11.06.2013 Views

Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas ... - OpenDrive

Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas ... - OpenDrive

Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas ... - OpenDrive

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Marta, já de pé, perguntou-lhe o que queria dizer aquilo tu<strong>do</strong>.<br />

-É que o Seu Alípio está com os aguardenteiros na catinga com mê<strong>do</strong> <strong>do</strong> fiscal, e veio aqui comprar comida<br />

para os .homens.<br />

-Botaste farinha, Sinhá?<br />

-Está tu<strong>do</strong> no saco de Seu Alípio.<br />

fogo morto 71<br />

X Ohomem se <strong>foi</strong>, e na casa <strong>do</strong> mestre José Amaro ficou o terror na sua mulher, e uma sinistra alegria no<br />

coração <strong>do</strong> seleiro. Ele matava galinha e dava para o Capitão<br />

Antônio Silvino que mandava em tôda a cambada de senhores de engenho. Cazuza Trombone, de Maçangana,<br />

mudara-se para a cidade com mê<strong>do</strong> dêle. Ovelho José Paulino<br />

dera um banquete ao Capitão Antônio Silvino. Disseram até que a filha <strong>do</strong> grande servira a mesa, como se fôsse<br />

ama <strong>do</strong>s cangaceiros. Sinhá torrara as duas frangas<br />

para o homem que êle mais admirava neste mun<strong>do</strong>.<br />

Era dia de feira em S. Miguel e pela estrada começava a passar gente para as vendagens. Passou o cego<br />

Torquato e parou na <strong>por</strong>ta para pedir esmola.<br />

Gostava, sempre que o cego passava pela sua <strong>por</strong>ta, de puxar conversa com êle. Omestre José Amaro naquele<br />

dia queria falar. Nunca se vira na sua cara uma satisfação<br />

igual. -Então, Seu Torquato, como vai a vida?<br />

-Que vida, mestre. Que vida pode ter um pobre cego! An<strong>do</strong> <strong>por</strong> êste mun<strong>do</strong> contan<strong>do</strong> os dias. Se não fôsse o<br />

amor de Deus e a caridade <strong>do</strong>s homens, já me tinha acaba<strong>do</strong>,<br />

Seu Mestre.<br />

-Qual, Seu Torquato, o senhor ainda tem a sua família. -Uma mãe entrevada, Seu Mestre, um irmão quase cego<br />

como eu.<br />

-E o povo de Gurinhém, Seu Torquato? Estão dizen<strong>do</strong> que a feira de lá está se acaban<strong>do</strong>.<br />

-É mê<strong>do</strong> da tropa, Seu Mestre, é mê<strong>do</strong> da tropa. Opovo arrepunou com o tenente. É um dar sem. conta.<br />

Ohomem é brabo mesmo. Acredite o senhor que até o Padre Antônio<br />

já sofreu uma desfeita. Opobre <strong>do</strong> padre dá tu<strong>do</strong> aos necessita<strong>do</strong>s. Foram dizer ao tenente que o padre andava<br />

com conversa com o homem. Ora, o Padre Antônio não é<br />

criatura para esconder o que faz. Contou tu<strong>do</strong>. Estivera com o ban<strong>do</strong>, conversara com o capitão, e <strong>foi</strong> <strong>por</strong> aí<br />

afora. Otenente deu o mal dentro e disse o diabo para<br />

o reveren<strong>do</strong>. E ouviu o diabo. OPadre Antônio é manso assim, como se vê, mas na hora ninguém faz dêle o que<br />

quer. Gritou para o tenente, o tenente gritou para êle.<br />

Eu só sei é que êle tomou o trem<br />

72 José lins <strong>do</strong> rêgo<br />

no Pilar, e <strong>foi</strong> à cidade<br />

i lar As fôlhas da Paraíba deram. Eu ouvi no P lar um sujeito len<strong>do</strong> uma crítica <strong>do</strong> jornal. Opadre é duro.<br />

Otenente está fazen<strong>do</strong> o diabo. É <strong>por</strong> isto que<br />

o povo<br />

está corren<strong>do</strong> da feira. Surra de tropa não é brincadeira. -Eu quero ver esta valentia é com o capitão. No Ingá <strong>foi</strong><br />

aquilo que se viu.<br />

-Eu não sei de nada não, Seu Mestre. Sou um pobre cego, vivo <strong>do</strong> coração <strong>do</strong>s outros. Uma coisa <strong>por</strong>ém eu digo<br />

<strong>Este</strong> capitão nunca me fêz mal. Uma vez eu vinha, com<br />

o meu guia, na estrada nova. Era na bôca da noite. Voltava <strong>do</strong> Sapé e, quase chegan<strong>do</strong> no Maraú, me senti<br />

cerca<strong>do</strong> de gente. Omeu guia me disse baixinho: "É cangaceiro,<br />

Seu Torquato". E era mesmo. Me deram dinheiro. Nunca tive tanto dinheiro na mão. OCapitão Antônio Silvino<br />

me chamou de parte para saber o que se falava dêle na<br />

feira <strong>do</strong> Sapé. Eu disse tu<strong>do</strong>. Falei de Cazuza Trombone que estava com muitas praças dentro de casa. E de<br />

Simplício Coelho que contava goga na loja, dizen<strong>do</strong> a Deus<br />

e ao mun<strong>do</strong> que na mesa dêle cangaceiro não se sentava. Ah ! contei. <strong>Este</strong> Simplício Coelho uma vez eu estava<br />

senta<strong>do</strong> na calçada dêle, tocan<strong>do</strong> a minha viola, e man<strong>do</strong>u<br />

um caixeiro dizer para o pobre cego sair. Bicho malva<strong>do</strong>.<br />

-Foi <strong>por</strong> isto que o capitão fêz aquela desgraça na loja quan<strong>do</strong> atacou o Sapé?<br />

-Eu não sei <strong>por</strong> que <strong>foi</strong>. Agora, Seu Mestre, o senhor acha direito tratar um pobre cego como cachorro?<br />

Apareceu a velha Sinhá com uma coité de farinha e o guia abriu

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!