Quem vai cuidar do planeta? - Senac
Quem vai cuidar do planeta? - Senac
Quem vai cuidar do planeta? - Senac
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ano 2 • N 1<br />
junho/dezembro 2012<br />
ISSN 2238-6807<br />
Rio+20<br />
<strong>Quem</strong> <strong>vai</strong><br />
<strong>cuidar</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>planeta</strong>?<br />
Sérgio Besserman:<br />
hora de se conectar<br />
com a história<br />
Miséria e devastação<br />
nos garimpos<br />
Consumo: a<br />
influência das<br />
crianças
<strong>Senac</strong> – Serviço Nacional<br />
de Aprendizagem Comercial<br />
Departamento Nacional<br />
Av. Ayrton Senna, 5555, Barra da Tijuca<br />
Rio de Janeiro - RJ - Brasil - CEP 22775-045<br />
www.senac.br<br />
Conselho Nacional<br />
Antonio Oliveira Santos<br />
Presidente<br />
Departamento Nacional<br />
Sidney Cunha<br />
Diretor-geral<br />
A revista <strong>Senac</strong> Ambiental é uma publicação semestral<br />
produzida pelo Centro de Comunicação Corporativa<br />
<strong>do</strong> <strong>Senac</strong> Nacional. Os artigos assina<strong>do</strong>s são de inteira<br />
responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em<br />
qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita<br />
após consulta aos editores.<br />
Contato: educaambiental@senac.br<br />
EXPEDIENTE<br />
Editores<br />
Claudia Guimarães e Fausto Rêgo<br />
Editoração<br />
Centro de Comunicação Corporativa<br />
Projeto gráfico e diagramação<br />
Cynthia Carvalho<br />
Produção gráfica<br />
Sandra Regina Fernandes <strong>do</strong> Amaral<br />
Capa: Arte de Cynthia Carvalho Foto: Dreamstime<br />
<strong>Senac</strong> ambiental / <strong>Senac</strong>, Departamento Nacional. – Ano 1, nº 1 (jun.dez.<br />
2012)- . Rio de Janeiro : <strong>Senac</strong> Nacional, Centro de Comunicação<br />
Corporativa, 2012- .<br />
v. : il. color. ; xx cm.<br />
Semestral.<br />
Absorveu: <strong>Senac</strong> e educação ambiental.<br />
1. Educação ambiental. 2. Ecologia. 3. Meio ambiente. I. <strong>Senac</strong>.<br />
Departamento Nacional.<br />
Ficha elaborada de acor<strong>do</strong> com as normas <strong>do</strong> SICS - Sistema de Informação<br />
eConhecimento <strong>do</strong> <strong>Senac</strong>.
EDITORIAL<br />
Um novo<br />
capítulo na<br />
Educação<br />
Ambiental<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental é a legítima herdeira<br />
da antiga <strong>Senac</strong> e Educação<br />
Ambiental. Um novo nome, sim, e<br />
um novo formato, agora em periodicidade<br />
semestral. Mas a mesma<br />
preocupação em oferecer a você<br />
um conteú<strong>do</strong> de qualidade.<br />
Essa renovação se dá no mesmo momento<br />
em que renovamos nossas esperanças<br />
no futuro com a realização<br />
da Rio+20 – a Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Desenvolvimento<br />
Sustentável –, que tem a missão de<br />
tornar realidade todas as boas intenções<br />
já esboçadas há 20 anos, na<br />
Rio 92. Esse é o tema principal desta<br />
edição, que traz ainda uma entrevista<br />
com o economista e ambientalista<br />
Sérgio Besserman Vianna.<br />
Falamos também de garimpos, <strong>do</strong><br />
combate aos crimes ambientais, <strong>do</strong>s<br />
riscos no uso de agrotóxicos, das<br />
salinas da Região <strong>do</strong>s Lagos <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro e da observação de aves,<br />
passatempo que se transformou em<br />
grande ferramenta de educação. Por<br />
fim, explicamos a ISO 26000, certificação<br />
que incorpora normas socioambientais<br />
aos processos decisórios<br />
das empresas.<br />
Aproveite a leitura!<br />
foto: Dreamstime
SUMÁRIO<br />
14<br />
Capa<br />
Rio+20<br />
Conferência das Nações Unidas<br />
sobre Desenvolvimento Sustentável,<br />
no Rio de Janeiro, é corrida contra<br />
o tempo. Hoje, humanidade já<br />
consome muito mais <strong>do</strong> que o<br />
<strong>planeta</strong> é capaz de oferecer.<br />
78<br />
Especial<br />
Garimpos: miséria e<br />
devastação<br />
A busca pelo ouro na Amazônia<br />
deixa cicatrizes profundas na<br />
floresta e nos homens que se<br />
aventuram atrás <strong>do</strong> metal precioso,<br />
enfrentan<strong>do</strong> um cotidiano de<br />
miséria, <strong>do</strong>enças e péssimas<br />
condições de trabalho.<br />
4<br />
SENAC AMBIENTAL
6<br />
Entrevista<br />
Hora de se conectar<br />
com a história<br />
Sérgio Besserman, presidente <strong>do</strong><br />
GT da Prefeitura carioca para a<br />
Rio+20, alerta: agenda <strong>do</strong> século é<br />
a sustentabilidade.<br />
