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Quem vai cuidar do planeta? - Senac

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Ano 2 • N 1<br />

junho/dezembro 2012<br />

ISSN 2238-6807<br />

Rio+20<br />

<strong>Quem</strong> <strong>vai</strong><br />

<strong>cuidar</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>planeta</strong>?<br />

Sérgio Besserman:<br />

hora de se conectar<br />

com a história<br />

Miséria e devastação<br />

nos garimpos<br />

Consumo: a<br />

influência das<br />

crianças


<strong>Senac</strong> – Serviço Nacional<br />

de Aprendizagem Comercial<br />

Departamento Nacional<br />

Av. Ayrton Senna, 5555, Barra da Tijuca<br />

Rio de Janeiro - RJ - Brasil - CEP 22775-045<br />

www.senac.br<br />

Conselho Nacional<br />

Antonio Oliveira Santos<br />

Presidente<br />

Departamento Nacional<br />

Sidney Cunha<br />

Diretor-geral<br />

A revista <strong>Senac</strong> Ambiental é uma publicação semestral<br />

produzida pelo Centro de Comunicação Corporativa<br />

<strong>do</strong> <strong>Senac</strong> Nacional. Os artigos assina<strong>do</strong>s são de inteira<br />

responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em<br />

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita<br />

após consulta aos editores.<br />

Contato: educaambiental@senac.br<br />

EXPEDIENTE<br />

Editores<br />

Claudia Guimarães e Fausto Rêgo<br />

Editoração<br />

Centro de Comunicação Corporativa<br />

Projeto gráfico e diagramação<br />

Cynthia Carvalho<br />

Produção gráfica<br />

Sandra Regina Fernandes <strong>do</strong> Amaral<br />

Capa: Arte de Cynthia Carvalho Foto: Dreamstime<br />

<strong>Senac</strong> ambiental / <strong>Senac</strong>, Departamento Nacional. – Ano 1, nº 1 (jun.dez.<br />

2012)- . Rio de Janeiro : <strong>Senac</strong> Nacional, Centro de Comunicação<br />

Corporativa, 2012- .<br />

v. : il. color. ; xx cm.<br />

Semestral.<br />

Absorveu: <strong>Senac</strong> e educação ambiental.<br />

1. Educação ambiental. 2. Ecologia. 3. Meio ambiente. I. <strong>Senac</strong>.<br />

Departamento Nacional.<br />

Ficha elaborada de acor<strong>do</strong> com as normas <strong>do</strong> SICS - Sistema de Informação<br />

eConhecimento <strong>do</strong> <strong>Senac</strong>.


EDITORIAL<br />

Um novo<br />

capítulo na<br />

Educação<br />

Ambiental<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental é a legítima herdeira<br />

da antiga <strong>Senac</strong> e Educação<br />

Ambiental. Um novo nome, sim, e<br />

um novo formato, agora em periodicidade<br />

semestral. Mas a mesma<br />

preocupação em oferecer a você<br />

um conteú<strong>do</strong> de qualidade.<br />

Essa renovação se dá no mesmo momento<br />

em que renovamos nossas esperanças<br />

no futuro com a realização<br />

da Rio+20 – a Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Desenvolvimento<br />

Sustentável –, que tem a missão de<br />

tornar realidade todas as boas intenções<br />

já esboçadas há 20 anos, na<br />

Rio 92. Esse é o tema principal desta<br />

edição, que traz ainda uma entrevista<br />

com o economista e ambientalista<br />

Sérgio Besserman Vianna.<br />

Falamos também de garimpos, <strong>do</strong><br />

combate aos crimes ambientais, <strong>do</strong>s<br />

riscos no uso de agrotóxicos, das<br />

salinas da Região <strong>do</strong>s Lagos <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro e da observação de aves,<br />

passatempo que se transformou em<br />

grande ferramenta de educação. Por<br />

fim, explicamos a ISO 26000, certificação<br />

que incorpora normas socioambientais<br />

aos processos decisórios<br />

das empresas.<br />

Aproveite a leitura!<br />

foto: Dreamstime


SUMÁRIO<br />

14<br />

Capa<br />

Rio+20<br />

Conferência das Nações Unidas<br />

sobre Desenvolvimento Sustentável,<br />

no Rio de Janeiro, é corrida contra<br />

o tempo. Hoje, humanidade já<br />

consome muito mais <strong>do</strong> que o<br />

<strong>planeta</strong> é capaz de oferecer.<br />

78<br />

Especial<br />

Garimpos: miséria e<br />

devastação<br />

A busca pelo ouro na Amazônia<br />

deixa cicatrizes profundas na<br />

floresta e nos homens que se<br />

aventuram atrás <strong>do</strong> metal precioso,<br />

enfrentan<strong>do</strong> um cotidiano de<br />

miséria, <strong>do</strong>enças e péssimas<br />

condições de trabalho.<br />

4<br />

SENAC AMBIENTAL


6<br />

Entrevista<br />

Hora de se conectar<br />

com a história<br />

Sérgio Besserman, presidente <strong>do</strong><br />

GT da Prefeitura carioca para a<br />

Rio+20, alerta: agenda <strong>do</strong> século é<br />

a sustentabilidade.<br />

26<br />

Saúde<br />

Agrotóxicos em xeque<br />

Pesquisa<strong>do</strong>res e ambientalistas<br />

denunciam riscos <strong>do</strong> uso<br />

indiscrimina<strong>do</strong> de agrotóxicos.<br />

36<br />

Empresas<br />

ISO 26000<br />

Norma estimula organizações a<br />

promoverem compreensão global<br />

da área de responsabilidade social.<br />

52<br />

Legislação<br />

Agilidade contra crimes<br />

ambientais<br />

Criação de Varas especializadas<br />

proporciona mais eficiência à<br />

Justiça Federal.<br />

20<br />

Unidades de Conservação<br />

Os batalhões verdes<br />

“Socorro ambiental” das PMs é<br />

requeri<strong>do</strong> para cumprir mandatos<br />

judiciais e em situações de conflito.<br />

42<br />

Educação Ambiental<br />

A arte da observação de aves<br />

Passatempo ganha cada vez mais<br />

adeptos e pode ser ferramenta de<br />

educação ambiental.<br />

66<br />

Biodiversidade<br />

Universo em transformação<br />

Produção de sal caiu à metade em<br />

lugares como a Região <strong>do</strong>s Lagos,<br />

no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio, na última década.<br />

72<br />

Consumo<br />

Mamãe, eu quero!<br />

Crianças já representam grande fatia<br />

<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de consumo mundial.<br />

34<br />

Estante Ambiental<br />

62<br />

Notas<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 5


6<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


ENTREVISTA<br />

Hora de se<br />

conectar com<br />

a história<br />

Falan<strong>do</strong> sobre os desafios<br />

da Rio+20, o economista<br />

e ambientalista Sérgio<br />

Besserman Vianna alerta: não<br />

há tempo a perder para evitar<br />

o caos ambiental<br />

foto: Dreamstime<br />

“Estamos pedin<strong>do</strong> aos dirigentes<br />

que tragam para hoje os custos para<br />

evitar problemas daqui a 20, 30, 40,<br />

50 anos, quan<strong>do</strong> não serão mais prefeitos,<br />

nem presidentes e talvez nem<br />

estejam mais vivos. A humanidade<br />

nunca fez isso antes. E agora é o momento<br />

de decidir se somos capazes<br />

de amar o próximo”. <strong>Quem</strong> faz essa<br />

dura observação é o economista<br />

e ambientalista Sérgio Besserman<br />

Vianna, presidente <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />

da Prefeitura <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

para a Rio+20, a Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Desenvolvimento<br />

Sustentável, que se realiza na cidade<br />

de 20 a 22 de junho.<br />

Vinte anos após a primeira Cúpula<br />

sobre o tema, que trouxe chefes<br />

de Esta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ao Rio e<br />

firmou uma série de compromissos<br />

em torno da questão ambiental, Besserman<br />

afirma que nada foi cumpri<strong>do</strong><br />

e diz que o quadro atual é muito<br />

pior, com o agravamento da crise de<br />

biodiversidade e da desertificação e<br />

o comprometimento <strong>do</strong>s oceanos,<br />

soma<strong>do</strong>s a uma desigualdade social<br />

cada vez maior.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 7


Foto: Nasa<br />

Vazamento de óleo no Golfo <strong>do</strong><br />

México, em 2010. Poluição <strong>do</strong>s<br />

oceanos preocupa<br />

Mas nem por isso ele se diz pessimista.<br />

Para Besserman, as transformações<br />

não ocorrem por causa de conferências,<br />

mas porque os cidadãos<br />

cobram ação e mudanças. “Estamos<br />

no olho <strong>do</strong> furacão da história, e essa<br />

conexão global tão rápida – em que<br />

pelas redes sociais podemos, como<br />

nunca, trocar informações, ideias e<br />

nos articularmos – é uma das fontes<br />

de otimismo para essas mudanças<br />

que precisarão ocorrer”, afirma.<br />

O economista defende uma educação<br />

ambiental conscientiza<strong>do</strong>ra,<br />

capaz de impulsionar os jovens a<br />

transformar o mun<strong>do</strong>. “A grande<br />

agenda <strong>do</strong> século na sociedade, que<br />

é o desenvolvimento sustentável,<br />

deve estar presente na educação das<br />

nossas crianças. Precisamos, acima<br />

de tu<strong>do</strong>, levar aos nossos jovens e<br />

às nossas crianças um pensamento<br />

crítico que os ajude a olhar o mun<strong>do</strong><br />

de hoje e ver tu<strong>do</strong> que há de bom<br />

nele, mas também reconhecer que o<br />

mun<strong>do</strong> atual não é sustentável. Ou<br />

seja: ele não é um modelo, teremos<br />

de transformá-lo”.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: Consideran<strong>do</strong><br />

que muitos <strong>do</strong>s compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />

pelos chefes de Esta<strong>do</strong> na<br />

Rio-92, há 20 anos, e na Conferência<br />

sobre Desenvolvimento Sustentável<br />

de Joanesburgo, há 10, não foram leva<strong>do</strong>s<br />

adiante, o que podemos esperar<br />

da Rio+20?<br />

Sérgio Besserman: Podemos esperar<br />

a mesma coisa que esperamos<br />

da Rio-92: um momento de um<br />

processo político, econômico, social<br />

e <strong>do</strong> pensamento humano que <strong>vai</strong><br />

gerar a agenda defini<strong>do</strong>ra da história<br />

<strong>do</strong>s próximos anos e décadas. A<br />

Rio-92 não teve nem um único <strong>do</strong>s<br />

seus compromissos cumpri<strong>do</strong>s. Não<br />

houve avanços na questão climática.<br />

Aquela conferência, basicamente,<br />

decidiu uma Convenção-Quadro de<br />

Mudanças Climáticas, outra de Biodiversidade<br />

e outra de Desertificação,<br />

numa agenda político-social, a<br />

Agenda 21. Absolutamente nada foi<br />

feito. Mesmo os avanços sociais e<br />

econômicos que ocorreram nesses<br />

20 anos deveram-se muito mais à<br />

macroeconomia global, em especial<br />

8<br />

SENAC AMBIENTAL


Foto: Rebecca J. Moat/U.S. Navy<br />

nos anos de crescimento até a crise<br />

de 2008, <strong>do</strong> que a qualquer ação<br />

decorrente <strong>do</strong>s compromissos então<br />

assumi<strong>do</strong>s. Apesar disso, olhamos<br />

para a Rio-92 e temos uma perspectiva<br />

boa <strong>do</strong> que aconteceu. Porque<br />

ela definiu a agenda, ela teve coragem<br />

de enfrentar os problemas que<br />

o conhecimento humano apontava,<br />

na época, como decisivos. É verdade<br />

que era uma coragem mais fácil <strong>do</strong><br />

que hoje em dia. Eram anos de um<br />

otimismo ingênuo, em que se pensava<br />

que uma agenda de liberalização<br />

da economia global se apresentava<br />

como capaz de solucionar to<strong>do</strong>s<br />

os problemas. Vinte anos depois, o<br />

quadro é muito mais grave.<br />

As mudanças climáticas se apresentam<br />

hoje num cenário muito mais perigoso<br />

para a humanidade. A crise de<br />

biodiversidade é muito mais grave, a<br />

desertificação continuou e enormes<br />

problemas novos apareceram, como<br />

a questão <strong>do</strong>s oceanos. Embora tenha<br />

havi<strong>do</strong> avanços no combate à<br />

pobreza, a desigualdade no <strong>planeta</strong><br />

nunca foi tão grande. E hoje é preciso<br />

mais coragem ainda, porque já<br />

não temos aquele otimismo ingênuo.<br />

Sabemos que mesmo quan<strong>do</strong> o sistema<br />

da Organização das Nações<br />

Unidas consegue um acor<strong>do</strong>, as implicações<br />

em termos de ação e prática<br />

são muito pequenas, quase nulas,<br />

então há um problema de governança<br />

global. E a Rio+20 não <strong>vai</strong> resolver<br />

todas essas questões.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se tiver coragem de<br />

enfrentá-las e reconhecer a gravidade<br />

das diversas dimensões da crise<br />

ambiental – que isso afetará a luta<br />

contra a pobreza, o crescimento econômico,<br />

e não amanhã, mas hoje –,<br />

ela será um grande momento político.<br />

Se não tiver essa coragem, se fugir<br />

ao reconhecimento da gravidade<br />

da situação, então teremos ti<strong>do</strong> uma<br />

conferência que não deixará uma boa<br />

marca na história.<br />

Mas isso não <strong>vai</strong> acontecer. To<strong>do</strong>s<br />

nós estaremos cobran<strong>do</strong> ação e mudanças,<br />

e isso não ocorre por causa<br />

de conferências. O principal que<br />

vamos cobrar é coragem. Acredito<br />

que, com a participação de to<strong>do</strong>s<br />

nós, a Rio+20 <strong>vai</strong> deixar uma ótima<br />

marca nesse processo histórico.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: Nos últimos<br />

anos, houve um aumento geral da<br />

conscientização em torno da ideia<br />

de sustentabilidade. Você percebe<br />

da parte <strong>do</strong>s governos uma preocupação<br />

genuína com a questão<br />

ambiental, que afeta sobretu<strong>do</strong> os<br />

mais pobres?<br />

Sérgio Besserman: Houve uma<br />

conscientização maior, mas não<br />

ocorreram as mudanças necessárias.<br />

O mun<strong>do</strong> de 1992 era mais<br />

limita<strong>do</strong>: governos e organizações<br />

não governamentais. Hoje os atores<br />

são muito mais numerosos e numa<br />

abordagem mais profunda. São as<br />

grandes empresas, os empreende<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong>s mais diversos tamanhos,<br />

redes as mais variadas – de cidades,<br />

de princípios éticos –, as ONGs globais,<br />

os movimentos sociais, enfi m,<br />

o universo de atores preocupa<strong>do</strong>s<br />

com a crise é muito maior, o que é<br />

um aspecto positivo.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, sustentabilidade<br />

passou a ser uma palavra que<br />

abrange tu<strong>do</strong>. É claro que cada aspecto<br />

tem a sua importância, mas<br />

não para mascarar o fato de que a<br />

Foto: Robson Nascimento<br />

Chegada de ajuda humanitária para<br />

vítimas de enchente na Ásia. Mudanças<br />

climáticas afetam principalmente<br />

as populações mais pobres<br />

Sérgio Besserman Vianna<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 9


Na In<strong>do</strong>nésia, crianças desabrigadas<br />

comemoram a chegada de<br />

mantimentos<br />

humanidade tem um desafi o: estamos<br />

esbarran<strong>do</strong> nos limites <strong>do</strong><br />

<strong>planeta</strong>, e isso precisa gerar muito<br />

mais <strong>do</strong> que pequenos passos na<br />

direção da sustentabilidade, precisa<br />

gerar grandes transformações.<br />

Por exemplo: temos de aban<strong>do</strong>nar<br />

o que somos – uma civilização<br />

baseada em combustíveis fósseis<br />

– e entrar num outro mun<strong>do</strong>: uma<br />

economia de baixo teor de carbono.<br />

E temos uma janela curta,<br />

de duas décadas, para fazê-lo.<br />

A janela da história é curta. E as<br />

autoridades só se moverão nesse<br />

horizonte de maior profundidade<br />

sob pressão da cidadania, sob<br />

pressão <strong>do</strong> eleitora<strong>do</strong>.<br />

Nós estamos pedin<strong>do</strong> aos dirigentes<br />

<strong>do</strong>s países, <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e das<br />

cidades que façam algo mais difícil:<br />

que tragam para hoje os custos, o<br />

dinheiro a ser gasto com uma série<br />

de providências – planejamento,<br />

educação ambiental, obras – para<br />

evitar problemas daqui a 20, 30,<br />

40, 50 anos, quan<strong>do</strong> eles não serão<br />

mais prefeitos, nem presidentes e<br />

talvez nem estejam mais vivos. A<br />

humanidade nunca fez isso antes.<br />

E agora é o momento de decidir se<br />

somos capazes de amar o próximo.<br />

O meu neto, que <strong>vai</strong> nascer daqui<br />

a 20 anos, é um “próximo” ou não?<br />

Cabe a nós ter esse tipo de preocupação<br />

maior no tempo ou não?<br />

Essa é uma decisão que pertence<br />

Foto: Benjamin D. Glass/U. S. Navy<br />

a to<strong>do</strong>s nós, mas a autoridade política<br />

só age se o seu eleitora<strong>do</strong>, se<br />

a cidadania que ela representa demonstrar<br />

essa preocupação.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: Como você costuma<br />

dizer, estamos estragan<strong>do</strong> a<br />

natureza <strong>do</strong> nosso tempo. Porque ela<br />

se recupera plenamente em bilhões<br />

anos, independentemente da nossa<br />

presença, não é?<br />

Sérgio Besserman: Esse é um ponto<br />

muito importante. Sigmund Freud<br />

dizia que a humanidade cresce quan<strong>do</strong><br />

é abalada no seu ingênuo amor<br />

próprio. Que ela havia cresci<strong>do</strong> com<br />

Galileu Galilei, Charles Darwin e com<br />

ele próprio, Freud. Porque a descoberta<br />

que nos move quase nunca é<br />

aquilo que a gente pensa que está<br />

nos moven<strong>do</strong>.<br />

O outro pedestal <strong>do</strong> qual a autoridade<br />

tem de cair é a descoberta <strong>do</strong><br />

tempo longo, o que os geólogos chamam<br />

de tempo profun<strong>do</strong>, o tempo<br />

conta<strong>do</strong> nos bilhões, nas dezenas de<br />

bilhões de anos. Esse é o tempo da<br />

natureza. No tempo dela, nós não temos<br />

poder para lhe causar nenhum<br />

mal. O <strong>planeta</strong> já passou por problemas<br />

muito maiores <strong>do</strong> que qualquer<br />

coisa que a humanidade possa fazer.<br />

Ele se recupera em 5 a 10 milhões<br />

de anos. Então nós não estamos, no<br />

tempo da natureza, acaban<strong>do</strong> com<br />

ela. Mas estamos estragan<strong>do</strong> a natureza<br />

<strong>do</strong> nosso tempo. Isso nós temos<br />

poder pra fazer, e estamos fazen<strong>do</strong>!<br />

A atual era geológica está sen<strong>do</strong><br />

denominada Antropoceno: nós, os<br />

humanos, definimos a paisagem <strong>do</strong><br />

<strong>planeta</strong>. Se nós estragarmos a natureza<br />

<strong>do</strong> nosso tempo, quem <strong>vai</strong> sofrer<br />

é a humanidade, especialmente<br />

as populações pobres. Os custos, as<br />

vulnerabilidades, tu<strong>do</strong> isso se abaterá<br />

assimetricamente sobre a população<br />

mundial. <strong>Quem</strong> irá sofrer, repito,<br />

são os pobres. Então aquela divisão<br />

<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> entre preservação e conservação<br />

ambiental, de um la<strong>do</strong>, e<br />

crescimento global e desenvolvimento<br />

social, de outro, não faz nenhum<br />

10<br />

SENAC AMBIENTAL


senti<strong>do</strong>, é uma ideia idiota. Enfrentar<br />

a crise ambiental nas suas diversas<br />

dimensões é uma condição para<br />

que a humanidade possa combater a<br />

pobreza e a desigualdade, para que<br />

possa ocorrer um desenvolvimento<br />

humano sustentável.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: Dentro desse<br />

cenário, que importância você<br />

atribui à educação ambiental e à<br />

discussão desses temas nas instituições<br />

de ensino?<br />

Sérgio Besserman: O acesso ao conhecimento,<br />

que é uma coisa maior<br />

<strong>do</strong> que a educação, ou seja, despertar<br />

a curiosidade e o interesse em<br />

estar sempre aprenden<strong>do</strong>, é o mais<br />

decisivo. No Brasil, uma tese correta<br />

– de que a educação ambiental é um<br />

tema transversal – acabou trazen<strong>do</strong>,<br />

infelizmente, uma prática incorreta:<br />

como ninguém é responsável, muito<br />

pouco foi feito. Precisamos enfrentar<br />

isso e encontrar uma forma mais efetiva<br />

de discussão.<br />

O grande tema, a grande agenda <strong>do</strong><br />

século na sociedade, que é o desenvolvimento<br />

sustentável, deve estar<br />

presente na educação das nossas<br />

crianças. E estar presente não<br />

apenas de uma forma superficial,<br />

relacionada a práticas cotidianas<br />

como economizar energia e água<br />

ou proteger a natureza. Precisamos,<br />

acima de tu<strong>do</strong>, levar aos nossos<br />

jovens e às nossas crianças um<br />

pensamento crítico que os ajude a<br />

olhar o mun<strong>do</strong> de hoje e ver tu<strong>do</strong><br />

que há de bom nele, mas também<br />

reconhecer que este mun<strong>do</strong> que as<br />

gerações anteriores estão deixan<strong>do</strong><br />

não é sustentável. Ou seja: ele não é<br />

um modelo, nós teremos de transformá-lo.<br />

Não sabemos as respostas,<br />

mas esta será nossa história. É<br />

algo muito mais amplo <strong>do</strong> que uma<br />

cartilha de educação ambiental.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: E existe aí um<br />

desafio particular, que é ensinar<br />

os conceitos de desenvolvimento<br />

sustentável e economia verde,<br />

que, de certa forma, ainda são<br />

uma incógnita.<br />

Sérgio Besserman: Não sabemos<br />

o que é desenvolvimento<br />

sustentável, isso é importante.<br />

O psicanalista francês André<br />

Green disse uma vez que a resposta<br />

é a infelicidade da pergunta.<br />

As respostas, quan<strong>do</strong><br />

chegam, já não são tão relevantes.<br />

De um mo<strong>do</strong> geral, a coisa<br />

já está equacionada. Mas uma<br />

pergunta, não. Ela transforma,<br />

instiga, mexe conosco. Então a<br />

humanidade está com essa benção<br />

– ou essa maldição –, que é<br />

ter a maior pergunta de toda a<br />

sua história consciente: a gente<br />

olha pro futuro e vê que ele é<br />

insustentável, então o que pode<br />

ser isso que eu preciso construir<br />

e que se chama desenvolvimento<br />

sustentável? Essa é a<br />

pergunta das nossas vidas e não<br />

tem resposta fácil. A resposta<br />

tampouco é teórica; ela é teórica<br />

também, mas principalmente<br />

histórica. Talvez o passo mais<br />

importante que cada um de nós<br />

poderá dar é se conectar com a<br />

história, é assumir essa pergunta<br />

na sua plenitude.<br />

Copenhague, 2009: manifestantes<br />

pedin<strong>do</strong> ação imediata para<br />

conter mudanças climáticas


Foto: Digital Vision<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: A Rio-92 é um<br />

marco da chegada da internet ao<br />

Brasil. Nesse perío<strong>do</strong> de apenas 20<br />

anos, nos transformamos em uma<br />

sociedade conectada, fortemente<br />

engajada em redes sociais, com movimentos<br />

e campanhas que se organizam,<br />

se disseminam virtualmente<br />

e alcançam enorme visibilidade. De<br />

que forma essa mudança pode se<br />

refletir nos compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />

na Rio+20?<br />

Sérgio Besserman: Neste século<br />

21, muito por conta das mudanças<br />

climáticas, estamos frente a um<br />

fenômeno histórico muito novo: o<br />

surgimento de uma opinião pública<br />

mundial, uma sociedade global.<br />

Continua fundamental o Esta<strong>do</strong>-nação,<br />

continuam fundamentais as cidades,<br />

mas passamos a ter consciência<br />

de que há um processo global.<br />

E estamos conecta<strong>do</strong>s. Na Rio-92, a<br />

única forma de fazer pressão era vir<br />

ao Rio de Janeiro. Agora estamos<br />

to<strong>do</strong>s conecta<strong>do</strong>s. Podemos acompanhar<br />

a Rio+20, pressionar os<br />

nossos representantes, criar formas<br />

de manifestação e expressão das<br />

nossas opiniões. E isso fará toda a<br />

diferença na Rio+20 e no processo<br />

histórico <strong>do</strong>s próximos anos.<br />

Há algo acontecen<strong>do</strong> no <strong>planeta</strong>, na<br />

Praça Tahir, na Primavera Árabe, em<br />

Madri, na Europa, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,<br />

no Brasil. Mas quem disser que<br />

sabe o que é está mentin<strong>do</strong>. Estamos<br />

no olho <strong>do</strong> furacão da história,<br />

e essa conexão global– o fato de que<br />

pelas redes sociais podemos, como<br />

nunca, trocar informações, ideias e<br />

nos articularmos – é uma das fontes<br />

de otimismo para essas grandes mudanças<br />

que precisarão ocorrer.<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental: Do ponto de<br />

vista das cidades, e em particular<br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro, que sedia o evento,<br />

que propostas estão sen<strong>do</strong> articuladas<br />

para a conferência?<br />

Lixões: degradação<br />

ambiental e<br />

miséria<br />

12<br />

SENAC AMBIENTAL


Sérgio Besserman: A Rio+20 é<br />

uma conferência de nações, o Rio de<br />

Janeiro é a cidade hospedeira. Nossa<br />

principal preocupação é receber<br />

bem a conferência <strong>do</strong> ponto de vista<br />

logístico, de segurança e excelência<br />

<strong>do</strong>s serviços – e para isso estamos<br />

trabalhan<strong>do</strong> há <strong>do</strong>is anos e meio. Mas<br />

o Rio também participa com um <strong>do</strong>s<br />

temas fundamentais para a própria<br />

Conferência de Desenvolvimento Sustentável,<br />

que são as cidades. Metade<br />

da população <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vive em cidades<br />

– e 80% da população brasileira,<br />

segun<strong>do</strong> o IBGE. Sem as cidades não<br />

haverá solução.<br />

As cidades têm um aspecto local, que<br />

diz respeito a transporte, eficiência<br />

energética e resíduos. E não apenas<br />

lixo, mas também a questão <strong>do</strong> saneamento,<br />

que é o maior fracasso<br />

nosso, no Brasil, nos últimos 20 anos.<br />

Tem avança<strong>do</strong>, mas muito lentamente<br />

num país com a renda per capita e o PIB<br />

que o Brasil tem. O outro aspecto é a<br />

gestão <strong>do</strong> nosso território, da nossa<br />

paisagem, <strong>do</strong>s nossos recursos naturais.<br />

As cidades não são apenas parte<br />

da solução, elas também são parte<br />

<strong>do</strong> problema. É nas cidades que está<br />

a maior demanda por energia. É nas<br />

cidades que o padrão de consumismo<br />

insustentável acontece. Por exemplo,<br />

75% das emissões de gases que<br />

aquecem o <strong>planeta</strong> são de responsabilidade<br />

das cidades. Sem mudar essa<br />

realidade, não será possível enfrentar<br />

a crise planetária.<br />

As cidades, ao mesmo tempo que<br />

apresentam a face difícil <strong>do</strong> desafio<br />

que temos pela frente, têm, por<br />

outro la<strong>do</strong>, o dinamismo, a criatividade<br />

e a capacidade de invenção<br />

que serão tão necessários para adquirirmos<br />

padrões sustentáveis de<br />

produção e consumo. Elas estarão<br />

na Rio+20 tanto na discussão oficial,<br />

que levará à declaração política final,<br />

num processo que a própria Organização<br />

das Nações Unidas coordena,<br />

como também em manifestações<br />

fora da conferência, mas que se destinam<br />

a exercer pressão sobre essa<br />

declaração política.<br />

Foto: Digital Vision<br />

Se há alguém que está vivo, presente,<br />

discutin<strong>do</strong> com coragem os problemas,<br />

são as organizações relacionadas<br />

às cidades, honran<strong>do</strong> o fato<br />

de que a própria palavra cidadania<br />

nasceu junto com as cidades na história<br />

da humanidade.<br />

Outro desafi o: o que fazer com os<br />

eletrônicos obsoletos?<br />

Trânsito nas grandes<br />

cidades: perto <strong>do</strong> limite<br />

Foto: Digital Vision<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 13


14<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


CAPA<br />

Sociedade<br />

deve cobrar<br />

resulta<strong>do</strong>s<br />

O <strong>planeta</strong> esquenta, o<br />

debate também. Rio+20 é a<br />

oportunidade para colocar<br />

em prática as boas intenções<br />

apresentadas há 20 anos. Mas<br />

<strong>vai</strong> ser preciso pressionar para<br />

que os compromissos, desta<br />

vez, saiam <strong>do</strong> papel.<br />

Foto: Rick Bajornas/UN Photo<br />

Em junho de 1992, o Rio de Janeiro<br />

recebeu chefes de Esta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong><br />

o mun<strong>do</strong> para discutir um tema que<br />

começava a ganhar importância<br />

no cenário internacional. A Conferência<br />

das Nações Unidas sobre<br />

Meio Ambiente e Desenvolvimento,<br />

também chamada de Rio-92<br />

e popularmente conhecida como<br />

Eco-92, <strong>do</strong>minou as atenções <strong>do</strong><br />

<strong>planeta</strong>, reuniu mais de cem chefes<br />

de Esta<strong>do</strong> e diversas organizações<br />

da sociedade civil. Teve o mérito de<br />

semear uma consciência ambiental.<br />

Já naquela época, falava-se nos<br />

efeitos <strong>do</strong> aquecimento global e<br />

na necessidade de medidas urgentes<br />

para conter a ameaça iminente<br />

de uma catástrofe capaz de<br />

inviabilizar a vida no <strong>planeta</strong>. Passa<strong>do</strong>s<br />

20 anos, no entanto, o que<br />

os governos realizaram, dentre os<br />

compromissos firma<strong>do</strong>s aqui, foi<br />

praticamente nada.<br />

Somos 7 bilhões de pessoas no <strong>planeta</strong>, que é insufi ciente<br />

para satisfazer o ritmo de consumo atual<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 15


