Masculinidade e Homofobia em O Ateneu ... - Fazendo Gênero
Masculinidade e Homofobia em O Ateneu ... - Fazendo Gênero
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Este modelo não é mais predominante nas sociedades modernas permeadas pelo dispositivo<br />
de sexualidade. O gênero passou a ser entendido fundamentalmente <strong>em</strong> relação à sexualidade.<br />
Constitui-se a identidade homossexual como uma natureza singular, uma personag<strong>em</strong> na qual “nada<br />
daquilo que é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade” (FOUCAULT, 1988, p. 43). O gênero é<br />
então construído a partir da coerência sociamente imposta entre sexo, gênero, desejo e práticas<br />
sexuais (BUTLER, 2003). A heterossexualidade compulsória ocupa local privilegiado nesta<br />
construção e a homofobia <strong>em</strong>erge para regulá-la. Cabe analisar como esta construção <strong>em</strong>erge do<br />
dispositivo de sexualidade <strong>em</strong> nosso contexto.<br />
No final do século XIX, forma-se um local de socialização homoerótica amplamente<br />
conhecida no Rio de Janeiro: o Largo do Roscio (GREEN, 2000). A partir de então vigoram<br />
representações binárias <strong>em</strong> charges de jornal ou mesmo <strong>em</strong> teses médicas sobre as relações entre<br />
homens. Homens viris, também chamados de fanchonos e homens ef<strong>em</strong>inados, chamados de<br />
“frescos”, seriam pretensamente penetradores e penetrados. Os próprios documentos d<strong>em</strong>onstram<br />
práticas sexuais que iam além deste binário, mas a inteligibilidade social se restringia a elas.<br />
Estabelece-se uma associação direta entre ef<strong>em</strong>inamento e homoerotismo.<br />
A relação entre ser impelido para o sexo da fraqueza (tornar-se ef<strong>em</strong>inado) e ser dominado,<br />
festejado e pervertido (no limite, ser penetrado) d<strong>em</strong>onstra esta mesma associação. As relações<br />
homoeróticas <strong>em</strong> O <strong>Ateneu</strong> são s<strong>em</strong>pre entendidas pelos casais e pelos test<strong>em</strong>unhos por esta lente<br />
binária. Observ<strong>em</strong>os a seguinte passag<strong>em</strong> que descreve a relação entre Sérgio e Bento Alves:<br />
“estimei-o f<strong>em</strong>ininamente, porque era grande, forte, bravo; porque podia me valer; porque me<br />
respeitava, quase tímido, como se não tivesse animo de ser amigo” (p. 44). Sérgio se vê como pólo<br />
f<strong>em</strong>inino <strong>em</strong> relação a Bento Alves, reiterando o esqu<strong>em</strong>a de inteligibilidade vigente.<br />
Em suma, a abjeção ao f<strong>em</strong>inino, presente na fala de Rebelo representa parte constituinte do<br />
controle das relações homossociais masculinas. A associação entre ef<strong>em</strong>inamento e práticas homo-<br />
orientadas faz constituir como el<strong>em</strong>ento integrante da homofobia a recusa do f<strong>em</strong>inino. Portanto,<br />
<strong>em</strong> O <strong>Ateneu</strong> perceb<strong>em</strong>os como a figura do ef<strong>em</strong>inado se articula com a gestão política dos corpos<br />
vigente no Brasil finisecular.<br />
Paranóia e violência<br />
Pode-se apontar duas causas sociais compl<strong>em</strong>entares para a violência presente nas relações<br />
homossociais do romance. Elas resultam do paradoxo inerente aos ambientes de<br />
homossociabilidade: um ambiente no qual se constrói a virilidade (rejeitando o f<strong>em</strong>inino) ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se iniciam os jogos eróticos homo-orientados. A primeira causa está ligada à<br />
interdição do potencial erótico do desejo homossocial que <strong>em</strong> forma de paranóia se transforma <strong>em</strong><br />
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