26<br />
Saúde<br />
Agrotóxicos em xeque<br />
Pesquisa<strong>do</strong>res e ambientalistas<br />
denunciam riscos <strong>do</strong> uso<br />
indiscrimina<strong>do</strong> de agrotóxicos.<br />
36<br />
Empresas<br />
ISO 26000<br />
Norma estimula organizações a<br />
promoverem compreensão global<br />
da área de responsabilidade social.<br />
52<br />
Legislação<br />
Agilidade contra crimes<br />
ambientais<br />
Criação de Varas especializadas<br />
proporciona mais eficiência à<br />
Justiça Federal.<br />
20<br />
Unidades de Conservação<br />
Os batalhões verdes<br />
“Socorro ambiental” das PMs é<br />
requeri<strong>do</strong> para cumprir mandatos<br />
judiciais e em situações de conflito.<br />
42<br />
Educação Ambiental<br />
A arte da observação de aves<br />
Passatempo ganha cada vez mais<br />
adeptos e pode ser ferramenta de<br />
educação ambiental.<br />
66<br />
Biodiversidade<br />
Universo em transformação<br />
Produção de sal caiu à metade em<br />
lugares como a Região <strong>do</strong>s Lagos,<br />
no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio, na última década.<br />
72<br />
Consumo<br />
Mamãe, eu quero!<br />
Crianças já representam grande fatia<br />
<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de consumo mundial.<br />
34<br />
Estante Ambiental<br />
62<br />
Notas<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 5
6<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
ENTREVISTA<br />
Hora de se<br />
conectar com<br />
a história<br />
Falan<strong>do</strong> sobre os desafios<br />
da Rio+20, o economista<br />
e ambientalista Sérgio<br />
Besserman Vianna alerta: não<br />
há tempo a perder para evitar<br />
o caos ambiental<br />
foto: Dreamstime<br />
“Estamos pedin<strong>do</strong> aos dirigentes<br />
que tragam para hoje os custos para<br />
evitar problemas daqui a 20, 30, 40,<br />
50 anos, quan<strong>do</strong> não serão mais prefeitos,<br />
nem presidentes e talvez nem<br />
estejam mais vivos. A humanidade<br />
nunca fez isso antes. E agora é o momento<br />
de decidir se somos capazes<br />
de amar o próximo”. <strong>Quem</strong> faz essa<br />
dura observação é o economista<br />
e ambientalista Sérgio Besserman<br />
Vianna, presidente <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />
da Prefeitura <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
para a Rio+20, a Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Desenvolvimento<br />
Sustentável, que se realiza na cidade<br />
de 20 a 22 de junho.<br />
Vinte anos após a primeira Cúpula<br />
sobre o tema, que trouxe chefes<br />
de Esta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ao Rio e<br />
firmou uma série de compromissos<br />
em torno da questão ambiental, Besserman<br />
afirma que nada foi cumpri<strong>do</strong><br />
e diz que o quadro atual é muito<br />
pior, com o agravamento da crise de<br />
biodiversidade e da desertificação e<br />
o comprometimento <strong>do</strong>s oceanos,<br />
soma<strong>do</strong>s a uma desigualdade social<br />
cada vez maior.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 7
Foto: Nasa<br />
Vazamento de óleo no Golfo <strong>do</strong><br />
México, em 2010. Poluição <strong>do</strong>s<br />
oceanos preocupa<br />
Mas nem por isso ele se diz pessimista.<br />
Para Besserman, as transformações<br />
não ocorrem por causa de conferências,<br />
mas porque os cidadãos<br />
cobram ação e mudanças. “Estamos<br />
no olho <strong>do</strong> furacão da história, e essa<br />
conexão global tão rápida – em que<br />
pelas redes sociais podemos, como<br />
nunca, trocar informações, ideias e<br />
nos articularmos – é uma das fontes<br />
de otimismo para essas mudanças<br />
que precisarão ocorrer”, afirma.<br />
O economista defende uma educação<br />
ambiental conscientiza<strong>do</strong>ra,<br />
capaz de impulsionar os jovens a<br />
transformar o mun<strong>do</strong>. “A grande<br />
agenda <strong>do</strong> século na sociedade, que<br />
é o desenvolvimento sustentável,<br />
deve estar presente na educação das<br />
nossas crianças. Precisamos, acima<br />
de tu<strong>do</strong>, levar aos nossos jovens e<br />
às nossas crianças um pensamento<br />
crítico que os ajude a olhar o mun<strong>do</strong><br />
de hoje e ver tu<strong>do</strong> que há de bom<br />
nele, mas também reconhecer que o<br />
mun<strong>do</strong> atual não é sustentável. Ou<br />
seja: ele não é um modelo, teremos<br />
de transformá-lo”.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: Consideran<strong>do</strong><br />