Foto: Marcell Casal Jr. / ABr<br />

Manifestante usa placa<br />

para captação de energia<br />

solar na cabeça<br />

De lá para cá, as mudanças climáticas<br />

agravadas pela ação <strong>do</strong> ser humano<br />

tornaram-se evidentes, o consumo<br />

<strong>do</strong>s recursos naturais atingiu níveis<br />

críticos e o sinal de alerta se acendeu.<br />

Até 2025, segun<strong>do</strong> as Nações Unidas,<br />

metade da população mundial<br />

estará em áreas que sofrerão com a<br />

escassez de água.<br />

A população mundial chegou à marca<br />

impressionante de 7 bilhões de<br />

pessoas em 2011. São 7 bilhões de<br />

consumi<strong>do</strong>res, 7 bilhões de gera<strong>do</strong>res<br />

de resíduos, 7 bilhões de bocas<br />

a serem alimentadas. Mas apenas<br />

um <strong>planeta</strong>. Não haverá como atender<br />

tamanha demanda se mantivermos<br />

o ritmo atual de consumo.<br />

Esta é a reflexão a partir da qual se<br />

iniciam as principais discussões da<br />

próxima conferência das Nações<br />

Unidas sobre o tema, novamente no<br />

Rio de Janeiro.<br />

A Conferência da ONU sobre Desenvolvimento<br />

Sustentável não é<br />

chamada de Rio+20 por acaso.<br />

Passadas duas décadas, é hora de<br />

rever os compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />

no passa<strong>do</strong>, discutir erros e acertos<br />

e estabelecer ou renovar pactos<br />

políticos que sejam efetivamente<br />

cumpri<strong>do</strong>s. E nós, cidadãos de to<strong>do</strong><br />

o mun<strong>do</strong>, teremos o dever de fiscalizar<br />

e pressionar continuamente<br />

para que as ideias saiam <strong>do</strong> papel.<br />

Na primeira conferência, a internet<br />

ainda engatinhava. Grupos<br />

que quisessem assistir, participar<br />

e defender suas causas teriam,<br />

necessariamente, de vir ao Rio de<br />

Janeiro. Nos dias de hoje, porém,<br />

com as transformações tecnológicas<br />

que permitiram o surgimento<br />

de uma sociedade em rede, conectada<br />

e em interação permanente,<br />

inúmeras formas de articulação e<br />

mobilização tornam-se possíveis.<br />

E <strong>vai</strong> ser necessário e fundamental<br />

cobrar a ação responsável de cada<br />

signatário <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s firma<strong>do</strong>s<br />

em território fluminense.<br />

16<br />

SENAC AMBIENTAL


Como observou o jornalista especializa<strong>do</strong><br />

em meio ambiente André<br />

Trigueiro, em texto publica<strong>do</strong> em<br />

seu site (www.mun<strong>do</strong>sustentavel.<br />

com.br), “caberá às organizações<br />

civis e às mídias (todas as mídias,<br />

de to<strong>do</strong>s os tamanhos) aquecer a<br />

panela de pressão onde os chefes<br />

de Esta<strong>do</strong> vão cozinhar o texto fi nal<br />

da conferência. Sem isso, será mais<br />

<strong>do</strong> mesmo”.<br />

A corrida é contra o tempo. E um<br />

tempo que já nem é tão distante.<br />

Os extremos climáticos são cada<br />

vez mais frequentes e afetam sobretu<strong>do</strong><br />

as populações pobres. O<br />

Painel Intergovernamental sobre<br />

Mudanças Climáticas da Organização<br />

das Nações Unidas, organismo<br />

forma<strong>do</strong> por cientistas de<br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, divulgou no final<br />

de março um novo <strong>do</strong>cumento<br />

que prevê a ocorrência de secas<br />

mais intensas e chuvas mais violentas<br />

nas próximas décadas.<br />

Em artigo publica<strong>do</strong> no jornal O<br />

Esta<strong>do</strong> de S. Paulo no dia 16 de<br />

abril, o físico e ex-secretário federal<br />

de Meio Ambiente José Goldemberg,<br />

que em 2008 recebeu o<br />

Prêmio Planeta Azul, considera<strong>do</strong><br />

o Nobel da área ambiental, faz um<br />

Em meio à nevasca, placa de<br />

trânsito adulterada diz: pare o<br />

aquecimento global<br />

Há 20 anos...<br />

A Rio-92 produziu seis <strong>do</strong>cumentos:<br />

• Declaração <strong>do</strong> Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – estabelece<br />

um conjunto de princípios para nortear políticas de desenvol-<br />

vimento sustentável.<br />

• Declaração de Princípios sobre Florestas – acor<strong>do</strong> global sobre ma-<br />

nejo, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas.<br />

• Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança <strong>do</strong> Clima<br />

– assume que a ação humana é capaz de afetar o clima e favorecer o<br />

aquecimento global. Entrou em vigor em 1994.<br />

• Agenda 21 – estabelece, nos âmbitos global e local, normas de desenvolvimento<br />

sustentável para to<strong>do</strong>s os setores em que a ação hu-<br />

mana interfira no meio ambiente. Envolve a cooperação de governos,<br />

empresas e sociedade civil.<br />

• Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica – trata<br />

de conservação, biossegurança, uso sustentável da biodiversidade e<br />

<strong>do</strong>s recursos genéticos. Entrou em vigor em 1993 e, desde então, in-<br />

corporou <strong>do</strong>is protocolos: o de Cartagena, sobre biossegurança, em<br />

2003, e o de Nagoya, sobre recursos genéticos, em 2010.<br />

• Convenção sobre Combate à Desertificação – estabelece medidas<br />

para controle da desertificação. Entrou em vigor em 1996.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 17


alerta: “as ameaças à sustentabilidade<br />

<strong>do</strong> desenvolvimento que<br />

foram reconhecidas em 1992 não<br />

só não desapareceram como se<br />

tornaram ainda maiores”. Segun<strong>do</strong><br />

ele, cientistas afi rmam que é inevitável<br />

o aumento da temperatura <strong>do</strong><br />

Foto: Pernaca Sudhakaran / UN Photo<br />

<strong>planeta</strong> em mais de 3 graus Celsius<br />

até 2050, superan<strong>do</strong> o limite até<br />

então aceito de 2 graus.<br />

“No caso <strong>do</strong> Brasil”, afi rma, “esse<br />

aumento de temperatura <strong>vai</strong> implicar<br />

maior precipitação de chuvas<br />

na Região Sudeste e menor na<br />

Amazônia, que ficará mais seca. A<br />

precipitação será mais intensa em<br />

perío<strong>do</strong>s de tempo menores, o que<br />

já está acontecen<strong>do</strong> em São Paulo,<br />

com as chuvas torrenciais todas as<br />

tardes no verão. Vale a pena mencionar<br />

também o aumento <strong>do</strong>s<br />

eventos climáticos e hidrológicos<br />

extremos, como enchentes, secas<br />

(...), cuja frequência anual era de<br />

400 em 1980 e <strong>do</strong>brou nos últimos<br />

30 anos”.<br />

Economia verde e governança<br />

O papel da Rio+20 não se limita<br />

a discutir os acor<strong>do</strong>s fi rma<strong>do</strong>s – e<br />

O processo da Rio+20<br />

A proposta da conferência foi feita pelo então presidente da República<br />

Luiz Inácio Lula da Silva em 2007. A convocação oficial da Orga-<br />

nização das Nações Unidas, no entanto, veio somente em dezembro<br />

de 2009.<br />

Antes disso, em 2002, a cidade de Joanesburgo, na África <strong>do</strong> Sul,<br />

sediou a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (também<br />

conhecida como Rio+10), que estimulou as parcerias público-<br />

privadas e fortaleceu o papel da Comissão sobre Desenvolvimento<br />

Sustentável da ONU. A Comissão, porém, veio perden<strong>do</strong> status ao<br />

longo <strong>do</strong> tempo.<br />

A construção da Rio+20 vem de longe. O texto que <strong>vai</strong> ser apresen-<br />

ta<strong>do</strong> ao final <strong>do</strong> encontro começou a ser discuti<strong>do</strong> muito antes, em<br />

reuniões periódicas da diplomacia <strong>do</strong>s países participantes, sob me-<br />

diação da ONU. A última reunião <strong>do</strong> comitê preparatório (de um total<br />

de três) é realizada já no Brasil, no dia 13 de junho, quan<strong>do</strong> então é<br />

produzi<strong>do</strong> o rascunho <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento final. A partir <strong>do</strong> dia 16, tem<br />

início uma fase de negociações e consultas informais envolven<strong>do</strong> re-<br />

presentantes de governos e de organizações da sociedade civil – que<br />

também promove eventos paralelos. A conferência oficial ocorre de<br />

20 a 22 de junho, seguida de uma etapa de avaliação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />

e decisão sobre próximas ações a serem executadas.<br />

18<br />

SENAC AMBIENTAL


não cumpri<strong>do</strong>s – no passa<strong>do</strong>. Avançar<br />

é preciso, e esse progresso gira<br />

em torno de três eixos: economia<br />

verde, desenvolvimento sustentável<br />

e governança global.<br />

A ideia de economia verde compreende<br />

o investimento prioritário em<br />

atividades econômicas voltadas<br />

para o bem-estar humano e a redução<br />

das desigualdades sociais,<br />

aproveitan<strong>do</strong>, potencializan<strong>do</strong> e<br />

não comprometen<strong>do</strong> os recursos<br />

naturais. Deriva <strong>do</strong> conceito de<br />

desenvolvimento sustentável, que,<br />

em linhas gerais, significa um modelo<br />

que atenda as necessidades<br />

da geração atual sem comprometer<br />

a capacidade das gerações futuras<br />

de satisfazer as suas. Garantir que<br />

esses conceitos sejam aplica<strong>do</strong>s é<br />

o que motiva o debate em torno da<br />

criação de um organismo de governança<br />

global capaz de fiscalizar e<br />

monitorar uma transição rápida e<br />

eficaz para esse novo modelo.<br />

Achim Steiner, diretor executivo <strong>do</strong><br />

Programa das Nações Unidas para<br />

o Meio Ambiente (Pnuma), acha que<br />

o próprio Pnuma pode ser esse organismo.<br />

A proposta dele, que será<br />

levada à Rio+20 e já conta com o<br />

apoio de diversos países, é que o<br />

programa se transforme em uma<br />

agência global de meio ambiente,<br />

com estrutura e autonomia semelhantes<br />

a entidades como a Organização<br />

Mundial de Saúde e a Organização<br />

Mundial <strong>do</strong> Comércio. Para<br />

Steiner, essa mudança de status<br />

conferiria legitimidade e autoridade<br />

para garantir a implementação <strong>do</strong>s<br />

acor<strong>do</strong>s políticos assina<strong>do</strong>s e interromper<br />

a progressão alarmante <strong>do</strong><br />

crescimento econômico atual.<br />

São necessários mais <strong>do</strong>is <strong>planeta</strong>s<br />

para satisfazer o padrão de consumo<br />

manti<strong>do</strong> pela nossa sociedade<br />

nos dias de hoje. Até o final <strong>do</strong> século,<br />

a Terra se revelará pequena<br />

demais para to<strong>do</strong>s nós.<br />

Um <strong>do</strong>s desafios da Rio+20 é<br />

discutir modelo econômico que<br />

alie desenvolvimento sustentável e<br />

erradicação da pobreza extrema<br />

Foto: Stuart Price / UN Photo<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 19


20<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


foto: Divulgação<br />

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO<br />

Os batalhões<br />

verdes<br />

Francisco Luiz Noel<br />

A participação das Polícias<br />

Militares tem si<strong>do</strong> comum em<br />

ações <strong>do</strong> Ibama, que também<br />

se vale <strong>do</strong> apoio da Polícia<br />

Federal, da Polícia Ro<strong>do</strong>viária<br />

Federal e da Força Nacional<br />

de Segurança Pública. Embora<br />

nem sempre tenha visibilidade<br />

pública, o “socorro ambiental”<br />

das PMs é requeri<strong>do</strong> em casos<br />

de cumprimento de mandatos<br />

judiciais e situações que<br />

prenunciam risco de conflitos<br />

com agressores da natureza.<br />

Grupo de<br />

Operações<br />

no Cerra<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> BPMA no<br />

Distrito Federal<br />

Na ofensiva contra o desmatamento e<br />

a pecuária predatória no Pantanal, deflagrada<br />

no primeiro semestre de 2011,<br />

um <strong>do</strong>s parceiros <strong>do</strong> Instituto Brasileiro<br />

de Meio Ambiente e Recursos Naturais<br />

Renováveis (Ibama) era de longe:<br />

o Batalhão de Polícia Militar Ambiental<br />

(BPMA) <strong>do</strong> Distrito Federal, que aju<strong>do</strong>u<br />

na apreensão de 800 bois no município<br />

de Sinop, Mato Grosso, na Operação<br />

Disparada. Em julho <strong>do</strong> mesmo ano, a<br />

PM da Bahia também deu reforço providencial<br />

ao Instituto, no combate a<br />

uma rede criminosa de produção e venda<br />

de carvão vegetal no oeste baiano.<br />

A operação, batizada de Corcel Negro<br />

II, prendeu 40 pessoas, reteve mil toneladas<br />

de ferro-gusa de quatro siderúrgicas<br />

e 5 mil metros cúbicos de carvão,<br />

além de caminhões e armas.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 21


Operação <strong>do</strong> Ibama contra<br />

desmata<strong>do</strong>res em Bom Jesus <strong>do</strong><br />

Araguaia (MT)<br />

O coordena<strong>do</strong>r geral de fiscalização<br />

<strong>do</strong> Ibama, Bruno Barbosa, explica<br />

a divisão de papéis nessas ações<br />

conjuntas: “O instituto aplica as<br />

sanções administrativas às infrações<br />

ambientais, enquanto as polícias<br />

ficam responsáveis pela segurança<br />

pública”.<br />

Orgulho da Polícia Militar <strong>do</strong> Distrito<br />

Federal, o BPMA é auxiliar recorrente<br />

<strong>do</strong> Ibama em incursões fora<br />

de Brasília e suas cidades-satélite.<br />

Pelo preparo adquiri<strong>do</strong> pelos policiais,<br />

que formam grupamentos especializa<strong>do</strong>s<br />

em ações no Cerra<strong>do</strong><br />

e em corpos d’água, o batalhão faz<br />

<strong>do</strong>bradinha com o Instituto desde<br />

2008. Nesse ano, deslocou um grupo<br />

ao Nordeste para ajudar a impor<br />

respeito ao defeso da lagosta e <strong>do</strong><br />

camarão, a fim de garantir a reprodução<br />

<strong>do</strong>s crustáceos no verão<br />

e em parte <strong>do</strong> outono. De 2009 a<br />

2011, o BPMA apoiou operações nas<br />

regiões goianas de Corumbá, Serra<br />

da Mesa e Araguaia, assim como<br />

em Sinop e Bom Jesus <strong>do</strong> Araguaia,<br />

no Mato Grosso, em investidas contra<br />

carvoarias, desmata<strong>do</strong>res e cria<strong>do</strong>res<br />

ilegais de ga<strong>do</strong>.<br />

A PM de São Paulo é outra que se<br />

destaca por sua força ambiental.<br />

Enquanto o batalhão brasiliense<br />

conta com 329 integrantes e cobre<br />

os 5,8 mil quilômetros quadra<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> Distrito Federal, a Polícia Militar<br />

Ambiental paulista possui 2,3 mil<br />

homens, em quatro batalhões, que<br />

protegem a natureza nos 248 mil<br />

quilômetros quadra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

As duas polícias também desenvolvem<br />

ações de educação para crianças<br />

e a<strong>do</strong>lescentes, no intuito de<br />

promover a causa ambiental. Em<br />

2011, a PM Ambiental contabilizou<br />

1,1 milhão de pessoas beneficiadas<br />

por palestras, exposições e outras<br />

atividades educativas. No Distrito<br />

Federal, as ações educativas alcançaram<br />

45 mil estudantes.<br />

As atividades <strong>do</strong> BPMA dedicadas<br />

aos jovens são desenvolvidas pelo<br />

foto: Divulgação<br />

22<br />

SENAC AMBIENTAL


Núcleo de Educação Ambiental. Um<br />

<strong>do</strong>s projetos de maior apelo entre a<br />

garotada é o Lobo Guará, que apresenta<br />

peça de teatro nas escolas,<br />

ten<strong>do</strong> policiais como atores. Outra<br />

iniciativa itinerante <strong>do</strong> núcleo é o<br />

Museu Ambiental, que apresenta 45<br />

animais embalsama<strong>do</strong>s e difunde<br />

informações sobre a preservação da<br />

fauna e da flora. Em 2012, o batalhão<br />

está abrin<strong>do</strong> suas portas à visitação<br />

<strong>do</strong>s estudantes <strong>do</strong> Distrito Federal.<br />

Além de participarem <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is projetos,<br />

os visitantes conhecerão a<br />

coleta seletiva de lixo e o cultivo orgânico<br />

de verduras e legumes feitos<br />

pelos policiais.<br />

Tropa especializada<br />

A ação da PM na defesa <strong>do</strong> meio<br />

ambiente no Distrito Federal começou<br />

em 2003, com a criação da<br />

Companhia de Polícia Militar Florestal,<br />

no Parque Nacional de Brasília.<br />

Conheci<strong>do</strong> por suas piscinas, o parque<br />

abriga rios que fornecem água à<br />

capital e preserva ecossistemas <strong>do</strong><br />

Cerra<strong>do</strong> onde vivem espécies ameaçadas,<br />

como lobo-guará, tamanduá-<br />

-bandeira, tatu-canastra e ouriço-<br />

-caixeiro. A companhia, transferida<br />

no fi m <strong>do</strong>s anos 1980 para o antigo<br />

presídio distrital, na cidade-satélite<br />

de Candangolândia, foi transformada<br />

no BPMA em 2010.<br />

Na prevenção e no combate às<br />

agressões ambientais em Brasília<br />

e nas cidades-satélite, o BPMA<br />

costuma ter pela frente desde a extração<br />

ilegal de madeiras nativas,<br />

palmitos, ervas medicinais e plantas<br />

ornamentais à retirada irregular<br />

de areia para construção, captura<br />

e comércio de pássaros e outros<br />

animais silvestres. O batalhão<br />

exerce o policiamento ostensivo<br />

em postos de controle distribuí<strong>do</strong>s<br />

em unidades de conservação e<br />

barreiras montadas para fi scalização,<br />

realizan<strong>do</strong> também diligências<br />

para apurar denuncias de ataques<br />

à natureza.<br />

foto: Coman<strong>do</strong> de Policiamento Ambiental<br />

O requisito para o ingresso <strong>do</strong>s<br />

PMs no batalhão é um curso de 40<br />

horas que aborda conhecimentos<br />

relaciona<strong>do</strong>s aos procedimentos<br />

exigi<strong>do</strong>s pelos crimes ambientais.<br />

Ministra<strong>do</strong> por profi ssionais especializa<strong>do</strong>s,<br />

o curso tem aulas de<br />

ecologia, fauna, fl ora, pesca, identificação<br />

de aves e madeiras, manejo<br />

de animais silvestres e direito<br />

ambiental. “Isso não quer dizer que<br />

os demais crimes de que tomamos<br />

conhecimento não sejam preveni<strong>do</strong>s<br />

e reprimi<strong>do</strong>s. Somos policiais<br />

e estamos prontos para agir em<br />

qualquer caso de inobservância<br />

da lei”, diz o subcomandante <strong>do</strong><br />

BPMA, major André Caldas.<br />

Na especialização e no aprimoramento<br />

<strong>do</strong>s policiais, o BPMA<br />

vem fazen<strong>do</strong> escola. Seus cursos,<br />

elabora<strong>do</strong>s sob medida para o<br />

ambiente de atuação da unidade,<br />

atraem policiais de batalhões ambientais<br />

de vários esta<strong>do</strong>s. No de<br />

Operações Lacustres, os alunos<br />

se aperfeiçoam em ações sobre as<br />

águas em exercícios no Lago Paranoá,<br />

na Barragem <strong>do</strong> Descoberto e<br />

em outros corpos hídricos da região.<br />

Os PMs têm aulas de natação,<br />

operações aquáticas, mergulho<br />

policial, salvamento, conduções de<br />

embarcação e tiro policial.<br />

Palestra da PM<br />

Ambiental de<br />

São Paulo<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 23


Apreensão de toras<br />

em Bom Jesus <strong>do</strong><br />

Araguaia (MT)<br />

Os recursos <strong>do</strong> BPMA estão à altura<br />

de suas missões aquáticas. Além<br />

de armas e apetrechos comuns às<br />

unidades ambientais das PMs, como<br />

gaiolas, cordas e puçás, a companhia<br />

dispõe de seis jet-skis, seis botes<br />

infláveis e uma embarcação com<br />

cabine. Os veículos ajudam a fazer a<br />

força da Companhia de Policiamento<br />

Fluvial – uma das três <strong>do</strong> batalhão –,<br />

que faz o patrulhamento lacustre no<br />

Paranoá e nos rios da região.<br />

Outra formação especializada é<br />

oferecida no Curso de Operações<br />

no Cerra<strong>do</strong>, que habilita o policial<br />

a desempenhar ações de policiamento<br />

nos ecossistemas <strong>do</strong> bioma,<br />

típico dessa região <strong>do</strong> Centro-Oeste.<br />

O curso é feito pelo Grupo de Operações<br />

<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> (GOC), integra<strong>do</strong><br />

por 24 policiais com especialização<br />

avançada, e abrange temas como<br />

ecologia <strong>do</strong> bioma, técnicas operacionais,<br />

operações aéreas e aquáticas,<br />

técnicas verticais, cartografia,<br />

armamento e sobrevivência na mata.<br />

Em São Paulo, a PM também treina<br />

policiais de outros esta<strong>do</strong>s, atraí<strong>do</strong>s<br />

pela tradição e pela eficácia de sua<br />

força devotada ao meio ambiente.<br />

foto: Divulgação<br />

O subcomandante <strong>do</strong> BPMA, major<br />

André Caldas, observa que o intercâmbio<br />

das PMs <strong>do</strong> país na área<br />

ambiental poderia ser muito maior.<br />

“Deveria haver maior interação.<br />

Esse intercâmbio aumentaria muito<br />

o aprendiza<strong>do</strong> e o conhecimento.<br />

Nosso batalhão está sempre interagin<strong>do</strong>,<br />

levan<strong>do</strong> em conta que a<br />

questão ambiental deve ser tratada<br />

em conjunto com os policiais militares<br />

ambientais de outros esta<strong>do</strong>s, já<br />

que o meio ambiente é um bem de<br />

to<strong>do</strong>s”, afirma o major.<br />

Pioneirismo paulista<br />

A Polícia Ambiental de São Paulo é<br />

a mais antiga <strong>do</strong> Brasil. Sua criação,<br />

em 1943, atendeu a diretrizes baixadas<br />

pelo presidente Getúlio Vargas<br />

em 1934, no decreto que instituiu o<br />

Código Florestal, com a recomendação<br />

de que os esta<strong>do</strong>s defendessem<br />

seus bens naturais. Vincula<strong>do</strong> inicialmente<br />

à Procura<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> Patrimônio,<br />

o policiamento ambiental em terras<br />

paulistas foi transferi<strong>do</strong> ao Serviço<br />

Florestal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e, em 1949, à<br />

Força Pública. Alça<strong>do</strong> à condição de<br />

companhia, o grupo ganhou o nome<br />

de Corpo de Policiamento Florestal<br />

em 1956 e, 15 anos depois, a denominação<br />

de Corpo de Policiamento<br />

<strong>do</strong>s Recursos Naturais.<br />

As limitações ao policiamento ambiental<br />

não eram poucas nos primeiros<br />

anos. A Polícia Florestal trabalhava<br />

em conjunto com a Secretaria<br />

de Agricultura e Abastecimento, mas<br />

frequentemente tinha objetivos conflitantes<br />

com a pasta agrícola. Enquanto<br />

os policiais estavam empenha<strong>do</strong>s<br />

em preservar matas nativas<br />

e reprimir ações de desmatamento,<br />

a Secretaria incentivava ações que<br />

implicavam a derrubada de florestas<br />

para a implantação de empreendimentos<br />

agropecuários.<br />

A situação <strong>do</strong> policiamento ambiental<br />

só começou a mudar na década<br />

de 1970. A onda desenvolvimentista<br />

que ficaria conhecida como milagre<br />

24<br />

SENAC AMBIENTAL


asileiro e o crescimento urbano<br />

acenderam sinais de alerta em relação<br />

aos danos ao meio ambiente. Em<br />

São Paulo, o Corpo de Policiamento<br />

<strong>do</strong>s Recursos Naturais foi transforma<strong>do</strong><br />

em 1975 no 1° Batalhão de<br />

Polícia Florestal e de Mananciais,<br />

forma<strong>do</strong> por cinco companhias operacionais<br />

e uma de apoio, instaladas<br />

na capital e nas cidades de Campinas,<br />

Taubaté, Sorocaba e Araras. Um<br />

ano depois, o batalhão foi dividi<strong>do</strong><br />

em <strong>do</strong>is – o segun<strong>do</strong>, aberto na cidade<br />

de Birigui.<br />

Em 1986, a atuação ambiental da PM<br />

paulista saiu fortalecida com a criação<br />

da Secretaria <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A Polícia Florestal teve<br />

ampliadas suas atribuições legais e<br />

assumiu de vez o policiamento preventivo<br />

e repressivo, em convênios<br />

com a secretaria, o Instituto Brasileiro<br />

de Desenvolvimento Florestal<br />

(antecessor <strong>do</strong> Ibama) e a Superintendência<br />

de Desenvolvimento de<br />

Pesca. Em 1987, a PM subordinou<br />

os <strong>do</strong>is batalhões ao recém-cria<strong>do</strong><br />

Coman<strong>do</strong> de Policiamento Florestal<br />

e de Mananciais.<br />

A centralização <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> foi<br />

acompanhada pela formação de<br />

mais um batalhão ambiental, instala<strong>do</strong><br />

em 1989 no município litorâneo<br />

de Guarujá, com atuação em to<strong>do</strong> o<br />

litoral paulista. Passa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is anos,<br />

foi cria<strong>do</strong> o quarto batalhão, em<br />

São José <strong>do</strong> Rio Preto. A expansão<br />

<strong>do</strong> poder de fogo iniciada na década<br />

de 1980 deu à PM ambiental de São<br />

Paulo sua fisionomia atual. Sain<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong> número de homens que<br />

atuavam nos anos 1940, a força ambiental<br />

da PM chegou a 2,3 mil homens,<br />

atuantes em todas as regiões<br />

<strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

Pressões sobre os recursos naturais<br />

não faltam em São Paulo, mais<br />

populoso <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s brasileiros,<br />

com 41,3 milhões de habitantes, e<br />

líder nacional na indústria e na fabricação<br />

de etanol. Desmatamentos<br />

e incêndios florestais são ameaças<br />

foto: Coman<strong>do</strong> de Policiamento Ambiental<br />

constantes, bem como a caça e pesca<br />

predatórias e o tráfico de animais<br />

silvestres, incluí<strong>do</strong>s os destina<strong>do</strong>s<br />

à exportação via portos e aeroportos.<br />

Outros problemas são a retirada<br />

ilegal de areia e o garimpo irregular<br />

em rios como o Grande, na divisa<br />

com Minas. Em 2011, a PM Ambiental<br />

atuou em 120,5 mil ocorrências,<br />

lavrou 14,6 mil autos de infração,<br />

resgatou 27,6 mil animais silvestres e<br />

apreendeu mil armas de fogo.<br />

Os integrantes da PM Ambiental<br />

paulista têm treinamento continua<strong>do</strong>,<br />

em linha com as instruções <strong>do</strong><br />

coman<strong>do</strong> geral da corporação. E durante<br />

uma semana por ano, a exemplo<br />

<strong>do</strong>s outros policiais, participam<br />

de estágio de atualização em procedimentos<br />

operacionais, normas e<br />

legislação, além de desenvolverem<br />

ações de condicionamento físico e<br />

tiro defensivo. Para ingressar nas fileiras<br />

da Polícia Militar Ambiental, o<br />

policial precisa manifestar interesse.<br />

“Deve apresentar um perfil de comprometimento,<br />

entusiasmo e satisfação<br />

de vir a servir na causa ambiental”,<br />

diz o porta-voz da PM Ambiental<br />

de São Paulo, capitão Marcelo Robis<br />

Francisco Nassaro.<br />

Embarcação da<br />

PM Ambiental<br />

de São Paulo<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 25


26<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


SAÚDE<br />

Agrotóxicos<br />

em xeque<br />

Dayana de Paula<br />

Enquanto a indústria<br />

de agrotóxicos defende<br />

seu uso, diante da<br />

crescente demanda de<br />

alimentos, pesquisa<strong>do</strong>res e<br />

ambientalistas denunciam<br />

os riscos à saúde humana<br />

e ao meio ambiente <strong>do</strong><br />

uso indiscrimina<strong>do</strong><br />

desses produtos.<br />

foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />

Pulverização<br />

em plantação<br />

de laranjas<br />

A cartilha da boa saúde dita a inclusão<br />

de frutas e verduras na dieta das famílias,<br />

mas entre a sugestão nutricional<br />

e a disposição desses alimentos no<br />

prato <strong>do</strong> brasileiro há muitas controvérsias.<br />

O elo que o consumi<strong>do</strong>r não<br />

vê, o da produção, envolve um uso extensivo<br />

de agrotóxicos, essencial para<br />

o modelo agrícola hegemônico, mas<br />

polêmico entre pesquisa<strong>do</strong>res e ambientalistas.<br />

Os efeitos <strong>do</strong> consumo<br />

indireto desses produtos químicos<br />

para a saúde humana são alvo de frequentes<br />

estu<strong>do</strong>s, e o tema se tornou<br />

assunto de saúde pública.<br />

É difícil para o consumi<strong>do</strong>r que busca<br />

produtos mais saudáveis mensurar<br />

os riscos a que pode estar sujeito,<br />

mas eles existem, mesmo que na<br />

teoria os níveis de exposição sejam<br />

baixos. O Brasil é o maior consumi<strong>do</strong>r<br />

mundial de agrotóxicos e tem<br />

seus próprios vilões na cesta básica.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 27


