6923913 - Rumo ao ITA - Sousa Nunes - Português.indd
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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />
Vocabulário<br />
PROFISSÃO DE FÉ<br />
Não quero o Zeus Capitolino<br />
Hercúleo e belo,<br />
Talhar no mármore divino<br />
Com o camartelo.<br />
Que outro – não eu! – a pedra corte<br />
Para, brutal,<br />
Erguer de Athene o altivo porte<br />
Descomunal.<br />
Mais que esse vulto extr<strong>ao</strong>rdinário,<br />
Que assombra a vista,<br />
Seduz-me um leve relicário<br />
De fino artista.<br />
Invejo o ourives quando escrevo:<br />
Imito o amor<br />
Com que ele, em ouro, o alto-relevo<br />
Faz de uma flor.<br />
Imito-o. E, pois, nem de Carrara<br />
A pedra firo:<br />
O alvo cristal, a pedra rara,<br />
O ônix prefiro.<br />
Por isso, corre, por servir-me,<br />
Sobre o papel<br />
A pena, como em prata firme<br />
Corre o cinzel.<br />
Corre; desenha, enfeita a imagem,<br />
A ideia veste:<br />
Cinge-lhe <strong>ao</strong> corpo a ampla roupagem<br />
Azul-celeste.<br />
Torce, aprimora, alteia, lima<br />
A frase; e, enfim,<br />
No verso de ouro engasta a rima,<br />
Como um rubim.<br />
Quero que a estrofe cristalina,<br />
Dobrada <strong>ao</strong> jeito<br />
Do ourives, saia da oficina<br />
Sem um defeito:<br />
E que o lavor do verso, acaso,<br />
Por tão sutil,<br />
Possa o lavor lembrar de um vaso<br />
De Becerril.<br />
Olavo Bilac. Poesias. 19. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1942. p. 5-7.<br />
1 cingir: pôr à cintura; unir; cercar, rodear. 2 altear: tornar mais alto.<br />
3 limar: polir com lima; aperfeiçoar. 4 engastar: encravar em ouro ou<br />
prata (a pedra preciosa). 5 rubim: o mesmo que rubi; pedra preciosa<br />
vermelha. 6 lavor: trabalho, especialmente manual, artesanal.<br />
7 Becerril Alonzo: Becerril foi escultor espanhol do final do século XVI,<br />
muito apreciado por seus trabalhos em prata, principalmente vasos<br />
sagrados, como cálices, ostensórios etc., que se caracterizavam pela<br />
extrema delicadeza.<br />
Comentário<br />
Olavo Bilac, um dos mais importantes nomes<br />
do Parnasianismo, escreveu esse poema pautando-se<br />
em figuras, daí ser ele um texto figurativo.<br />
Observe que as figuras têm uma organização.<br />
Há um grupo delas que se refere à escultura: talhar no<br />
mármore, Zeus Capitolino (estátua de Júpiter), camartelo<br />
(ferramenta com que o escultor desbasta a pedra), cortar<br />
a pedra, descomunal, vulto extr<strong>ao</strong>rdinário (referência<br />
<strong>ao</strong> tamanho das esculturas), ferir a pedra de Carrara<br />
(alusão à cidade italiana famosa pela qualidade e beleza<br />
de seu mármore); outro que diz respeito à ourivesaria: leve<br />
relicário, fino artista, ourives, fazer o alto-relevo de uma<br />
flor em ouro, preferir o alvo cristal, a pedra rara, o ônix,<br />
correr o cinzel em prata firme, limar, engastar, rubim, jeito<br />
do ourives, oficina, lavor, vaso de Becerril; um terceiro que<br />
concerne <strong>ao</strong> fazer poético: escrever, correr a pena sobre o<br />
papel, imagem, frase, verso, rima, estrofe. O poeta diz que<br />
o fazer poético não se assemelha <strong>ao</strong> trabalho do escultor,<br />
mas <strong>ao</strong> do ourives. Por isso ele tem que burilar a forma<br />
como o ourives quando faz uma joia; prefere as pedras<br />
raras <strong>ao</strong> mármore (pedras raras aqui são as palavras nobres);<br />
realça o verso de ouro (o último verso era chamado chave<br />
de ouro, no Parnasianismo) com uma grande imagem e<br />
com uma rima preciosa, ou seja, aquela que é difícil de<br />
encontrar; não publica verso defeituoso (saia da oficina sem<br />
um defeito), busca a delicadeza na composição do verso<br />
(veja a última estrofe). O poeta identifica as figuras referentes<br />
<strong>ao</strong> fazer poético com as figuras relacionadas à ourivesaria,<br />
para manifestar o tema do culto à forma, fundamento da<br />
poética parnasiana. Cultivava ela as formas fixas, a métrica<br />
perfeita, a rima rara, o preciosismo na seleção lexical.<br />
Por isso, o trabalho do poeta é comparado <strong>ao</strong> do ourives.<br />
Tudo isso era a negação da poesia romântica, com seus versos<br />
livres e brancos, ou seja, não metrificados e não rimados.<br />
Carlos Drummond de Andrade<br />
(1902-1987): Nasceu em Minas<br />
Gerais, na cidade de Itabira.<br />
Posteriormente, foi estudar em<br />
Belo Horizonte e Nova Friburgo<br />
com os Jesuítas no colégio<br />
Anchieta. Formado em farmácia,<br />
fundou A Revista, para divulgar o<br />
modernismo no Brasil. No mesmo<br />
ano em que publica a primeira<br />
obra poética, Alguma poesia (1930), o seu poema Sentimental<br />
é declamado na conferência “Poesia Moderníssima do Brasil”,<br />
embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até<br />
seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze<br />
dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta<br />
Drummond de Andrade. Além de poesia, produziu livros<br />
infantis, contos e crônicas.<br />
A noite desceu. Que noite!<br />
Já não enxergo meus irmãos.<br />
E nem tampouco os rumores<br />
que outrora me perturbavam.<br />
A noite desceu. Nas casas,<br />
nas ruas onde se combate,<br />
nos campos desfalecidos,<br />
a noite espalhou o medo<br />
e a total incompreensão.<br />
A noite caiu. Tremenda,<br />
sem esperança... Os suspiros<br />
A NOITE DISSOLVE OS HOMENS<br />
<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 6