6923913 - Rumo ao ITA - Sousa Nunes - Português.indd
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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />
Comentário<br />
O poema do parnasiano Bilac trata da língua<br />
portuguesa e está escrito basicamente em linguagem<br />
metafórica: o português é chamado última flor do Lácio,<br />
porque é uma língua que brotou nos confins do Império<br />
Romano. A região em que se falam línguas provindas do<br />
latim é chamada Lácio, porque esse é o nome da região que<br />
circunda Roma. Esse nome está na origem do termo latim.<br />
Portugal, por sua vez, ficava no extremo ocidental do Império.<br />
O poema mostra que essa língua possui, <strong>ao</strong> mesmo<br />
tempo, qualidades contrárias entre si: é ainda grosseira,<br />
primitiva, bárbara (inculta), pois ainda não teve tempo de<br />
se refinar, mas é também bela; é vida plena (esplendor),<br />
mas é também morte de autores, porque é desconhecida<br />
e não permite que eles sejam lidos. Essa atribuição de<br />
qualidades contrárias entre si <strong>ao</strong> mesmo ser é chamada<br />
oxímoro ou paradoxo e serve para chamar a atenção para<br />
a complexidade do objeto.<br />
A língua portuguesa é preciosa (ouro), não misturada<br />
com outras (chama-se nativo <strong>ao</strong> metal que se encontra<br />
naturalmente não combinado com outro), mas contém<br />
resíduos (ganga impura), ou seja, elementos linguísticos de que<br />
deve libertar-se para surgir brilhante; é uma jazida inexplorada<br />
que esconde um metal precioso (A bruta mina entre os<br />
cascalhos vela). Observe como o poema é basicamente<br />
metafórico. Na primeira estrofe, diz-se do português: última<br />
flor do Lácio, sepultura, ouro nativo, ganga impura, bruta<br />
mina, cascalhos. Esse procedimento composicional vai<br />
continuar a ser utilizado <strong>ao</strong> longo do poema.<br />
As três estrofes seguintes são uma declaração de<br />
amor à língua portuguesa, essa desconhecida e obscura,<br />
que exprime tanto o que é altissonante e grandioso<br />
(tuba de alto cIangor, tens o tom e o silvo da procela), como<br />
o que é suave e singelo (lira singela, arrolo da saudade e<br />
da ternura). Como se verifica, continuam os paradoxos.<br />
O português está próximo da natureza, tem o viço agreste<br />
e o aroma das florestas virgens do Brasil e do oceano largo,<br />
por onde os portugueses conquistaram o mundo. Assim, o<br />
poeta mostra que a língua está impregnada do ambiente<br />
natural (geográfico) e social (histórico) em que é falada.<br />
Ele ainda ama sua língua, pois foi nela que ouviu<br />
as palavras ternas da mãe e a poesia lírica de Camões,<br />
considerado por muitos o maior poeta do português. Ela é<br />
o meio de expressão dos sentimentos de todos, dos mais<br />
comuns <strong>ao</strong>s mais geniais.<br />
A tessitura sonora do poema recria o conteúdo:<br />
por exemplo, à languidez do /I/ do primeiro verso sucede-se<br />
a dureza do /t/, /p/ e /d/ do segundo. É como se um oxímoro<br />
sonoro se criasse para manifestar o oxímoro significativo que<br />
aparece nesses versos.<br />
Em suma, o poema bilaquiano mostra a admiração do<br />
poeta pelas riquezas e potencialidades do idioma. O texto de<br />
Caetano, que se vai ler a seguir, é também um hino de amor<br />
à língua. Os dois poetas, entretanto, têm uma concepção<br />
muito distinta da língua e do amor a ela.<br />
Caetano Emanuel Viana Teles<br />
Veloso (7 de agosto de 1942):<br />
Nascido na Bahia, é um músico<br />
e escritor brasileiro. Considerado<br />
um dos melhores compositores<br />
do século XX, já foi comparado,<br />
em termos de relevância para<br />
a música pop internacional, a<br />
nomes como Bob Dylan, Bob<br />
Marley e Lennon.<br />
LÍNGUA<br />
Gosto de sentir a minha língua roçar<br />
A língua de Luís de Camões.<br />
Gosto de ser e de estar<br />
E quero me dedicar<br />
A criar confusões de prosódia<br />
E uma profusão de paródias<br />
Que encurtem dores<br />
E furtem cores como camaleões.<br />
Gosto do Pessoa na pessoa<br />
Da rosa no Rosa,<br />
E sei que a poesia está para a prosa<br />
Assim como o amor está para a amizade.<br />
E quem há de negar que esta lhe é superior?<br />
E deixa os portugais morrerem à míngua,<br />
“Minha pátria é minha língua”<br />
– Fala, Mangueira!<br />
Flor do Lácio Sambódromo<br />
Lusamérica latim em pó<br />
O que quer<br />
O que pode<br />
Esta língua?<br />
Comentário<br />
Caetano Veloso, 1984.<br />
Os dois primeiros versos do poema de Caetano têm<br />
uma grande carga de sensualidade. Sua beleza reside no<br />
fato de que o termo “língua” é usado em dois sentidos<br />
diferentes. Significa, no primeiro verso, “órgão da cavidade<br />
bucal, que auxilia na produção dos sons” e, no segundo, quer<br />
dizer “idioma” (metonímia). “Roçar” significa, então, “tocar,<br />
resvalar”. Nesse caso, o poeta diz que gosta de produzir os<br />
sons do português, sente um gosto físico <strong>ao</strong> pronunciá-los.<br />
No entanto, pode-se pensar também que as duas ocorrências<br />
da palavra “língua” têm o mesmo significado, “idioma”.<br />
Nessa hipótese, roçar significa tanto “ceifar, pôr abaixo,<br />
derrubar”, quanto “aproximar-se”. Os dois primeiros versos<br />
poderiam, então, significar tanto “gosto de fazer minha língua<br />
– o português falado no Brasil – sobrepor-se <strong>ao</strong> português<br />
de Camões, isto é, o de Portugal”, quanto “gosto de fazer o<br />
português do Brasil aproximar-se do de Portugal”.<br />
O poeta gosta da transitoriedade e da perenidade<br />
das formas linguísticas (“ser” é o verbo que indica estados<br />
permanentes; “estar”, estados transitórios). Exprime seu<br />
desejo em relação <strong>ao</strong> trabalho com o idioma: incorporar<br />
os diferentes falares (confusão de prosódias) e retomar os<br />
textos dos outros de forma invertida (profusão de paródias).<br />
<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 10