6923913 - Rumo ao ITA - Sousa Nunes - Português.indd
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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />
Vocabulário<br />
1 airoso: esbelto, gracioso. 2 soberba: orgulho, altivez. 3 galeota:<br />
pequena embarcação a remo, usada para o transporte do rei.<br />
4 empavesado: enfeitado, adornado, guarnecido de paveses<br />
(=proteção nas embarcações). 5 ufano: que se orgulha de algo;<br />
vaidoso. 6 galhardia: garbo, elegância. 7 aprestar: preparar com<br />
prontidão. 8 alento: sopro, bafejo. 9 penha: penhasco, rochedo.<br />
Comentário<br />
Nesse soneto composto por Gregório de Matos, poeta<br />
barroco, o eu lírico vai explicar a Fábio o que é a vaidade.<br />
No primeiro quarteto, afirma que ela é rosa; no segundo, que<br />
é planta; no primeiro terceto, que é nau. Essas três palavras<br />
significam, no soneto, “vaidade”. Para que o leitor entenda<br />
por que rosa, planta e nau têm esse sentido no texto, o poeta<br />
vai explicar a relação que estabelece entre o significado de<br />
cada um desses termos e o do vocábulo vaidade.<br />
No primeiro quarteto, diz que a vaidade é rosa,<br />
mas não qualquer uma. É aquela lisonjeada pela manhã,<br />
ou seja, a rosa recém-aberta, que, portanto, está em todo<br />
seu esplendor. O que o poeta quer dizer, então, é que a<br />
vaidade é a beleza aparente, que se exibe, brilha e seduz<br />
(Púrpuras mil, com ambição dourada / Airosa rompe, arrasta<br />
presumida). No segundo quarteto, o poeta afirma que a<br />
vaidade é planta, mas em pleno esplendor da primavera, já<br />
que é de abril favorecido (abril é o mês em que, no hemisfério<br />
norte, a primavera está em seu apogeu). A vaidade é,<br />
então, esplendor (planta de abril favorecido) e ornamentos<br />
(florida galeota empavesada) que se exibem pela vida (por<br />
mares de soberba desatada) com orgulho (sulca ufana) e<br />
arrojo (navega destemida). No primeiro terceto, <strong>ao</strong> dizer que<br />
a vaidade é nau, o poeta mostra que o ser humano vaidoso<br />
é aquele que, apesar de ter a presunção da perpetuidade<br />
(Fênix é a ave que renascia das próprias cinzas), valoriza<br />
os brilhos exteriores (galhardias apresta) e momentâneos<br />
(alentos preza). Podem-se perceber, agora, traços comuns de<br />
sentido entre as palavras rosa, planta, nau e o termo vaidade.<br />
Existe uma relação de intersecção entre seus significados:<br />
o homem vaidoso exibe suas belezas, como a rosa<br />
recém-aberta; mostra apenas seus esplendores, como a<br />
planta na primavera; valoriza o que é exterior e passageiro,<br />
como a nau, embora tenha a presunção de perpetuidade.<br />
No último terceto, o termo “penha” significa o<br />
naufrágio do navio. Como penha pode ter esse sentido?<br />
O penhasco é a causa do naufrágio, que é seu efeito.<br />
Dá-se à causa o significado do efeito (metonímia). Entre esses<br />
dois sentidos, há uma relação de contiguidade (de união,<br />
proximidade, adjacência, vizinhança e, por conseguinte,<br />
de coexistência, de interdependência, de implicação), isto<br />
é, um efeito aparece unido, relacionado a uma causa.<br />
O vocábulo ferro significa o corte da planta. Aqui a alteração<br />
do significado se faz em duas etapas. Ferro é o material de<br />
que é feito o machado; ferro quer, pois, dizer “machado”.<br />
No caso, o material de que um objeto é feito está designando<br />
o próprio objeto (metonímia). Entre os dois significados há<br />
uma relação de contiguidade. Em seguida, machado passa<br />
a significar “corte”. Utiliza-se, portanto, o instrumento com<br />
que uma ação é feita para designar a ação. Entre a ação e o<br />
instrumento, há também uma relação de contiguidade, pois o<br />
segundo está proximamente relacionado à primeira. A palavra<br />
tarde significa o fenecer, o murchar da rosa. Usa-se, pois,<br />
o momento pelo evento que nele ocorre. Entre os dois<br />
significados, há uma relação de contiguidade, pois o evento<br />
está intrinsecamente unido a um dado momento.<br />
No entanto, como nau, planta e rosa não estão no<br />
soneto usadas no seu sentido próprio, mas significam o<br />
“homem vaidoso”, os significados “naufrágio”, “corte”<br />
e “fenecimento”, contaminados pelo valor semântico das<br />
três palavras contíguas, ficam acrescidos do significado<br />
“morte”. Entre os significados “naufrágio”, “corte” e<br />
“fenecimento”, de um lado, e “morte”, de outro, há uma<br />
relação de semelhança, ou de intersecção, já que todos<br />
contêm o traço semântico /acabamento/, /fim/. O que o<br />
poeta pergunta, pois, no segundo terceto, é: de que vale<br />
ser vaidoso, se a morte é inexorável (se aguarda sem defesa<br />
/ Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa)? O soneto trata,<br />
então, de temas muito caros <strong>ao</strong> barroco: o caráter passageiro<br />
da vida e a inevitabilidade da morte.<br />
O signo linguístico é uma unidade constituída pela<br />
união de um conteúdo com uma expressão (os sons) que o<br />
veicula. A essa expressão chama-se significante; <strong>ao</strong> conteúdo,<br />
significado. As palavras rosa, planta e nau, que são signos<br />
linguísticos, têm dois significados: um, o sentido próprio,<br />
habitual (respectivamente, “flor da roseira, de um odor<br />
suave, ornamental, cujo tipo primitivo é de um vermelho<br />
bem claro”, “vegetal em geral”, “construção flutuante,<br />
de forma alongada, destinada <strong>ao</strong> transporte por mar”), e<br />
outro, o sentido que ganham no texto (“vaidade”). A mesma<br />
coisa acontece com penha, ferro e tarde, que habitualmente<br />
significam “rochedo”, “metal branco acinzentado” e<br />
“parte do dia mais próxima da noite” e que, no texto,<br />
primeiro, passam a significar “naufrágio”, “corte” e<br />
“fenecimento” e, depois, “morte”. O segundo sentido<br />
acrescenta-se <strong>ao</strong> primeiro. Quando se une um significante<br />
a um significado, temos um signo denotado; quando <strong>ao</strong><br />
primeiro significado se junta um segundo, temos um signo<br />
conotado.<br />
Cecília Benevides de Carvalho<br />
Meireles (Rio de Janeiro, 7<br />
de novembro de 1901 – Rio<br />
de Janeiro, 9 de novembro de<br />
1964) foi uma poetisa, pintora,<br />
professora e jornalista brasileira.<br />
É considerada umas das vozes<br />
líricas mais importantes das<br />
literaturas de língua portuguesa.<br />
Romanceiro da Inconfidência (fragmento)<br />
Treva da noite,<br />
lanosa capa<br />
nos ombros curvos<br />
dos altos montes<br />
aglomerados...<br />
Cecília Meireles. Obra poética. Rio de Janeiro:<br />
Nova Aguilar, 1985. p. 547.<br />
<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 8