Aplicação de<br />

agrotóxicos<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Azoury/Tyba<br />

Da<strong>do</strong>s recentes <strong>do</strong> Programa de<br />

Análise de Resíduos de Agrotóxicos<br />

da Agência Nacional de Vigilância<br />

Sanitária (Anvisa), órgão vincula<strong>do</strong><br />

ao Ministério da Saúde, apontaram<br />

o pimentão como um <strong>do</strong>s produtos<br />

agrícolas que apresentam mais<br />

irregularidades. Cerca de 90% das<br />

amostras analisadas pelo órgão estavam<br />

com níveis de concentração<br />

de agrotóxico acima <strong>do</strong> ideal. Em<br />

segun<strong>do</strong> e terceiro lugar ficaram o<br />

morango e o pepino, com 63% e<br />

57%, respectivamente, das amostras<br />

colhidas reprovadas. Com exceção<br />

de São Paulo, to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s<br />

e o Distrito Federal participaram<br />

da avaliação, que envolveu 2.488<br />

amostras de diferentes cultivares,<br />

das quais 28% apresentaram níveis<br />

de substâncias químicas acima <strong>do</strong><br />

recomenda<strong>do</strong> pela agência.<br />

Pesquisas como a realizada pelo<br />

Pará contribuem para tornar o<br />

consumi<strong>do</strong>r mais consciente,<br />

mas também podem levá-lo a<br />

deixar de adquirir produtos agrícolas<br />

frescos para dar preferência<br />

aos industrializa<strong>do</strong>s.<br />

Francisco Roma Paumgartten, chefe<br />

<strong>do</strong> Laboratório de Toxicologia Ambiental<br />

da Fundação Oswal<strong>do</strong> Cruz<br />

(Fiocruz), alerta que as pessoas não<br />

devem parar ou reduzir o consumo<br />

de frutas, legumes e hortaliças por<br />

conta de estu<strong>do</strong>s como o da Anvisa,<br />

pois isso seria mais danoso à<br />

saúde <strong>do</strong> que os possíveis riscos<br />

trazi<strong>do</strong>s pela ingestão de alimentos<br />

expostos aos agrotóxicos.<br />

Os adeptos <strong>do</strong> consumo de produtos<br />

livres de “defensivos agrícolas”<br />

– nome pela qual a indústria prefere<br />

se referir aos agrotóxicos – têm<br />

opinião diferente. Para eles, a incerteza<br />

quanto aos riscos desses<br />

produtos, a médio e longo prazo,<br />

recomenda evitá-los. E embora os<br />

preços <strong>do</strong>s produtos orgânicos<br />

ainda sejam mais altos, valeria a<br />

pena consumi-los.


O processo de liberação<br />

O professor e pesquisa<strong>do</strong>r Paumgartten<br />

explica que a aprovação de<br />

um agrotóxico no merca<strong>do</strong> envolve<br />

testes sistemáticos e complexos,<br />

para garantir uma boa margem de<br />

segurança. Resumin<strong>do</strong>, os produtos<br />

primeiro são testa<strong>do</strong>s em animais,<br />

para estabelecer o patamar máximo<br />

e mínimo de sensibilidade. É então<br />

feita uma estimativa para calcular o<br />

menor índice de sensibilidade de exposição<br />

para o uso humano. Ao final<br />

<strong>do</strong> processo, a concentração máxima<br />

permitida para uso nas lavouras<br />

pode ser 300 a mil vezes inferior ao<br />

menor valor estima<strong>do</strong> seguro para a<br />

exposição humana. A bula <strong>do</strong>s produtos<br />

traz a concentração mínima<br />

para o uso na lavoura e o detalhamento<br />

de segurança para aplicação.<br />

Essa conta e as estimativas são feitas<br />

com base em uma cesta de alimentos.<br />

No entanto, já que a dieta<br />

das famílias muda conforme suas<br />

condições fi nanceiras, há margem<br />

para questionar se uma maior ingestão<br />

de vegetais poderia pôr a<br />

conta em risco, como ocorre agora<br />

no Brasil. O aumento de renda das<br />

classes C e D implicou, entre outros<br />

fatores, o crescimento <strong>do</strong> consumo<br />

de frutas e verduras. O da<strong>do</strong> é da<br />

Pesquisa de Orçamentos Familiares,<br />

realizada pelo IBGE, que mostrou<br />

também um crescimento no consumo<br />

de alimentos industrializa<strong>do</strong>s,<br />

como <strong>do</strong>ces e enlata<strong>do</strong>s. Essas<br />

variáveis, de acor<strong>do</strong> com Paumgartten,<br />

são consideradas na elaboração<br />

<strong>do</strong>s limites traça<strong>do</strong>s pela Anvisa.<br />

Ele aponta que os cálculos também<br />

envolvem um balanço da dieta <strong>do</strong><br />

brasileiro e que a cada alteração na<br />

dieta to<strong>do</strong> cálculo é revisto.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, mesmo que os níveis<br />

de exposição sejam, em teoria,<br />

seguros, vários estu<strong>do</strong>s relacionam<br />

a incidência de câncer ao consumo<br />

indireto de agrotóxicos. O pesquisa<strong>do</strong>r<br />

da Fiocruz diz que não há um<br />

foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />

da<strong>do</strong> concreto que possa afi rmar<br />

com segurança que os agrotóxicos<br />

sejam cancerígenos, pois se trata<br />

de uma <strong>do</strong>ença multifatorial. “Em<br />

tese, se todas as normas forem respeitadas,<br />

não causam <strong>do</strong>enças à<br />

população”, avalia.<br />

Menos parcimoniosa, Letícia Rodrigues<br />

da Silva, gerente de Normatização<br />

e Avaliação da Anvisa, aponta<br />

que o avanço da ciência está fazen<strong>do</strong><br />

emergir a incerteza em relação à<br />

saúde humana e ao uso destes produtos.<br />

“Estamos falan<strong>do</strong> de produtos<br />

tóxicos que causam problemas<br />

à saúde humana. Produtos que pareciam<br />

seguros há muito tempo são<br />

hoje comprovadamente tóxicos”, diz.<br />

Ela alerta para a contaminação que<br />

ocorre também por água, solo e ar.<br />

Vários produtos já foram bani<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s interno e externo ao<br />

longo <strong>do</strong>s anos. No entanto alguns<br />

<strong>do</strong>s expurga<strong>do</strong>s no exterior continuam<br />

sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s no Brasil,<br />

como o acefato. Bani<strong>do</strong> na Europa,<br />

o produto é suspeito de ser cancerígeno,<br />

com toxicidade reprodutiva<br />

e neurotoxicidade, e precisa ter<br />

os seus níveis de Ingestão Diária<br />

Aceitável revistos. De acor<strong>do</strong> com<br />

a Agência de Vigilância Sanitária,<br />

foi publicada uma indicação de banimento<br />

<strong>do</strong> acefato no país, mas<br />

ele continua sen<strong>do</strong> comercializa<strong>do</strong>,<br />

como acontece com vários outros<br />

produtos em situação parecida.<br />

foto: Ingo Meyer / Tyba<br />

Tratores de pulverização<br />

sen<strong>do</strong> abasteci<strong>do</strong>s com<br />

agrotóxico<br />

Plantação de<br />

tomates<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 29


Trator apliccan<strong>do</strong><br />

defensivo agrícola<br />

foto: Karlheinz Weichert/Tyba<br />

Lavra<strong>do</strong>res contamina<strong>do</strong>s<br />

Polêmico <strong>do</strong>cumentário produzi<strong>do</strong><br />

no ano passa<strong>do</strong>, O veneno está na<br />

mesa, de Silvio Tendler, aponta um<br />

consumo médio anual de 5,2 litros<br />

de agrotóxicos por pessoa no Brasil.<br />

A quantidade assusta, mas é nas lavouras<br />

que estão as maiores vítimas<br />

conhecidas <strong>do</strong> uso indiscrimina<strong>do</strong><br />

desses produtos.<br />

A intoxicação ocupacional, por via<br />

cutânea ou nasal, é a principal causa<br />

das <strong>do</strong>enças relacionada aos agrotóxicos.<br />

O não uso de equipamentos<br />

adequa<strong>do</strong>s ao manejar o produto, as<br />

precárias condições de vida e a falta<br />

de informação <strong>do</strong>s pequenos agricultores<br />

– responsáveis pela maior<br />

parte <strong>do</strong>s produtos agrícolas que<br />

chegam à mesa <strong>do</strong> brasileiro – resultam<br />

em problemas de pele e <strong>do</strong>enças<br />

que não são facilmente perceptíveis<br />

em um exame clínico.<br />

Nesse ponto, o problema sai <strong>do</strong>s limites<br />

<strong>do</strong> campo e chega às cadeiras<br />

das faculdades de Medicina, pois o<br />

ensino de toxicologia é escasso e até<br />

mesmo inexistente em algumas delas,<br />

de acor<strong>do</strong> com Paumgartten. Ao<br />

chegarem às regiões rurais, os novos<br />

médicos podem fazer diagnósticos<br />

equivoca<strong>do</strong>s, por não conhecerem<br />

os sintomas causa<strong>do</strong>s por determina<strong>do</strong><br />

componente químico.<br />

O Instituto Nacional <strong>do</strong> Câncer<br />

(Inca), no <strong>do</strong>cumento Vigilância <strong>do</strong><br />

câncer ocupacional e ambiental,<br />

também alertou para o problema,<br />

apontan<strong>do</strong> os riscos da exposição,<br />

seja na reutilização de embalagens,<br />

no armazenamento inadequa<strong>do</strong> ou<br />

na manipulação direta. Como alguns<br />

<strong>do</strong>s componentes <strong>do</strong>s agrotóxicos<br />

podem permanecer no leite materno,<br />

há o risco de contaminação <strong>do</strong> bebê<br />

durante o perío<strong>do</strong> de amamentação.<br />

A posição da indústria<br />

Sobre as ações preventivas tomadas<br />

pela indústria, José Roberto Da<br />

Ros, vice-presidente <strong>do</strong> Sindicato<br />

da Indústria de Defensivos Agrícolas<br />

(Sindag), ressalta que há um<br />

trabalho de acompanhamento pós-<br />

-venda, com a promoção de campanhas<br />

que atingem milhares de agricultores<br />

e técnicos, para reduzir o<br />

risco de manejo inadequa<strong>do</strong>.<br />

O contraban<strong>do</strong> <strong>do</strong>s produtos agrava<br />

o problema tanto para os trabalha<strong>do</strong>res<br />

rurais quanto para a<br />

população. A questão é complexa,<br />

pois envolve recursos e tomada de<br />

crédito. Pequenos trabalha<strong>do</strong>res rurais<br />

atrelam sua atividade à compra<br />

de agrotóxicos certifica<strong>do</strong>s, pois<br />

dessa forma o banco tem a suposta<br />

garantia de que haverá produção e<br />

o consequente pagamento <strong>do</strong> empréstimo.<br />

A busca por agrotóxicos<br />

ilegais – e, consequentemente, mais<br />

baratos – é uma saída para o lavra<strong>do</strong>r<br />

garantir a produção.<br />

Mas essa arriscada aposta tem vários<br />

efeitos negativos: esse comércio<br />

ilegal causa um rombo de US$ 650<br />

milhões para a indústria, fora impostos<br />

que o Esta<strong>do</strong> deixa de arrecadar.<br />

Hoje, o Sindag calcula que cerca<br />

de 9% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> brasileiro seja<br />

de produtos contrabandea<strong>do</strong>s. De<br />

acor<strong>do</strong> com Da Ros, esses produtos<br />

prejudicam o agricultor também pela<br />

sua má qualidade, provocan<strong>do</strong> a fitotoxicidade,<br />

que é a queima da cultura,<br />

reduzin<strong>do</strong> a produtividade.<br />

Monoculturas de exportação<br />

e transgênicos<br />

O merca<strong>do</strong> de agrotóxicos no Brasil<br />

movimenta cerca de US$ 7,2 bilhões,<br />

o equivalente a uma fatia de<br />

16% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> mundial. Em termos<br />

de demanda por cultivar, a protagonista<br />

é a soja, que apenas em<br />

2010 representou 44% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />

de defensivos agrícolas, de acor<strong>do</strong><br />

com o Sindag.<br />

Em 2010, a venda de herbicidas somente<br />

para essa cultura totalizou<br />

US$ 2,4 bilhões, 33% da venda de<br />

agrotóxicos em território nacional.<br />

30<br />

SENAC AMBIENTAL


O da<strong>do</strong> expõe duas causas principais<br />

<strong>do</strong> consumo extensivo desses<br />

insumos. Uma é o modelo estratégico<br />

brasileiro, apoia<strong>do</strong> nas exportações<br />

de commodities agrícolas<br />

que motivam as monoculturas (soja,<br />

café, milho), as quais demandam<br />

grandes quantidades de agrotóxicos<br />

para garantir a produção. A outra,<br />

conforme explica Flávia Londres,<br />

autora <strong>do</strong> livro Agrotóxicos no Brasil –<br />

um guia para ação em defesa da vida, é<br />

o crescimento de lavouras transgênicas,<br />

que demandam um aumento<br />

<strong>do</strong> consumo desses produtos.<br />

O chefe da área de Meio Ambiente<br />

da Empresa Brasileira de Pesquisa<br />

Agropecuária (Embrapa), Marcelo<br />

Boechat Morandi, que frequentemente<br />

participa de debates sobre<br />

o tema no Sena<strong>do</strong> Federal, esclarece<br />

que o excesso de agrotóxicos<br />

causa um desequilíbrio biológico<br />

na natureza. A consequência, explica,<br />

é uma menor capacidade <strong>do</strong>s<br />

agroecossistemas de manter populações<br />

de pragas em equilíbrio. Segun<strong>do</strong><br />

ele, continuan<strong>do</strong> nesse caminho,<br />

o resulta<strong>do</strong> será uma conta<br />

difícil de fechar, pois cada vez mais<br />

será necessário usar quantidades<br />

maiores desses produtos, o que<br />

pode se tornar insustentável ao<br />

longo <strong>do</strong>s anos.<br />

No futuro, outra variável que já preocupa<br />

os governos é o surgimento<br />

de novas pragas com a iminência de<br />

mudanças no sistema climático. Diferentes<br />

frentes <strong>do</strong> governo trabalham<br />

para tentar prever e combater<br />

as futuras e novas ameaças às lavouras<br />

brasileiras. A própria Embrapa,<br />

com o programa Climapest, que<br />

envolve estu<strong>do</strong>s em diversas regiões<br />

<strong>do</strong> país, está lideran<strong>do</strong> uma rede<br />

para estudar os efeitos <strong>do</strong> aquecimento<br />

global, como o surgimento<br />

de <strong>do</strong>enças e plantas daninhas. Os<br />

esforços se concentram em desenvolver<br />

produtos biológicos, na esteira<br />

da crescente preocupação da<br />

sociedade com o meio ambiente.<br />

foto: ricar<strong>do</strong> Azoury / Tyba<br />

Produtos orgânicos<br />

O modelo agrícola já começa a dar<br />

sinais de mudança, para atender um<br />

consumi<strong>do</strong>r mais exigente, que busca<br />

alimentos orgânicos. Várias empresas<br />

se mostram interessadas nesse nicho<br />

de merca<strong>do</strong>, investin<strong>do</strong> em pesquisa<br />

e desenvolvimento de novos produtos<br />

e buscan<strong>do</strong> auxílio junto à Embrapa,<br />

que tem um longo histórico<br />

de pesquisas de adequação fitossanitária<br />

e de produtos naturais.<br />

O merca<strong>do</strong> de controle biológico,<br />

sem uso de agrotóxicos, movimenta,<br />

de acor<strong>do</strong> com Morandi, em<br />

torno de US$ 1 bilhão, volume relativamente<br />

pequeno, mas que apresentou<br />

crescimento de 107% no<br />

perío<strong>do</strong> de 2003 a 2008. Enquanto<br />

isso, o merca<strong>do</strong> de agrotóxicos permanece<br />

estável, com crescimento<br />

de 15% ao ano.<br />

A expectativa de organização da<br />

cadeia ganha força com a recente<br />

criação da Associação Brasileira<br />

de Empresas de Controle Biológico<br />

(ABCBio) e o avanço da legislação<br />

para registro e comercialização<br />

desses produtos “verdes”. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, a pesquisa e a inovação<br />

carecem de mais investimentos<br />

para tornar os produtos biológicos<br />

mais competitivos.<br />

Plantação de<br />

laranjas<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 31


Lavagem de<br />

embalagens de<br />

agrotóxicos<br />

Para Flávia Londres, os produtos orgânicos<br />

ou agroecológicos apresentam<br />

normalmente custos de produção<br />

mais baixos <strong>do</strong> que a agricultura<br />

convencional, mas a lei de merca<strong>do</strong><br />

(quan<strong>do</strong> a procura é maior <strong>do</strong> que a<br />

oferta) e a logística acabam tornan<strong>do</strong><br />

os preços mais eleva<strong>do</strong>s.<br />

A agricultura familiar e camponesa,<br />

responsável por mais de 70% da<br />

produção agrícola brasileira, pode<br />

se adequar perfeitamente à agroecologia,<br />

mas faltam incentivos e políticas<br />

públicas específicas. A soma de<br />

defensivos biológicos à agricultura<br />

orgânica poderia trazer resulta<strong>do</strong>s<br />

ainda mais satisfatórios.<br />

Fiscalização deficiente e<br />

legislação falha<br />

Se a ampliação de produtos biológicos<br />

e a agroecologia precisam<br />

de apoio para ampliar sua escala<br />

e se tornar de fato uma alternativa<br />

ao agronegócio e ao consumi<strong>do</strong>r,<br />

medidas em discussão na Câmara<br />

e no Sena<strong>do</strong> Federal podem facilitar<br />

a entrada de mais agrotóxicos<br />

no merca<strong>do</strong>. Está em apreciação<br />

na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s o Projeto<br />

de Lei que regulamenta a produção<br />

de agrotóxicos genéricos, já<br />

aprova<strong>do</strong> na Comissão de Agricultura<br />

<strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>. A casa também<br />

discute o PL 88/11, que estabelece<br />

prazo de <strong>do</strong>is anos para o início<br />

da produção e comercialização de<br />

novos agrotóxicos no Brasil após o<br />

registro <strong>do</strong>s produtos. A proposta<br />

pretende “agilizar” a entrada desses<br />

produtos e evitar que os fabricantes<br />

registrem novos insumos<br />

sem disponibilizá-los no merca<strong>do</strong>,<br />

visan<strong>do</strong> à vida útil de produtos já<br />

em circulação. Propostas como<br />

essas caminham junto com a preocupação<br />

sobre a expansão no uso<br />

de agrotóxicos, mas pouco é feito<br />

para evitá-la.<br />

Para Paumgartten, da Fiocruz, as<br />

políticas de fiscalização brasileiras<br />

deveriam ser de caráter punitivo,<br />

para evitar a reincidência das infrações,<br />

que são muitas. De acor<strong>do</strong><br />

foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />

32<br />

SENAC AMBIENTAL


com a gerente de Normatização e<br />

Avaliação da Anvisa, Letícia Rodrigues<br />

da Silva, em todas as fi scalizações<br />

realizadas pela agência foi<br />

constata<strong>do</strong> algum tipo de irregularidade,<br />

como adulteração de produtos,<br />

uso de matérias-primas não<br />

identificadas, componentes químicos<br />

com prazo venci<strong>do</strong> e falta de<br />

controle de estoque.<br />

No começo <strong>do</strong> ano, a agência propôs<br />

novas práticas para o registro<br />

de agrotóxicos, que incluíam uniformizar<br />

seu trabalho com o <strong>do</strong><br />

Ibama e ampliar a capacidade de<br />

rastreamento <strong>do</strong>s produtos. A proposta<br />

foi submetida a audiência pública<br />

e as sugestões colhidas nesse<br />

perío<strong>do</strong> estão em consolidação. A<br />

fi scalização das empresas responsáveis<br />

pela aplicação <strong>do</strong>s produtos<br />

é de responsabilidade <strong>do</strong> Ministério<br />

da Agricultura e das secretarias<br />

estaduais de Agricultura.<br />

Paumgartten reforça também a necessidade<br />

de um sistema de tóxicovigilância<br />

que possa catalogar as<br />

possíveis reações e <strong>do</strong>enças acarretadas<br />

pela exposição aos produtos<br />

químicos, com o cruzamento<br />

de informações de cultivares e<br />

regiões. Esse trabalho, enfatiza,<br />

deveria ter um caráter preventivo.<br />

Atualmente, os centros apenas<br />

possuem informações que chegam<br />

após a intoxicação já ter ocorri<strong>do</strong>.<br />

As sugestões e ações isoladas não<br />

constituem uma solução. A exemplo<br />

<strong>do</strong> que se tem feito em outros<br />

programas <strong>do</strong> governo, é importante<br />

integrar áreas como Saúde,<br />

Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />

Agrário, em busca de um modelo<br />

mais sustentável para a agricultura<br />

nos próximos anos. Estimativas da<br />

ONU apontam 9,3 bilhões de pessoas<br />

para mea<strong>do</strong>s deste século, o<br />

que implica a necessidade efetiva<br />

de ampliação da produção de alimentos.<br />

Esses bilhões de novos<br />

habitantes <strong>do</strong> <strong>planeta</strong> também de-<br />

mandarão mais gastos com saúde,<br />

o que passa pelo cuida<strong>do</strong> com a alimentação.<br />

Todas as possibilidades<br />

levam a uma complexa e urgente<br />

equação: como aumentar a produção<br />

de alimentos sem causar danos<br />

irreversíveis ao meio ambiente e à<br />

saúde da população. A dúvida é se<br />

a conta será ajustada agora ou deixada<br />

para gerações futuras.<br />

Rachel Carson:<br />

a precursora<br />

Quan<strong>do</strong> o assunto<br />

são os danos causa<strong>do</strong>s<br />

pelos agrotóxi-<br />

cos, inevitavelmente<br />

o primeiro nome que<br />

vem à mente é o da<br />

bióloga<br />

americana<br />

Rachel Carson, faleci-<br />

da em 1964.<br />

No final <strong>do</strong>s anos<br />

1950, Carson começou<br />

a focar seus estu-<br />

<strong>do</strong>s nas questões da<br />

conservação <strong>do</strong> meio<br />

ambiente e nos problemas<br />

ambientais causa<strong>do</strong>s pelos<br />

pesticidas sintéticos.<br />

O resulta<strong>do</strong> foi o livro Prima-<br />

vera silenciosa (Silent spring),<br />

lança<strong>do</strong> em 1962, que trou-<br />

xe para o debate público,<br />

de forma sem precedentes,<br />

problemas ambientais até<br />

então ignora<strong>do</strong>s pela popu-<br />

lação americana.<br />

Primavera silenciosa – que re-<br />

centemente foi reedita<strong>do</strong><br />

Brasil – se tornou um mar-<br />

co no nascente movimento<br />

ambientalista e impulsionou<br />

uma guinada na polí-<br />

tica americana em relação<br />

aos agrotóxicos, levan<strong>do</strong> à<br />

proibição <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> DDT e<br />

de outros pesticidas.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 33


ESTANTE AMBIENTAL<br />

Mun<strong>do</strong> sustentável 2:<br />

novos rumos para um <strong>planeta</strong><br />

em crise<br />

André Trigueiro. Globo Livros.<br />

Rio de Janeiro, 2012.<br />

A publicação traz reportagens e<br />

textos inéditos <strong>do</strong> autor, além de artigos<br />

de vários especialistas na área<br />

ambiental que atualizam o leitor<br />

acerca <strong>do</strong>s novos caminhos<br />

e desafios nas<br />

áreas de gestão<br />

e planejamento<br />

ambiental, tecnologias<br />

limpas,<br />

biodiversidade e<br />

clima, entre outros<br />

temas. Repórter<br />

da TV Globo,<br />

editor-chefe <strong>do</strong><br />

programa Cidades e<br />

soluções, da Globo<br />

News, e comentarista<br />

da Rádio CBN, André<br />

Trigueiro lança nesta<br />

nova obra um olhar<br />

crítico sobre os princi-<br />

pais problemas socioambientais da<br />

modernidade, antecipan<strong>do</strong> questões<br />

em debate na Rio+20. Escrito<br />

em linguagem direta e acessível, o<br />

livro presta um serviço fundamental<br />

não só a pesquisa<strong>do</strong>res e estudantes,<br />

como ao público interessa<strong>do</strong><br />

em entender como os problemas<br />

socioambientais afetam diretamente<br />

o seu cotidiano em questões<br />

muito concretas, tais como água,<br />

lixo, poluição, consumo e energia.<br />

André Trigueiro cedeu 100% <strong>do</strong>s direitos<br />

autorais da obra ao Centro de<br />

Valorização da Vida (CVV).<br />

Globo Livros. Tel.: (21) 3380-<br />

5900 ou (11) 3323-7000.<br />

Site:<br />

www.globolivros.globo.com<br />

ou<br />

www.mun<strong>do</strong>sustentavel.com.br.<br />

Cultura é natureza - tribos<br />

urbanas e povos tradicionais<br />

Lara Moutinho da Costa. Editora<br />

Garamond, Rio de Janeiro, 2012.<br />

O título instiga<strong>do</strong>r anuncia a proposta<br />

de um novo paradigma, que<br />

integra a natureza à cultura partin<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s pressupostos da sustentabilidade<br />

e da justiça social. Lara Moutinho<br />

apresenta o percurso histórico<br />

<strong>do</strong>s modelos cientificistas que ratificaram<br />

a lógica da cisão entre homem<br />

e natureza e mostra como o<br />

pensamento e a prática que resultaram<br />

dessa visão de mun<strong>do</strong> criaram<br />

mo<strong>do</strong>s específicos de ser na sociedade<br />

atual. Por um la<strong>do</strong>, surgiram as<br />

“tribos urbanas”, fundadas sobre as<br />

civilizações urbano-industriais; por<br />

outro, consolidaram-se comunidades<br />

e povos tradicionais, coexistin<strong>do</strong><br />

em ambientes rurais. Em suma,<br />

a autora explica como a intervenção<br />

humana na natureza mol<strong>do</strong>u culturalmente<br />

o mun<strong>do</strong> natural, em<br />

um processo civilizatório que vem<br />

ocorren<strong>do</strong> há milhares de anos. Assim,<br />

a cultura passa a ser entendida<br />

como natureza, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />

que a natureza torna-se cultura.<br />

Editora Garamond. Tel: (21) 2504-<br />

9211. Site: www.garamond.com.br.<br />

34<br />

SENAC AMBIENTAL


ESTANTE AMBIENTAL<br />

Arquitetura, urbanidade e<br />

meio ambiente<br />

Almir Francisco Reis (org.). Editora<br />

UFSC. Florianópolis, 2011.<br />

Os conhecimentos teóricos e práticos<br />

trazi<strong>do</strong>s pela arquitetura e pelo<br />

urbanismo contribuem decisivamente<br />

para a construção de cidades<br />

mais sustentáveis e socialmente<br />

justas. Com esse pressuposto, o<br />

livro reúne trabalhos <strong>do</strong> Simpósio<br />

Arquitetura, urbanidade e meio<br />

ambiente, organiza<strong>do</strong> durante o I<br />

Encontro Nacional da Associação<br />

Nacional de Pesquisa e Pós-graduação<br />

em Arquitetura e Urbanismo,<br />

que ocorreu em 2010, no Rio de<br />

Janeiro. Os textos analisam aspectos<br />

da dinâmica urbana no Brasil,<br />

como, por exemplo, o impacto <strong>do</strong><br />

turismo e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário<br />

na ocupação <strong>do</strong> litoral <strong>do</strong> Rio Grande<br />

<strong>do</strong> Norte, os desafios estruturais<br />

vivencia<strong>do</strong>s na região amazônica<br />

com a reprodução de soluções<br />

importadas <strong>do</strong>s grandes centros<br />

urbanos <strong>do</strong> país e a relação entre<br />

espaços públicos e ecossistemas<br />

naturais na transformação urbano-<br />

-turística no litoral catarinense.<br />

Editora UFSC. Tel: (48) 3721-9408.<br />

E-mail: editora@editora.ufsc.br.<br />

Sustentabilidade e<br />

transformação social<br />

Marta de Azeve<strong>do</strong> Irving e<br />

Elizabeth Oliveira. . <strong>Senac</strong><br />

Nacional, 2012.<br />

A população mundial ultrapassou<br />

os sete bilhões de pessoas em<br />

2011. A marca é impressionante e,<br />

mais <strong>do</strong> que nunca, nos remete à<br />

necessidade de repensar os nossos<br />

padrões de consumo e o modelo<br />

de crescimento econômico atual.<br />

O tema não é mais exclusivo <strong>do</strong>s<br />

cientistas ou <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> acadêmico.<br />

