Graciliano ramos - vidas secas (livro completo)
Graciliano ramos - vidas secas (livro completo)
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diretamente, o Sr. <strong>Graciliano</strong> Ramos provoca dos leitores para<br />
os seus personagens. E isto só acontece quando nas raízes da<br />
vida do romancista também se encontram os mesmos traços de<br />
infelicidade, tristeza e solidão, os vestígios ou as sombras<br />
dos sonhos sufocados e estrangulados. O autor não pode então<br />
exprimir piedade, porque o pudor e a dignidade artística o<br />
impedem de ter piedade de si mesmo. Ele não tem pena dos seus<br />
personagens, porque está projetado neles, e dispõe de forças<br />
suficientes para de si mesmo não ter pena nenhuma. Este<br />
fenômeno de criação literária, nos romances do Sr. <strong>Graciliano</strong><br />
Ramos, aparece agora devidamente esclarecido na revolução da<br />
sua infância por intermédio de um <strong>livro</strong> de memórias .<br />
( GRACILIANO RAMOS - Infância. Rio de Janeiro, ).<br />
Sim: é em Infância que poderemos encontrar a significação de<br />
S. Bernardo e Angústia. As memórias da vida real explicam o<br />
mundo de ficção do romancista. Nul ne peut écrire la vie d'un<br />
homme qui lui même - dissera JeanJacques Rousseau para<br />
justificar as suas Confessions. Ele envolvera, no entanto, as<br />
misérias a confessar numa forma de poesia, porque a sua<br />
sinceridade era a do sonhador. O Sr. <strong>Graciliano</strong> Ramos é um<br />
anti-sonhador por excelência; e deu à expressão das suas<br />
lembranças um caráter de intransigente realismo. Ele não nos<br />
revela sequer os seus sonhos de menino, os sonhos que ocupam<br />
a maior parte do universo das crianças, e que vão sendo<br />
depois esquecidos ou destruídos pela realidade, no contato<br />
com os adultos. O que vemos aqui já é essa própria realidade<br />
em toda a sua dureza e crueldade. Nenhuma poesia, nenhum<br />
sonho, nenhuma fantasia na infância triste e solitária do<br />
romancista.<br />
Pergunta-se: o que é rigorosamente real e o que é imaginado<br />
neste <strong>livro</strong> de memórias? A resposta não terá importância para<br />
o conhecimento psicológico do autor. A sinceridade do artista<br />
não é um problema que se resolva nos mesmos termos da<br />
sinceridade nas relações sociais entre os homens. Um artista,<br />
ao deformar a vida, não mistifica a ninguém, apenas a si<br />
mesmo. Quando um artista traça de si próprio uma imagem - ela<br />
tem sempre autenticidade, se não a dos fatos, a da vida<br />
interior, que é a principal no caso. Ele é realmente o que<br />
imagina ter sido.<br />
Ora, as memórias do Sr. <strong>Graciliano</strong> Ramos constituem a<br />
expressão realista das suas lembranças; e são ainda mais<br />
autênticas ou reveladoras nos detalhes que ele, porventura,<br />
lhes tenha acrescentado pela imaginação. Para se definir<br />
e revelar há ainda que levar em conta o processo, o espírito<br />
de escolha do memorialista. Não lhe é possível narrar tudo o<br />
que aconteceu durante a infância, nem exprimir todas as<br />
impressões e sensações de menino. Muitos episódios