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O Garatuja - Unama

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— Veja o senhor tabelião!<br />

— Está bom; já se vai desasnando! Ora vejamos lá isso!<br />

www.nead.unama.br<br />

Fincou bem os óculos no cavalete, encrespou o sobrolho sobre a testa, enfiou<br />

a carranca, e empinando-se no tamborete, esticou a folha de papel aberta a dois<br />

palmos do nariz.<br />

Imediatamente a cara tabelioa decompôs-se toda, e embrulhou-se numa<br />

careta displicente, como uma bexiga assoprada, quando lhe falta o ar e se enruga.<br />

O Ivo ficou frio.<br />

— Sempre arranha no ofício; mas olhe, moço, esta letra casquilha e<br />

delambida pode servir lá para iluminações e grifarias; cá no foro não se admitem<br />

estas desenvolturas. Está entendendo?... Quer-se um talhe de letra corrida, e que<br />

seja composta e sisuda como se requer nas cousas de justiça. Uma escrita à-toa<br />

como esta, que aí todo o gato e sapato pode ler sem titubear, não vai bem nuns<br />

autos. Isto de papel forense, nem todos lhe metem o dente; é preciso ter prática.<br />

Faça-me uma letra pelo molde tia minha, e vamos bem. É deixar correr a pena!<br />

Ouviu o Ivo com espanto esta lição de caligrafia forense, e revoltado nele o<br />

sentimento do belo, ia protestar, quando pareceu-lhe que de novo entreabria-se a<br />

fresta da porta, e tanto bastou para dar-lhe a força de conter-se. Não eram aqueles<br />

gregotins, que o obrigavam a fazer e a decifrar, os elos que o prendiam à casa de<br />

Marta?<br />

No dia seguinte tomou o Ivo conta da mesa de cedro em que o encontramos.<br />

Ficava-lhe a dois passos a mesa de um outro escrevente, de nome Sabino, moço<br />

como ele, e que não se conformava com a presença desse intruso, pois vinha<br />

disputar-lhe o lugar de calouro do cartório, que ele até ali ocupara sem rival.<br />

Tinha o Sabino vinte anos, e como esses vermes que se formam no coco, e<br />

tomam-lhe a feição e o gosto, parecia o rapaz um feto concebido e criado no<br />

cartório. Borrado de tinta e poento como uns autos, a cútis era de almaço<br />

amarrotado, os beiços arregaçados como as beiras do protocolo, e a cabeça<br />

arrepiada que nem as abas de baeta preta que desciam da mesa.<br />

Quando se dirigia a seu canto, percebeu Ivo o olhar com que o examinava o<br />

colega, e conheceu que ia ter nele um amolador. Felizmente dividia-os um pano de<br />

prateleira, que interceptaria a espionagem.<br />

CAPÍTULO XIII<br />

UMA EDIÇÃO ANTIGA DO PRELADO MODERNO<br />

Ao tempo destes acontecimentos, cuja importância talvez escape ao leitor L'<br />

indiferente, que não perscruta os arcanos da história, nem se ocupa do<br />

encadeamento dos fatos, ainda a leal cidade de São Sebastião não tinha bispo, e<br />

muito menos capelão-mor.<br />

Mas por isso não deixava o povo fluminense de ser menos religioso, do que é<br />

hoje em dia; nem também de grassar pela recente colônia essa lepra social, que<br />

chamam com a maior propriedade de "lazarismo", e que vai cada vez mais<br />

carcomendo a consciência da grande cidade imperial.<br />

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