6923913 - Rumo ao ITA - Sousa Nunes - Português.indd
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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,<br />
Correm perfumes no correr da brisa,<br />
A cujo influxo mágico respira-se<br />
Um quebranto de amor, melhor que a vida!<br />
A flor que desabrocha <strong>ao</strong> romper d’alva<br />
Um só giro do sol, não mais, vegeta:<br />
Eu sou aquela flor que espero ainda<br />
Doce raio do sol que me dê vida.<br />
Sejam vales ou montes, lago ou terra,<br />
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,<br />
Vai seguindo após ti meu pensamento;<br />
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!<br />
Meus olhos outros olhos nunca viram,<br />
Não sentiram meus lábios outros lábios,<br />
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas<br />
A arazoia na cinta me apertaram.<br />
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,<br />
Já solta o bogari mais doce aroma;<br />
Também meu coração, como estas flores,<br />
Melhor perfume <strong>ao</strong> pé da noite exala!<br />
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes<br />
À voz do meu amor, que em vão te chama!<br />
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil<br />
A brisa da manhã sacuda as folhas.<br />
Antônio Gonçalves Dias. Poesia. 4. ed. Rio de Janeiro:<br />
Agir, 1967. p. 52-3. (Nossos Clássicos).<br />
Comentário<br />
Esse poema fala da espera do amado, que não vem.<br />
A mulher prepara um leito de folhas verdes (estrofe 2),<br />
que se revela inútil (estrofe 9). Diz ela que, como a flor que<br />
desabrocha <strong>ao</strong> romper d’alva, só tem vida no amor de Jatir, o<br />
sol que lhe dá vida (estrofe 5). É um amor que implica a posse<br />
total de um amante pelo outro (estrofe 6) e a fidelidade total<br />
da mulher a Jatir (estrofe 7). À noite, a expectativa de receber<br />
o amante faz que seu coração exale o melhor perfume<br />
(estrofe 8). O dia nasce, Jatir não veio, o leito foi inútil.<br />
Ela deseja que a brisa dissipe a expectativa amorosa frustrada,<br />
<strong>ao</strong> sacudir o leito de folhas verdes. O poema relaciona o<br />
percurso do tempo à mudança dos sentimentos da mulher.<br />
A passagem da noite para a manhã é homóloga à mudança do<br />
estado de esperança para o de frustração. A natureza expressa<br />
os mesmos sentimentos que a personagem: à noite, com seus<br />
sensuais perfumes, a natureza conota o desejo e o pendor<br />
amoroso da mulher; a manhã indica que a predisposição para<br />
o amor foi varrida com a noite.<br />
Nesse breve comentário do poema, falamos em<br />
sentimentos da mulher. Sentimento é um estado afetivo<br />
complexo, que pode ser chamado estado de alma ou<br />
paixão. Na linguagem cotidiana, paixão é quase sempre<br />
sinônimo de amor ardente. No entanto, a palavra tem outros<br />
significados, pois significa também qualquer estado de alma,<br />
qualquer estado afetivo: o amor, mas também a curiosidade,<br />
o entusiasmo, a cólera, a indignação, a decepção.<br />
Durante muitos séculos, o homem refletiu sobre os diferentes<br />
estados passionais. A discussão filosófica esmiuçou a<br />
natureza e a influência desses estados na conduta humana.<br />
Os artistas nunca deixaram de analisá-los, de pô-los em cena<br />
em suas obras: o ciúme de Otelo, a avareza de Gobseck, a<br />
inveja de Caim, e tantos outros estados de alma de célebres<br />
personagens da literatura mundial.<br />
Em suma, no poema de Gonçalves Dias, Leito de<br />
folhas verdes, temos dois estados de alma da personagem:<br />
o primeiro é o amor; o segundo, a frustração e a decepção.<br />
Jatir provoca na personagem feminina do poema um<br />
estado de satisfação e de confiança, que se desdobra num<br />
desejo de estar unida a ele e de fazer-lhe o bem (amor) e<br />
numa reiteração de um estado de satisfação e de confiança<br />
(crença de que o outro continuará a dar a ela esse estado<br />
de satisfação). Jatir não corresponde a essa expectativa<br />
da mulher que o espera, pois não vem. Esse desejo do<br />
encontro amoroso e o saber que ele não se realizará produz<br />
a insatisfação; por outro lado, o saber que Jatir não cumpriu<br />
o que se espera dele desencadeia a frustração.<br />
Eugênio de Castro (1869-1944):<br />
Poeta e professor universitário<br />
português, natural de Coimbra,<br />
onde se formou em Letras.<br />
Iniciou a publicação de obras de<br />
poesia em 1884. Três anos mais<br />
tarde, colaborou no jornal O Dia<br />
e, em 1895, foi cofundador, com<br />
Manuel da Silva Gaio, da revista<br />
internacional Arte, que reuniu<br />
textos de escritores portugueses e estrangeiros da época.<br />
Eugênio de Castro ficou conhecido como o introdutor do<br />
Simbolismo em Portugal.<br />
UM SONHO<br />
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...<br />
O Sol, o celestial girassol, esmorece...<br />
E as cantilenas de serenos sons amenos<br />
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...<br />
As estrelas em seus halos<br />
Brilham com brilhos sinistros...<br />
Cornamusas e crótalos,<br />
Cítolas, citaras, sistros,<br />
Soam suaves, sonolentos,<br />
Sonolentos e suaves<br />
Em suaves,<br />
Suaves lentos lamentos<br />
De acentos<br />
Graves,<br />
Suaves...<br />
Eugênio de Castro. Apud: AMORA, A. Soares. Presença da literatura<br />
portuguesa. 4. ed. São Paulo, Difel, 1974. p. 38-9.<br />
<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 14