que muitos <strong>do</strong>s compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />
pelos chefes de Esta<strong>do</strong> na<br />
Rio-92, há 20 anos, e na Conferência<br />
sobre Desenvolvimento Sustentável<br />
de Joanesburgo, há 10, não foram leva<strong>do</strong>s<br />
adiante, o que podemos esperar<br />
da Rio+20?<br />
Sérgio Besserman: Podemos esperar<br />
a mesma coisa que esperamos<br />
da Rio-92: um momento de um<br />
processo político, econômico, social<br />
e <strong>do</strong> pensamento humano que <strong>vai</strong><br />
gerar a agenda defini<strong>do</strong>ra da história<br />
<strong>do</strong>s próximos anos e décadas. A<br />
Rio-92 não teve nem um único <strong>do</strong>s<br />
seus compromissos cumpri<strong>do</strong>s. Não<br />
houve avanços na questão climática.<br />
Aquela conferência, basicamente,<br />
decidiu uma Convenção-Quadro de<br />
Mudanças Climáticas, outra de Biodiversidade<br />
e outra de Desertificação,<br />
numa agenda político-social, a<br />
Agenda 21. Absolutamente nada foi<br />
feito. Mesmo os avanços sociais e<br />
econômicos que ocorreram nesses<br />
20 anos deveram-se muito mais à<br />
macroeconomia global, em especial<br />
8<br />
SENAC AMBIENTAL
Foto: Rebecca J. Moat/U.S. Navy<br />
nos anos de crescimento até a crise<br />
de 2008, <strong>do</strong> que a qualquer ação<br />
decorrente <strong>do</strong>s compromissos então<br />
assumi<strong>do</strong>s. Apesar disso, olhamos<br />
para a Rio-92 e temos uma perspectiva<br />
boa <strong>do</strong> que aconteceu. Porque<br />
ela definiu a agenda, ela teve coragem<br />
de enfrentar os problemas que<br />
o conhecimento humano apontava,<br />
na época, como decisivos. É verdade<br />
que era uma coragem mais fácil <strong>do</strong><br />
que hoje em dia. Eram anos de um<br />
otimismo ingênuo, em que se pensava<br />
que uma agenda de liberalização<br />
da economia global se apresentava<br />
como capaz de solucionar to<strong>do</strong>s<br />
os problemas. Vinte anos depois, o<br />
quadro é muito mais grave.<br />
As mudanças climáticas se apresentam<br />
hoje num cenário muito mais perigoso<br />
para a humanidade. A crise de<br />
biodiversidade é muito mais grave, a<br />
desertificação continuou e enormes<br />
problemas novos apareceram, como<br />
a questão <strong>do</strong>s oceanos. Embora tenha<br />
havi<strong>do</strong> avanços no combate à<br />
pobreza, a desigualdade no <strong>planeta</strong><br />
nunca foi tão grande. E hoje é preciso<br />
mais coragem ainda, porque já<br />
não temos aquele otimismo ingênuo.<br />
Sabemos que mesmo quan<strong>do</strong> o sistema<br />
da Organização das Nações<br />
Unidas consegue um acor<strong>do</strong>, as implicações<br />
em termos de ação e prática<br />
são muito pequenas, quase nulas,<br />
então há um problema de governança<br />
global. E a Rio+20 não <strong>vai</strong> resolver<br />
todas essas questões.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, se tiver coragem de<br />
enfrentá-las e reconhecer a gravidade<br />
das diversas dimensões da crise<br />
ambiental – que isso afetará a luta<br />
contra a pobreza, o crescimento econômico,<br />
e não amanhã, mas hoje –,<br />
ela será um grande momento político.<br />
Se não tiver essa coragem, se fugir<br />
ao reconhecimento da gravidade<br />
da situação, então teremos ti<strong>do</strong> uma<br />
conferência que não deixará uma boa<br />
marca na história.<br />
Mas isso não <strong>vai</strong> acontecer. To<strong>do</strong>s<br />
nós estaremos cobran<strong>do</strong> ação e mudanças,<br />
e isso não ocorre por causa<br />
de conferências. O principal que<br />
vamos cobrar é coragem. Acredito<br />
que, com a participação de to<strong>do</strong>s<br />
nós, a Rio+20 <strong>vai</strong> deixar uma ótima<br />
marca nesse processo histórico.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: Nos últimos<br />
anos, houve um aumento geral da<br />
conscientização em torno da ideia<br />
de sustentabilidade. Você percebe<br />
da parte <strong>do</strong>s governos uma preocupação<br />
genuína com a questão<br />
ambiental, que afeta sobretu<strong>do</strong> os<br />
mais pobres?<br />
Sérgio Besserman: Houve uma<br />
conscientização maior, mas não<br />
ocorreram as mudanças necessárias.<br />
O mun<strong>do</strong> de 1992 era mais<br />
limita<strong>do</strong>: governos e organizações<br />
não governamentais. Hoje os atores<br />
são muito mais numerosos e numa<br />
abordagem mais profunda. São as<br />
grandes empresas, os empreende<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong>s mais diversos tamanhos,<br />