Deve, na verdade, ser discuti<strong>do</strong> no<br />

dia a dia, por to<strong>do</strong>s os cidadãos.<br />

É o que propõem as autoras, que,<br />

numa conversa franca e direta,<br />

compartilham suas inquietações e<br />

esperanças, apresentan<strong>do</strong> casos e<br />

exemplos que ilustram caminhos<br />

possíveis e inova<strong>do</strong>res, às vésperas<br />

da Rio+20, a Conferência Internacional<br />

das Nações Unidas sobre o<br />

Desenvolvimento Sustentável. Marta<br />

de Azeve<strong>do</strong> Irving é <strong>do</strong>utora em<br />

Ciências, professora e pesquisa<strong>do</strong>ra<br />

nas áreas de Ecologia Social e<br />

Políticas Públicas e Estratégias de<br />

Desenvolvimento. Atualmente coordena<br />

projetos de pesquisa em<br />

desenvolvimento e gestão social<br />

da biodiversidade, atuan<strong>do</strong> ainda<br />

como consultora sênior de Instituições<br />

<strong>do</strong> Sistema das Nações Unidas.<br />

Elizabeth Oliveira é jornalista<br />

e mestre em Psicossociologia de<br />

Comunidades e Ecologia Social,<br />

<strong>do</strong>utoranda no Programa de Pósgraduação<br />

em Políticas Públicas,<br />

Estratégias e Desenvolvimento da<br />

UFRJ, pesquisa<strong>do</strong>ra e consultora<br />

em comunicação ambiental.<br />

<strong>Senac</strong>. Tel.: (21) 3138-1385 e (11) 2187-4450.<br />

E-mail: comercial.editora@rj.senac.br e<br />

editora@sp.senac.br


36<br />

SENAC AMBIENTAL


EMPRESAS<br />

ISO 26000:<br />

a norma da<br />

responsabilidade<br />

social<br />

Adriana Freitas de Souza<br />

Norma visa estimular as<br />

organizações a irem além<br />

<strong>do</strong> mero cumprimento da<br />

lei e a promoverem uma<br />

compreensão global da área<br />

de responsabilidade social,<br />

complementan<strong>do</strong> outros<br />

instrumentos e iniciativas.<br />

foto: Dreamstime<br />

Em um ano marca<strong>do</strong> pela realização<br />

da Rio+20, no Rio de Janeiro,<br />

mais <strong>do</strong> que nunca, está lança<strong>do</strong><br />

o debate em torno da responsabilidade<br />

socioambiental no mun<strong>do</strong><br />

empresarial e corporativo.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, cabe lembrar que o<br />

país ganhou um importante <strong>do</strong>cumento<br />

com o lançamento da NBR<br />

ISO 26000:2010 – Diretrizes sobre<br />

Responsabilidade Social, em dezembro<br />

de 2010, pela Associação Brasileira<br />

de Normas Técnicas (ABNT).<br />

A norma foi resulta<strong>do</strong> de um trabalho<br />

pioneiro, considera<strong>do</strong> pelos<br />

especialistas o mais amplo e complexo<br />

entre todas as normas internacionais<br />

de padronização já feitas.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 37


foto: Cesar Ogata<br />

Evento de lançamento<br />

da versão brasileira foi<br />

realiza<strong>do</strong> na Fiesp<br />

Os debates, trava<strong>do</strong>s ao longo de<br />

quase seis anos, envolveram 450<br />

especialistas participantes, 210<br />

observa<strong>do</strong>res de 99 países e 42<br />

organizações internacionais. Esse<br />

guia de 110 páginas tem a missão<br />

de orientar empresas, governos,<br />

associações, entidades <strong>do</strong>s mais<br />

varia<strong>do</strong>s perfis e organizações<br />

não governamentais a promover<br />

rotinas e práticas que levem à responsabilidade<br />

social.<br />

A norma já havia si<strong>do</strong> lançada pela<br />

Organização Internacional para Padronização,<br />

da sigla em inglês ISO,<br />

em 1º de novembro de 2010 e publicada<br />

no Brasil no dia 1º de dezembro<br />

<strong>do</strong> mesmo ano. Na semana<br />

seguinte, foi realiza<strong>do</strong> o lançamento<br />

oficial da versão brasileira – em português<br />

– da ISO 26000.<br />

Como havia quase cem países envolvi<strong>do</strong>s,<br />

era necessária uma liderança<br />

para o desenvolvimento da<br />

norma internacional, que esteve<br />

compartilhada entre duas nações:<br />

o Brasil – sob a coordenação da<br />

ABNT – e a Suécia – sob a tutela<br />

<strong>do</strong> Instituto Sueco de Normalização<br />

(Swedish Standards Institute).<br />

“Resolveu-se que a liderança seria<br />

dividida entre um país desenvolvi<strong>do</strong><br />

e outro subdesenvolvi<strong>do</strong>. O Brasil<br />

foi escolhi<strong>do</strong> pelo pioneirismo<br />

na normatização de responsabilidade<br />

social com a NBR 16001. Nenhum<br />

outro país no mun<strong>do</strong> tinha<br />

uma norma parecida à época <strong>do</strong><br />

lançamento dessa NBR, em 2004”,<br />

disse Eduar<strong>do</strong> São Thiago, secretário<br />

adjunto <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />

da ISO 26000.<br />

De março de 2005 até maio de<br />

2010, quan<strong>do</strong> se realizaram as<br />

reuniões <strong>do</strong>s comitês-espelho nacionais<br />

e <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />

internacional – <strong>do</strong> qual participaram<br />

entidades como o Programa<br />

das Nações Unidas para o Meio<br />

Ambiente (Pnuma), a Organização<br />

Internacional <strong>do</strong> Trabalho<br />

(OIT) e a Confederação Sindical<br />

Internacional –, a tarefa foi árdua.<br />

“Tivemos uma negociação com<br />

multistakeholders (as várias partes<br />

interessadas). Um caldeirão<br />

com governos, indústria, ONGs,<br />

universidades, consultoria e institutos<br />

de pesquisa negocian<strong>do</strong>.<br />

Houve um processo de construção<br />

de um consenso, ou seja, as<br />

partes dialogavam e chegaram<br />

a um acor<strong>do</strong>, mas foram muitas<br />

idas, vindas e entendimentos. Ao<br />

final de seis anos, saiu a norma”,<br />

relembra Eduar<strong>do</strong>.<br />

O texto fi nal teve 93,5% <strong>do</strong>s votos de<br />

aprovação entre os 160 países membros<br />

da ISO. Uma vitória para quem<br />

esteve à frente das negociações.<br />

38<br />

SENAC AMBIENTAL


Reforçan<strong>do</strong> as boas práticas<br />

Em síntese, a ISO 26000 visa estimular<br />

as organizações a<br />

incorporar considerações<br />

socioambientais<br />

em seus<br />

processos decisórios<br />

e responsabilizar-se<br />

pelos<br />

impactos de suas<br />

decisões e atividades<br />

na sociedade<br />

e no meio ambiente. Na<br />

visão <strong>do</strong>s seus idealiza<strong>do</strong>res,<br />

isso implica um comportamento<br />

ético e transparente que contribua<br />

para o desenvolvimento sustentável,<br />

esteja em conformidade com<br />

as leis aplicáveis e seja consistente<br />

com as normas internacionais. Também<br />

implica que a responsabilidade<br />

social esteja integrada em toda a<br />

organização, seja praticada em suas<br />

relações e leve em conta os interesses<br />

das partes interessadas.<br />

Para Eduar<strong>do</strong> São Thiago, a ISO<br />

26000 veio reforçar as boas iniciativas<br />

sustentáveis já existentes. “O<br />

grupo de trabalho ficou <strong>do</strong>is anos<br />

analisan<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentos como o<br />

Pacto Global das Nações Unidas e<br />

a estrutura de relatórios de sustentabilidade<br />

GRI”, conta.<br />

Juntamente com o Instituto Brasileiro<br />

de Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r (Idec),<br />

o Departamento Intersindical de<br />

Estu<strong>do</strong>s e Estatísticas Socioeconômicos<br />

(Dieese), Furnas e outras organizações,<br />

a Petrobras está trabalhan<strong>do</strong><br />

na divulgação desse guia de<br />

responsabilidade social no Brasil.<br />

A empresa vem promoven<strong>do</strong>, junto<br />

com a ABNT, seminários sobre<br />

a ISO 26000 em todas as regiões<br />

<strong>do</strong> país, com a distribuição gratuita<br />

da norma. Entre as ações internas<br />

da Petrobras para a implementação<br />

das diretrizes da ISO, estão o curso<br />

específico sobre a norma para<br />

funcionários na Universidade Petrobras<br />

e a capacitação em responsabilidade<br />

social para fornece<strong>do</strong>res.<br />

De fato, a empresa é uma das principais<br />

incentiva<strong>do</strong>ras da norma no<br />

Brasil. Isso se explica até pelo seu<br />

tamanho: são 210 mil pessoas<br />

em to<strong>do</strong> o sistema Petrobras<br />

e cerca de 8 mil fornece<strong>do</strong>res<br />

– toda essa<br />

força de trabalho se<br />

adequan<strong>do</strong> à ISO.<br />

Objetivo não é<br />

certificação<br />

ou “selo”<br />

Ana Paula Grether, coordena<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong> Relatório de Sustentabilidade da<br />

Petrobras e representante da indústria<br />

na delegação brasileira, explica<br />

que não haverá nenhum tipo de<br />

selo para atestar a norma, que não<br />

foi elaborada com fi ns de certificação.<br />

“Não tem auditoria obrigatória.<br />

Entendeu-se que o assunto responsabilidade<br />

social combinava com o<br />

processo de conscientização e as<br />

empresas recebem direcionamento<br />

para fazer autodeclarações”, disse.<br />

Trocan<strong>do</strong> em miú<strong>do</strong>s, a norma não<br />

contém requisitos – mas sim diretrizes<br />

e princípios – e qualquer certificação<br />

não estaria em conformidade<br />

com o próprio guia, que não funciona<br />

com um sistema de gestão, mas<br />

Ana Paula Grether, da<br />

Petrobras, durante o<br />

evento na Fiesp<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 39


foto: Cesar Ogata<br />

tem a utilidade de inspirá-lo. O guia<br />

visa a estimular as organizações a<br />

irem além da conformidade legal e a<br />

promover uma compreensão global<br />

da área de responsabilidade social,<br />

complementan<strong>do</strong> outros instrumentos<br />

e iniciativas.<br />

A norma também segue procedimentos<br />

previstos pelo direito internacional<br />

e por acor<strong>do</strong>s intergovernamentais.<br />

“Em situações em que<br />

a legislação ou sua implementação<br />

seja confl itante com as normas internacionais<br />

de comportamento e<br />

quan<strong>do</strong> o não cumprimento dessas<br />

normas traz consequências significativas,<br />

convém que a organização,<br />

conforme viável e apropria<strong>do</strong>, reveja<br />

a natureza de suas relações e atividades<br />

naquela jurisdição”, diz o texto<br />

da ISO 26000.<br />

Sete grandes temas<br />

Dentro de uma visão holística, a norma<br />

internacional de responsabilidade<br />

social tem sete temas principais,<br />

interdependentes. Entre eles, estão<br />

a governança organizacional, que<br />

trata <strong>do</strong>s processos de tomada de<br />

decisão, delegação de poder e como<br />

a organização deve incorporar os<br />

princípios da responsabilidade social<br />

à sua forma de atuação cotidiana;<br />

os direitos humanos, que envolvem<br />

resolução de conflitos, direitos<br />

civis, políticos, econômicos, sociais<br />

e culturais; e as práticas trabalhistas,<br />

que incluem emprego e relações profissionais,<br />

condições de trabalho e<br />

proteção social, diálogo social, saúde<br />

e segurança ocupacional.<br />

É claro que meio ambiente não<br />

poderia ter si<strong>do</strong> deixa<strong>do</strong> de la<strong>do</strong><br />

e o tema se refere à prevenção da<br />

poluição, ao uso sustentável de<br />

recursos, à mitigação e à adaptação<br />

às mudanças climáticas, à<br />

proteção e à restauração <strong>do</strong> ambiente<br />

natural e aos princípios da<br />

precaução da responsabilidade<br />

ambiental. As práticas operacionais<br />

justas, por sua vez, compreendem<br />

combate à corrupção, envolvimento<br />

político responsável e<br />

concorrência e negociação leais.<br />

A norma também se refere aos direitos<br />

<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, que incluem<br />

práticas justas de negócios,<br />

marketing e comunicação, proteção<br />

à saúde e à segurança <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,<br />

consumo sustentável, serviço e<br />

suporte pós-fornecimento, privacidade<br />

e proteção de da<strong>do</strong>s, acesso<br />

a serviços essenciais, educação e<br />

conscientização. E, por último, o<br />

envolvimento com a comunidade e<br />

seu desenvolvimento, que têm a ver<br />

com o investimento social, o desenvolvimento<br />

tecnológico, a criação<br />

de empregos, a geração de riqueza<br />

e renda, a promoção e o apoio à<br />

saúde, à educação e à cultura.<br />

As experiências pioneiras<br />

Antes da norma ISO 26000, já havia<br />

iniciativas para estabelecer indica<strong>do</strong>res<br />

de responsabilidade social<br />

no Brasil, como os Indica<strong>do</strong>res<br />

Ethos de Responsabilidade Social<br />

Empresarial, uma ferramenta de<br />

aprendiza<strong>do</strong> e avaliação da gestão,<br />

e o Balanço Social, lança<strong>do</strong> em<br />

1997 (mas já encerra<strong>do</strong>) pelo Instituto<br />

Brasileiro de Análises Sociais e<br />

Econômicas (Ibase), como proposta<br />

de instrumento de divulgação de<br />

da<strong>do</strong>s em investimentos sociais por<br />

parte das empresas.<br />

40<br />

SENAC AMBIENTAL


Uma breve história das normas internacionais<br />

A ISO (International Organizanômicas<br />

à natureza. Em 1993, a<br />

tion for Standardization) é um<br />

organização reuniu diversos pro-<br />

organismo normatiza<strong>do</strong>r funda<strong>do</strong><br />

fissionais e criou um comitê para<br />

em 1947, com sede em Genebra,<br />

desenvolver as normas da série<br />

na Suíça. No final <strong>do</strong>s anos 1980,<br />

14000. A mais famosa delas viria<br />

a ISO lançou a primeira geração<br />

a ser ISO 14001 – inspirada na in-<br />

das normas da série 9000, que foglesa<br />

BS 7750 – que estabelece as<br />

ram difundidas em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong><br />

diretrizes para o desenvolvimento<br />

como referência de excelência em<br />

de um sistema de gestão ambien-<br />

Sistemas de Qualidade. Naquele<br />

tal dentro das empresas.<br />

momento, todas as atenções es-<br />

A evolução das normas refletia o<br />

tavam voltadas para os clientes.<br />

gradual fortalecimento <strong>do</strong> concei-<br />

Na década seguinte, após a reto<br />

de “desenvolvimento sustenalização<br />

da Rio-92, no Rio de<br />

tável”, tema que vem ganhan<strong>do</strong><br />

Janeiro, passou a ser premente<br />

peso no universo acadêmico e na<br />

o desenvolvimento de normas<br />

sociedade civil e começa, ainda<br />

específicas para a questão am-<br />

que timidamente e com diferenbiental<br />

dentro das empresas, de<br />

tes matizes, a ser incorpora<strong>do</strong> à<br />

maneira a minimizar os danos<br />

gestão de alguns governos. Nes-<br />

causa<strong>do</strong>s pelas atividades ecose<br />

contexto, o mun<strong>do</strong> empresarial<br />

não poderia ficar indiferente.<br />

Era hora de atitudes proativas no<br />

campo da sustentabilidade.<br />

A partir <strong>do</strong>s anos 2000, cresce a<br />

percepção de que, junto com a<br />

imperativa necessidade de utilizar<br />

os recursos naturais de forma<br />

mais racional e consequente, era<br />

necessário também melhorar os<br />

índices de pobreza e desigualdade<br />

social em to<strong>do</strong> o <strong>planeta</strong>, para<br />

tornar possível a meta de alcançar<br />

o desenvolvimento sustentável. O<br />

bem-estar <strong>do</strong> ser humano – entendi<strong>do</strong><br />

em uma visão mais global<br />

– entrava em foco e o mun<strong>do</strong><br />

corporativo precisava evoluir mais<br />

uma vez. A partir daí, o caminho<br />

começou a ser trilha<strong>do</strong> para a ISO<br />

26000.<br />

“O tema da responsabilidade social<br />

já dá sinais de ser um fator de decisão<br />

na escolha <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. A<br />

ISO vem com um peso diferencia<strong>do</strong>,<br />

devi<strong>do</strong> ao seu reconhecimento. O<br />

la<strong>do</strong> bom é que, certamente, muitas<br />

empresas vão aplicá-lo. O risco é a<br />

sua utilização para fins de melhorar a<br />

imagem. Mas é um risco de todas as<br />

ferramentas de divulgação de ações<br />

das empresas”, avalia a pesquisa<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong> Ibase, Claudia Mansur.<br />

O economista Clóvis Scherer, supervisor<br />

<strong>do</strong> Dieese, acredita que<br />

o desenvolvimento econômico no<br />

Brasil virá a reboque da norma,<br />

mas de maneira indireta. “Ao seguirem<br />

a norma, as empresas estarão<br />

contribuin<strong>do</strong> para o desenvolvimento<br />

social e ambiental <strong>do</strong> país.<br />

Um ambiente de maior respeito aos<br />

direitos e à preservação da sustentabilidade<br />

ambiental gera um clima<br />

favorável também para as atividades<br />

econômicas”, comentou. Clóvis cita<br />

ainda que tanto o comércio quanto<br />

os fluxos fi nanceiros têm cada vez<br />

mais requisitos sociais e ambientais<br />

incorpora<strong>do</strong>s para abrir merca<strong>do</strong>s e<br />

fontes de fi nanciamento.<br />

Segun<strong>do</strong> o pesquisa<strong>do</strong>r, a ISO<br />

26000, junto com outras referências<br />

igualmente importantes, pode<br />

também influenciar debates na sociedade<br />

e nas instituições públicas<br />

e, desta forma, ser incorporada em<br />

algum momento, total ou parcialmente,<br />

às leis, aos regulamentos e<br />

aos programas de ação de natureza<br />

pública e privada.<br />

Mas Clóvis acredita que será lenta<br />

sua incorporação à prática das empresas.<br />

“Justamente pela sua abrangência.<br />

Se fosse menos exigente,<br />

a ISO poderia ser mais facilmente<br />

difundida, só que à custa de deixar<br />

lacunas e fazer simplificações inaceitáveis.<br />

Como um guia, e não uma<br />

regra rígida, a chave será acumular<br />

experiências adaptadas a cada situação,<br />

cada tipo de empresa, setor,<br />

local etc.”, fi naliza.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 41


42<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

A arte da<br />

observação<br />

de aves<br />

Texto e fotos:<br />

Luiz Claudio Marigo<br />

Passatempo antes restrito a<br />

poucos, hoje, com as novas<br />

máquinas digitais, a prática<br />

da observação de aves<br />

experimenta um enorme<br />

crescimento no Brasil,<br />

contribuin<strong>do</strong> para o bemestar<br />

físico e mental <strong>do</strong>s seus<br />

adeptos e servin<strong>do</strong> como<br />

uma valiosa ferramenta de<br />

educação ambiental.<br />

Luiz Carlos<br />

Ribenboim<br />

fotografan<strong>do</strong> no<br />

Parque Nacional<br />

de Itatiaia<br />

As aves são símbolos de liberdade,<br />

seres livres e selvagens, e representam<br />

o anseio <strong>do</strong> homem por voar, ascender<br />

às alturas, transcender seus<br />

limites. O apelo é quase espiritual.<br />

São também belas, coloridas, diversificadas:<br />

sua aparência <strong>vai</strong> da ema,<br />

que não voa, às an<strong>do</strong>rinhas, mestras<br />

<strong>do</strong> ar e <strong>do</strong> espaço; da plumagem monástica<br />

<strong>do</strong> sabiá-laranjeira à exuberância<br />

das saíras. Podem ser observadas<br />

em to<strong>do</strong>s os ecossistemas, <strong>do</strong><br />

Ártico à Antártica ou nos desertos<br />

mais inóspitos, e com abundância<br />

em to<strong>do</strong>s os ambientes tropicais,<br />

onde temos a sorte de viver. Habitam<br />

também as cidades, onde podemos<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 43


Arara-azul no<br />

cerra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />

Pica-pau-rei na porta <strong>do</strong><br />

ninho, alimentan<strong>do</strong> fi lhotes, em<br />

Resende, Rio de Janeiro<br />

observá-las nas ruas e até da janela<br />

de nossos apartamentos. Estão em<br />

toda parte, tão próximas, que sofreríamos<br />

se algum dia não ouvíssemos<br />

mais seus cantos melodiosos.<br />

Não é de surpreender, portanto, que<br />

hoje – graças, em grande parte, ao<br />

advento das câmeras digitais – cada<br />

vez mais pessoas se dediquem à observação<br />

desses pequenos seres.<br />

O portal www.wikiaves.com.br é<br />

uma enciclopédia virtual das aves<br />

brasileiras, com conteú<strong>do</strong> interativo<br />

e representa um termômetro desse<br />

fenômeno de expansão da observação<br />

e da fotografia de aves. Reinal<strong>do</strong><br />

Guedes, 32 anos, de Juiz de<br />

Fora (MG), cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Wikiaves, tem<br />

boas razões para ser otimista: “Em<br />

julho de 2009, com apenas seis meses<br />

no ar, já recebíamos cerca de 8<br />

mil visitantes por semana; em 2012,<br />

estamos receben<strong>do</strong> cerca de 22 mil<br />

por semana, e a tendência é o crescimento,<br />

na medida em que a observação<br />

de aves avançar no país”.<br />

Os números são impressionantes:<br />

“Nos primeiros três meses, recebemos<br />

9.700 imagens e sons de aves<br />

brasileiras. Nos últimos três meses,<br />

recebemos 68.000. Hoje temos 470<br />

mil, sen<strong>do</strong> 443 mil fotos e 27 mil sons,<br />

de colabora<strong>do</strong>res de to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> Brasil”, acrescenta Reinal<strong>do</strong>.<br />

Uma análise por faixa etária <strong>do</strong>s<br />

colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Wikiaves traz<br />

ainda mais esperança em relação<br />

ao futuro, para felicidade <strong>do</strong>s ornitólogos<br />

preocupa<strong>do</strong>s com o crescimento<br />

dessa atividade, como Fernan<strong>do</strong><br />

Straube, de Curitiba: “Tenho<br />

me empenha<strong>do</strong> para que a prática<br />

se dissemine. Penso diariamente<br />

no que fazer para que isso aconteça<br />

e a observação de aves cresça<br />

com as dimensões que merece”.<br />

Os jovens estão mergulhan<strong>do</strong> de<br />

cabeça na observação de aves: hoje,<br />

<strong>do</strong>s 9.537 colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Wikiaves,<br />

