II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial
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Miguilim contava, sem carecer de esforço, estórias compridas, que ninguém nunca<br />
tinha sabido, não esbarravade contar, estava tão alegre nervoso, aquilo para ele era<br />
o entendimento maior. Se lembrava de seo Aristeu. Fazer estórias, tudo com um<br />
viver limpo, novo, de consolo. Mesmo ele sabia, sabia: Deus mesmo era quem<br />
estava mandando! – “Dito, um dia eu vou tirar a estória mais linda, mais minha de<br />
todas: que é com a Cuca Pingo-de-Ouro!...” O Dito tinha alegria nos olhos; depois,<br />
dormia, rindo simples, parecia que tinha de dormir a vida inteira. (Idem, p.100 –<br />
grifos nossos)<br />
Seo Aristeu é quem lhe vem à lembrança no ato de contar estórias. “Aquele<br />
homem” que “parecia desinventado de uma estória” (Idem, p.62), sabia tocar viola, criava<br />
abelhas para o fabrico do mel e aconselhava remédios. Alegre e divertido, dava ânimo às<br />
colheradas quando Miguilim mais carecia, sempre através da palavra, fosse por meio da<br />
música, das estórias ou até mesmo por si, sozinha. A palavra acontecedora, quando<br />
proferida por seo Aristeu, e seu poder encantatório “curam” Miguilim duas vezes do medo-<br />
quase-certeza de que estava para morrer. Da primeira experiência, transcrevemos a<br />
passagem a seguir:<br />
– “ Vamos ver o que é que é que o menino tem, vamos ver o que é que o<br />
menino tem?!... Ei e ei, Miguilim, você chora assim – p’ra cá você ri, p’ra mim!...”<br />
(...) Miguilim – bom de tudo é que tu’tá: levanta, ligeiro e são, Miguilim!....”<br />
- Eu ainda pode ser que vou morrer, seo Aristeo...<br />
- Se daqui a uns setenta anos! Sucede como eu, que também uma vez já<br />
morri: morri sim, mas acho que foi morte de ida-e-volta... Te segura e pula,<br />
Miguilim, levanta já!<br />
Miguilim, dividido de tudo, se levantava mesmo, de repente são, não ia<br />
morrer mais, enquanto seu Aristeo não quisesse. Todo ria. Tremia de alegrias.<br />
(Idem, p.62-3 – grifos nossos)<br />
A palavra acontecedora, encantatória, é a “palavra-força” que “proferida pela Voz<br />
cria o que ela diz” (ZUMTHOR, 1993, p.75). Tornando presente aquilo a que se refere, a<br />
Palavra se opõe à “palavra ordinária, banal, superficialmente demonstradora” (Idem), que<br />
apenas remete. A Palavra faz-se proferir pelo intérprete, o “portador da voz poética”<br />
(Idem, p.57) por excelência que, ao contar estórias, atualiza uma tradição, atuando como<br />
mediador entre tempo e espaço da narrativa, tempo e espaço do cotidiano.