redes as mais variadas – de cidades,<br />
de princípios éticos –, as ONGs globais,<br />
os movimentos sociais, enfi m,<br />
o universo de atores preocupa<strong>do</strong>s<br />
com a crise é muito maior, o que é<br />
um aspecto positivo.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, sustentabilidade<br />
passou a ser uma palavra que<br />
abrange tu<strong>do</strong>. É claro que cada aspecto<br />
tem a sua importância, mas<br />
não para mascarar o fato de que a<br />
Foto: Robson Nascimento<br />
Chegada de ajuda humanitária para<br />
vítimas de enchente na Ásia. Mudanças<br />
climáticas afetam principalmente<br />
as populações mais pobres<br />
Sérgio Besserman Vianna<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 9
Na In<strong>do</strong>nésia, crianças desabrigadas<br />
comemoram a chegada de<br />
mantimentos<br />
humanidade tem um desafi o: estamos<br />
esbarran<strong>do</strong> nos limites <strong>do</strong><br />
<strong>planeta</strong>, e isso precisa gerar muito<br />
mais <strong>do</strong> que pequenos passos na<br />
direção da sustentabilidade, precisa<br />
gerar grandes transformações.<br />
Por exemplo: temos de aban<strong>do</strong>nar<br />
o que somos – uma civilização<br />
baseada em combustíveis fósseis<br />
– e entrar num outro mun<strong>do</strong>: uma<br />
economia de baixo teor de carbono.<br />
E temos uma janela curta,<br />
de duas décadas, para fazê-lo.<br />
A janela da história é curta. E as<br />
autoridades só se moverão nesse<br />
horizonte de maior profundidade<br />
sob pressão da cidadania, sob<br />
pressão <strong>do</strong> eleitora<strong>do</strong>.<br />
Nós estamos pedin<strong>do</strong> aos dirigentes<br />
<strong>do</strong>s países, <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e das<br />
cidades que façam algo mais difícil:<br />
que tragam para hoje os custos, o<br />
dinheiro a ser gasto com uma série<br />
de providências – planejamento,<br />
educação ambiental, obras – para<br />
evitar problemas daqui a 20, 30,<br />
40, 50 anos, quan<strong>do</strong> eles não serão<br />
mais prefeitos, nem presidentes e<br />
talvez nem estejam mais vivos. A<br />
humanidade nunca fez isso antes.<br />
E agora é o momento de decidir se<br />
somos capazes de amar o próximo.<br />
O meu neto, que <strong>vai</strong> nascer daqui<br />
a 20 anos, é um “próximo” ou não?<br />
Cabe a nós ter esse tipo de preocupação<br />
maior no tempo ou não?<br />
Essa é uma decisão que pertence<br />
Foto: Benjamin D. Glass/U. S. Navy<br />
a to<strong>do</strong>s nós, mas a autoridade política<br />
só age se o seu eleitora<strong>do</strong>, se<br />
a cidadania que ela representa demonstrar<br />
essa preocupação.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: Como você costuma<br />
dizer, estamos estragan<strong>do</strong> a<br />
natureza <strong>do</strong> nosso tempo. Porque ela<br />
se recupera plenamente em bilhões<br />
anos, independentemente da nossa<br />
presença, não é?<br />
Sérgio Besserman: Esse é um ponto<br />
muito importante. Sigmund Freud<br />
dizia que a humanidade cresce quan<strong>do</strong><br />
é abalada no seu ingênuo amor<br />
próprio. Que ela havia cresci<strong>do</strong> com<br />
Galileu Galilei, Charles Darwin e com<br />
ele próprio, Freud. Porque a descoberta<br />
que nos move quase nunca é<br />
aquilo que a gente pensa que está<br />
nos moven<strong>do</strong>.<br />
O outro pedestal <strong>do</strong> qual a autoridade<br />
tem de cair é a descoberta <strong>do</strong><br />
tempo longo, o que os geólogos chamam<br />
de tempo profun<strong>do</strong>, o tempo<br />
conta<strong>do</strong> nos bilhões, nas dezenas de<br />
bilhões de anos. Esse é o tempo da<br />
natureza. No tempo dela, nós não temos<br />
poder para lhe causar nenhum<br />
mal. O <strong>planeta</strong> já passou por problemas<br />
muito maiores <strong>do</strong> que qualquer<br />
coisa que a humanidade possa fazer.<br />
Ele se recupera em 5 a 10 milhões<br />
de anos. Então nós não estamos, no<br />
tempo da natureza, acaban<strong>do</strong> com<br />
ela. Mas estamos estragan<strong>do</strong> a natureza<br />
<strong>do</strong> nosso tempo. Isso nós temos<br />
poder pra fazer, e estamos fazen<strong>do</strong>!<br />
A atual era geológica está sen<strong>do</strong><br />
denominada Antropoceno: nós, os<br />
humanos, definimos a paisagem <strong>do</strong><br />
<strong>planeta</strong>. Se nós estragarmos a natureza<br />
<strong>do</strong> nosso tempo, quem <strong>vai</strong> sofrer<br />
é a humanidade, especialmente<br />
as populações pobres. Os custos, as<br />
