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O Garatuja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

onde morava então com sua família, como donzela recatada, a Sra. Rosalinda das<br />

Neves, que veio a servir-lhe de protetora e mãe de criação.<br />

Boquejou-se, embuste de praguentos, que o enjeitado não era outro senão o<br />

fruto dos amores da donzela com um alferes do terço da infantaria, vindo do reino. O<br />

oficial prometera casamento; mas para desempenhar-se de sua palavra honrada,<br />

esperava a licença de El-Rei, da qual aliás não carecera para o mais que adiantara<br />

por conta da futura boda.<br />

Assim não chegando a pedida vênia, impetrada para Lisboa, e avultando à<br />

Rosalinda umas esperanças, que já lhe não cabiam no justilho, enquanto lhe<br />

minguavam as outras, que dantes lhe enchiam de abundâncias o coração, tomou a<br />

mãe da moça as devidas cautelas para tapar a boca aos praguentos.<br />

A moça adoeceu de ruim achaque; e ao cabo de umas tantas semanas, lá em<br />

certa noite apareceu na soleira da porta a resmelengar, uma trouxa que não se<br />

soube donde vinha. Disse a gente de casa que a trouxera um rebuçado embaixo do<br />

ferragoulo, e mal ali pousou, logo deitou a correr.<br />

Quem isso afirmava era a velha, que estava passando o seu rosário bem<br />

descansada, quando ouvira um grunhido na porta; e abrindo a rótula depois dos<br />

indispensáveis exorcismos e benzimentos, logo pôs em alvoroço a vizinhança,<br />

gritando:<br />

— Abrenuntio! Abrenuntio!... Cruzes! Te esconjuro!<br />

— O que é, comadre? Perguntou-lhe a vizinha do lado.<br />

— O porco sujo que me está fossando na porta, senhora!<br />

— T'arrenego!<br />

— E foi um maldito cigano que o trouxe! Eu bem o vi pelo buraco da rótula<br />

quando passou cosido num couro de bode, e então deitava uma catinga de enxofre.<br />

— Que me conta, comadre?<br />

— É como lhe estou dizendo.<br />

— Espere, vizinha, que já lhe levo o meu coto bento de Jesusalém. Se for o<br />

cão tinhoso, há de ver como espirra, por mais artes que tenha. Aquilo é uma vela<br />

milagrosa!<br />

Saíram as vizinhas com os maridos, e toda a casta de relíquia e esconjuros, e<br />

afinal conheceram que a causa do barulho era um enjeitado, e de gente pobre, pois<br />

estava embrulhado em uma esteira velha.<br />

No meio das exclamações de espanto e observações das comadres, ouviu-se<br />

um risinho de mofa. Era a vizinha defronte, a Pôncia, uma língua de lanceta, que se<br />

divertia cantarolando num falsete de tirar couro e cabelo:<br />

Ele sai pelo quintal,<br />

Porém entra pela rua,<br />

Ora, etcetra e tal;<br />

Tudo o mais é falcatrua!<br />

Seu alferes, al não al.<br />

— Que é isto, vizinha, cantando a esta hora da noite?<br />

— Ai! Ai! Gente; quem canta, seus males espanta.<br />

— Enredeira do inferno! Resmungou a mãe da Rosalinda.<br />

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