3.493 (36,6%) têm menos de 30<br />

anos. Desses, 291 (3%) são crianças<br />

com menos de 15 anos. Entre 30 e<br />

60 anos, há 5.442 (57,0%) colabora<strong>do</strong>res<br />

de fotos e sons de aves. Acima<br />

de 60, são 604 (6,3%). Desses, 41 têm<br />

mais de 75 anos.<br />

O cuida<strong>do</strong> com o bem-estar e a segurança<br />

das aves deve ser a primeira<br />

44<br />

SENAC AMBIENTAL


preocupação <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res desses<br />

seres tão belos e que tanto nos<br />

fascinam. Por isso não causa espanto<br />

que no verão de 2011 um ninho de<br />

maria-leque-<strong>do</strong>-sudeste no Parque<br />

Nacional <strong>do</strong> Itatiaia tenha si<strong>do</strong> manti<strong>do</strong><br />

quase em segre<strong>do</strong>. Era importante<br />

não prejudicar a reprodução<br />

desse passarinho de plumagem discreta<br />

e apenas 17 cm de comprimento,<br />

considera<strong>do</strong> uma espécie rara e<br />

ameaçada de extinção.<br />

No entanto, quan<strong>do</strong> Luiz Carlos Ribenboim,<br />

de Resende (RJ), chamou<br />

alguns amigos para ver e fotografar<br />

a ave e seu ninho (mesmo toman<strong>do</strong><br />

o cuida<strong>do</strong> de só postar suas fotos na<br />

internet depois que os filhotes aban<strong>do</strong>naram<br />

o ninho e comunican<strong>do</strong> a<br />

novidade apenas a amigos de confiança<br />

que não perturbariam a ave),<br />

mais de 30 pessoas vieram vê-la – <strong>do</strong><br />

Brasil e até <strong>do</strong> exterior.<br />

Observa<strong>do</strong>res de aves são respeitosos<br />

mesmo – afinal, sua paixão<br />

depende da continuidade da vida.<br />

A reprodução da maria-leque foi<br />

bem-sucedida e os observa<strong>do</strong>res<br />

esperam revê-la no próximo perío<strong>do</strong><br />

de nidificação. No momento de<br />

os filhotes voarem pela primeira vez,<br />

Luiz Carlos viu um deles equilibra<strong>do</strong><br />

na entrada <strong>do</strong> ninho, construí<strong>do</strong> sobre<br />

o poço de um rio encachoeira<strong>do</strong>,<br />

e aproveitou para clicar diversas<br />

fotos. Parou por um minuto para ver<br />

as imagens no monitor da câmera e,<br />

quan<strong>do</strong> voltou a olhar para o ninho,<br />

viu que o filhote não estava mais ali.<br />

Ele presume que a avezinha tenha<br />

voa<strong>do</strong> e desapareci<strong>do</strong> na vegetação<br />

da margem, pois não a viu caída na<br />

água, um remanso sem correnteza.<br />

O início no Brasil<br />

Se hoje se observa um grande crescimento<br />

no número de pessoas que<br />

se dedicam a esse passatempo, nem<br />

sempre no Brasil a observação de<br />

aves despertou um interesse tão<br />

intenso. Em 1974, a fundação <strong>do</strong><br />

Clube de Observa<strong>do</strong>res de Aves <strong>do</strong><br />

Rio Grande <strong>do</strong> Sul (COA-RS) pelos<br />

ornitólogos Walter Voss e Flávio Silva<br />

inaugurou a prática organizada da<br />

observação de aves no Brasil. No entanto<br />

os clubes de observa<strong>do</strong>res não<br />

se multiplicaram, nem arregimentaram<br />

de imediato muitos associa<strong>do</strong>s,<br />

mas cresceram lentamente.<br />

Araras-vermelhas comen<strong>do</strong><br />

argila em barranco <strong>do</strong> rio Madre<br />

de Dios, em Cusco, Peru<br />

Surucuá-varia<strong>do</strong> em<br />

Resende, Rio de Janeiro<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 45


Saíra-sete-cores, em<br />

Resende, Rio de Janeiro<br />

Aos poucos, alguns apaixona<strong>do</strong>s foram<br />

organizan<strong>do</strong> outros núcleos <strong>do</strong><br />

COA em seus esta<strong>do</strong>s e, nas décadas<br />

de 1970 e 80, mais observa<strong>do</strong>res<br />

começaram a percorrer campos,<br />

cerra<strong>do</strong>s, florestas, beiras de rio e<br />

lagoas e a prestar atenção nas aves<br />

até nos quintais de suas casas ou<br />

nas ruas de suas cidades. Surgiram<br />

COAs no Paraná, em São Paulo, Rio<br />

de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio<br />

Grande <strong>do</strong> Norte.<br />

Mas, por dificuldades de organização,<br />

pela falta de uma cultura naturalista<br />

no Brasil e de bons livros<br />

para ajudar na identificação das<br />

aves, os clubes foram diminuin<strong>do</strong><br />

sua atividade e alguns desapareceram<br />

totalmente. Recentemente,<br />

com o advento da internet e da fotografia<br />

digital, ocorreu um súbito<br />

e incrível renascimento. Quan<strong>do</strong> a<br />

prática surgiu no Brasil, há cerca de<br />

40 anos, ninguém poderia imaginar<br />

que ela se desenvolveria tanto.<br />

Bem-estar e plenitude<br />

Como demonstram os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Wikiaves, cada vez mais pessoas de<br />

todas as idades, até bem i<strong>do</strong>sas, estão<br />

desfrutan<strong>do</strong> desse passatempo<br />

apaixonante. É o caso de se perguntar:<br />

por que enfrentam calor, frio,<br />

sede, carrapatos, mosquitos e mutucas<br />

para entrar no mato só para ver<br />

passarinhos?<br />

Para Luiz Carlos, a fotografia de aves<br />

tem um importante espaço em sua<br />

vida: “Através dela faço exercícios<br />

físicos, conheço novos amigos, descubro<br />

belezas naturais insuspeitadas<br />

e desenvolvo talentos antes apenas<br />

latentes, como conhecer o canto<br />

e os hábitos das aves, bem como<br />

fotografá-las cada vez melhor. Tu<strong>do</strong><br />

isso tem efeitos benéficos sobre meu<br />

corpo, minhas emoções e minha<br />

saúde, melhoran<strong>do</strong> a autoestima e a<br />

autoconfiança”.<br />

Opinião parecida tem Sílvia Linhares,<br />

de São Paulo, para quem a observação<br />

de aves também “significa<br />

relaxamento, saúde e paz. Um dia de<br />

observação vale por dez sessões de<br />

terapia. Faz bem para a mente e o<br />

corpo. As caminhadas são longas e<br />

gasta-se muita energia, o que é ótimo<br />

para o condicionamento físico.<br />

Faz-se novos amigos o tempo to<strong>do</strong>.<br />

E amigos de qualidade. Porém observar<br />

aves é viciante e não tem cura!<br />

Uma vez encanta<strong>do</strong>, pronto! Não<br />

pode ver uma brecha, que lá está<br />

você, na atividade. No meu caso,<br />

46<br />

SENAC AMBIENTAL


juntei a a<strong>do</strong>ração pela natureza com<br />

a fotografia”.<br />

A sensação de bem-estar e plenitude<br />

no contato com a natureza é comum<br />

a muitos observa<strong>do</strong>res, senão<br />

a to<strong>do</strong>s os observa<strong>do</strong>res. O engenheiro<br />

Luiz Felipe Baroni Jr., <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro, diz que “fotografar aves<br />

dá uma sensação de bem-estar tão<br />

grande que carrapatos e mutucas<br />

passam despercebi<strong>do</strong>s.” E, entusiasma<strong>do</strong>,<br />

continua: “Fotografia de aves<br />

é vida... logo, fotografar aves é viver,<br />

além de fazer um bem enorme para<br />

a mente!”.<br />

Para outros, como Sandro Henrique<br />

de Oliveira Silva, também <strong>do</strong><br />

Rio, o prazer está exatamente na<br />

dureza da vida ao ar livre: “A graça<br />

é justamente essa, pelo menos<br />

para mim. Após uma passarinhada<br />

no Bosque da Barra, percebi que<br />

estava cheio de carrapatos. Até<br />

no equipamento fotográfico eles<br />

passeavam e foi difícil tirá-los, mas<br />

mesmo assim voltei várias vezes ao<br />

mesmo local, saben<strong>do</strong> que aquilo<br />

poderia acontecer novamente.”<br />

Observar aves significa também quebrar<br />

a rotina da vida nas cidades, nos<br />

escritórios. Para Luciano Monferrari,<br />

de Piracicaba, SP, a observação e a<br />

fotografia de aves têm um significa<strong>do</strong><br />

muito especial: “É quan<strong>do</strong> consigo<br />

me desconectar da vida corrida<br />

e estressante <strong>do</strong> dia a dia e passo a<br />

viver momentos de profunda calma,<br />

paciência e de desafios que a natureza<br />

proporciona. Entro em outra<br />

dimensão, quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> passa a ser<br />

menos importante <strong>do</strong> que estar ali,<br />

observan<strong>do</strong> aves.” Com o que concorda<br />

Paulo Guerra, de Jaú, SP: “O<br />

atrativo principal é exatamente o<br />

grau de dificuldade apresenta<strong>do</strong> pela<br />

observação em locais como trilhas,<br />

campos abertos, brejos. É justamente<br />

esse desafio que atrai muitos observa<strong>do</strong>res<br />

a buscar momentos fora<br />

de seus padrões habituais, de seu<br />

cotidiano.”<br />

Símbolos de liberdade e<br />

perseverança<br />

Mas o verdadeiro centro de interesse,<br />

de tanto entusiasmo e dedicação são<br />

as aves. Qual o seu apelo? Por que<br />

fascinam tanto os seres humanos?<br />

Luciano Monferrari explica: “As aves<br />

trazem para mim um senti<strong>do</strong> de vida<br />

muito forte. Elas nos ensinam muito<br />

com sua persistência e perseverança,<br />

tanto na busca pelo alimento,<br />

Foto <strong>do</strong> meio: guaxe<br />

pousa<strong>do</strong> em embaúba, em<br />

Resende, Rio de Janeiro<br />

Formigueiro-de-cabeça-negra macho,<br />

no ninho com <strong>do</strong>is fi lhotes, no Perequê,<br />

perto de Angra <strong>do</strong>s Reis, Rio de<br />

Janeiro. Durante mais de cem anos,<br />

espécie esteve desaparecida, mas foi<br />

redescoberta em 1987<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 47


O passeio <strong>do</strong> Henrique<br />

Às oito horas da manhã <strong>do</strong> último sába<strong>do</strong> de cada mês, o Jardim Botânico<br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro acolhe um grupo de observa<strong>do</strong>res de aves<br />

para um passeio pelo parque, guia<strong>do</strong>s pelo ornitólogo Henrique Rajão.<br />

Os observa<strong>do</strong>res encontram-se no Café Botânica, a lanchonete <strong>do</strong> JB.<br />

Depois de compartilharem as últimas novidades, os amigos saem para<br />

observar as aves.<br />

O programa é de graça, aberto a qualquer um. Não é um clube, não<br />

precisa se inscrever em nenhuma lista. O clima é de confraternização, o<br />

ambiente é descontraí<strong>do</strong>, não há qualquer compromisso além de amar<br />

e apreciar as aves. Esse passeio tradicional acontece desde 2002 por iniciativa<br />

da Associação de Amigos <strong>do</strong> Jardim Botânico. Fica aqui, então, um<br />

convite para os leitores cariocas e uma dica para os de outros esta<strong>do</strong>s<br />

onde iniciativas semelhantes também acontecem regularmente.<br />

Observa<strong>do</strong>res e fotógrafos de aves no<br />

Jardim Botânico <strong>do</strong> Rio de Janeiro,<br />

durante passeio guia<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no<br />

último sába<strong>do</strong> de cada mês.<br />

para sua sobrevivência, quanto na<br />

construção de seu ninho. A forma<br />

como trabalham para a perpetuação<br />

da espécie é uma verdadeira escola.<br />

Diante de qualquer adversidade,<br />

quan<strong>do</strong> seus ninhos são devasta<strong>do</strong>s<br />

por uma tempestade ou mesmo<br />

destruí<strong>do</strong>s por um preda<strong>do</strong>r, não reclamam<br />

ou desistem, simplesmente<br />

recomeçam com o mesmo empenho<br />

e dedicação de antes.”<br />

Desde 2006, acontece anualmente<br />

no Parque Villa-Lobos, em São Paulo,<br />

o Avistar, evento que congrega observa<strong>do</strong>res<br />

de aves de to<strong>do</strong> o Brasil.<br />

Seus indica<strong>do</strong>res demonstram o potencial<br />

de crescimento da observação<br />

de aves no país. Guto Carvalho, produtor<br />

cultural e de TV, seu cria<strong>do</strong>r e<br />

organiza<strong>do</strong>r, tem da<strong>do</strong>s interessantes<br />

sobre essa atividade e o potencial de<br />

seu valor econômico: “Começamos<br />

48<br />

SENAC AMBIENTAL


com cerca de dez expositores e 120<br />

participantes. Em 2012, tivemos 43<br />

expositores e cerca de 700 participantes.<br />

Um bom indica<strong>do</strong>r é a venda<br />

<strong>do</strong>s livros e guias de identificação de<br />

aves. Aves da Grande São Paulo vendeu<br />

cerca de 12 mil exemplares ao<br />

longo de oito anos. AvesBrasil, aplicativo<br />

para iPhone da Editora Abril,<br />

teve cerca de 25 mil <strong>do</strong>wnloads de<br />

sua edição gratuita”.<br />

Ainda de acor<strong>do</strong> com Guto Carvalho,<br />

o Concurso de Fotos Avistar recebeu<br />

cerca de 15 mil inscrições diferentes<br />

em suas cinco edições: “Soman<strong>do</strong> e<br />

fazen<strong>do</strong> uma triagem das repetições,<br />

podemos estimar em 30.000 o número<br />

de observa<strong>do</strong>res ativos, mas<br />

essa é uma estimativa conserva<strong>do</strong>ra,<br />

que considera observa<strong>do</strong>r de aves<br />

somente aquele que participa de<br />

concursos, fóruns e demais atividades.<br />

Existe uma enorme quantidade<br />

de observa<strong>do</strong>res não identifica<strong>do</strong>s,<br />

que observam em casa, nos jardins,<br />

nos sítios... Por exemplo, são vendi<strong>do</strong>s<br />

cerca de 300 mil come<strong>do</strong>uros e<br />

bebe<strong>do</strong>uros de beija-flor por ano no<br />

Brasil. Se considerarmos que esses<br />

bebe<strong>do</strong>uros duram três anos, podemos<br />

pensar em quase um milhão de<br />

potenciais observa<strong>do</strong>res”.<br />

A feira Avistar, com seus estandes<br />

tão movimenta<strong>do</strong>s, estimula a publicação<br />

e venda de livros e artigos<br />

de arte, viagens, pousadas, hotéis,<br />

serviço de guias e a venda de roupas<br />

e sapatos para caminhar no campo,<br />

binóculos, equipamentos fotográficos,<br />

mochilas, acessórios para come<strong>do</strong>uros<br />

e ninhos artificiais para<br />

atrair aves.<br />

A serviço da educação<br />

ambiental<br />

Mas o valor da observação de aves<br />

<strong>vai</strong> muito além <strong>do</strong> comércio que movimenta.<br />

Além de contribuir para o<br />

bem-estar físico e mental <strong>do</strong>s participantes,<br />

é uma importante ferramenta<br />

para a educação ambiental.<br />

Para Ricar<strong>do</strong> Lopes Souza Mendes,<br />

de Conselheiro Lafaiete, MG,<br />

“observação de aves é consciência<br />

ambiental, aprendiza<strong>do</strong> constante<br />

de ornitologia. Num senti<strong>do</strong> mais<br />

amplo, é a sensação de participar<br />

de uma comunidade ainda pequena<br />

no Brasil, mas crescente, de pessoas<br />

que querem criar um futuro melhor,<br />

pensan<strong>do</strong> constantemente em<br />

educação ambiental.”<br />

Ema, a maior ave <strong>do</strong> Brasil,<br />

corren<strong>do</strong> a cerca de 50km/<br />

hora, no Parque Nacional das<br />

Emas, em Mineiros, Goiás<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 49


Casal de tuiuiús no<br />

ninho, no Departamento<br />

<strong>do</strong> Beni, Bolivia<br />

Observação movimenta US$ 82 bilhões nos EUA<br />

A economia da observação de aves tem movimenta<strong>do</strong>, só nos<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, recursos maiores que o Produto Interno Bruto<br />

(PIB) de muitos países. Isso é que mostra a pesquisa Birding at<br />

the United States – a demographic and economic analysis, feita<br />

pelo Fish and Wildlife Service, <strong>do</strong> Departamento de Interior<br />

<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em 2006 e atualizada em julho de 2009<br />

(http://library.fws.gov/pubs/birding _ natsurvey06.pdf).<br />

A minuciosa pesquisa levanta os mais diferentes da<strong>do</strong>s sobre os<br />

observa<strong>do</strong>res de aves americanos – renda, faixa etária, sexo, nível<br />

de escolaridade, etnia, onde vivem (esta<strong>do</strong> a esta<strong>do</strong>), tipo de atividade<br />

que realizam (se são observa<strong>do</strong>res “caseiros” ou investem<br />

em viagens) etc. – e o impacto econômico da observação no setor<br />

de comércio e serviços e na indústria.<br />

Os da<strong>do</strong>s são impressionantes: de acor<strong>do</strong> com essa pesquisa,<br />

cerca de 48 milhões de norte-americanos, de 16 anos ou mais,<br />

gastaram US$ 36 bilhões nessa “atividade”, movimentan<strong>do</strong> no total<br />

US$ 82 bilhões, se forem leva<strong>do</strong>s em conta também os efeitos<br />

econômicos indiretos dessa atividade. Essas cifras incluem desde<br />

compras com to<strong>do</strong> tipo de equipamentos e despesas para observar<br />

aves em seus próprios quintais, até os gastos <strong>do</strong>s americanos<br />

que investem em viagens ao exterior única e exclusivamente com<br />

esse objetivo.<br />

Mas a distribuição por faixa etária <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res de aves norte-americanos<br />

contrasta com a <strong>do</strong>s brasileiros. Enquanto lá 52%<br />

<strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res têm mais de 45 anos, no Brasil a maioria (58,1%)<br />

concentra-se na faixa de 15 a 45 anos. Duas características <strong>do</strong>s<br />

observa<strong>do</strong>res são comuns aos <strong>do</strong>is países: têm boa renda familiar<br />

e alto nível de educação.<br />

Não são apenas os números astronômicos da economia em torno<br />

da observação de aves nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s que impressionam. O<br />

canal CBS News traz informações mais interessantes: a observação<br />

de aves atrai mais “especta<strong>do</strong>res” <strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s os esportes<br />

de audiência coletiva juntos, isto é, modalidades como o basquete,<br />

o beisebol, o futebol americano, o vôlei, o tênis e a Nascar – a<br />

Associação Nacional de Carros de Corrida Stock Car.<br />

Muito características <strong>do</strong>s americanos são também as competi-<br />

ções de observação de aves. É como um campeonato de quem<br />

consegue ver mais espécies num determina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. É claro<br />

que essa modalidade não se interessa pelo verdadeiro prazer de<br />

observar as aves, pois é pura e feroz competição. São os listers<br />

ou twitchers. O que importa é marcar mais uma espécie na lista.<br />

Esses observa<strong>do</strong>res se bicam mais <strong>do</strong> que as aves!<br />

50<br />

SENAC AMBIENTAL


Casal de aracuãs<strong>do</strong>-pantanal,<br />

no<br />

Pantanal Matogrossense,<br />

em Mato<br />

Grosso<br />

O biólogo Eduar<strong>do</strong> Alexandrino,<br />

professor em Piracicaba (SP), lembra<br />

que “a observação de aves é uma<br />

excelente ferramenta de educação<br />

ambiental para o público leigo, pois<br />

proporciona uma assimilação rápida<br />

e prática de conceitos ecológicos e<br />

evolutivos. Por exemplo, há como<br />

demonstrar a evolução e a adaptação<br />

de determina<strong>do</strong>s grupos, de acor<strong>do</strong><br />

com o ambiente em que vivem; há<br />

como demonstrar que, dependen<strong>do</strong><br />

das condições ambientais <strong>do</strong> local,<br />

determinadas espécies podem ou<br />

não ocorrer ali; há como exemplificar<br />

casos de desequilíbrios ambientais e<br />

redução da fauna local.”<br />

Através <strong>do</strong> Wikiaves, Reinal<strong>do</strong> Guedes<br />

percebeu que “a atividade de<br />

observação de aves está se popularizan<strong>do</strong><br />

rapidamente no Brasil e será<br />

benéfica para a natureza, por intermédio<br />

da valorização das unidades<br />

de conservação, da promoção <strong>do</strong><br />

turismo ecológico e de uma melhor<br />

compreensão da riqueza natural <strong>do</strong><br />

país – tão pouco conhecida pelos<br />

próprios brasileiros.”<br />

Surucuá-varia<strong>do</strong><br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 51


52<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


LEGISLAÇÃO<br />

Justiça Federal<br />

agiliza combate a<br />

crimes ambientais<br />

A criação de Varas especializadas em<br />

crimes contra o meio ambiente torna<br />

a Justiça Federal mais eficiente diante<br />

de questões complexas que exigem<br />

rapidez de decisão<br />

Enrique Blanco<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Azoury/Tyba<br />

To<strong>do</strong>s têm direito ao meio<br />

ambiente ecologicamente<br />

equilibra<strong>do</strong>, bem de uso<br />

comum <strong>do</strong> povo e essencial<br />

à sadia qualidade de vida,<br />

impon<strong>do</strong>-se ao Poder Público<br />

e à coletividade o dever de<br />

defendê-lo e preservá-lo para<br />

as presentes e<br />

futuras gerações.<br />

(Constituição Federal)<br />

Extração ilegal<br />

de madeira<br />

A Justiça deve acompanhar as<br />

transformações sociais, sempre<br />

buscan<strong>do</strong> defender o bem público.<br />

Atualmente, os crimes contra<br />

o patrimônio natural, urbano e<br />

cultural tornaram-se mais complexos,<br />

e precisam ser resolvi<strong>do</strong>s com<br />

julgamentos ágeis e instituições eficientes.<br />

Com esse objetivo, foram<br />

criadas estruturas judiciárias especializadas<br />

no julgamento de ações<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 53


Funcionário <strong>do</strong> Ibama<br />

lacra equipamentos em<br />

serraria<br />

que envolvem o meio ambiente,<br />

entendi<strong>do</strong> como bem público constitucional<br />

que abrange não apenas a<br />

fauna e a flora, mas to<strong>do</strong>s os aspectos<br />

que afetam a qualidade de vida.<br />

Os novos órgãos são as Varas especializadas<br />

em crimes ambientais, as<br />

quais, por serem estruturas da Justiça<br />

Federal, julgam processos em que<br />

ao menos uma das partes envolvidas<br />

no litígio seja a União ou uma empresa<br />

pública, fundação ou autarquia<br />

federal, como Incra ou Ibama.<br />

No banco <strong>do</strong>s réus podem estar<br />

pessoas físicas, jurídicas e até o poder<br />

público, se tiverem participação<br />

por ação ou omissão em casos que<br />

tragam danos ao meio ambiente. O<br />

que se pretende criar é uma cultura<br />

ambiental baseada na justiça rápida<br />

e eficiente, de mo<strong>do</strong> que empresas,<br />

instituições públicas ou privadas e<br />

indivíduos acostuma<strong>do</strong>s com a impunidade<br />

pensem duas vezes antes<br />

de transgredir a legislação.<br />

A criação das Varas Federais especializadas<br />

faz parte da estratégia<br />

de interiorização da Justiça, que<br />

leva a regiões mais necessitadas a<br />

estrutura judiciária, principalmente,<br />

a Justiça Federal de primeiro grau,<br />

como defi ne a Lei 12.011, de 2009,<br />

de iniciativa <strong>do</strong> Superior Tribunal de<br />

Justiça (STJ) e editada pelo Congresso<br />

Nacional. De acor<strong>do</strong> com ela, serão<br />

criadas 230 Varas Federais de<br />

2010 a 2014, 46 a cada ano, dentre<br />

foto: MMA<br />

as quais algumas serão voltadas<br />

especificamente para o julgamento<br />

de crimes contra o meio ambiente.<br />

Já existem algumas Varas que tratam<br />

de questões ambientais, mas<br />

o avanço que a Lei 12.011 traz nesse<br />

aspecto é o estabelecimento de<br />

uma programação para que sejam<br />

criadas novas Varas especializadas,<br />

devi<strong>do</strong> ao aumento da demanda e<br />

da complexidade <strong>do</strong>s litígios relaciona<strong>do</strong>s<br />

ao meio ambiente.<br />

Concentran<strong>do</strong> esforços<br />

A definição <strong>do</strong>s locais que mais necessitavam<br />

da nova estrutura judiciária<br />

ficou a critério <strong>do</strong> Conselho<br />

da Justiça Federal (CJF), que decidiu<br />

de acor<strong>do</strong> com questões técnicas,<br />

como a demanda de ações ambientais.<br />

A escolha para instalação das<br />

quatro primeiras Varas contemplou<br />

as principais capitais da Região<br />

Amazônica - Manaus (AM), Belém<br />

(PA), Porto Velho (RO) e São Luiz<br />

(MA) -, que formam o conheci<strong>do</strong><br />

“cinturão amazônico”, sob jurisdição<br />

<strong>do</strong> Tribunal Regional Federal da 1 a<br />

Região (TRF-1).<br />

Os novos órgãos judiciários direcionam<br />

os processos para o mesmo<br />

juiz, ao contrário das Varas não especializadas,<br />

onde cada ação pode<br />

ser julgada por juízes diferentes. A<br />

tramitação das ações fica mais ágil<br />

e eficiente, já que a concentração<br />

<strong>do</strong>s casos no mesmo órgão reduz<br />

a burocracia. To<strong>do</strong>s os novos casos<br />

que envolverem, direta ou indiretamente,<br />

matéria ambiental e agrária<br />

passam a ser encaminha<strong>do</strong>s às Varas<br />

especializadas.<br />

O juiz federal Dimis da Costa Braga,<br />

titular da nova Vara Ambiental <strong>do</strong><br />

Amazonas, esclarece que os novos<br />

órgãos têm competência ambiental<br />

geral, e não apenas criminal, ou<br />

seja, tratam de questões ambientais,<br />

agrárias, indígenas e correlatas. “No<br />

caso da 7ª Vara Federal Ambiental<br />

e Agrária de Manaus, sua jurisdição<br />

se estende por to<strong>do</strong> o território <strong>do</strong><br />

54<br />

SENAC AMBIENTAL


Amazonas, sen<strong>do</strong> competente, por<br />

exemplo, quanto ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ministério<br />

Público Federal de condenação<br />

de uma pessoa por depredação<br />

ambiental, pesca irregular, caça<br />

ou matança de animais. Temos um<br />

caso que envolve a caça de três pacas,<br />

atualmente em curso na 7ª Vara<br />

Federal. Assim, nos compete julgar o<br />

pedi<strong>do</strong> dessa pessoa para que seja<br />

anulada a multa que lhe foi aplicada<br />

pelo Ibama, devi<strong>do</strong> à caça irregular,<br />

e a restituição de seu barco que<br />

fora apreendi<strong>do</strong>. O mesmo processo<br />

ocorre em relação a veículos, armas<br />

e demais casos”, confirma o juiz.<br />

Desde o início de sua implantação,<br />

em 2010, as Varas Ambientais localizadas<br />

no “cinturão amazônico” trabalham<br />

com milhares de processos.<br />

A Vara Federal Ambiental e Agrária<br />

de Belém começou suas atividades<br />

com aproximadamente 3.500 processos<br />

que antes estavam tramitan<strong>do</strong><br />

em diferentes Varas Federais <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.<br />