vulnerabilidades, tu<strong>do</strong> isso se abaterá<br />
assimetricamente sobre a população<br />
mundial. <strong>Quem</strong> irá sofrer, repito,<br />
são os pobres. Então aquela divisão<br />
<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> entre preservação e conservação<br />
ambiental, de um la<strong>do</strong>, e<br />
crescimento global e desenvolvimento<br />
social, de outro, não faz nenhum<br />
10<br />
SENAC AMBIENTAL
senti<strong>do</strong>, é uma ideia idiota. Enfrentar<br />
a crise ambiental nas suas diversas<br />
dimensões é uma condição para<br />
que a humanidade possa combater a<br />
pobreza e a desigualdade, para que<br />
possa ocorrer um desenvolvimento<br />
humano sustentável.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: Dentro desse<br />
cenário, que importância você<br />
atribui à educação ambiental e à<br />
discussão desses temas nas instituições<br />
de ensino?<br />
Sérgio Besserman: O acesso ao conhecimento,<br />
que é uma coisa maior<br />
<strong>do</strong> que a educação, ou seja, despertar<br />
a curiosidade e o interesse em<br />
estar sempre aprenden<strong>do</strong>, é o mais<br />
decisivo. No Brasil, uma tese correta<br />
– de que a educação ambiental é um<br />
tema transversal – acabou trazen<strong>do</strong>,<br />
infelizmente, uma prática incorreta:<br />
como ninguém é responsável, muito<br />
pouco foi feito. Precisamos enfrentar<br />
isso e encontrar uma forma mais efetiva<br />
de discussão.<br />
O grande tema, a grande agenda <strong>do</strong><br />
século na sociedade, que é o desenvolvimento<br />
sustentável, deve estar<br />
presente na educação das nossas<br />
crianças. E estar presente não<br />
apenas de uma forma superficial,<br />
relacionada a práticas cotidianas<br />
como economizar energia e água<br />
ou proteger a natureza. Precisamos,<br />
acima de tu<strong>do</strong>, levar aos nossos<br />
jovens e às nossas crianças um<br />
pensamento crítico que os ajude a<br />
olhar o mun<strong>do</strong> de hoje e ver tu<strong>do</strong><br />
que há de bom nele, mas também<br />
reconhecer que este mun<strong>do</strong> que as<br />
gerações anteriores estão deixan<strong>do</strong><br />
não é sustentável. Ou seja: ele não é<br />
um modelo, nós teremos de transformá-lo.<br />
Não sabemos as respostas,<br />
mas esta será nossa história. É<br />
algo muito mais amplo <strong>do</strong> que uma<br />
cartilha de educação ambiental.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: E existe aí um<br />
desafio particular, que é ensinar<br />
os conceitos de desenvolvimento<br />
sustentável e economia verde,<br />
que, de certa forma, ainda são<br />
uma incógnita.<br />
Sérgio Besserman: Não sabemos<br />
o que é desenvolvimento<br />
sustentável, isso é importante.<br />
O psicanalista francês André<br />
Green disse uma vez que a resposta<br />
é a infelicidade da pergunta.<br />
As respostas, quan<strong>do</strong><br />
chegam, já não são tão relevantes.<br />
De um mo<strong>do</strong> geral, a coisa<br />
já está equacionada. Mas uma<br />
pergunta, não. Ela transforma,<br />
instiga, mexe conosco. Então a<br />
humanidade está com essa benção<br />
– ou essa maldição –, que é<br />
ter a maior pergunta de toda a<br />
sua história consciente: a gente<br />
olha pro futuro e vê que ele é<br />
insustentável, então o que pode<br />
ser isso que eu preciso construir<br />
e que se chama desenvolvimento<br />
sustentável? Essa é a<br />
pergunta das nossas vidas e não<br />
tem resposta fácil. A resposta<br />
tampouco é teórica; ela é teórica<br />
também, mas principalmente<br />
histórica. Talvez o passo mais<br />
importante que cada um de nós<br />
poderá dar é se conectar com a<br />
história, é assumir essa pergunta<br />
na sua plenitude.<br />
Copenhague, 2009: manifestantes<br />
pedin<strong>do</strong> ação imediata para<br />
conter mudanças climáticas
Foto: Digital Vision<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: A Rio-92 é um<br />
marco da chegada da internet ao<br />
Brasil. Nesse perío<strong>do</strong> de apenas 20<br />
anos, nos transformamos em uma<br />
sociedade conectada, fortemente<br />
engajada em redes sociais, com movimentos<br />
e campanhas que se organizam,<br />
se disseminam virtualmente<br />
e alcançam enorme visibilidade. De<br />
que forma essa mudança pode se<br />
refletir nos compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />
na Rio+20?<br />
Sérgio Besserman: Neste século<br />
21, muito por conta das mudanças<br />
climáticas, estamos frente a um<br />
fenômeno histórico muito novo: o<br />
