29.06.2013 Views

A Normalista Adolfo Caminha - PSB

A Normalista Adolfo Caminha - PSB

A Normalista Adolfo Caminha - PSB

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Surpreendia, às vezes, crivando a transparência do ar, revoadas d’aves de arribação.<br />

Recolhia-se animado. Mas os dias passavam quentes e seco.<br />

Outras vezes, à noitinha, clarões rápidos e lívidos abriam-se no poente como<br />

reflexos de luz elétrica; ouvia-se rolar a trovoada muito ao longe. Mendonça punha-se a<br />

escutar calado, sentia um como arrepio bom, e lá tornava a iludir-se alimentando, toda uma<br />

noite, a doce esperança de ver pela manhã o solo úmido e a rama brotando verde e pujante<br />

da “fornalha”. Mas qual! As manhãs sucediam-se cada vez mais tépidas, sem pingo d’água,<br />

uma aragem leve, de cemitério, arrepiando a folhagem do arvoredo. Um céu muito alto,<br />

varrido, monótono, indecifrável como um dogma.<br />

E pouco a pouco aquele estado de coisas foi atuando forte no espírito do sertanejo,<br />

como as vibrações d’um clarim que dá sinal de marcha; pouco a pouco foi se convencendo<br />

que aquilo era uma situação impossível em que ele não devia absolutamente permanecer.<br />

Os açudes estorricavam mostrando os leitos gretados pelo sol, duros como pedra,<br />

juritis encadeadas iam espapaçar ofegantes no chão, defronte da casa; cascavéis<br />

chocalhavam no alpendre, ocultas, invisíveis, e todas as coisas tinham um aspecto desolado<br />

e lúgubre que se comunicava às criaturas.<br />

Passava gente todo santo dia, a pé, de trouxa ao ombro, arrastando-se pesadamente.<br />

Uma vez, ele próprio, Mendonça, vira de perto a agonia lenta de uma mulher<br />

asfixiada pela elefantíasis ⎯ pernas inchadas, ventre inchado, rosto inchado ⎯ horrível.<br />

Decididamente era tempo de arrumar também “os seus cacos” e ⎯ adeus, Campo<br />

Alegre, adeus, carnaubais rumorejantes; adeus, igrejinha branca! Ir-se-ia fazer pela vida em<br />

qualquer parte, em Fortaleza, onde felizmente contava amigos políticos, correligionários<br />

dedicados que certamente lhe não recusariam uma acha de lenha, uma pouca d’água fresca,<br />

um punhado de farinha... Demais era homem, graças a Deus, forte como um novilho, tinha<br />

sangue nas veias ⎯ trabalharia!<br />

Ao mesmo tempo lembrava-se da “sua velha”, da Eulália, que andava adoentada,<br />

com umas pontadas no coração, muito fraca e cuja natureza talvez não resistisse às fadigas<br />

d’uma viagem longa; pensava em Maria do Carmo, sua filha querida, a menina dos seus<br />

olhos, tão nova ainda, e punha-se a meditar nos horrores da seca, nas febres de mau caráter,<br />

na quase absoluta falta d’água, com um desalento a aniquilar-lhe as forças, a dobrar-lhe a<br />

altivez de forte. Depois tornava ao mesmo fio de idéias: não, aquele inferno do sertão, com

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!