Em Manaus, a realidade não é muito<br />

diferente. Atualmente, há cerca<br />

de 3.000 processos tramitan<strong>do</strong> na<br />

7 a Vara. “Os litígios mais recorrentes<br />

em Manaus são, sem dúvida alguma,<br />

no plano cível, os pedi<strong>do</strong>s de<br />

anulação de multas ambientais de<br />

toda ordem, por pessoas físicas ou<br />

jurídicas, além das ações civis públicas<br />

para proteção <strong>do</strong> meio ambiente<br />

natural, cultural (patrimônio histórico,<br />

monumentos naturais e outros) e<br />

possessórias ambientais ou agrárias.<br />

No plano criminal, temos crimes e<br />

infrações ambientais que geram danos<br />

ao meio ambiente, especialmente<br />

danos à fauna e à flora silvestres”,<br />

cita Dimis Braga.<br />

Outra Vara recém-instalada na Região<br />

Norte está localizada em Rondônia.<br />

A juíza federal substituta Jaqueline<br />

Conesuque Gurgel <strong>do</strong> Amaral já percebe<br />

evolução no andamento <strong>do</strong>s<br />

processos. “A 5a Vara Federal Ambiental<br />

e Agrária de Rondônia é muito<br />

recente. Sem dúvida, os principais<br />

efeitos serão senti<strong>do</strong>s a longo prazo.<br />

No entanto, já se percebe uma atuação<br />

mais incisiva na defesa de áreas<br />

especialmente protegidas, e maior<br />

celeridade <strong>do</strong>s processos. Dedicamo-nos<br />

a tu<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> ao tema<br />

Desmatamento na<br />

Amazônia<br />

foto: MMA<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 55


Queimadas: cenário de<br />

devastação<br />

foto: MMA<br />

foto: MMA<br />

foto: MMA<br />

ambiental, na esfera cível e criminal.<br />

Os crimes de maior ocorrência estão<br />

liga<strong>do</strong>s à exploração ilegal de minério<br />

e de madeira”, diz a juíza.<br />

A atuação das novas unidades judiciárias<br />

é pautada pela agilidade e pela<br />

eficiência, o que repercute na prevenção<br />

de novos crimes, já que o infrator<br />

passa a temer uma punição efetiva.<br />

Para tanto, deve haver integração entre<br />

os órgãos e os agentes públicos,<br />

como esclarece a juíza da Vara de<br />

Rondônia. “O Poder Judiciário não<br />

age sozinho no combate ao crime. Ao<br />

contrário, a parcela que cabe ao Poder<br />

Judiciário é apenas a culminância<br />

de uma atuação que começa com os<br />

órgãos de proteção ao meio ambiente<br />

e o Ministério Público. Além disso, as<br />

decisões <strong>do</strong> Poder Judiciário dependem<br />

desses mesmos órgãos para serem<br />

concretizadas. Assim, é essencial<br />

que o Ibama, as Secretarias de Meio<br />

Ambiente, o Instituto Chico Mendes<br />

de Conservação da Biodiversidade<br />

(ICMBio), a Polícia Federal e a Polícia<br />

Ambiental tenham maior atenção <strong>do</strong>s<br />

nossos administra<strong>do</strong>res, pois, em<br />

geral, não contam com número suficiente<br />

de servi<strong>do</strong>res e equipamentos.<br />

Sem a parceria com esses órgãos, o<br />

Poder Judiciário pouco conseguirá<br />

avançar na proteção ambiental”, diz a<br />

juíza Jaqueline <strong>do</strong> Amaral.<br />

A magistrada enfatiza também a<br />

importância <strong>do</strong>s novos órgãos judiciários<br />

na construção de uma visão<br />

global sobre a questão ambiental: “A<br />

maior vantagem da especialização<br />

de uma Vara em matéria ambiental,<br />

não só em Rondônia, como também<br />

em toda a Amazônia Legal, é a<br />

possibilidade de ter uma visão mais<br />

completa <strong>do</strong> andamento das ações<br />

relativas ao meio ambiente na região.<br />

Além disso, consideran<strong>do</strong> a relevância<br />

da proteção ambiental nos dias<br />

de hoje, é muito importante que o<br />

Judiciário, o Ministério Público e as<br />

56<br />

SENAC AMBIENTAL


Polícias se especializem e possam<br />

destinar uma parcela de sua atuação<br />

exclusivamente para isso”, ressalta.<br />

Agilidade contra a impunidade<br />

Nas localidades onde estão instaladas<br />

as Varas Ambientais, a quantidade<br />

de processos abertos mais que<br />

justifica a necessidade <strong>do</strong>s novos<br />

órgãos federais. A redução <strong>do</strong> tempo<br />

de tramitação de processos afeta os<br />

interesses de pessoas e empresas<br />

que contam com a impunidade.<br />

O estu<strong>do</strong> A impunidade de infratores<br />

ambientais em áreas protegidas<br />

da Amazônia, <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Homem<br />

e Meio Ambiente da Amazônia<br />

(Imazon), analisou o volume de<br />

processos ambientais que tramitou,<br />

de junho de 2007 a março de 2009,<br />

nas Varas Federais sob jurisdição<br />

<strong>do</strong> TRF-1. Os processos passaram<br />

de 8.983 para 21.105, <strong>do</strong>s quais 70%<br />

oriun<strong>do</strong>s da Amazônia Legal. Na 2ª<br />

instância, os recursos sobre o tema<br />

aumentaram 235%, de 681 para<br />

1.952, no mesmo perío<strong>do</strong>.<br />

O juiz da Vara Ambiental de Manaus<br />

constata: “Atualmente, o volume de<br />

processos e procedimentos criminais<br />

na 7 a Vara e no 3 o Juiza<strong>do</strong> Especial<br />

Criminal (órgão da Vara que<br />

processa e julga delitos menos complexos)<br />

cresce em velocidade vertiginosa.<br />

Já são mais de 240 processos<br />

de natureza criminal, entre ações,<br />

inquéritos e cautelares. Só representações<br />

criminais são mais de 100, e<br />

inquéritos policiais são mais de 80.<br />

As ações penais ambientais propriamente<br />

ditas já somam 28 processos<br />

em tramitação e o volume está em<br />

franco crescimento”, confirma o juiz<br />

Dimis da Costa Braga.<br />

A redução da impunidade depende<br />

da quantidade de processos julga<strong>do</strong>s,<br />

mas também da qualidade das<br />

decisões, efeitos que são percebi<strong>do</strong>s<br />

na atuação das Varas Ambientais.<br />

Elis Araújo, pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Imazon,<br />

observa: “A especialização de Varas<br />

foto: MMA<br />

Federais em questões ambientais<br />

possibilita o aprimoramento de juízes,<br />

procura<strong>do</strong>res e servi<strong>do</strong>res. Além<br />

de aprofundarem seus conhecimentos<br />

teóricos sobre Direto Ambiental,<br />

esses profissionais passam a interagir<br />

com especialistas e a ganhar<br />

conhecimento empírico. Assim, há<br />

ganhos qualitativos e quantitativos.<br />

As decisões sobre esses casos serão<br />

melhores e em maior número. Exemplo<br />

disso são os êxitos já noticia<strong>do</strong>s<br />

de Varas especializadas estaduais e<br />

federais em outros esta<strong>do</strong>s, como o<br />

Juiza<strong>do</strong> Volante Ambiental de Cuiabá<br />

(estadual) e a Vara Ambiental, Agrária<br />

e Residual de Porto Alegre (federal)”.<br />

Para que haja uma punição efetiva<br />

<strong>do</strong> infrator, o processo de investigação<br />

e processamento judicial deve<br />

seguir uma rotina que se inicia com<br />

a verificação da ocorrência de crime<br />

ambiental in loco, o que normalmente<br />

é feito pelo órgão ambiental<br />

(Ibama ou ICMBio). A Polícia Federal<br />

também tem competência para investigar<br />

quan<strong>do</strong> o órgão ambiental<br />

não identifica o autor <strong>do</strong> crime durante<br />

a fiscalização. Se há identificação<br />

da autoria <strong>do</strong> crime, o Ministério<br />

Público inicia uma ação penal, uma<br />

ação civil pública ou ambas.<br />

“Para a maioria <strong>do</strong>s crimes ambientais,<br />

é possível propor acor<strong>do</strong>s que<br />

impõem algumas condições aos<br />

seus autores para evitar o início<br />

(transação penal) ou a continuação<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 57


foto: MMA<br />

(suspensão condicional <strong>do</strong> processo)<br />

da ação penal. Esses acor<strong>do</strong>s deveriam<br />

buscar a reparação ou a compensação<br />

<strong>do</strong> dano ambiental, mas,<br />

na prática, as condições propostas<br />

são destinadas à assistência social,<br />

como a <strong>do</strong>ação de medicamentos<br />

e cestas básicas. Isso provavelmente<br />

ocorre por desconhecimento<br />

sobre a localização e extensão <strong>do</strong><br />

dano ambiental, bem como sobre<br />

iniciativas existentes para a conservação<br />

ambiental. No mínimo, seria<br />

interessante que <strong>do</strong>ações de valores<br />

fossem destinadas a fun<strong>do</strong>s ambientais”,<br />

enfatiza Elis Araújo.<br />

A observação da pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />

Imazon é justificada, mas a especialização<br />

<strong>do</strong>s juízes e de to<strong>do</strong>s os<br />

agentes envolvi<strong>do</strong>s com o Direito<br />

Ambiental tende a mudar esse quadro.<br />

Em relação à Vara de Manaus,<br />

o juiz Dimis Braga esclarece: “Diversos<br />

processos já foram sentencia<strong>do</strong>s<br />

ou resolvi<strong>do</strong>s, na 7a Vara, desde que<br />

assumi a titularidade, mediante<br />

transação civil ou penal, com aplicação<br />

direta de pena não privativa<br />

de liberdade, ou mesmo suspensão<br />

processual – sempre que possível<br />

benefician<strong>do</strong> uma entidade benemérita<br />

ou sem fi ns lucrativos com<br />

os <strong>do</strong>nativos com os quais o réu/<br />

autor <strong>do</strong> fato possa contribuir. O<br />

julgamento célere traz segurança<br />

jurídica para as partes, que em contenda<br />

necessitam da manifestação<br />

<strong>do</strong> Poder Judiciário sobre o titular<br />

<strong>do</strong> direito ou o limite deste”.<br />

Experiências anteriores e<br />

possibilidades futuras<br />

A especialização judiciária em<br />

questão ambiental, atualmente em<br />

curso no Brasil, é uma tendência<br />

internacional. A experiência mais<br />

representativa vem da Austrália,<br />

com o primeiro tribunal ambiental<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong> em 1980, denomina<strong>do</strong><br />

Tribunal de Terras e Meio<br />

Ambiente (Land and Environment<br />

Court - LEC).<br />

De acor<strong>do</strong> com a oficial de gabinete<br />

da Vara Ambiental e Agrária de Curitiba<br />

e também professora de Direito<br />

Ambiental da Escola de Magistratura<br />

Federal <strong>do</strong> Paraná, Mariana Almeida<br />

Passos de Freitas, apesar das diferenças<br />

socioeconômicas entre os<br />

países e as particularidades <strong>do</strong> sistema<br />

judiciário da Austrália, a Justiça<br />

Ambiental brasileira deve observar<br />

a experiência daquele país. “As Varas<br />

especializadas no Brasil podem<br />

aprender bastante com a LEC, principalmente<br />

porque já existe há 30<br />

anos. Os principais ensinamentos<br />

são a desburocratização <strong>do</strong> procedimento<br />

judicial, a realização constante<br />

de inspeções pelos juízes, a existência<br />

de peritos dentro <strong>do</strong> tribunal<br />

(não haven<strong>do</strong> gastos com honorários),<br />

audiências realizadas no local<br />

para verificação efetiva <strong>do</strong> dano e<br />

audiências por videoconferência, entre<br />

outros”, ressalta.<br />

Outro caso que merece destaque<br />

está no Brasil. Em 2005, foram instaladas<br />

Varas Federais responsáveis<br />

pelo julgamento de crimes ambientais<br />

no Sul <strong>do</strong> país, região sobre jurisdição<br />

<strong>do</strong> Tribunal Regional da 4 a<br />

Região (TRF-4). A diferença entre esses<br />

órgãos e as Varas Federais especializadas<br />

da Região Norte é que as<br />

unidades de Curitiba, Florianópolis<br />

e Porto Alegre eram semiespecializadas<br />

e tornaram-se especializadas.<br />

O desembarga<strong>do</strong>r da Justiça Federal<br />

Vladimir Passos Freitas, atualmente<br />

aposenta<strong>do</strong>, assumiu a presidência<br />

<strong>do</strong> TRF-4 na época da implantação<br />

das Varas na Região Sul. O<br />

ex-presidente explica: “Os critérios<br />

para a criação e defi nição das<br />

competências das Varas foram os<br />

que atraíssem a maior parcela de<br />

competência, porque, à época, não<br />

havia muitas ações ambientais. Então<br />

era preciso que a competência<br />

fosse bem abrangente. Infelizmente<br />

limitou-se às capitais e não a to<strong>do</strong><br />

o território de cada esta<strong>do</strong>, porque<br />

não havia previsão constitucional<br />

58<br />

SENAC AMBIENTAL


foto: Mirian Fichtner/Tyba<br />

para tanto. Desse mo<strong>do</strong>, tramitava<br />

nas Varas toda sorte de litígios,<br />

manda<strong>do</strong>s de segurança, embargos<br />

a execuções fiscais, anulatórias<br />

de sanções aplicadas pelo Ibama,<br />

ações civis públicas e processos criminais,<br />

esses em número menor”.<br />

Em relação à Vara Federal Ambiental,<br />

Agrária e Residual de Porto Alegre,<br />

houve algumas alterações desde<br />

sua criação, em 2005, como relata o<br />

juiz federal titular, Cândi<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong><br />

Silva Leal Júnior: “Atualmente, já é<br />

possível falar em vara especializada,<br />

porque não recebemos mais ações<br />

cíveis (não ambientais), mas apenas<br />

processos ambientais, cíveis e criminais.<br />

Somente as ações antigas (não<br />

ambientais) continuam tramitan<strong>do</strong><br />

na Vara até sua solução e seu arquivamento<br />

definitivos. Mas os processos<br />

novos são to<strong>do</strong>s ambientais”.<br />

Particularidades locais<br />

Uma característica da especialização<br />

judiciária é que cada Vara Ambiental<br />

tem particularidades que expressam<br />

o local onde está situada, e as ações<br />

variam dependen<strong>do</strong> da época ou de<br />

problemas específicos. Em Porto<br />

Alegre, por exemplo, de acor<strong>do</strong> com<br />

Juiz Cândi<strong>do</strong> Júnior, ocorrem ações<br />

envolven<strong>do</strong> o uso <strong>do</strong> litoral (esgotos,<br />

con<strong>do</strong>mínios, pesca), a extração<br />

de recursos minerais (areia de rios,<br />

pedra e argila) e conflitos com comunidades<br />

indígenas e quilombolas.<br />

Além disso, há questões relativas ao<br />

patrimônio cultural e histórico, como<br />

casos de igrejas, sítios arqueológicos<br />

e sambaquis.<br />

As experiências <strong>do</strong> trabalho diário<br />

das Varas especializadas e semiespecializadas<br />

disseminam a confiança<br />

entre os to<strong>do</strong>s os agentes desse<br />

processo, produzin<strong>do</strong> um círculo virtuoso<br />

que fortalece a prática <strong>do</strong> Direito<br />

Ambiental. “Na medida em que<br />

as Varas se consolidaram, o número<br />

de processos aumentou, porque os<br />

advoga<strong>do</strong>s começaram a confiar em<br />

uma decisão mais rápida e bem fundamentada.<br />

Na verdade, verificamos<br />

que temos um ‘antes’ e um ‘depois’.<br />

Extração clandestina de<br />

carvão vegetal<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 59


foto: MMA<br />

Apreensão de toras em<br />

operação <strong>do</strong> Ibama e da<br />

Polícia Federal<br />

O ‘antes’ eram processos tramitan<strong>do</strong><br />

em diversas Varas, julga<strong>do</strong>s de<br />

formas díspares, originan<strong>do</strong> insegurança<br />

jurídica e uma morosidade<br />

quase absoluta. O ‘agora’ são Varas<br />

com juízes altamente capacita<strong>do</strong>s,<br />

servi<strong>do</strong>res conscientes e segurança<br />

jurídica, porque se sabe como são os<br />

julgamentos, com decisões mais técnicas<br />

e muitos acor<strong>do</strong>s de interesse<br />

para as partes”, ressalta o desembarga<strong>do</strong>r<br />

Vladimir Freitas.<br />

Fortalecimento da cidadania<br />

A ampliação <strong>do</strong> sentimento de confiança<br />

nas instituições chega até o<br />

cidadão comum, quan<strong>do</strong> as pessoas<br />

passam a procurar a justiça, como<br />

ocorre, por exemplo, em Curitiba.<br />

“Normalmente, as pessoas nos procuram<br />

no balcão da Vara com dúvidas<br />

sobre questões ambientais, bem<br />

como estudantes que estão fazen<strong>do</strong><br />

dissertações e teses sobre meio ambiente.<br />

A Vara transforma-se num<br />

centro de pesquisa acerca <strong>do</strong> tema,<br />

facilita a busca de jurisprudência e<br />

difunde a matéria. A partir <strong>do</strong> momento<br />

em que se cria uma Vara Ambiental<br />

e se dá publicidade a ela, as<br />

pessoas passam a procurá-la”, confirma<br />

Mariana de Freitas.<br />

Tornar o exercício <strong>do</strong> Direito uma<br />

prática de cidadania é um resulta<strong>do</strong><br />

ainda maior <strong>do</strong> que punir infratores<br />

que cometem crimes ambientais.<br />

Eventos passa<strong>do</strong>s devem ser julga<strong>do</strong>s<br />

e seus responsáveis, efetivamente<br />

puni<strong>do</strong>s, mas a disseminação<br />

de uma cultura contra a impunidade<br />

na área ambiental previne crimes<br />

futuros. “Felizmente, cada vez mais<br />

a sociedade civil - cidadãos e organizações<br />

não governamentais - assume<br />

o papel que seria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

ajuíza ações na defesa <strong>do</strong> meio ambiente.<br />

Mas acredito que o maior desafio<br />

em matéria de meio ambiente é<br />

tornar efetivas as boas leis que nós<br />

temos. Não adianta nossa legislação<br />

ambiental ser avançada e moderna<br />

se ela não for aplicada. Não adianta<br />

apenas existirem juízes especializa<strong>do</strong>s<br />

em matéria ambiental se o meio<br />

60<br />

SENAC AMBIENTAL


ambiente não for prioridade na pauta<br />

<strong>do</strong>s órgãos de fiscalização ambiental<br />

e, principalmente, se esses órgãos<br />

não estiverem bem aparelha<strong>do</strong>s para<br />

dar conta de suas relevantes tarefas”,<br />

conclui o juiz Cândi<strong>do</strong> Junior.<br />

foto: Photodisc<br />

Os avanços na legislação<br />

1934 Código de Águas e Código Florestal: embriões da atual<br />

legislação ambiental brasileira.<br />

1965 Código Florestal (Lei 4.771): estabelece a proteção das áreas de<br />

preservação permanente.<br />

1967 Lei da Fauna Silvestre (Lei 5.197): classifica como crimes uso,<br />

perseguição, apanha de animais silvestres, caça profissional, comércio<br />

de espécies da fauna silvestre e produtos deriva<strong>do</strong>s de sua caça.<br />

1975 Decreto-Lei 1.413: inicia o controle da poluição provocada por<br />

atividades industriais.<br />

1979 Lei <strong>do</strong> Parcelamento <strong>do</strong> Solo Urbano (Lei 6.766): estabelece regras<br />

para loteamentos urbanos e proíbe parcelamento <strong>do</strong> solo em<br />

áreas de preservação ecológica.<br />

1980 Lei <strong>do</strong> Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição<br />

(Lei 6.803): atribui aos esta<strong>do</strong>s e municípios o poder de estabelecer<br />

limites e padrões ambientais para instalação e licenciamento das indústrias.<br />

1981 Lei da Área de Proteção Ambiental (Lei 6.902): cria as Estações<br />

Ecológicas e as Áreas de Proteção Ambiental.<br />

1981 Lei da Política Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente (Lei 6.938): estabelece<br />

a Política Nacional de Meio Ambiente e apresenta o meio ambiente<br />

como objeto específico de proteção.<br />

1985 Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347): trata da ação civil publica<br />

de responsabilidades por danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente, ao consumi<strong>do</strong>r<br />

e ao patrimônio artístico, turístico ou paisagístico.<br />

1988 Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605): reordena a legislação ambiental<br />

brasileira, dispon<strong>do</strong> sobre as sanções penais e administrativas<br />

derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.<br />

1988 Constituição Federal: impõe ao Poder Público e à coletividade<br />

o dever de defender o meio ambiente para as gerações presentes e<br />

futuras.<br />

2000 Lei <strong>do</strong> SNUC (Lei 9.985): cria o Sistema Nacional de Unidades<br />

de Conservação e prevê mecanismos para a defesa <strong>do</strong>s ecossistemas<br />

naturais e de preservação <strong>do</strong>s recursos naturais neles conti<strong>do</strong>s.<br />

2001 Estatuto das Cidades (Lei 10.257): <strong>do</strong>ta o ente municipal de<br />

mecanismos visan<strong>do</strong> permitir que seu desenvolvimento não ocorra<br />

em detrimento <strong>do</strong> meio ambiente.<br />

Fonte: STJ (adaptação)<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 61


NOTAS<br />

Metas para a<br />

Rio+20<br />

A Rio+ 20 – Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável<br />

será realizada na cidade <strong>do</strong><br />

Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho. A<br />

pauta <strong>do</strong> evento mais expressivo <strong>do</strong><br />

ano na área ambiental só será definida<br />

quatro dias antes, mas a ONU<br />

já estabeleceu dez metas ligadas à<br />

sustentabilidade a serem discutidas.<br />

São elas: consumo responsável;<br />

produção ecoeficiente; proteção de<br />

áreas específicas; segurança alimentar;<br />

agricultura sustentável; energia<br />

limpa para to<strong>do</strong>s; acesso à água e<br />

eficiência no uso deste recurso natural;<br />

cidades sustentáveis; economia<br />

verde e inclusão social; prevenção a<br />

desastres naturais. As metas foram<br />

elaboradas a partir das 672 propostas<br />

apresentadas pelos diferentes<br />

países que participarão <strong>do</strong> evento.<br />

O governo brasileiro está organizan<strong>do</strong><br />

um evento paralelo à conferência,<br />

chama<strong>do</strong> Diálogos sobre sustentabilidade,<br />

no qual a sociedade civil <strong>vai</strong><br />

discutir e elaborar um <strong>do</strong>cumento<br />

para reforçar suas posições junto às<br />

negociações oficiais.<br />

A Rio+20 recebeu este nome porque<br />

ocorre 20 anos depois da Rio-92,<br />

também realizada na capital fluminense,<br />

que criou iniciativas como a<br />

Agenda 21 e as Convenções <strong>do</strong> Clima<br />

e da Diversidade Biológica.<br />

A evolução <strong>do</strong>s conceitos nesta área<br />

pode ser observada a partir <strong>do</strong>s próprios<br />

nomes <strong>do</strong>s eventos. Em 1972<br />

foi realizada em Estocolmo a Conferência<br />

da ONU sobre Meio Ambiente<br />

Humano. A Rio-92 chamouse<br />

Conferência da ONU sobre Meio<br />

Ambiente e Desenvolvimento. Já a<br />

Rio+20 realça a expressão Desenvolvimento<br />

Sustentável.<br />

Logística<br />

reversa<br />

Cerca de três mil empresas paulistas<br />

se comprometeram, num<br />

acor<strong>do</strong> feito em março de 2012<br />

com o governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, a se<br />

responsabilizarem pelo descarte<br />

de embalagens de produtos de higiene<br />

pessoal, cosméticos, perfumaria,<br />

material de limpeza, pilhas,<br />

óleos lubrificantes e baterias.<br />

Elas se comprometem a dar destinação<br />

fi nal às embalagens que poluem<br />

o solo e a água. É o primeiro<br />

entendimento realiza<strong>do</strong> com base<br />

na Política Nacional de Resíduos<br />

Sóli<strong>do</strong>s, criada em 2010 para implementar<br />

a logística reversa, que pode<br />

ser defi nida como aquela que trata<br />

<strong>do</strong> fluxo físico de produtos, embalagens<br />

e outros materiais desde o<br />

local de origem, passan<strong>do</strong> pelo consumo<br />

e também pela deposição em<br />

lugar seguro com o mínimo de risco<br />

ambiental. Esta lei prevê ainda o fi m<br />

<strong>do</strong>s lixões e a criação de novas iniciativas<br />

de reciclagem até 2014.<br />

62<br />

SENAC AMBIENTAL


Capim-elefante<br />

O capim-elefante, uma gramínea<br />

usada para alimentar o ga<strong>do</strong>, é a<br />

matéria-prima para obter o carvocapim,<br />

que está sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong><br />

por pesquisa<strong>do</strong>res da Universidade<br />

Estadual <strong>do</strong> Norte Fluminense. Trata-se<br />

de um biocombustível sóli<strong>do</strong><br />

em forma de briquetes (tijolo feito<br />

de carvão em pó com um aglutinante)<br />

ou em pó que substitui o carvão<br />

vegetal e pode ser usa<strong>do</strong> em fornos<br />

de padaria, pizzarias, caldeiras industriais<br />

e na indústria da cerâmica.<br />

Já está sen<strong>do</strong> testa<strong>do</strong> em olarias e<br />

siderúrgicas e, segun<strong>do</strong> Hernán<br />

Mal<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, especialista em forrageiras<br />

tropicais, o carvocapim “tem<br />

elevada resistência ao calor, superan<strong>do</strong><br />

outros materiais. Ele dura<br />

mais tempo queiman<strong>do</strong>, ou seja,<br />

gera mais energia.”<br />

NOTAS<br />

Reciclagem<br />

de óleo de cozinha<br />

Em 2011, foram recolhi<strong>do</strong>s no Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro cerca de sete<br />

milhões de litros de óleo de cozinha<br />

já usa<strong>do</strong>s. Do programa de recolhimento<br />

de óleo vegetal participam 30<br />

cooperativas de cata<strong>do</strong>res e mais de<br />

80 bares, restaurantes, hotéis, con<strong>do</strong>mínios<br />

e redes de comida rápida,<br />

que foram responsáveis pela triplicação<br />

<strong>do</strong> total recolhi<strong>do</strong> em 2009.<br />

Em fábricas e usinas, este material<br />

está sen<strong>do</strong> transforma<strong>do</strong> em sabão<br />

pastoso e biodiesel. A demanda tem<br />

cresci<strong>do</strong> e já se paga um real por litro<br />

de óleo usa<strong>do</strong>.<br />

“A decomposição <strong>do</strong> óleo comestível<br />

emite gás metano na atmosfera, aumentan<strong>do</strong><br />

o efeito estufa, que contribui<br />

para o aquecimento da terra. O<br />

produto descarta<strong>do</strong> em pias e ralos<br />

compromete as tubulações e caixas<br />

de gorduras, sobrecarregan<strong>do</strong> as<br />

redes de tratamento de esgoto”, explica<br />

Eduar<strong>do</strong> Caetano, coordena<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> Programa de Reaproveitamento<br />

de Óleos Vegetais da Secretaria <strong>do</strong><br />

Ambiente <strong>do</strong> Rio de Janeiro.<br />

O governo fluminense apoiou também<br />

a montagem de uma usina de<br />

transformação <strong>do</strong> óleo usa<strong>do</strong> em<br />

barcos pesqueiros em Arraial <strong>do</strong><br />

Cabo, na Região <strong>do</strong>s Lagos. Uma<br />

segunda usina de transformação<br />

deve ser instalada em Petrópolis,<br />

na Região Serrana, em 2012. Alguns<br />

edifícios residenciais começam<br />

a ser construí<strong>do</strong>s já com uma<br />

tubulação para descarte e armazenamento<br />

<strong>do</strong> óleo.<br />

fotos: Dreamstime<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 63


NOTAS<br />

Áreas de proteção<br />

ameaçadas<br />

Em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, as áreas<br />

de proteção ambiental são<br />

pequenas, não têm ligação<br />

umas com as outras, estão<br />

ameaçadas por mudanças<br />

climáticas e espécies vegetais<br />

invasoras e também não<br />

têm recebi<strong>do</strong> os investimentos<br />

adequa<strong>do</strong>s às suas necessidades<br />

de conservação. Um estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong><br />

pela Universidade <strong>do</strong> Havaí<br />

(EUA) revela ainda que, caso seja<br />

manti<strong>do</strong> seu índice de crescimento<br />

atual, essas áreas devem levar pelo<br />

menos 185 anos para atingir um tamanho<br />

considera<strong>do</strong> recomendável.<br />

As cerca de cem mil áreas protegidas<br />

no <strong>planeta</strong> ocupam 17 milhões<br />

de quilômetros quadra<strong>do</strong>s de terra<br />

(que equivale a 5,5% <strong>do</strong>s continentes)<br />

e <strong>do</strong>is milhões de quilômetros<br />

quadra<strong>do</strong>s de oceano (0,08% deles).<br />

Embora elas venham crescen<strong>do</strong>, estão<br />

longe de atingir o tamanho ideal<br />

que poderia livrar os ecossistemas<br />

<strong>do</strong> perigo de destruição.<br />

O colombiano Camilo Mora,<br />

um <strong>do</strong>s autores <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>,<br />

afirma: “Há uma grande<br />

pressão sobre a biodiversidade,<br />

causada<br />

pelo crescimento da<br />

população<br />

humana<br />

e por sua demanda<br />

crescente por alimentação<br />

e moradia. Isto<br />

pode levar à extinção<br />

de muitas espécies antes<br />

de 2050”.<br />

Descola aí<br />

Já existe no Brasil um serviço que se<br />

desenvolveu nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. É<br />

o DescolAí, uma rede social de trocas<br />

e aluguel. O consumi<strong>do</strong>r cadastra<br />

seus da<strong>do</strong>s pessoais e interesses.<br />

Alguém também cadastra<strong>do</strong> faz<br />

uma relação <strong>do</strong> que tem a oferecer.<br />

O sistema cruza as informações de<br />

quem procura com o perfil de quem<br />

tem o objeto. A ideia é apresentar<br />

pessoas que moram ou trabalham<br />

próximas, que conversam pela rede<br />

e fecham o negócio.<br />

Segun<strong>do</strong> o engenheiro de materiais<br />

Gui Brammer, idealiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> site<br />

brasileiro, “ganham os <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s,<br />

