19.06.2013 Views

O Garatuja - Unama

O Garatuja - Unama

O Garatuja - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Mas sentiu certas cócegas nas pontas dos dedos, e sem saber como, achouse<br />

a fazer a bico de pena a cópia fiel daquela fresta da porta, onde aparecia o céu<br />

de uma testa de marfim, e um olhar que era a estrela do tal céu.<br />

Bem percebeu Marta pelos modos, que o moço lhe estava. tirando as feições;<br />

e escondeu-se de vergonhosa, mas para voltar logo depois, descobrindo um<br />

pouquito mais do rosto. Disfarçava a sonsa, fingindo-se atenta para outro ponto da<br />

sala, e a descuido mostrava o lindo perfil; até que de repente sumia-se, como se<br />

então somente descobrisse o Ivo a observá-la.<br />

Não obstante as negaças da menina, traçara o rapaz o seu desenho, e<br />

aproveitando uma vez em que Marta se mostrava mais, a contemplava com olhos de<br />

amante e artista, para dar os últimos toques à figura.<br />

No mais absorto, assustou-o certo ruído cavernoso, semelhante ao ornejo de<br />

um jumento, e que não era senão o estrépito da pitada do Sebastião Ferreira,<br />

ecoando pelas cavernas ou fossas nasais. Achou-se então o rapaz em face do carão<br />

descarnado e impassível do tabelião, que lhe estava observando o pasmo.<br />

— Que faz você aí embasbacado, moço? Perguntou o tabelião.<br />

Teve o Ivo um estremeção, que ia dando em terra com o bacamarte.<br />

Felizmente segurou-o a tempo, quando ele escorregava pela aba da mesa.<br />

— Estava à espera do senhor tabelião, respondeu Ivo aproveitando a primeira<br />

desculpa que lhe acudiu.<br />

— À minha espera!... Não está má!<br />

— Pois não é Vossa Mercê que dita?<br />

— Ditar o que, moço, se já lhe apontei aí a escritura...<br />

— Ah! É para copiar deste livro?...<br />

— Então, moço! E avie-se, que isso de lesmas, não servem cá para<br />

escreventes. Quer-se sujeito despachado!<br />

Receoso de ser recambiado do cartório, arranjou-se o Ivo para dar conta da<br />

tarefa, e outra vez com a pena embutida nos três dedos, abriu o corte da primeira<br />

maiúscula. Mas aí estava a dificuldade. Que letra lançaria ele se não conseguira<br />

destrinçar ainda as rabiscas do tabelião?<br />

Relanceou para a porta um olhar de desespero; mas já a fresta se havia<br />

cerrado, e não viu ali para consolá-lo em sua aflição nem sequer o olhar à sorrelfa,<br />

que poucos momentos antes o viera desinquietar. Com o espirro paterno, Marta<br />

fugira espavorida.<br />

Nestas estreitas sentiu o rapaz no peito do gibão o amarrotar de um papel; e<br />

indagando da novidade, descobriu que era uma folha de almaço a sair do<br />

bacamarte, e justamente pelo verso da maldita escritura que estava condenado a<br />

copiar sem entender.<br />

Examinando o manuscrito, pareceu-lhe pelo jeito, ser um traslado da tal<br />

abstrusa escritura, começado a tirar por algum escrevente do cartório. Sem mais e à<br />

ventura, pôs mãos à obra, e com pouco estendeu sobre o papel todo o traslado em<br />

um bastardinho bem lançado e do mais lindo talho.<br />

Levantou-se o rapaz, e por cima da mesa apresentou a cópia ao tabelião,<br />

mas vendo que este não se distraía lá da sua tarefa, meteu-lha por diante do nariz.<br />

— Hem!... Então já acabou, moço?<br />

31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!