surgimento de uma opinião pública<br />
mundial, uma sociedade global.<br />
Continua fundamental o Esta<strong>do</strong>-nação,<br />
continuam fundamentais as cidades,<br />
mas passamos a ter consciência<br />
de que há um processo global.<br />
E estamos conecta<strong>do</strong>s. Na Rio-92, a<br />
única forma de fazer pressão era vir<br />
ao Rio de Janeiro. Agora estamos<br />
to<strong>do</strong>s conecta<strong>do</strong>s. Podemos acompanhar<br />
a Rio+20, pressionar os<br />
nossos representantes, criar formas<br />
de manifestação e expressão das<br />
nossas opiniões. E isso fará toda a<br />
diferença na Rio+20 e no processo<br />
histórico <strong>do</strong>s próximos anos.<br />
Há algo acontecen<strong>do</strong> no <strong>planeta</strong>, na<br />
Praça Tahir, na Primavera Árabe, em<br />
Madri, na Europa, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,<br />
no Brasil. Mas quem disser que<br />
sabe o que é está mentin<strong>do</strong>. Estamos<br />
no olho <strong>do</strong> furacão da história,<br />
e essa conexão global– o fato de que<br />
pelas redes sociais podemos, como<br />
nunca, trocar informações, ideias e<br />
nos articularmos – é uma das fontes<br />
de otimismo para essas grandes mudanças<br />
que precisarão ocorrer.<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental: Do ponto de<br />
vista das cidades, e em particular<br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro, que sedia o evento,<br />
que propostas estão sen<strong>do</strong> articuladas<br />
para a conferência?<br />
Lixões: degradação<br />
ambiental e<br />
miséria<br />
12<br />
SENAC AMBIENTAL
Sérgio Besserman: A Rio+20 é<br />
uma conferência de nações, o Rio de<br />
Janeiro é a cidade hospedeira. Nossa<br />
principal preocupação é receber<br />
bem a conferência <strong>do</strong> ponto de vista<br />
logístico, de segurança e excelência<br />
<strong>do</strong>s serviços – e para isso estamos<br />
trabalhan<strong>do</strong> há <strong>do</strong>is anos e meio. Mas<br />
o Rio também participa com um <strong>do</strong>s<br />
temas fundamentais para a própria<br />
Conferência de Desenvolvimento Sustentável,<br />
que são as cidades. Metade<br />
da população <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vive em cidades<br />
– e 80% da população brasileira,<br />
segun<strong>do</strong> o IBGE. Sem as cidades não<br />
haverá solução.<br />
As cidades têm um aspecto local, que<br />
diz respeito a transporte, eficiência<br />
energética e resíduos. E não apenas<br />
lixo, mas também a questão <strong>do</strong> saneamento,<br />
que é o maior fracasso<br />
nosso, no Brasil, nos últimos 20 anos.<br />
Tem avança<strong>do</strong>, mas muito lentamente<br />
num país com a renda per capita e o PIB<br />
que o Brasil tem. O outro aspecto é a<br />
gestão <strong>do</strong> nosso território, da nossa<br />
paisagem, <strong>do</strong>s nossos recursos naturais.<br />
As cidades não são apenas parte<br />
da solução, elas também são parte<br />
<strong>do</strong> problema. É nas cidades que está<br />
a maior demanda por energia. É nas<br />
cidades que o padrão de consumismo<br />
insustentável acontece. Por exemplo,<br />
75% das emissões de gases que<br />
aquecem o <strong>planeta</strong> são de responsabilidade<br />
das cidades. Sem mudar essa<br />
realidade, não será possível enfrentar<br />
a crise planetária.<br />
As cidades, ao mesmo tempo que<br />
apresentam a face difícil <strong>do</strong> desafio<br />
que temos pela frente, têm, por<br />
outro la<strong>do</strong>, o dinamismo, a criatividade<br />
e a capacidade de invenção<br />
que serão tão necessários para adquirirmos<br />
padrões sustentáveis de<br />
produção e consumo. Elas estarão<br />
na Rio+20 tanto na discussão oficial,<br />
que levará à declaração política final,<br />
num processo que a própria Organização<br />
das Nações Unidas coordena,<br />
como também em manifestações<br />
fora da conferência, mas que se destinam<br />
a exercer pressão sobre essa<br />
declaração política.<br />
Foto: Digital Vision<br />
Se há alguém que está vivo, presente,<br />
discutin<strong>do</strong> com coragem os problemas,<br />
são as organizações relacionadas<br />
às cidades, honran<strong>do</strong> o fato<br />
de que a própria palavra cidadania<br />
nasceu junto com as cidades na história<br />
da humanidade.<br />
Outro desafi o: o que fazer com os<br />
eletrônicos obsoletos?<br />
Trânsito nas grandes<br />
cidades: perto <strong>do</strong> limite<br />
Foto: Digital Vision<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 13