pois se pode intercambiar produtos<br />

sem precisar comprar”.<br />

Alguns objetos ofereci<strong>do</strong>s para<br />

alugar: 50 LPs (os velhos discos de vinil),<br />

balcão e araras para lojas e monitor<br />

de vídeo. Para trocas, é possível<br />

encontrar livros, DVDs e computa<strong>do</strong>res<br />

antigos. Mais informações em<br />

www.descolaai.com.<br />

64<br />

SENAC AMBIENTAL


Prejuízos<br />

ambientais<br />

De janeiro a julho de 2011, apenas as<br />

inundações pesquisadas pela ressegura<strong>do</strong>ra<br />

Swiss Re causaram perdas<br />

econômicas em Minas Gerais e São<br />

Paulo calculadas em R$ 1,9 bilhão.<br />

A tendência é o aumento de problemas<br />

a partir de chuvas e alagamentos,<br />

na medida em que projeções<br />

climáticas indicam que o Sudeste<br />

brasileiro <strong>vai</strong> ficar cada vez mais<br />

úmi<strong>do</strong>. Tais eventos climáticos extremos<br />

também têm a ver com a urbanização<br />

desordenada. Em 1950,<br />

26,2% da população brasileira vivia<br />

nas cidades. Em 2011 este índice<br />

chegou a 84,3%.<br />

A Federação das Indústrias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

de São Paulo consultou 478<br />

empresas e elas informaram que, a<br />

cada mês de chuvas fortes, as perdas<br />

podem ultrapassar R$ 1 bilhão.<br />

NOTAS<br />

Etanol brasileiro<br />

eficiente<br />

Cientistas das mais diferentes<br />

nações estão desenvolven<strong>do</strong><br />

pesquisas que envolvem desde<br />

microalgas e bactérias geneticamente<br />

modificadas até<br />

plantas como a mamona como<br />

fontes prováveis para a produção<br />

de biocombustíveis.<br />

Neste cenário, destaca-se a opção<br />

da cana-de-açúcar cultivada e processada<br />

no Brasil. Segun<strong>do</strong> los Henrique de Brito Cruz, diretor<br />

científico da Fundação de Amparo à<br />

Pesquisa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo, o<br />

álcool feito de cana brasileira é hoje<br />

a mais promissora tecnologia de bioenergia<br />

disponível. Ele afirma que<br />

todas as outras alternativas apresentadas<br />

têm um custo econômico<br />

e ecológico maior <strong>do</strong> que o sistema<br />

brasileiro de fermentar a saca-<br />

rose da cana.<br />

A tradição <strong>do</strong> país de<br />

lidar com cana, açúcar<br />

e álcool começou<br />

na época colonial.<br />

Durante a<br />

crise econômica<br />

mundial de 1929,<br />

foi publicada a<br />

Car-<br />

primeira lei brasileira<br />

determinan<strong>do</strong><br />

que se misturasse<br />

álcool à gasolina. Na<br />

década de 1970, o governo<br />

lançou o Pró-Álcool, <strong>do</strong> o plantio de cana e sua transfor-<br />

estimulanmação<br />

em etanol. Esses fatos ajudaram<br />

a construir o atual pioneirismo.<br />

O Brasil usa hoje quatro milhões<br />

de hectares para produzir álcool<br />

e poderia elevar esse número para<br />

20 milhões de hectares sem deslocar<br />

nenhuma cultura de alimento,<br />

conclui o cientista.<br />

fotos: Dreamstime<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 65


66<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


BIODIVERSIDADE<br />

Salinas: um<br />

universo em<br />

transformação<br />

Texto: Elias Fajar<strong>do</strong><br />

Fotos: Lena Trindade<br />

Presente na história humana<br />

desde tempos imemoriais,<br />

o sal é fundamental à vida<br />

humana. Seu méto<strong>do</strong> de<br />

extração permanece o mesmo<br />

ao longo <strong>do</strong>s séculos, mas em<br />

lugares como a Região <strong>do</strong>s<br />

Lagos, no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio, sua<br />

produção caiu à metade na<br />

última década.<br />

Os sais são importantes para a sobrevivência<br />

de to<strong>do</strong>s os seres vivos,<br />

pois ajudam a regular a presença da<br />

água no organismo. São encontra<strong>do</strong>s<br />

não só nos alimentos salga<strong>do</strong>s,<br />

mas também nos <strong>do</strong>ces. Do ponto<br />

de vista da química, o sal é uma<br />

substância que se forma a partir<br />

da interação entre um áci<strong>do</strong> e uma<br />

base. Nosso corpo precisa de apenas<br />

uma colher de café desse mineral<br />

por dia: acima disso, ele pode<br />

prejudicar a saúde e causar <strong>do</strong>enças<br />

como a hipertensão arterial.<br />

Existem cerca de 14 mil usos para<br />

o sal, que participa da produção de<br />

cloro, soda cáustica, plástico, alumínio,<br />

borracha etc. Ele está presente<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 67


alina Praia Seca<br />

Carlos Aldinei Carvalhães<br />

José Amaro da Silva<br />

em 104 <strong>do</strong>s 150 produtos químicos<br />

mais significativos que conhecemos.<br />

O sal de cozinha e o emprega<strong>do</strong> na<br />

indústria são obti<strong>do</strong>s a partir da água<br />

<strong>do</strong> mar e de rochas. Em alguns quilômetros<br />

cúbicos de mar concentramse<br />

toneladas de cloreto de sódio, o<br />

seu principal componente. O sal marinho<br />

é menos puro que o chama<strong>do</strong><br />

sal-gema, forma<strong>do</strong> pela evaporação<br />

de mares em eras geológicas passadas<br />

e encontra<strong>do</strong> em depósitos na<br />

superfície <strong>do</strong> solo ou no subsolo.<br />

Para extrair o sal <strong>do</strong> mar ou de lagos<br />

salga<strong>do</strong>s, é preciso isolar a água em<br />

tanques e deixá-la exposta ao sol e<br />

ao vento até que ela se concentre a<br />

ponto de saturar, quan<strong>do</strong> começa a<br />

precipitar o cloreto de sódio. Estes<br />

tanques são as salinas, depósitos rasos<br />

a céu aberto onde, depois que a<br />

água evapora, o sal que fica no fun<strong>do</strong><br />

é raspa<strong>do</strong> e empilha<strong>do</strong>.<br />

É uma atividade de baixo impacto<br />

ambiental, que usa recursos renováveis:<br />

a água, o sol e o vento. As salinas<br />

também preservam a paisagem e<br />

ajudam a construir a identidade visual<br />

das regiões onde são implantadas.<br />

Os vários tipos e a extração<br />

O sal grosso, que tempera o nosso<br />

churrasco, se deposita nas salinas<br />

depois que a água evapora. Moí<strong>do</strong>,<br />

seu aproveitamento é maior, já que<br />

os cristais quebra<strong>do</strong>s se dissolvem<br />

com mais facilidade. É usa<strong>do</strong> também<br />

no salgamento de alimentos e<br />

no processamento <strong>do</strong> couro.<br />

Já o refina<strong>do</strong> costuma receber cal<br />

para ficar mais branco, o que lhe dá<br />

uma certa ardência. No refino, o sal<br />

pode ainda receber flúor, para prevenir<br />

a cárie, e iodeto de sódio e de potássio,<br />

para prevenir o bócio, <strong>do</strong>ença<br />

que provoca o crescimento da glândula<br />

tireoide. Mas os produtores <strong>do</strong><br />

sal tradicional criticam estas práticas,<br />

argumentan<strong>do</strong> que, processa<strong>do</strong><br />

industrialmente, este mineral perde<br />

quase to<strong>do</strong>s os seus elementos originais<br />

e tem o sabor prejudica<strong>do</strong>.<br />

O marinho também pode ser dividi<strong>do</strong><br />

em <strong>do</strong>is tipos: a flor <strong>do</strong> sal e o<br />

sal cinza. A flor <strong>do</strong> sal é a nata que<br />

fica por cima na salina após a evaporação.<br />

Seus cristais são os mais<br />

delica<strong>do</strong>s e muito aprecia<strong>do</strong>s pela<br />

gastronomia europeia. Abaixo dele<br />

vem o sal cinza, que concentra as<br />

substâncias mais pesadas <strong>do</strong> mar,<br />

como os metais.<br />

A água <strong>do</strong> mar é sugada por bombeamento<br />

com moinhos de vento<br />

ou bombas elétricas. As quadras das<br />

salinas ficam então cheias d’água e<br />

68<br />

SENAC AMBIENTAL


o sal leva meses para se cristalizar.<br />

Depois de granula<strong>do</strong>, é puxa<strong>do</strong> com<br />

ro<strong>do</strong>s, leva<strong>do</strong> para galpões, ensaca<strong>do</strong><br />

e vendi<strong>do</strong>. Os maiores amigos<br />

<strong>do</strong> salineiro são o vento e o sol, e<br />

o inimigo principal são as chuvas. A<br />

extração é interrompida nos perío<strong>do</strong>s<br />

chuvosos, quan<strong>do</strong> se faz a manutenção<br />

das quadras e se prepara<br />

nova safra.<br />

Produção brasileira<br />

No Brasil, os principais centros de<br />

extração se localizam no Rio Grande<br />

<strong>do</strong> Norte e no Rio de Janeiro. Nas salinas<br />

potiguares são produzidas 4,8<br />

milhões de toneladas por ano (95%<br />

da produção <strong>do</strong> país) e gera<strong>do</strong>s 15<br />

mil empregos diretos nos municípios<br />

de Areia Branca, Galinhos, Grossos,<br />

Guanapé, Macau e Mossoró. Mossoró<br />

não fica no litoral, mas mesmo<br />

assim produz bastante. Além de ter<br />

clima quente e ventoso, a cidade<br />

está situada numa várzea inundada<br />

com solo impermeável. Quan<strong>do</strong> acabam<br />

as enchentes <strong>do</strong>s rios, formamse<br />

salinas naturais no relevo plano e<br />

baixo, onde a água salgada entra até<br />

35 quilômetros litoral adentro, favorecen<strong>do</strong><br />

a evaporação.<br />

Para escoar a produção, foi construí<strong>do</strong><br />

um porto-ilha a 14 quilômetros<br />

da costa, onde são embarcadas to<strong>do</strong><br />

dia toneladas <strong>do</strong> produto para os demais<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil e para o exterior.<br />

Metade <strong>do</strong> sal potiguar <strong>vai</strong> para<br />

indústrias químicas na Bahia e em<br />

São Paulo. O restante é exporta<strong>do</strong>.<br />

Salinas fluminenses:<br />

decadência e resistência<br />

Os índios foram os primeiros coletores<br />

de sal na Lagoa de Araruama.<br />

No perío<strong>do</strong> colonial, uma carta <strong>do</strong><br />

rei de Portugal de 1690 proibiu sua<br />

produção no Brasil para proteger<br />

interesses comerciais portugueses.<br />

Em 1801, a atividade foi liberada e<br />

a primeira salina, chamada Perynas,<br />

foi criada na Região <strong>do</strong>s Lagos em<br />

1823. O entorno da lagoa é propício<br />

à extração, pois as águas têm um<br />

teor de sal muito eleva<strong>do</strong>.<br />

Em 2001, uma pesquisa feita pelo<br />

Sebrae mostrou que o setor salineiro<br />

era forma<strong>do</strong> por 33 empresas:<br />

15 em Araruama, 15 em Arraial <strong>do</strong><br />

Cabo e três em São Pedro da Aldeia,<br />

produzin<strong>do</strong> 85.700 toneladas por<br />

ano, com renda em torno de R$ 1,7<br />

milhão. Em 2011, segun<strong>do</strong> Humberto<br />

Quintanilha, presidente <strong>do</strong> Sindicato<br />

de Extração de Sal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro, o número caiu.<br />

Hoje existem entre 15 e 20 salinas na<br />

região, as quais produzem em torno<br />

de 30 mil toneladas por ano.<br />

Em dez anos, as salinas fluminenses<br />

foram reduzidas quase à metade.<br />

Seus terrenos têm si<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong>s<br />

para a construção de casas e con<strong>do</strong>mínios<br />

e a paisagem tradicional se<br />

modifica rapidamente. Os salineiros<br />

alegam que o custo da mão-de-obra<br />

e os impostos sobre a atividade são<br />

altos e eles não podem fazer face à<br />

concorrência <strong>do</strong> sal <strong>do</strong> Rio Grande<br />

<strong>do</strong> Norte e <strong>do</strong> Chile.<br />

Há alguns anos a empresa Álcalis,<br />

tradicional produtora da região, encerrou<br />

suas atividades. Hoje, o grande<br />

compra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sal fluminense é a<br />

Refinaria Nacional de Sal, que produz<br />

o Sal Cisne e estabelece o preço. Segun<strong>do</strong><br />

Humberto, os salineiros que<br />

ainda produzem só mantêm esta<br />

atividade para evitar invasões e a favelização<br />

de suas terras. “Mesmo antieconômicas,<br />

as salinas são um prejuízo<br />

menor <strong>do</strong> que a possibilidade de<br />

vir a perder as terras”, afirma ele.<br />

O jornalista Antonio Trindade Junior,<br />

nasci<strong>do</strong> e cria<strong>do</strong> em Cabo Frio, analisa<br />

este fenômeno: “As salinas ocupam<br />

e preservam muito espaço com<br />

pouca gente. São um marco tradicional,<br />

um símbolo da nossa paisagem,<br />

como o Pão de Açúcar é para o carioca.<br />

Elas geraram grande riqueza<br />

e hoje são nostalgia, um retrato na<br />

parede. O turismo e a extração <strong>do</strong><br />

petróleo – as principais atividades<br />

Antonio Trindade Júnior<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 69


70<br />

Máquinas da Álcalis em Massambaba<br />

Moinho desmonta<strong>do</strong><br />

SENAC AMBIENTAL<br />

econômicas atuais da Região <strong>do</strong>s<br />

Lagos – são o contrário das salinas:<br />

condensam muita gente em<br />

pouco espaço.”<br />

Em Massambaba, entre Cabo Frio e<br />

Arraial <strong>do</strong> Cabo, barcaças aban<strong>do</strong>nadas<br />

apodrecem nos canais da Álcalis,<br />

os moinhos vão cain<strong>do</strong> lentamente,<br />

as salinas esturricam ao sol e<br />

o mato cresce nelas. Trindade Júnior<br />

continua sua análise: “Perde-se uma<br />

atividade inteligente <strong>do</strong> ponto de vista<br />

ambiental e abre-se espaço para<br />

outra muito impactante: a ocupação<br />

imobiliária. Sem pensar que o aviltamento<br />

da paisagem pode prejudicar<br />

o próprio turismo.”<br />

Queda na produção<br />

Mais adiante, começa a surgir o cenário<br />

com elementos geométricos<br />

que encantou pintores como Djanira<br />

e Pancetti. Os montes de sal de<br />

diferentes matizes são pirâmides<br />

que se refl etem nos quadriláteros<br />

onde a água se acumula (chama<strong>do</strong>s<br />

tabuleiros ou medas). Nas bordas<br />

das salinas, vemos vegetação nativa<br />

da restinga e a presença de garças,<br />

colhereiros, marrecos, maçaricos<br />

e quero-queros. Os canais que<br />

escoam a água servem de berçário<br />

para os peixes. No fun<strong>do</strong>, se destaca<br />

o perfi l elegante das montanhas<br />

ou a planura <strong>do</strong> mar.<br />

Em Figueiras, distrito de Arraial <strong>do</strong><br />

Cabo, Carlos Aldinei Carvalhães é<br />

um arrendatário: tem um contrato<br />

sobre um trecho da Salina Flor de<br />

Figueira, <strong>do</strong> Grupo Niemeyer, pelo<br />

qual deve arcar com as despesas<br />

de conservação e mão de obra e<br />

dar aos <strong>do</strong>nos da salina entre 30<br />

e 40% <strong>do</strong> que produz. A mão de<br />

obra é pouca: apenas uma pessoa<br />

na entressafra e 10 a 15 trabalha<strong>do</strong>res<br />

na safra. Sua produção<br />

tem diminuí<strong>do</strong> muito e em 2010<br />

perdeu 100 toneladas por causa<br />

da chuva. Aldinei afirma: “A tendência<br />

é acabar, o preço é baixo e<br />

não tem incentivo. Mesmo assim,<br />

estamos colhen<strong>do</strong> e limpan<strong>do</strong> as<br />

quadras e passan<strong>do</strong> um ro<strong>do</strong> de<br />

borracha para melhorar a qualidade<br />

<strong>do</strong> sal.”<br />

Ele reivindica proteção para a<br />

atividade salineira e a Lagoa de<br />

Araruama: “As salinas sempre renovaram<br />

a lagoa. Mas agora, sem<br />

elas, a água fica cada vez pior.<br />

Com sal ou sem sal, o governo<br />

deve <strong>cuidar</strong> da lagoa, um patrimônio<br />

da gente daqui. Se houvesse<br />

apoio, as salinas não acabariam,<br />

pois temos amor a elas.”<br />

As empresas que permanecem na<br />

ativa na região tentam diversificar<br />

atividades e agregar valor ao produto.<br />

Algumas moem e ensacam o<br />

sal para ter melhores preços.


Uma rica simbologia<br />

Na Antiguidade era muito difícil obter o sal, e na China apenas o ouro era mais valioso <strong>do</strong> que ele. No Império<br />

Romano, era usa<strong>do</strong> como pagamento, e daí vem a palavra salário. Ele também é símbolo de uma relação em<br />

que se pode confiar. A expressão “pacto de sal” significa um acor<strong>do</strong> que será cumpri<strong>do</strong>. Na Bíblia é muito<br />

conhecida a frase de Jesus Cristo: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perder sua força, com que outra coisa se<br />

há de salgar?” Os discípulos de Jesus deveriam ser como o sal, que, em pequena quantidade, tempera grande<br />

volume de alimento.<br />

Na Índia colonial, o governo britânico proibiu a extração de sal e, em 1923, Mahatma Gandhi iniciou uma<br />

marcha de 400 quilômetros em direção às salinas ao norte da cidade de Mumbai (também conhecida como<br />

Bombaim). Milhares de pessoas se juntaram a ele e passaram a ferver a água <strong>do</strong> mar e a vender a substância<br />

que produziam. Gandhi foi preso, mas a marcha e as greves continuaram. Em 1924, o governo autorizou os<br />

indianos a colher ou fabricar sal a partir de fontes disponíveis nos lugares onde moravam e a vender aos vizi-<br />

nhos. O imposto sobre o sal continuou em vigor, mas o monopólio foi venci<strong>do</strong> pela desobediência civil.<br />

José Amaro da Silva tem 63 anos e<br />

puxa o ro<strong>do</strong> debaixo <strong>do</strong> sol forte. Ele<br />

administra um trecho da Salina Santa<br />

Mariana e é um apaixona<strong>do</strong> pelo<br />

seu trabalho:<br />

“Me criei no sal, tentei ir para a cidade,<br />

mas voltei. Estou aposenta<strong>do</strong><br />

e continuo na luta. Para ter bom sal<br />

precisa conhecer as manhas da natureza<br />

e fazer boa distribuição da<br />

água nas quadras.” Ele enche as<br />

mãos <strong>do</strong> sal grosso, exibe sua pureza<br />

e afi rma: “Gosto de trabalhar<br />

aqui e agora vou torcer para não<br />

chover. Destruir a natureza não<br />

está certo e isto aqui é muito bonito.<br />

Numa noite de lua, o sal brilha,<br />

é espetacular.”<br />

Jorge Alves <strong>do</strong>s Santos tem 65 anos<br />

e diz, com bom humor: “Enquanto<br />

tiver salina eu continuo. Tenho boa<br />

saúde, nunca fui a médico e esse<br />

serviço combina com meu sangue.”<br />

Ele trabalha para Hermínio Fernandes<br />

Carvalho, que extrai, compra e<br />

vende sal há 30 anos. Hermínio também<br />

aposta na resistência: “Há 40<br />

anos estão dizen<strong>do</strong> que as salinas<br />

vão acabar e até agora não aconteceu.<br />

Antigamente, os salineiros viviam<br />

na abastança. Hoje os lucros<br />

são menores, mas existem. Num ano<br />

ruim produzo só 500 toneladas, mas<br />

num ano bom, de sol e sem chuvas,<br />

posso fazer 1.500 toneladas e dá<br />

para compensar.”<br />

Trabalha<strong>do</strong>res<br />

das salinas


72<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


CONSUMO<br />

Mamãe, eu<br />

quero!<br />

Patrícia Costa<br />

Desde pequenos, eles<br />

descobrem que podem<br />

influenciar nas decisões de<br />

compra das famílias e já<br />

representam uma grande<br />

fatia <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de consumo<br />

mundial, que, só no Brasil,<br />

movimenta 130 bilhões de<br />

reais por ano. Pesquisas<br />

indicam que, apesar da pouca<br />

idade, eles sabem muito bem<br />

o que querem.<br />

foto: Dreamstime<br />

<strong>Quem</strong> se lembra de propagandas<br />

em que crianças diziam coisas como<br />

“não esqueça a minha Caloi” ou<br />

“compre Baton, seu filho merece<br />

Baton” pode até estranhar a falta<br />

de anúncios com imperativos como<br />

esses atualmente. É que o merca<strong>do</strong><br />

publicitário volta<strong>do</strong> para o público<br />

infantil cresceu tanto nas últimas<br />

décadas que despertou a atenção<br />

de entidades, especialistas e políticos<br />

para o bombardeio em cima das<br />

crianças. Por isso é que, em setembro<br />

de 2006, o Conselho Nacional<br />

de Autorregulamentação Publicitária<br />

(Conar) atualizou seu Código com<br />

novas regras para a veiculação de<br />

tais anúncios.<br />

Outra medida, não tão bem-sucedida,<br />

ocorreu em 2010. A Agência<br />

Nacional de Vigilância Sanitária<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 73


foto: Dreamstime<br />

(Anvisa) publicou uma resolução a<br />

respeito da veiculação de anúncios,<br />

para crianças, de alimentos ricos em<br />

gorduras, açúcares e sódio e de baixo<br />

valor nutricional. O <strong>do</strong>cumento<br />

obrigava esses comerciais a exibirem<br />

alertas para os riscos à saúde que o<br />

consumo excessivo de tais alimentos<br />

poderia causar. Mas a resolução<br />

nº 24 foi suspensa pela Justiça após<br />

avaliação de um pedi<strong>do</strong> da indústria<br />

de alimentos, que questionou a<br />

competência da Anvisa para regular<br />

a questão.<br />

Discurso da sedução sem lei<br />

O Brasil anda a passos lentos rumo<br />

à proteção da infância contra os<br />

abusos da propaganda. Não temos<br />

leis que proíbam a publicidade infantil,<br />

só alguns instrumentos legais<br />

que abordam esse tema na Constituição<br />

Federal, no Código de Defesa<br />

<strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r e no Estatuto da<br />

Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente.<br />

“Mas não é suficiente”, afirma a<br />

<strong>do</strong>utora em Psicologia Maria Claudia<br />

Tardin, professora de graduação<br />

e de pós-graduação da Escola Superior<br />

de Propaganda e Marketing<br />

(ESPM). “A criança ainda não tem<br />

maturidade para analisar o discurso<br />

coercitivo de uma propaganda.<br />

E fica à mercê disso, principalmente<br />

por meio da televisão.”<br />

Assim como outros especialistas,<br />

ela faz questão<br />

de frisar que não é contra o<br />

consumo: “Consumir faz parte<br />

da vida. O problema surge<br />

quan<strong>do</strong> vira exagero e se associa<br />

o ato de consumir à felicidade.<br />

Isso é consumismo”.<br />

E é esta mensagem<br />

que a maioria das<br />

propagandas destaca:<br />

só será feliz<br />

quem comprar determina<strong>do</strong><br />

produto.<br />

Uma parceria entre<br />

o Projeto Consumo e<br />

Criança, <strong>do</strong> Instituto Alana,<br />

com o Observatório de Mídia:<br />

Direitos Humanos, Políticas e Sistemas,<br />

da Universidade Federal <strong>do</strong> Espírito<br />

Santo, resultou numa pesquisa<br />

que tem o objetivo de traçar um<br />

quadro detalha<strong>do</strong> da relação entre<br />

publicidade, infância e consumo na<br />

televisão brasileira durante um perío<strong>do</strong><br />

de três anos. Em 2011, no primeiro<br />

ano da pesquisa, ao longo <strong>do</strong>s<br />

15 dias que antecederam o Dia da<br />

Criança, foram veiculadas quase 81<br />

mil peças publicitárias. Destas, 64%<br />

falavam diretamente com o público<br />

menor de 12 anos de idade. Nos canais<br />

abertos, isso representou 20%<br />

<strong>do</strong>s comerciais. Nos canais fecha<strong>do</strong>s,<br />

esse volume subiu para 94%<br />

(ver box).<br />

“É contra esse exagero que o Instituto<br />

trabalha”, explica a coordena<strong>do</strong>ra<br />

de Mobilização <strong>do</strong> Projeto,<br />

Gabriela Vuolo. “Nós atuamos em<br />

várias frentes. Uma delas é jurídica,<br />

que recebe denúncias de abusos<br />

de propaganda infantil e prepara<br />

representações para o Ministério<br />

Público e para o Procon”.<br />

Outra frente é a de educação e pesquisa,<br />

cujo foco é na formação de<br />

professores no tema da educação<br />

para o consumo, com ofertas de<br />

bolsas de estu<strong>do</strong> para alunos de<br />

graduação que estejam pesquisan<strong>do</strong><br />

sobre infância e publicidade. “O<br />

trabalho de mobilização e de divulgação<br />

também é importante, por<br />

levar nossas ações à população. Informação<br />

é poder, e ajuda o cidadão<br />

a se engajar e lutar pelos direitos da<br />

criança”, destaca Gabriela.<br />

Ela concorda que a lei brasileira é<br />

falha nesse tema. “Até nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s, que é o berço da propaganda,<br />

existem leis que protegem<br />

a infância. Outros países europeus<br />

também já legislam sobre isso. A<br />

indústria de produtos infantis e a<br />

publicidade não levam em conta os<br />

mecanismos legais existentes no<br />

Brasil. Por isso, é preciso impor limi-<br />

74<br />

SENAC AMBIENTAL


tes e regras mais claras”. E cita o Projeto<br />

de Lei de 5.921/2001, que proíbe<br />

e regulamenta a propaganda voltada<br />

para a criança e tramita no Congresso<br />

há mais de 10 anos.<br />

Propaganda + criança =<br />

consumismo infantil?<br />

Apesar das novas regras anunciadas<br />

em 2006 pelo Conar, para a<br />

professora Maria Claudia Tardin,<br />

o Conselho parece agir em defesa<br />

das empresas. “O Conar só se<br />

manifesta quan<strong>do</strong> a sociedade se<br />

mobiliza no chama<strong>do</strong> ‘movimento<br />

consumerista’. Ele se reúne, analisa<br />

a propaganda e somente se constatar<br />

que alguns <strong>do</strong>s critérios determina<strong>do</strong>s<br />

como abusivos estiverem<br />

ocorren<strong>do</strong> é que tira a propaganda<br />

<strong>do</strong> ar”, explica a professora.<br />

Segun<strong>do</strong> o assessor de comunicação<br />

<strong>do</strong> Conar, Eduar<strong>do</strong> Corrêa,<br />

desde 2009 a entidade não concede<br />

mais entrevistas sobre propaganda<br />

infantil. Em texto divulga<strong>do</strong> no informativo<br />

eletrônico disponível no<br />

site, a entidade afirma que “a reforma<br />

<strong>do</strong> Código [de Autorregulamentação<br />

Publicitária, de 2006] atendeu<br />

ao propósito de manter eleva<strong>do</strong>s os<br />

padrões éticos da comunicação e,<br />

principalmente, dar respostas apropriadas<br />

às justas preocupações da<br />

sociedade com a formação das suas<br />

crianças e <strong>do</strong>s seus a<strong>do</strong>lescentes”.<br />

Essa polêmica promete se acirrar<br />

por conta da recente posição assumida<br />

pela Organização Mundial<br />

de Saúde (OMS) com relação à<br />

propaganda de alimentos dirigida<br />

a crianças. Após analisar inúmeras<br />

pesquisas, a OMS declarou que<br />

existe clara ligação entre essas<br />

propagandas e o crescimento acelera<strong>do</strong><br />

da obesidade infantil em diversos<br />

países. “No caso <strong>do</strong> Brasil,<br />

da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBGE apontam que uma<br />

em cada três crianças já apresenta<br />

sobrepeso e 15% delas já estão<br />

obesas”, observa Gabriela Vuolo.<br />

Ela aponta ainda o problema <strong>do</strong><br />

endividamento das famílias: “To<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> conhece um pai ou mãe que<br />

