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Graciliano ramos - vidas secas (livro completo)

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Paulo Honório com o seu egoísmo, com a sua maldade, com o seu<br />

ciúme, com a sua desumanidade.<br />

Em Angústia, a abstração será mais completa. Encont<strong>ramos</strong><br />

certas visões do Rio, de Maceió, de cidades do interior.<br />

Todas elas, porém, constituem menos uma literatura<br />

paisagística do que a localização explicativa do personagem<br />

Luís da Silva.<br />

E daí a superposição de planos na obra do Sr. <strong>Graciliano</strong><br />

Ramos; o plano regional que se revela nos seus personagens<br />

marcados pelo meio físico e social, na forma dos diálogos,<br />

todos muito fiéis à língua falada, nos ambientes onde se<br />

desenvolvem as figuras e os enredos dos seus <strong>livro</strong>s; o plano<br />

universal que se alarga nos dramas dos seus romances, nos<br />

sentimentos complexos dos seus personagens, na linguagem<br />

muito rigorosa e pura - pode-se dizer: clássica - do<br />

romancista.<br />

Dois planos, portanto, que chegam a espantar o leitor: o<br />

prosaísmo - mais ainda: uma espécie de vulgaridade - da vida<br />

ordinária dos personagens e a alucinação da sua vida<br />

psicológica; a linguagem trivial dos diálogos e a linguagem<br />

literária do autor propriamente: figuras de aparência simples<br />

e rústica - o caso de Paulo Honório, por exemplo - agitadas<br />

por sentimentos complexos e sensações fora do comum.<br />

Em qualquer desses aspectos permanece uma preocupação<br />

dominante: a de revelar o caráter humano. Não só o romancista<br />

está dominado por esse desejo de conhecer os seus<br />

semelhantes, mas esta aspiração é também dos seus<br />

personagens. Vivem todos voltados para dentro, com olhos que<br />

se inutilizaram quase para os quadros exteriores da vida.<br />

Faz uma confissão neste sentido o personagem principal de<br />

Angústia: Nunca presto atenção às coisas, não sei para que<br />

diabo quero olhos, Trancado num quarto, sapecando as pestanas<br />

em cima de um <strong>livro</strong>, como sou vaidoso, como sou besta!<br />

Caminhei tanto e o que fiz foi mastigar papel impresso.<br />

Idiota. Podia estar ali a distrair-me com a fita. Depois,<br />

finda a projeção, instruir-me vendo as caras. Sou uma besta.<br />

Quando a realidade me entra pelos olhos, o meu pequeno mundo<br />

desaba.<br />

Esta preocupação de fixar e exibir o caráter humano poderia<br />

significar que o Sr. <strong>Graciliano</strong> Ramos estima os seus<br />

semelhantes e está interessado pela sua sorte. Mas, não.<br />

Verifica-se o contrário; o seu julgamento dos homens é o mais<br />

pessimista e frio que se possa imaginar; o seu sentimento em<br />

face deles é de ódio ou desprezo. Numa certa ocasião, o<br />

personagem de Angústia diz que tem pena de Marina, que tem<br />

pena de D. Adélia, que merecem compaixão todas as criaturas<br />

que são instrumentos. Contudo, embora todas as criaturas

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