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O Garatuja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Muito antes das primeiras e tênues alvoradas, abriam-se as portas das casas<br />

e os moradores vinham à soleira, na esperança de colher algum vago rumor, que<br />

lhes comunicasse o começo do sucesso extraordinário que todos esperavam, mas<br />

ninguém previa qual fosse.<br />

Avistando-se uns aos outros, inquiriam-se mutuamente acerca do caso que os<br />

punha em alvoroto; mas nada com isso adiantavam, pois nada mais sabiam além do<br />

zunzum, que tinha corrido a noite passada, e a que dera causa a indiscrição do<br />

Padre Rafael Cardoso.<br />

Quando a primeira barra listrou o horizonte sereno e esclareceu os cimos da<br />

Jurujuba, o Dr. Pedro de Mustre Portugal saiu de sua casa, e acompanhado por sua<br />

comitiva, composta de dois beleguins e um galego, dirigia-se ao porto a fim de<br />

embarcar para o Espírito Santo.<br />

À porta os vizinhos e alguns curiosos que tinham vindo ao cheiro da novidade,<br />

se despediam do magistrado com os costumados votos:<br />

— Boa viagem, senhor ouvidor!<br />

— Deus o acompanhe!<br />

— Amém! E o traga a salvamento.<br />

— Que vossa mercê torne, como vai, na paz do Senhor!<br />

E outras muitas variantes da mesma cortesia, a que o Dr. Pedro de Mustre<br />

respondia:<br />

— Obrigado, minha gente! Obrigado; até a volta em que espero achá-los a<br />

todos em paz com a sua consciência e com a justiça.<br />

Nisso rompeu entre os presentes o Padre Rafael Cardoso, acompanhado de<br />

dois acólitos com tochas acesas. Perfilando-se em frente ao magistrado, desdobrou<br />

um papel onde se via o grande selo da Igreja, e alçando-o com a mão esquerda à<br />

guisa de estandarte, levantou-se no bico dos pés a fim de fulminar do alto com a<br />

palavra e o gesto ao corpulento magistrado:<br />

— Auctoritate Dei Patris Omnipotentis et Filii et Spirítui Sancti et beata Dei<br />

genitricis Maria, omniumque Sanctorum, pro Vicario generale, te excommunicamus,<br />

doctor Petrus de Mustre Portugalis, anathematisamus, et a limitibus sancta matris<br />

Ecclesioe sequestramus; et nisi resipuerint et ad satisfactionem venerint, sic<br />

extinguetur lucerna eorum ante viventem in soecula saculorum.<br />

Depois de ter ejaculado de um jorro a fórmula do ritual romano, o reverendo<br />

ingurgitou-se como um odre para gritar, vibrando a execração com o braço hirto:<br />

— Anathema sit! Amen! Amen! Amen!<br />

O povo em torno caíra de joelhos e automaticamente, possuído de indizível<br />

terror, ia repetindo: — Amém!<br />

Ficara o Dr. Pedro de Mustre atordoado com a excomunhão maior que lhe<br />

acabava de lançar o padre. Além de não acreditar que o vigário-geral fosse capaz de<br />

levar a efeito a sua ameaça, a solenidade da cerimônia e o terror que infundia no<br />

povo, o deixaram profundamente abalado.<br />

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