou no Cavalo em que ninguém não amontava...” (Idem, p.231). Depois de uma longa perseguição, o Vaqueiro entrega as rédeas ao cavalo, “conhecedor deste mundo todo” (Idem, p.243), e chega à morada do Boi, que revela ter por ele aguardado “um tempo inteiro” (p.242) , “por guardado destinado” (Idem). De volta à fazenda, o Vaqueiro Menino, de nome Seunavino, deseja como recompensa o Boi solto, porque respeita a natureza e a compreende livre. O cavalo, no entanto, quer para si, de modo a lhe permitir outras experiências iniciatórias. Qualquer tentativa de interpretação da estória contada por seo Camilo e da correspondência estabelecida com Manuelzão, dentro dos limites deste espaço, mostrar-se- ia limitada, simplificadora 7 . Temos ciência da simplificação a que tivemos de aqui recorrer 7 Sobre a estória contada por seo Camilo e sua repercussão em Manuelzão, escrevemos os dois últimos tópicos do terceiro capítulo de nossa dissertação de Mestrado, intitulada: Nas pegadas de Manuelzão – a trajetória do protagonista de “Uma estória de amor”, de João Guimarães Rosa, cuja referência encontra-se na bibliografia deste trabalho.
para resumir, ainda que com objetivos didáticos, a Décima do Boi e do Cavalo, um mal, no entanto, necessário, para que fosse possível acenar para a importância da estória contada, não só para o protagonista, mas para a narrativa como um todo e, por que não, para o projeto maior do livro Corpo de baile. Em síntese, e de forma redutora, dizemos que a revelação da estória para Manuelzão, especificamente, encontra-se na postura do Vaqueiro Menino diante do empreendimento ao qual se lança, a captura do Boi: “– (...) Pra vida ou pra morte alegre eu vou, (...)! Pois só dá descanso de bem-morrer é no meio de valentia.” (Idem, p.235) Manuelzão decide então partir com a boiada para a Santa-Lua, saindo em viagem, como sempre fizera, sem se resignar ao cansaço, aos limites do corpo. É interessante sublinharmos que Miguilim e Manuelzão, os dois protagonistas que buscam nas estórias consolo e coragem, a orientação de que careciam diante da vida, em momentos os mais diversos, encontram-se nas duas pontas da existência. O infante e o senescente, ambos aprendizes no lidar com o mundo, o outro e si próprio, nos são apresentados em narrativas em sequência. Colocados lado a lado, numa estória depois da outra, temos ressaltada a característica de eterna aprendizagem do homem, porque humano e travessia, não importando em que ponto do trajeto se encontre. Destaca-se também o traço fabulista por natureza do sertanejo, cultivado desde a infância pela audição das estórias contadas pelos mais velhos, num ciclo que se repete e renova. Referências bibliográficas CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 11.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988. (Terra Brasilis) ________________________. “Literatura oral”. In: <strong>História</strong> da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952. Vol.VI ________________________. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. CALZOLARI, Tereza Paula Alves. Nas pegadas de Manuelzão – a trajetória do protagonista de “Uma estória de amor”, de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2004. Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas. _____________________________. Tradição impressa de Corpo de baile. Revista Philologus (ano13,no.39) (http://www.filologia.org.br/snctet/anais/07.htm)
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