14<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
CAPA<br />
Sociedade<br />
deve cobrar<br />
resulta<strong>do</strong>s<br />
O <strong>planeta</strong> esquenta, o<br />
debate também. Rio+20 é a<br />
oportunidade para colocar<br />
em prática as boas intenções<br />
apresentadas há 20 anos. Mas<br />
<strong>vai</strong> ser preciso pressionar para<br />
que os compromissos, desta<br />
vez, saiam <strong>do</strong> papel.<br />
Foto: Rick Bajornas/UN Photo<br />
Em junho de 1992, o Rio de Janeiro<br />
recebeu chefes de Esta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong><br />
o mun<strong>do</strong> para discutir um tema que<br />
começava a ganhar importância<br />
no cenário internacional. A Conferência<br />
das Nações Unidas sobre<br />
Meio Ambiente e Desenvolvimento,<br />
também chamada de Rio-92<br />
e popularmente conhecida como<br />
Eco-92, <strong>do</strong>minou as atenções <strong>do</strong><br />
<strong>planeta</strong>, reuniu mais de cem chefes<br />
de Esta<strong>do</strong> e diversas organizações<br />
da sociedade civil. Teve o mérito de<br />
semear uma consciência ambiental.<br />
Já naquela época, falava-se nos<br />
efeitos <strong>do</strong> aquecimento global e<br />
na necessidade de medidas urgentes<br />
para conter a ameaça iminente<br />
de uma catástrofe capaz de<br />
inviabilizar a vida no <strong>planeta</strong>. Passa<strong>do</strong>s<br />
20 anos, no entanto, o que<br />
os governos realizaram, dentre os<br />
compromissos firma<strong>do</strong>s aqui, foi<br />
praticamente nada.<br />
Somos 7 bilhões de pessoas no <strong>planeta</strong>, que é insufi ciente<br />
para satisfazer o ritmo de consumo atual<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 15
Foto: Marcell Casal Jr. / ABr<br />
Manifestante usa placa<br />
para captação de energia<br />
solar na cabeça<br />
De lá para cá, as mudanças climáticas<br />
agravadas pela ação <strong>do</strong> ser humano<br />
tornaram-se evidentes, o consumo<br />
<strong>do</strong>s recursos naturais atingiu níveis<br />
críticos e o sinal de alerta se acendeu.<br />
Até 2025, segun<strong>do</strong> as Nações Unidas,<br />
metade da população mundial<br />
estará em áreas que sofrerão com a<br />
escassez de água.<br />
A população mundial chegou à marca<br />
impressionante de 7 bilhões de<br />
pessoas em 2011. São 7 bilhões de<br />
consumi<strong>do</strong>res, 7 bilhões de gera<strong>do</strong>res<br />
de resíduos, 7 bilhões de bocas<br />
a serem alimentadas. Mas apenas<br />
um <strong>planeta</strong>. Não haverá como atender<br />
tamanha demanda se mantivermos<br />
o ritmo atual de consumo.<br />
Esta é a reflexão a partir da qual se<br />
iniciam as principais discussões da<br />
próxima conferência das Nações<br />
Unidas sobre o tema, novamente no<br />
Rio de Janeiro.<br />
A Conferência da ONU sobre Desenvolvimento<br />
Sustentável não é<br />
chamada de Rio+20 por acaso.<br />
Passadas duas décadas, é hora de<br />
rever os compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />
no passa<strong>do</strong>, discutir erros e acertos<br />
e estabelecer ou renovar pactos<br />
políticos que sejam efetivamente<br />
cumpri<strong>do</strong>s. E nós, cidadãos de to<strong>do</strong><br />
o mun<strong>do</strong>, teremos o dever de fiscalizar<br />
e pressionar continuamente<br />
para que as ideias saiam <strong>do</strong> papel.<br />
Na primeira conferência, a internet<br />
ainda engatinhava. Grupos<br />
que quisessem assistir, participar<br />
e defender suas causas teriam,<br />
necessariamente, de vir ao Rio de<br />
Janeiro. Nos dias de hoje, porém,<br />
com as transformações tecnológicas<br />
que permitiram o surgimento<br />
de uma sociedade em rede, conectada<br />
e em interação permanente,<br />
inúmeras formas de articulação e<br />
mobilização tornam-se possíveis.<br />
E <strong>vai</strong> ser necessário e fundamental<br />
cobrar a ação responsável de cada<br />
signatário <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s firma<strong>do</strong>s<br />
em território fluminense.<br />
16<br />
SENAC AMBIENTAL
Como observou o jornalista especializa<strong>do</strong><br />
em meio ambiente André<br />
Trigueiro, em texto publica<strong>do</strong> em<br />
seu site (www.mun<strong>do</strong>sustentavel.<br />
com.br), “caberá às organizações<br />
civis e às mídias (todas as mídias,<br />
de to<strong>do</strong>s os tamanhos) aquecer a<br />
panela de pressão onde os chefes<br />
de Esta<strong>do</strong> vão cozinhar o texto fi nal<br />
da conferência. Sem isso, será mais<br />
<strong>do</strong> mesmo”.<br />
