19.06.2013 Views

O Garatuja - Unama

O Garatuja - Unama

O Garatuja - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Romana Mência era uma devota, como não havia outra, perdida por tudo quanto era<br />

santo e cousa de beatice.<br />

Recobrando a sua agilidade, do tempo do alferes, quando tantas vezes saltara<br />

essa mesma janela para ir-lhe ao encontro na cerca, por trás da atafona, a Rosalina<br />

com algum esforço conseguiu apoderar-se do painel, e cosendo-se com ele dentro da<br />

mantilha acatassolada, deitou-se de um fôlego para a casa da matrona.<br />

Esta não se achava só, mas concertando com a nora e mais a Engrácia, uma<br />

das vizinhas, a novena daquela noite. Vendo entrar pela casa, e sem licença, a<br />

Rosalina, as duas se admiraram; mas a velha inquizilou-se ao sério.<br />

Quem a chamou cá, mulher?<br />

— Com perdão de Vossa Mercê, Sra. Romana, pela confiança de entrar<br />

assim na casa alheia, sem pedir licença; mas como é para bem!...<br />

— Isso é que está por ver, que seja para bem, redargüiu a voz fanhosa da<br />

velha.<br />

— Ai! Era preciso que não fosse devota do Menino Jesus!<br />

— A que vem isso agora?<br />

— É ou não é?<br />

— Se doutro modo não se vai e me deixa descansada, digo-lhe, senhora<br />

abelhuda, que sou e torno a ser. Agora musque-se!<br />

— Pois então, exclamou a Rosalina, desenrolando a mantilha com ar de<br />

triunfo, recreie esses olhos em sua benta imagem.<br />

Com um gesto patético apresentou o painel.<br />

A Miquelina e a Engrácia caíram logo em êxtase diante da pintura; mas a<br />

velha desconfiada e prevenida levou algum tempo a firmar a vista, e compenetrar-se<br />

bem do que olhava. Então não se pôde conter e, pondo as mãos, entrou por sua vez<br />

em adoração.<br />

Passado aquele primeiro enlevo contemplativo, cobraram as três a fala, e com<br />

a Rosalina fizeram um perfeito quarteto de tagarelice.<br />

ele.<br />

— Onde achou este retábulo, mulher? Perguntou Romana.<br />

— Foi o Ivo, o meu enjeitadinho que pintou! Respondeu a Rosalina cheia de si<br />

— Que me diz? Pois ele é capaz!<br />

— Oh! Tem uma habilidade, que é cousa por maior; o Belmiro não pode com<br />

— Há de trazê-lo cá. Em o vendo, logo conheço se é verdade.<br />

— A senhora pode experimentar.<br />

— Deixe estar que ninguém me logra.<br />

A esse tempo travara-se entre a Miquelina e a Engrácia renhida disputa a<br />

respeito do painel.<br />

— Mas, senhora, dizia a Miquelina, está-me catucando cá dentro que este<br />

não é o Menino Jesus!<br />

— Quem há de ser então? O Arcanjo São Miguel?<br />

— Também não. Quem diz que este painel é de devoção? A mim está-me<br />

parecendo pintura de pouca vergonha!<br />

— Jesus! Que blasfêmia! Pois não está vendo as asas de querubim?<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!