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Projeto rumo <strong>ao</strong> ita<br />

O último dos três versos leva a um plano de leitura<br />

social. Não se trata mais do toureiro espanhol, mas do<br />

nordestino (lenha seca da caatinga), que, vivendo em<br />

condições tão extremas, roça a todo instante a fímbria da<br />

morte, devendo, pois, com precisão, calcular o fluido aceiro<br />

da vida. É seco, contido, doma suas emoções, pois qualquer<br />

gesto menos preciso pode significar a ruptura definitiva.<br />

Esse texto admite, pelo menos, três leituras: a do<br />

tourear, a do poetar e a do viver no Nordeste.<br />

catar FeiJão<br />

Catar feijão se limita com escrever:<br />

joga-se os grãos na água do alguidar<br />

e as palavras na da folha de papel;<br />

e depois, joga-se fora o que boiar.<br />

Certo, toda palavra boiará no papel,<br />

água congelada, por chumbo seu verbo;<br />

pois para catar esse feijão, soprar nele,<br />

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.<br />

Ora, nesse catar feijão entra um risco:<br />

o de que entre os grãos pesados entre<br />

um grão qualquer, pedra ou indigesto,<br />

um grão imastigável, de quebrar dente.<br />

Certo não, quando <strong>ao</strong> catar palavras:<br />

a pedra dá à frase seu grão mais vivo:<br />

obstrui a leitura fluviante, flutual,<br />

açula a atenção, isca-a com o risco.<br />

João Cabral de Melo Neto. Antologia poética.<br />

Rio de Janeiro: Sabiá, 1967. p. 17.<br />

João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, em 1920.<br />

Passou a infância entre canaviais e engenhos. Mudou-se para o Rio<br />

de Janeiro em 1942. Em 1945, passou em concurso para a diplomacia.<br />

Viveu em muitos lugares: Londres, Sevilha, Marselha, Genebra,<br />

Assunção, Dakar. Morreu no Rio de Janeiro, em 1999. É considerado<br />

o poeta-síntese da “geração de 45”. Em seu longo percurso<br />

poético, manteve sua marca registrada: contenção e objetividade.<br />

Comentário<br />

O poeta compara o ato de catar feijão e limpá-lo<br />

para o cozimento com o ato de escrever, pois este também<br />

exige que se escolham palavras, “limpando” o texto das<br />

que não servem. Do feijão, retiram-se as impurezas, os grãos<br />

ocos que normalmente boiam na água do alguidar (= vaso).<br />

No exercício de produção de um texto, segundo o<br />

poeta, já que todas as palavras boiam na folha de papel,<br />

“sopra-se” o leve, o eco (ruído ou palavras que soam mal).<br />

Há, no entanto, uma diferença entre as duas atividades:<br />

o que do feijão também deve ser retirado – algo que não boia,<br />

um grão pesado, duro, imastigável, “pedra ou indigesto”<br />

– deve ficar no texto, pois, para o poeta, é justamente a<br />

“palavra-pedra”, a que incomoda, que “desvia” a leitura,<br />

a que deve permanecer para chamar a atenção do leitor,<br />

aguçar-lhe a curiosidade.<br />

cora coralina, pseudônimo<br />

de ana lins dos Guimarães<br />

Peixoto Bretas, (1889-1985):<br />

Foi uma poetisa e contista<br />

brasileira. Cora Coralina, uma das<br />

principais escritoras brasileiras,<br />

publicou seu primeiro livro <strong>ao</strong>s 75<br />

anos de idade. Mulher simples,<br />

doceira de profissão, tendo<br />

vivido longe dos grandes centros<br />

urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra<br />

poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro,<br />

em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.<br />

aQuela Gente antiGa<br />

Aquela gente antiga explorava a minha bobice.<br />

Diziam assim, virando a cara como se eu estivesse distante:<br />

“Senhora Jacinta tem quatro fulores mal falando.<br />

Três acham logo casamento, uma, não sei não, moça feia não casa fácil.”<br />

Eu me abria em lágrimas. Choro manso e soluçado ...<br />

“Essa boba ... Chorona ... Ninguém nem falou o nome dela ... “<br />

Minha bisavó ralhava, me consolava com palavras de ilusão:<br />

Sim, que eu casava. Que certo mesmo era menina feia, moça bonita.<br />

E me dava a metade de uma bolacha.<br />

Eu me consolava e me apegava à minha bisavó.<br />

Cresci com os meus medos e com o chá de raiz de fedegoso,<br />

Prescrito pelo saber de minha bisavó.<br />

Certo que perdi a aparência bisonha. Fiquei corada<br />

e achei quem me quisesse.<br />

Sim, que esse não estava contaminado dos princípios goianos,<br />

de que moça que lia romance e declamava Almeida Garrett<br />

não dava boa dona de casa.<br />

Cora Coralina. Vintém de cobre: Meias confissões de Aninha.<br />

Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1987.<br />

Cora Coralina (1889-1985) é a grande poetisa do Estado de<br />

Goiás. Escreveu seus primeiros contos e poemas <strong>ao</strong>s 14 anos, mas<br />

seu primeiro livro de poemas, Poemas dos becos de Goiás e outras<br />

histórias mais, só foi publicado em 1965, quando Cora Coralina<br />

tinha 75 anos. Criou seus seis filhos no interior de São Paulo, foi<br />

vendedora da Livraria José Olympio, em São Paulo, e voltou para<br />

Goiás em 1956, onde exerceu por mais de vinte anos a profissão de<br />

doceira. Em 1984 recebeu o Grande Prêmio da Crítica/ Literatura,<br />

concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e o Troféu<br />

Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores.<br />

Comentário<br />

Nesses versos, em 1ª pessoa, a narradora conta como<br />

foi sua infância de menina considerada feia – comparada às<br />

três irmãs –, mas consolada pela bisavó, que lhe assegurava que<br />

menina feia tornar-se-ia moça bonita. Por fim, diz que achou<br />

quem lhe quisesse, ressaltando o fato de ser o pretendente<br />

alguém esclarecido, que respeitou seu apreço pela literatura.<br />

<strong>ITA</strong>/IME – Pré-Universitário 22

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