A Normalista Adolfo Caminha - PSB
A Normalista Adolfo Caminha - PSB
A Normalista Adolfo Caminha - PSB
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
frente, sem um profundo e oculto frenesi. Um homem que não cuidava dos dentes, que não<br />
se banhava, um bêbedo!<br />
Esteve folheando o livro de músicas automaticamente, sem se mexer, sem dar<br />
palavra, esperando que João se retirasse da sala. Ele, porém, bateu o postigo com força,<br />
cambaleando, dando encontrões nos móveis, aproximou-se outra vez da afilhada, e, num<br />
movimento abrutalhado, abraçando-a por trás, curvando-se para a frente sobre ela,<br />
chimpou-lhe outro beijo, agora na boca, um beijo úmido, selvagem, babando-a como um<br />
alucinado...<br />
Maria quis gritar sufocada, mas o amanuense, tapando-lhe a boca, ameaçou...<br />
⎯ Nada de gritos, hein! nada de gritos... Eu sou seu padrinho, posso lhe beijar onde<br />
e quando quiser, está ouvindo? Nada de gritos!<br />
E Maria, com os lábios muito vermelhos, como a polpa d’uma fruta, debruçada<br />
sobre o piano, desandou a chorar nervosamente.<br />
João da Mata tinha bebido sofrivelmente na bodega do Zé Gato onde costumava<br />
aquecer os pulmões ao voltar da Repartição. Nesse dia excedeu-se, tomando em demasia,<br />
porque lá estava o Perneta, um dos correios, que usava muleta, que também gostava da<br />
pinga e escrevia versos para o Judeu Errante.<br />
Num momento deram cabo d’uma garrafa em cujo rótulo lia-se este reclame<br />
atraente como visgo: Cumbe legítima.<br />
E que loquacidade! Falaram por três deputados brasileiros sobre poesia e política.<br />
O Perneta, sujeito pretensioso e pernóstico, metido a literato, falando sempre com<br />
certo ar dogmático, ventilou uma questão de literatura cearense ⎯ Que não tínhamos poeta,<br />
disse: o que havia era uma troça de malandros e de pedantes muito bestas, que<br />
escrevinhavam para a Província coisas tão ruins que até faziam vergonha aos manes do<br />
glorioso José de Alencar; uma súcia de imitadores que se limitavam a copiar dos jornais da<br />
Corte.<br />
Na sua opinião o Ceará só possuía um poeta verdadeiramente inspirado ⎯ era<br />
Barbosa de Freitas. Esse, sim, cantava o que sentia em versos magistrais, dignos de Victor<br />
Hugo. Conhecera-o pessoalmente. Um boêmio! Fazia gosto ouvi-lo, Que eloqüência, que