Questões de gênero na literatura e na produção ... - Fazendo Gênero
Questões de gênero na literatura e na produção ... - Fazendo Gênero
Questões de gênero na literatura e na produção ... - Fazendo Gênero
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
mesma lógica são produtivas, elas colaboram para <strong>na</strong>turalizar construções culturais, produzir e fixar<br />
posições sociais <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>.<br />
Narrativas como estas tor<strong>na</strong>m visível o funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> atributos sociais masculinos e<br />
femininos – construídos como par binário. Homens e mulheres são <strong>de</strong>scritos a partir <strong>de</strong> condutas, <strong>de</strong><br />
práticas, <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> ser que estariam <strong>na</strong> “essência” <strong>de</strong>sses sujeitos. Às mulheres<br />
cabem gestos <strong>de</strong>licados, a fragilida<strong>de</strong>, a afetivida<strong>de</strong>, o trato com as coisas da casa, o cuidado das<br />
crianças. Aos homens cabe a ousadia, a força, a racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, a coragem, a aptidão física, a<br />
“conquista” do mundo exterior (para além do espaço privado), o provimento <strong>de</strong> bens e alimentos<br />
(caça, coleta, pesca, construção, estruturação do espaço...). Ao <strong>na</strong>rrar em oposição homem/mulher,<br />
as histórias do Papa-Capim articulam outros bi<strong>na</strong>rismos como por exemplo<br />
racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>/sensibilida<strong>de</strong>; força/<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za; ativida<strong>de</strong>/passivida<strong>de</strong>.<br />
Na história intitulada Perdidos..., um casal <strong>de</strong> turistas não consegue encontrar o caminho<br />
para casa e acaba encontrando-se com Papa-Capim no meio da floresta. A história tem diversos<br />
quadros <strong>de</strong> ação, nos quais o homem toma a iniciativa, luta contra feras, procura ajuda, consola e<br />
mulher que aparece in<strong>de</strong>fesa, histérica, amedrontada. As ce<strong>na</strong>s <strong>de</strong> ação são marcadas pela força,<br />
coragem e racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> masculi<strong>na</strong> – <strong>na</strong> figura do homem ou <strong>de</strong> Papa-Capim – e pela frágil<br />
condição femini<strong>na</strong>, que grita, chora e pe<strong>de</strong> socorro.<br />
Em O pequeno Cauí o suposto di<strong>na</strong>mismo do mundo masculino indíge<strong>na</strong>, em oposição à<br />
monotonia do mundo feminino é apresentado <strong>de</strong> maneira bastante evi<strong>de</strong>nte. No início da história<br />
um bebê indíge<strong>na</strong> está em uma re<strong>de</strong> e, escapando ao olhar protetor da mãe, segue o pai,<br />
envolvendo-se em aventuras, perigos e muita ação, <strong>na</strong>s quais o pai se esforça para mantê-lo a salvo.<br />
Nos quadros fi<strong>na</strong>is o pai <strong>de</strong>volve o bebê à mãe, que comenta não enten<strong>de</strong>r por que ele não fica<br />
sossegado <strong>na</strong> re<strong>de</strong>. Um balão traduz o pensamento do bebê: “aqui é tão chato, não acontece <strong>na</strong>da”,<br />
enquanto a ce<strong>na</strong> mostra a mãe sentada ao chão, com feições entristecidas, preparando alimentos,<br />
num cenário quase vazio.<br />
A construção <strong>de</strong> sujeitos generificados ocorre <strong>de</strong> forma relacio<strong>na</strong>l, em relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O<br />
que se procura instituir são i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s fixas, que suturam o sujeito à estrutura social. Louro (1997)<br />
a<strong>na</strong>lisa os lugares sociais <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> como sendo padrões ou regras arbitrárias que uma socieda<strong>de</strong><br />
estabelece para seus membros e que produzem sujeitos com <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos comportamentos, atitu<strong>de</strong>s<br />
e modos <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento.<br />
Discutindo a noção <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, Meyer (2005) conclui que ela se constrói em relação e opera<br />
como um organizador da socieda<strong>de</strong> e da cultura, processo que engloba todas as práticas a partir das<br />
quais se distinguem os sujeitos femininos e masculinos, marcando os corpos e dotando-os <strong>de</strong><br />
distinções quanto ao sexo e a sexualida<strong>de</strong>. <strong>Gênero</strong> é, então, constituinte <strong>de</strong> sujeitos e <strong>de</strong> relações <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r, produtor e produzido <strong>na</strong> linguagem.