se sacrifica para dar algo pedi<strong>do</strong> pela<br />

criança, mesmo que não possa pagar”.<br />

E cita outro estu<strong>do</strong> feito pelo<br />

Instituto Alana em 2010, na época<br />

<strong>do</strong> Dia da Criança, segun<strong>do</strong> o qual<br />

o preço médio <strong>do</strong>s brinque<strong>do</strong>s era<br />

de R$ 100. “Nem todas as famílias<br />

podem arcar com brinque<strong>do</strong>s caros<br />

assim. A saída é se endividar”.<br />

Para Maria Claudia Tardin, isso é reflexo<br />

<strong>do</strong> padrão de consumo imposto<br />

pela sociedade capitalista: “Vivemos<br />

um he<strong>do</strong>nismo moderno, que nada<br />

mais é <strong>do</strong> que a busca <strong>do</strong> prazer<br />

consigo mesmo e que faz o homem<br />

ter apego ao consumo. A prática de<br />

consumo é o jeito mais fácil de ter<br />

prazer. A relação que o homem estabelece<br />

com os objetos de consumo<br />

é muito valorizada”, diz ela.<br />

Pais dão o exemplo, para o<br />

bem e para o mal<br />

E qual é a responsabilidade <strong>do</strong>s pais<br />

no comportamento de consumo das<br />

crianças? Para a psicóloga e <strong>do</strong>utora<br />

em Educação da PUC-Rio Solange<br />

Jobim, os pais são grandes responsáveis<br />

pelo “eu quero e pronto” <strong>do</strong>s<br />

filhos. “Além de influenciarem no<br />

comportamento, como exemplos<br />

que são, os pais não estão sen<strong>do</strong><br />

capazes de traduzir o discurso<br />

de sedução da propaganda para a<br />

criança. Hoje vemos que a mídia tem<br />

mais poder de ‘educar’ as crianças<br />

<strong>do</strong> que os pais. Os papéis se inverteram,<br />

as crianças é que decidem o<br />

que comprar. Ou porque os pais não<br />

estão perto ou porque acham mais<br />

fácil ceder aos desejos <strong>do</strong>s filhos <strong>do</strong><br />

que orientar”.<br />

Isso pode ser aferi<strong>do</strong> pelo estu<strong>do</strong><br />

KidsPower, produzi<strong>do</strong> pela TNS<br />

Research International, uma empresa<br />

de pesquisa de merca<strong>do</strong> que atua<br />

em mais de 75 países. Feito em cinco<br />

países da América Latina, incluin<strong>do</strong><br />

Maria Claudia<br />

Tardin, psicóloga<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 75


Educação para o consumo<br />

cidadão<br />

Cultivar essa mentalidade é difícil,<br />

mas não impossível. A professora<br />

Maria Claudia Tardin, por exemplo,<br />

propõe uma maior conscientização<br />

por parte de quem faz propaganda:<br />

“A propaganda não cria o desejo,<br />

ela cria o objeto <strong>do</strong> desejo. Como<br />

professora da ESPM, eu procuro<br />

mostrar para meus alunos os riscos<br />

<strong>do</strong> consumismo. E levanto questões<br />

sobre as dificuldades de lidar com a<br />

<strong>do</strong>r, a frustração e em como consumir<br />

pode se tornar uma válvula de<br />

escape”. Segun<strong>do</strong> ela, existem formas<br />

de fazer propaganda de maneira<br />

mais responsável, buscan<strong>do</strong> novos<br />

padrões, como as campanhas da<br />

marca Dove, que valorizam a mulher<br />

comum, real.<br />

A escola deveria ser parceira dessa<br />

mudança, mas, para Gabriela Vuolo,<br />

o que se vê, em alguns casos, é o<br />

oposto: “Muitas escolas, em vez de<br />

serem espaços para a criança aprender<br />

e refletir sobre o consumo, estão<br />

viran<strong>do</strong> um local onde empresas fazem<br />

sua propaganda”.<br />

Outra medida defendida pelas especialistas,<br />

e que é eficaz e poderosa<br />

em sua simplicidade, é saber dizer<br />

não: “Os pais precisam impor limites<br />

aos desejos <strong>do</strong>s seus filhos. Isso os<br />

ajudará a se tornarem cidadãos mais<br />

adapta<strong>do</strong>s e conscientes. E devem<br />

dar o exemplo, consumin<strong>do</strong> de forma<br />

racional e denuncian<strong>do</strong> abusos”,<br />

afirma Gabriela.<br />

Maria Inês Dulci também defende<br />

uma atuação mais cidadã: “Se a sociedade<br />

reagisse, lutasse pelos seus<br />

direitos, a Anvisa não teria necessidade<br />

de tentar limitar a propaganfoto:<br />

Dreamstime<br />

o Brasil, o estu<strong>do</strong> ouviu mães e filhos<br />

com idades entre 3 e 9 anos. A combinação<br />

entre as mudanças no papel<br />

<strong>do</strong>s pais – como a saída da mulher<br />

para o merca<strong>do</strong> de trabalho –, o aumento<br />

da oferta de produtos volta<strong>do</strong>s<br />

para o público infantil e a grande<br />

exposição <strong>do</strong>s pequenos aos meios<br />

de comunicação e às novas tecnologias<br />

resultou numa mudança na dinâmica<br />

familiar: as crianças são mais<br />

egocêntricas e menos tolerantes à<br />

frustração e sabem negociar para<br />

conseguir o que querem. Os pais se<br />

mostram mais ausentes, mais permissivos<br />

e culpa<strong>do</strong>s. Em não menos<br />

<strong>do</strong> que 80% das famílias a criança<br />

influencia nas decisões de compra.<br />

A saída? Educação. Para as crianças<br />

e para seus responsáveis. “Seria<br />

mais eficiente educar os pais, pois a<br />

criança é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu contexto<br />

social. O problema é que a criança<br />

fica muito tempo sozinha diante da<br />

TV, dialogan<strong>do</strong> com a cultura <strong>do</strong><br />

consumo. Mas, se a família orienta,<br />

faz a criança questionar o que assiste<br />

e cria uma consciência sobre<br />

o consumo, é possível, sim, mudar<br />

esse jogo”, afi rma Solange Jobim.<br />

Buscar informações e orientação<br />

também é um caminho rumo a um<br />

padrão de consumo mais racional.<br />

Por isso, a Proteste – uma associação<br />

de defesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r<br />

– criou um portal sobre educação<br />

para o consumo volta<strong>do</strong> especialmente<br />

para crianças e jovens.<br />

Maria Inês Dolci, coordena<strong>do</strong>ra<br />

institucional da entidade, explica<br />

os objetivos <strong>do</strong> programa Proteste<br />

Jovem: “Dar mais insumos e<br />

mostrar a necessidade de fortalecer<br />

crianças e a<strong>do</strong>lescentes em<br />

relação ao Código de Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r e ao consumo consciente.”<br />

Mais <strong>do</strong> que aplicar de<br />

forma didática esse conhecimento,<br />

ela defende uma incorporação<br />

de princípios. E cita um exemplo:<br />

“Em 2010, a cantina de uma escola<br />

particular aumentou os preços<br />

<strong>do</strong>s produtos em 30% sem explicação.<br />

As crianças se mobilizaram<br />

e boicotaram a cantina, o que forçou<br />

uma redução nos preços. Isso<br />

é exercer seus direitos de consumi<strong>do</strong>r<br />

de forma transforma<strong>do</strong>ra”.<br />

76<br />

SENAC AMBIENTAL


da de alimentos, por exemplo. Esse<br />

movimento partiria da sociedade<br />

organizada e a propaganda seria<br />

proibida”. Ela argumenta ainda que<br />

envolver os fi lhos nas questões financeiras<br />

da família também pode<br />

ajudar a criar uma consciência em<br />

torno da diferença entre desejo e<br />

necessidade: “Mostrar à criança<br />

que não se pode gastar mais <strong>do</strong><br />

que se ganha é um grande passo<br />

para o futuro dela e, indiretamente,<br />

para a sociedade”.<br />

Para Solange Jobim, um <strong>do</strong>s desafios<br />

<strong>do</strong> campo da educação é encontrar<br />

estratégias para fazer frente a um<br />

padrão de consumo que nos coloca<br />

reféns da infelicidade e da perda<br />

de valores. Segun<strong>do</strong> ela, é preciso<br />

resgatar princípios como cooperação<br />

e solidariedade, priorizan<strong>do</strong> o<br />

“ser” em vez <strong>do</strong> “ter”. Solange sugere<br />

uma ação conjunta e global: “Na<br />

medida em que as famílias não têm<br />

condições de ter uma consciência<br />

crítica sobre esses valores, uma lei<br />

ajudaria a conscientizar e a levantar<br />

reflexões. Por outro la<strong>do</strong>, tirar a propaganda<br />

infantil da TV não basta. O<br />

trabalho educativo <strong>do</strong>s professores<br />

e das famílias é fundamental para<br />

promover a mudança nos modelos<br />

de consumo”, conclui.<br />

Para saber mais:<br />

Instituto Alana<br />

www.alana.org.br<br />

Pesquisa KisPower<br />

www.tnsglobal.com.br/site2006/<br />

<strong>do</strong>wnload/estu<strong>do</strong>sInstitucionais/<br />

KIDSPOWER.pdf<br />

ProTeste Jovem<br />

www.proteste.org.br/map/<br />

src/454091.htm<br />

Conar<br />

www.conar.org.br<br />

TEDxSudeste<br />

www.youtube.com/watch?v= _<br />

t223swPVlA (Repensar o consumo, palestra<br />

<strong>do</strong> jornalista André Trigueiro)<br />

Ouvi<strong>do</strong> de telespecta<strong>do</strong>r<br />

não é mouco<br />

Que a programação das TVs<br />

exagera com a quantidade de<br />

intervalos, ninguém duvida.<br />

O que pouca gente percebe<br />

é que a maioria <strong>do</strong>s canais<br />

recorre a um artifício para<br />

atrair mais ainda a atenção<br />

<strong>do</strong> público na hora <strong>do</strong>s comerciais:<br />

aumentar o volume.<br />

Essa prática ficou tão abusiva<br />

que já existe uma lei para<br />

coibi-la. Só que essa lei não<br />

pegou.<br />

Em maio de 2011, a Procura<strong>do</strong>ria<br />

Regional <strong>do</strong>s Direitos<br />

<strong>do</strong> Cidadão de São Paulo entrou<br />

com uma ação civil pública<br />

exigin<strong>do</strong> que a Agência<br />

Nacional de Telecomunicações<br />

(Anatel) regulamente a<br />

Lei nº 10.222/01, que proíbe<br />

o aumento <strong>do</strong> volume nos<br />

intervalos comerciais.<br />

O Ministério Público Federal<br />

pediu que a medida atinja<br />

to<strong>do</strong> o território nacional,<br />

pois analisou lau<strong>do</strong>s periciais<br />

que apontavam diferenças<br />

de até cinco decibéis entre<br />

o áudio da programação<br />

normal e o <strong>do</strong>s comerciais.<br />

O estu<strong>do</strong> apontou ainda que<br />

os canais infantis apresentavam<br />

a maior variação. A Anatel<br />

alega que não fiscaliza<br />

porque a lei ainda não<br />

foi regulamentada.<br />

E a prática continua,<br />

infelizmente<br />

para os ouvi<strong>do</strong>s<br />

e a paciência <strong>do</strong><br />

telespecta<strong>do</strong>r.<br />

foto: Dreamstime<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 77


78<br />

<strong>Senac</strong> Ambiental


ESPECIAL<br />

Garimpos:<br />

miséria e devastação<br />

ambiental<br />

A busca pelo ouro na Amazônia deixa<br />

cicatrizes profundas na floresta e nos<br />

homens que se aventuram atrás <strong>do</strong> metal<br />

precioso, enfrentan<strong>do</strong> nos garimpos um<br />

cotidiano de miséria, <strong>do</strong>enças e péssimas<br />

condições de trabalho<br />

João Roberto Ripper<br />

foto: Marco A. Rezende/Brazil Photos<br />

Garimpeiros em<br />

Serra Pelada, no<br />

Pará<br />

O ciclo social <strong>do</strong> ouro no<br />

Brasil, inicia<strong>do</strong> oficialmente<br />

no século 18, tem um capítulo<br />

especial na Amazônia, nos<br />

dias atuais. Naquela época,<br />

a descoberta <strong>do</strong> metal e<br />

o início da exploração das<br />

minas nas regiões auríferas<br />

(os esta<strong>do</strong>s de Minas Gerais,<br />

Mato Grosso e Goiás, na<br />

região central <strong>do</strong> país)<br />

provocaram uma verdadeira<br />

“corrida <strong>do</strong> ouro”. À procura<br />

de trabalho, desemprega<strong>do</strong>s<br />

e aventureiros de todas as<br />

regiões partiram em busca<br />

<strong>do</strong> sonho de enriquecer<br />

da noite para o dia.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 79


Desmatamentos no<br />

garimpo de Água<br />

Branca, no Pará<br />

A situação não é diferente nos dias<br />

de hoje, na Amazônia. Uma notícia<br />

vaga, espalhada de boca em boca,<br />

pode transformar um local ermo em<br />

um vilarejo fervilhante em poucas<br />

semanas. O Pará parece ser o dispara<strong>do</strong>r<br />

dessa corrida, com histórias<br />

fantásticas de pessoas que, apesar<br />

não serem conhecidas no resto <strong>do</strong><br />

país, são famosas nas currutelas<br />

(minúsculas cidades que crescem<br />

ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s garimpos) e nos longínquos<br />

rincões onde homens, mulheres<br />

e crianças buscaram ouro e<br />

sonharam com uma vida melhor.<br />

Na trilha desses corações e dessas<br />

vidas, conhecemos pessoas que<br />

partilharam conosco suas <strong>do</strong>res e<br />

alegrias na busca <strong>do</strong> ouro. Foi assim<br />

na região de Água Branca, localizada<br />

no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.<br />

Bomba-relógio<br />

A história <strong>do</strong> ouro na Amazônia<br />

mostra que até hoje sangram as<br />

chagas da fragilidade governamental<br />

em resolver questões essenciais,<br />

como a regularização fundiária da<br />

região, a devastação ambiental ou a<br />

carência de serviços básicos, como<br />

saneamento, rede hospitalar e educação<br />

pública e de qualidade.<br />

No caso específico <strong>do</strong>s garimpos, a<br />

maior ameaça ambiental dessa atividade<br />

advém da utilização de mercúrio<br />

para possibilitar a amálgama<br />

com o ouro, de forma a recuperá-lo<br />

nas calhas de lavação <strong>do</strong> minério.<br />

Tanto o mercúrio metálico, perdi<strong>do</strong><br />

nos rios durante o processo de<br />

lavagem, como o mercúrio vaporiza<strong>do</strong><br />

durante a queima da amálgama<br />

para a separação <strong>do</strong> ouro são<br />

altamente prejudiciais à saúde <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res e ao meio ambiente.<br />

É como uma bomba-relógio armada<br />

na floresta. Em algum momento,<br />

<strong>vai</strong> explodir.<br />

Ambiente insalubre<br />

Além <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s à sua<br />

saúde pelo mercúrio, os garimpeiros<br />

enfrentam outro grande inimigo<br />

na Amazônia: a malária. Doença infecciosa,<br />

transmitida pela picada de<br />

um mosquito, ela mata três milhões<br />

de pessoas por ano no mun<strong>do</strong>, uma<br />

taxa só comparável à da Aids.<br />

O garimpeiro da Amazônia convive<br />

com a malária como convivemos<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />

80<br />

SENAC AMBIENTAL


com um simples resfria<strong>do</strong>. Rotina.<br />

Não são incomuns casos de adultos<br />

que já contraíram mais de 30 ou 40<br />

malárias ao longo da vida. A <strong>do</strong>ença<br />

é endêmica na região de Água Branca,<br />

apesar <strong>do</strong>s esforços de heroicos<br />

e isola<strong>do</strong>s agentes de saúde.<br />

Segun<strong>do</strong> a médica Rita de Cássia<br />

Barata, os garimpos que visitamos<br />

- e to<strong>do</strong>s os demais garimpos<br />

chama<strong>do</strong>s “abertos” - são áreas de<br />

alta incidência de malária por causa<br />

da facilidade de exposição, uma<br />

vez que os garimpeiros trabalham<br />

com pouca roupa e nos horários de<br />

maior atividade vetorial. Também<br />

contribuem a multiplicidade de cria<strong>do</strong>uros,<br />

decorrentes da forma como<br />

o espaço é altera<strong>do</strong> pela presença<br />

<strong>do</strong> garimpo, e a existência de muitos<br />

porta<strong>do</strong>res assintomáticos.<br />

O problema da malária não se restringe<br />

à área <strong>do</strong>s garimpos. As novas<br />

zonas de colonização na Amazônia<br />

têm incidências altíssimas,<br />

ten<strong>do</strong> em vista as condições favoráveis<br />

de transmissão, principalmente<br />

nas etapas de ocupação iniciais,<br />

em que a derrubada da mata é feita<br />

para plantio ou pecuária.<br />

Segun<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utora Rita de Cássia,<br />

em um trabalho da sua autoria<br />

apresenta<strong>do</strong> em 1995, nas zonas de<br />

colonização mais antiga, a incidência<br />

tende a estabilizar-se, em níveis<br />

baixos, em decorrência da melhoria<br />

nas habitações, da presença de animais<br />

<strong>do</strong>mésticos – diversifican<strong>do</strong> as<br />

fontes alimentares para os insetos<br />

– e das ações de controle praticadas<br />

pelos próprios mora<strong>do</strong>res ou<br />

órgãos públicos.<br />

Outro fantasma que ronda os garimpeiros<br />

é a leishmaniose, <strong>do</strong>ença<br />

transmitida por um mosquito<br />

comum na região. A leishmaniose<br />

é uma das <strong>do</strong>enças catalogadas<br />

pela Organização Mundial da Saúde<br />

(OMS) como “extremamente negligenciada”,<br />

porque não há interesse<br />

por parte da indústria farmacêutica<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />

Garimpagem<br />

em galeria<br />

subterrânea<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 81


Garimpeiros fi cam expostos<br />

a <strong>do</strong>enças como malária e<br />

leishmaniose<br />

Agente de<br />

saúde faz coleta de<br />

sangue<br />

em desenvolver novos medicamentos<br />

para combatê-la, em razão da<br />

sua prevalência em regiões muito<br />

pobres <strong>do</strong> <strong>planeta</strong>.<br />

Paisagem desola<strong>do</strong>ra<br />

O garimpo é a maneira mais bruta<br />

de mineração – a mais antiga e<br />

rudimentar. Estão localiza<strong>do</strong>s, em<br />

sua maioria, em locais longínquos e<br />

áreas remotas. Inúmeras vezes são<br />

ilegais. Poucos recebem apoio <strong>do</strong><br />

governo ou de empresas sólidas.<br />

A atividade de garimpo pode ser<br />

desenvolvida a céu aberto, nos aluviões<br />

ou nas pedras mineralizadas<br />

à flor da terra, ou ainda em galerias<br />

escavadas na rocha, muitos metros<br />

abaixo da superfície. É um trabalho<br />

duro, feito de forma precária e geralmente<br />

perigoso e arrisca<strong>do</strong>. Além<br />

disso, via de regra, é altamente nocivo<br />

ao meio ambiente.<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />

foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />

Muitos garimpos ainda são explora<strong>do</strong>s<br />

manualmente, mas grande parte<br />

deles começa a ser semimecaniza<strong>do</strong>.<br />

São garimpos de ouro, diamantes,<br />

cassiterita, tantlita-columbita,<br />

quartzo e ametista, só para citar os<br />

minérios mais conheci<strong>do</strong>s.<br />

Nas atividades desenvolvidas a<br />

céu aberto nos aluviões, grandes<br />

escavadeiras cavam enormes buracos<br />

na mata, maiores que piscinas<br />

olímpicas (às vezes, muito maiores),<br />

até o nível onde está o ouro, que<br />

pode ultrapassar os dez metros<br />

de profundidade. Depois de explorada,<br />

a cava pode ser preenchida<br />

novamente com areia, água ou<br />

simplesmente aban<strong>do</strong>nada. O processo<br />

se repete inúmeras vezes em<br />

áreas extensas. Após algum tempo,<br />

a paisagem é desola<strong>do</strong>ra: um deserto<br />

de areia branquíssima e lagos<br />

de água podre em meio à maior floresta<br />

tropical <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Muitos garimpos estão ilegalmente<br />

dentro de áreas de proteção ambiental.<br />

Segun<strong>do</strong> levantamento <strong>do</strong><br />

geólogo Cássio Roberto da Silva,<br />

<strong>do</strong> Departamento de Gestão Territorial<br />

<strong>do</strong> Serviço Geológico <strong>do</strong><br />

Brasil (SGB), em 2007 foram identifica<strong>do</strong>s<br />

207 garimpos em áreas indígenas,<br />

56 em parques nacionais<br />

e 292 em áreas de proteção permanente,<br />

além de 32 em diferentes<br />

tipos de reservas. Foram registradas<br />

1.906 ocorrências minerais em<br />

áreas de preservação ambiental,<br />

sen<strong>do</strong> que 20% delas ainda estão<br />

intocadas. O Brasil, segun<strong>do</strong> o levantamento<br />

publica<strong>do</strong> pelo jornal<br />

Folha de São Paulo, ainda tem 587<br />

garimpos dentro de áreas de reservas<br />

ambientalistas.<br />

Os personagens <strong>do</strong> garimpo<br />

A febre pelo ouro é como uma<br />

droga: vicia e cria dependência.<br />

Assim como a malária, pode matar,<br />

mas, ao contrário dela, geralmente<br />

não tem cura. O garimpeiro<br />

pensa ser livre, mas na verdade<br />

foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />

82<br />

SENAC AMBIENTAL


JUNHO/DEZEMBRO 2012 83


Garimpeiro usa mangueira<br />

para remover sedimentos<br />

está “acorrenta<strong>do</strong>” a uma busca<br />

que, para a esmaga<strong>do</strong>ra maioria,<br />

jamais terá fim. Porém, sem outras<br />

opções para mudar de vida, seguirá<br />

em frente. Poucas histórias de<br />

sucesso alimentam os sonhos de<br />

muitos. Exatamente como acontece<br />

em algumas outras profissões que<br />

já consagraram internacionalmente<br />

vários brasileiros, como a de joga<strong>do</strong>r<br />

de futebol e modelo fotográfico.<br />

Todas exigem muito trabalho e suor.<br />

As semelhanças acabam aí. Estas<br />

últimas requerem um talento incomum<br />

ou um <strong>do</strong>m. A primeira, uma<br />

sorte quase divina.<br />

foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />

Clezival<strong>do</strong>, por exemplo, tem uma<br />

história que caminha entre as fronteiras<br />

<strong>do</strong> Brasil e da Guiana Francesa.<br />

Seguiu o irmão e alguns amigos,<br />

tentan<strong>do</strong> “enricar” no garimpo.<br />

Com 27 anos, ficou três anos mergulha<strong>do</strong><br />

no mato e foi para o Garimpo<br />

Gurupa, em Maripassula, na<br />

Guiana Francesa, através <strong>do</strong> rio Regina,<br />

se esconden<strong>do</strong> nas matas <strong>do</strong><br />

último município brasileiro: o Oiapoque,<br />

no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amapá. “Peguei<br />

malária brava, mas o rio estava<br />

seco e demorei seis dias para voltar.<br />

Fraqueza <strong>do</strong> nosso corpo por causa<br />

da força <strong>do</strong> mosquito. Mas ano<br />

passa<strong>do</strong>, bom de saúde, quan<strong>do</strong> o<br />

rio secou na grande seca da Amazônia,<br />

fiz tu<strong>do</strong> andan<strong>do</strong>. Com as<br />

forças das minhas pernas, caminhei<br />

sete dias”.<br />

Muitas vezes, Clezival<strong>do</strong> e seus<br />

amigos tiveram de comprar medicamentos<br />

no chama<strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />

paralelo <strong>do</strong> ouro. Compraram injeções<br />

de pentacarinat. Mas ele não é<br />

o único a viver em condições tão<br />

precárias. Da região de onde Clezival<strong>do</strong><br />

veio, revezan<strong>do</strong> entre Brasil e<br />

Guiana Francesa, calcula-se que há<br />

mais de 600 brasileiros.<br />

Mas o garimpo não é feito só de garimpeiros.<br />

Jucelino Chaves da Silva<br />

é um homem apaixona<strong>do</strong> por seu<br />

trabalho. É agente de saúde, responsável<br />

pelo posto da Comunidade<br />

Garimpeira de Água Branca, no<br />

município de Itaituba, no Pará. Jucelino<br />

ama o que faz: <strong>cuidar</strong> <strong>do</strong> outro.<br />

Maranhense de Paulo Ramos,<br />

foi para o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará com 7<br />

anos. Hoje tem 31, <strong>do</strong>s quais 19 no<br />

garimpo. “Já devo ter colhi<strong>do</strong> sangue<br />

de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. To<strong>do</strong> dia tem<br />

resulta<strong>do</strong> positivo de malária. Escuto<br />

as histórias, as verdades e as<br />

mentiras. Ensino como se prevenir<br />

da malária, encaminho os casos de<br />

leishmaniose ou mesmo quem está<br />

muito mal da malária para Santarém<br />

ou para Itaituba. Tem <strong>do</strong>ente<br />

de tu<strong>do</strong>: osso quebra<strong>do</strong>, barranco<br />

84<br />

SENAC AMBIENTAL


foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />

que caiu e perfurou a barriga com<br />

o graveto que desceu, facada...<br />

Apesar disso, gosto muito de fazer<br />

bem feito o que vim aqui fazer”.<br />

Uma das personagens mais fantásticas<br />

<strong>do</strong> garimpo da Água Branca<br />

é Maria <strong>do</strong>s Cordões. Ela tem o<br />

poder <strong>do</strong> ouro que juntou, das histórias<br />

que aumentou. Tem o poder<br />

<strong>do</strong> tempo, da luz e das trevas que<br />

sua vida escondeu num canto <strong>do</strong><br />

coração. Acima de tu<strong>do</strong>, o que vemos<br />

é uma mulher vivida e bela, que<br />

vence o mun<strong>do</strong> e dá risada. Conta<br />

que já passou por oito cirurgias e<br />

lavou muita roupa para sobreviver.<br />

Na época, fazia o próprio sabão e,<br />

assim, faturava 40 gramas de ouro<br />

por dia. “Eu lavava roupa de garimpeiros,<br />

das mulheres <strong>do</strong> cabaré e<br />

até da polícia. Nessa vida toda, vi<br />

matarem muita gente. To<strong>do</strong> dia caía<br />

um. Quan<strong>do</strong> vim aqui para o garimpo<br />

de Água Branca, já trouxe muita<br />

merca<strong>do</strong>ria, principalmente roupas,<br />

que eu ven<strong>do</strong>”.<br />

Maria continua uma mulher <strong>vai</strong><strong>do</strong>sa.<br />

“Já fui muito bonita e criei sozinha<br />

meus filhos. Fui casada lá no Piauí,<br />

no padre e no civil. Casei com 13<br />

anos e meu mari<strong>do</strong> tinha 24. Depois<br />

que o tempo passou, ele disse que<br />

Lago de água suja em<br />

Água Branca, Pará<br />

A eterna busca pelo El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong><br />

A origem <strong>do</strong> nome Amazônia nos remete à busca pelo metal <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>.<br />

O termo deriva de amazonas, as mulheres guerreiras da mitologia grega.<br />

Quan<strong>do</strong> o explora<strong>do</strong>r espanhol Francisco de Orellana desceu o rio<br />

vin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Andes, em busca de ouro, em 1541, deparou-se com as índias<br />

icamiabas. A vitória das icamiabas contra os invasores espanhóis<br />

foi tão esmaga<strong>do</strong>ra que o fato foi narra<strong>do</strong> ao rei Carlos V de Habsburgo,<br />

o qual, inspira<strong>do</strong> nas míticas guerreiras amazonas, batizou o rio.<br />

JUNHO/DEZEMBRO 2012 85


foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />

não fazia dó de mim e queria mulher<br />

mais nova e bonita. Já tínhamos<br />

quatro fi lhos. Juntei <strong>do</strong>is quilos<br />

de ouro em jóias e fui à luta. Sou a<br />

Maria Francisca da Conceição Silva,<br />

a Maria <strong>do</strong>s Cordões, que não<br />

precisa de homem nenhum”.<br />

Assim vão se fazen<strong>do</strong> as histórias e<br />

fantasias <strong>do</strong>s garimpos, que são o<br />

fi lão <strong>do</strong> ciclo social <strong>do</strong> ouro no Brasil.<br />

A cada dia, surgem na Amazônia<br />

novos garimpos. Uns vivem apenas<br />

<strong>do</strong>is anos. Outros chegam à maioridade.<br />

Alguns poucos envelhecem,<br />

entre momentos de vigor físico e<br />

anemias intermitentes.<br />

No sul <strong>do</strong> Pará, nasceram garimpos<br />

como o de Criporizão, Criporizinho,<br />

Tabocal, Pista Nossa Senhora da<br />

Conceição, Cantagalo <strong>do</strong> Zé Come<br />

Vivo, Porto Rico, São José, Marapá,<br />

Cabaçal, Nossa Vida, Sudaro, Ratinho,<br />

Ratão, Jacaracanga, Mamual da<br />

Nazaré, Água Branca e Patrocínio,<br />

só para citar alguns.<br />

No fi nal, o que fica é a devastação<br />

ambiental causada pelas derrubadas,<br />

os problemas provoca<strong>do</strong>s pelo<br />

mercúrio e a miséria da maioria absoluta<br />

<strong>do</strong>s garimpeiros.<br />

O desastre de Minamata<br />

A intoxicação por mercúrio é gravíssima, como já ficou constata<strong>do</strong><br />

na aldeia de pesca<strong>do</strong>res de Minamata, no litoral oeste <strong>do</strong> Japão. Mora<strong>do</strong>res<br />

daquela localidade começaram a ter, no início da década de<br />

1950, convulsões severas, surtos de psicose e perda de consciência.<br />

Passou muito tempo até que ficasse prova<strong>do</strong> que a <strong>do</strong>ença, que atingia<br />

a cada ano um número maior de mora<strong>do</strong>res de Minamata, era resulta<strong>do</strong><br />

da ingestão de peixe contamina<strong>do</strong> pelo mercúrio despeja<strong>do</strong><br />

na baía pela empresa de fertilizantes Chisso.<br />

No total, mais de 900 pessoas morreram com <strong>do</strong>res severas provocadas<br />

pelo envenenamento. Em 2001, uma pesquisa indicou que cerca<br />

de <strong>do</strong>is milhões de pessoas podem ter si<strong>do</strong> afetadas. No mesmo<br />

perío<strong>do</strong> de tempo, foi reconheci<strong>do</strong> que 2.955 pessoas sofreram da<br />

<strong>do</strong>ença de Minamata.<br />

Esse drama foi <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> magistralmente pelo fotógrafo americano<br />

Eugene Smith. Até hoje o governo japonês mantém os trabalhos<br />

de desintoxicação da região.<br />

86<br />

SENAC AMBIENTAL

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