6923913 - Rumo ao ITA - Sousa Nunes - Português.indd
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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />
Como são belos os dias<br />
Do despontar da existência!<br />
– Respira a alma inocência<br />
Como perfumes a flor,<br />
O mar é – lago sereno,<br />
O céu – um manto azulado,<br />
O mundo – um sonho dourado,<br />
A vida – um hino de amor!<br />
Que auroras, que sol, que vida,<br />
Que noites de melodia<br />
Naquela doce alegria,<br />
Naquele ingênuo folgar!<br />
O céu bordado de estrelas,<br />
A terra de aromas cheia;<br />
As ondas beijando a areia<br />
E a lua beijando o mar!<br />
Oh! dias da minha infância!<br />
Oh! meu céu de primavera!<br />
Que doce a vida não era<br />
Nessa risonha manhã!<br />
Em vez das mágoas de agora,<br />
Eu tinha nessas delícias<br />
De minha mãe as carícias<br />
E beijos de minha irmã!<br />
Livre filho das montanhas,<br />
Eu ia bem satisfeito,<br />
Da camisa aberta <strong>ao</strong> peito,<br />
– Pés descalços, braços nus<br />
Correndo pelas campinas<br />
À roda das cachoeiras<br />
Atrás das asas ligeiras<br />
Das borboletas azuis!<br />
Naqueles tempos ditosos<br />
Ia colher as pitangas.<br />
Trepava a tirar as mangas,<br />
Brincava à beira do mar;<br />
Rezava as Ave-Marias,<br />
Achava o céu sempre lindo,<br />
Adormecia sorrindo<br />
E despertava a cantar!<br />
Casimiro de Abreu. Poesia. 3. ed.<br />
Rio de Janeiro: Agir. 1967. p. 29-31.<br />
Comentário<br />
Nesse texto, o poeta compara o tempo de agora<br />
(o presente) com um tempo do passado, o da infância.<br />
O presente, idade adulta, é um tempo de sofrimento, de<br />
mágoas. A infância aparece como um tempo de felicidade,<br />
em que o poeta se achava em harmonia com a natureza, com<br />
os outros e consigo mesmo. Observe que todas as figuras<br />
referentes à natureza ressaltam a harmonia dos elementos<br />
naturais e a perfeita integração do homem com eles: tardes<br />
fagueiras, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais;<br />
mar = lago sereno; céu = manto azulado; noites de melodia, céu<br />
bordado de estrelas, terra de aromas cheia, ondas beijando a<br />
areia, lua beijando o mar etc. Dos outros (no caso, a mãe e a<br />
irmã) recebia beijos e carícias. O percurso figurativo de suas<br />
atividades mostra que o poeta estava em paz consigo mesmo:<br />
satisfeito, camisa aberta <strong>ao</strong> peito, pés descalços, braços nus,<br />
correndo pelas campinas, à roda das cachoeiras, adormecia<br />
sorrindo, despertava a cantar etc. O passado é, pois,<br />
figurativizado como tempo de beleza, alegria, felicidade,<br />
enquanto o presente, apontado pelo poeta como tempo<br />
de mágoas, poderia receber a cobertura figurativa oposta.<br />
Manuel Carneiro de <strong>Sousa</strong><br />
Bandeira Filho (Recife, 19 de<br />
abril de 1886 — Rio de Janeiro,<br />
13 de outubro de 1968) foi um<br />
poeta, crítico literário e de arte,<br />
professor de literatura e tradutor<br />
brasileiro. Considera-se que<br />
Bandeira faça parte da geração<br />
de 22 da literatura moderna<br />
brasileira, sendo seu poema<br />
Os Sapos o abre-alas da Semana<br />
de Arte Moderna de 1922. Juntamente com escritores<br />
como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto<br />
Freyre, Nélson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé,<br />
representa a produção literária do estado de Pernambuco.<br />
PROFUNDAMENTE<br />
Quando ontem adormeci<br />
Na noite de São João<br />
Havia alegria e rumor<br />
Estrondos de bombas luzes de Bengala<br />
Vozes cantigas e risos<br />
Ao pé das fogueiras acesas.<br />
No meio da noite despertei<br />
Não ouvi mais vozes nem risos<br />
Apenas balões<br />
Passavam errantes<br />
Silenciosamente<br />
Apenas de vez em quando<br />
O ruído de um bonde<br />
Cortava o silêncio<br />
Como um túnel.<br />
Onde estavam os que há pouco<br />
Dançavam<br />
Cantavam<br />
E riam<br />
Ao pé das fogueiras acesas?<br />
– Estavam todos dormindo<br />
Estavam todos deitados<br />
Dormindo<br />
Profundamente<br />
Quando eu tinha seis anos<br />
Não pude ver o fim da festa de São João<br />
Porque adormeci<br />
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo<br />
Minha avó<br />
Meu avô<br />
Totônio Rodrigues<br />
Tomásia<br />
Rosa<br />
Onde estão todos eles?<br />
– Estão todos dormindo<br />
Estão todos deitados<br />
Dormindo<br />
Profundamente.<br />
Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira.<br />
4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio. 1973. p. 111.<br />
<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 12