Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas ... - OpenDrive
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-Eu estava como <strong>do</strong>ida em casa <strong>por</strong>que tu não chegava. Não tinha pega<strong>do</strong> no sono, quan<strong>do</strong> apareceu aqui o<br />
velho Lucin<strong>do</strong> dizen<strong>do</strong> que tu estava morto debaixo dum pé de<br />
cabreira. Botei-me pra lá, e já havia um povão. Foi o diabo, meu negro, tu estava como um defunto, com a cara<br />
estendida na terra como bicho.<br />
-Nem sei como <strong>foi</strong>. Me veio uma <strong>do</strong>r que parecia uma furada no coração. Estive como morto.<br />
José Passarinho, na cozinha, sentava-se no chão como um cachorro. A casa calada, só mesmo o canário da<br />
biqueira cantava. Passarinho procurou falar com a velha Sinhá.<br />
-0 que é, Seu José? Estou muito ocupada hoje.<br />
fogo morto 87<br />
-É, Dona Sinhá, que o Alípio man<strong>do</strong>u um reca<strong>do</strong> para o mestre e êle assim <strong>do</strong>ente, não sei como vai ser.<br />
-Vou falar com Zeca.<br />
A velha ficou com mê<strong>do</strong>, devia ser negócio com o Capitão Antônio Silvino. Como era que o Seu Alípio ia botar<br />
José Passarinho numa história desta? Só coisa de <strong>do</strong>i<strong>do</strong>.<br />
Na rêde, estendi<strong>do</strong>, com os olhos muito abertos, a cara inchada, o amarelo da pele como cêra, estava o mestre,<br />
absorto, distante de tu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> Passarinho chegou,<br />
lhe falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> reca<strong>do</strong> <strong>do</strong> Alípio, quis saltar da rêde, e não pôde. Gritou pela mulher:<br />
-Sinhá, procura no meu bôlso se está aí uma nota.<br />
A velha apareceu com os cem mil-réis estalan<strong>do</strong> de novo. -Guarda.<br />
Alípio mandava saber <strong>do</strong> mestre pela encomenda das alpercatas. Estava precisan<strong>do</strong> da coisa para aquela noite<br />
sem falta. Omestre José Amaro deixou o negro sair para<br />
falar com a mulher.<br />
-Sinhá, tu tem que ir à venda de Salu comprar uma manta de carne-de-ceará, e uma saca de farinha. Diz que é<br />
para um comboio de aguardenteiros que está escondi<strong>do</strong><br />
na catinga.<br />
E como se tivesse feito um esfôrço terrível para falar, caiu numa espécie de ma<strong>do</strong>rna. Lá para fora José<br />
Passarinho cantava baixinho<br />
õ lê lê vira a moenda õ lê lê moenda virou, Quem não tem uma camisa, Pra que quer um palitô ? Ocaixeiro bebe<br />
na venda, Opatrão no Varadô,<br />
Eu estava em Itabaiana Quan<strong>do</strong> a boiada passou. õ lê lê vira a moenda<br />
õ lê lê moenda virou.<br />
Aos ouvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mestre tu<strong>do</strong> aquilo chegava de uma distância de outra terra. Fechou os olhos, e a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> corpo<br />
era<br />
88 josé lins <strong>do</strong> rêgo<br />
uma só. Para onde se mexia era como se se quebrasse um osso, se se partisse um músculo. Teria que servir ao<br />
capitão. -Sinhá tu tens que ir à venda de Salu. Leva<br />
Passarinho para trazer as coisas. Éle dá duas viagens.<br />
Pela estrada tilintou o carro <strong>do</strong> Coronel sua <strong>por</strong>ta. Escutou a voz <strong>do</strong> boleeiro. -Oi de casa.<br />
-Boa tarde, Seu Pedro.<br />
-O mestre não está, Dona Sinhá? -Está de cama, Seu Pedro.<br />
-É que o Coronel man<strong>do</strong>u um reca<strong>do</strong> para êle. -Digo a êle, Seu Pedro.<br />
Outra vez as campainhas <strong>do</strong> cabriolé morna. Passarinho continuava<br />
Lula. Parou na<br />
soaram na tarde<br />
õ lê lê vira a moenda õ lê lê moenda virou.<br />
A velha Sinhá chegou ao quarto para ver o mari<strong>do</strong>. Dormia de bôca aberta, com os olhos semicerra<strong>do</strong>s. Foi<br />
procurar um lençol para cobri-lo. A filha Marta, naquele<br />
dia, voltava a ficar outra vez com a agonia desesperada. E ali, em frente <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, que ela temia como a um<br />
duro senhor, sentiu-se mais forte, mais <strong>do</strong>na de sua<br />
vida. Zeca abriu os olhos, olhou para ela como se quisesse esmagá-la, com uma raiva de demônio. Deu um<br />
grito, e correu para a cozinha. Vira na cara <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> a cara<br />
<strong>do</strong> diabo.<br />
-D. ADRIANA, a senhora não acredita <strong>por</strong>que não quer. Encontraram deita<strong>do</strong> no chão com a bôca cheia de<br />
terra.