A corrida é contra o tempo. E um<br />
tempo que já nem é tão distante.<br />
Os extremos climáticos são cada<br />
vez mais frequentes e afetam sobretu<strong>do</strong><br />
as populações pobres. O<br />
Painel Intergovernamental sobre<br />
Mudanças Climáticas da Organização<br />
das Nações Unidas, organismo<br />
forma<strong>do</strong> por cientistas de<br />
to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, divulgou no final<br />
de março um novo <strong>do</strong>cumento<br />
que prevê a ocorrência de secas<br />
mais intensas e chuvas mais violentas<br />
nas próximas décadas.<br />
Em artigo publica<strong>do</strong> no jornal O<br />
Esta<strong>do</strong> de S. Paulo no dia 16 de<br />
abril, o físico e ex-secretário federal<br />
de Meio Ambiente José Goldemberg,<br />
que em 2008 recebeu o<br />
Prêmio Planeta Azul, considera<strong>do</strong><br />
o Nobel da área ambiental, faz um<br />
Em meio à nevasca, placa de<br />
trânsito adulterada diz: pare o<br />
aquecimento global<br />
Há 20 anos...<br />
A Rio-92 produziu seis <strong>do</strong>cumentos:<br />
• Declaração <strong>do</strong> Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – estabelece<br />
um conjunto de princípios para nortear políticas de desenvol-<br />
vimento sustentável.<br />
• Declaração de Princípios sobre Florestas – acor<strong>do</strong> global sobre ma-<br />
nejo, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas.<br />
• Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança <strong>do</strong> Clima<br />
– assume que a ação humana é capaz de afetar o clima e favorecer o<br />
aquecimento global. Entrou em vigor em 1994.<br />
• Agenda 21 – estabelece, nos âmbitos global e local, normas de desenvolvimento<br />
sustentável para to<strong>do</strong>s os setores em que a ação hu-<br />
mana interfira no meio ambiente. Envolve a cooperação de governos,<br />
empresas e sociedade civil.<br />
• Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica – trata<br />
de conservação, biossegurança, uso sustentável da biodiversidade e<br />
<strong>do</strong>s recursos genéticos. Entrou em vigor em 1993 e, desde então, in-<br />
corporou <strong>do</strong>is protocolos: o de Cartagena, sobre biossegurança, em<br />
2003, e o de Nagoya, sobre recursos genéticos, em 2010.<br />
• Convenção sobre Combate à Desertificação – estabelece medidas<br />
para controle da desertificação. Entrou em vigor em 1996.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 17
alerta: “as ameaças à sustentabilidade<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento que<br />
foram reconhecidas em 1992 não<br />
só não desapareceram como se<br />
tornaram ainda maiores”. Segun<strong>do</strong><br />
ele, cientistas afi rmam que é inevitável<br />
o aumento da temperatura <strong>do</strong><br />
Foto: Pernaca Sudhakaran / UN Photo<br />
<strong>planeta</strong> em mais de 3 graus Celsius<br />
até 2050, superan<strong>do</strong> o limite até<br />
então aceito de 2 graus.<br />
“No caso <strong>do</strong> Brasil”, afi rma, “esse<br />
aumento de temperatura <strong>vai</strong> implicar<br />
maior precipitação de chuvas<br />
na Região Sudeste e menor na<br />
Amazônia, que ficará mais seca. A<br />
precipitação será mais intensa em<br />
perío<strong>do</strong>s de tempo menores, o que<br />
já está acontecen<strong>do</strong> em São Paulo,<br />
com as chuvas torrenciais todas as<br />
tardes no verão. Vale a pena mencionar<br />
também o aumento <strong>do</strong>s<br />
eventos climáticos e hidrológicos<br />
extremos, como enchentes, secas<br />
(...), cuja frequência anual era de<br />
400 em 1980 e <strong>do</strong>brou nos últimos<br />
30 anos”.<br />
Economia verde e governança<br />
O papel da Rio+20 não se limita<br />
a discutir os acor<strong>do</strong>s fi rma<strong>do</strong>s – e<br />
O processo da Rio+20<br />
A proposta da conferência foi feita pelo então presidente da República<br />
Luiz Inácio Lula da Silva em 2007. A convocação oficial da Orga-<br />
nização das Nações Unidas, no entanto, veio somente em dezembro<br />
de 2009.<br />
Antes disso, em 2002, a cidade de Joanesburgo, na África <strong>do</strong> Sul,<br />
sediou a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (também<br />
conhecida como Rio+10), que estimulou as parcerias público-<br />
privadas e fortaleceu o papel da Comissão sobre Desenvolvimento<br />
Sustentável da ONU. A Comissão, porém, veio perden<strong>do</strong> status ao<br />
longo <strong>do</strong> tempo.<br />
A construção da Rio+20 vem de longe. O texto que <strong>vai</strong> ser apresen-<br />
ta<strong>do</strong> ao final <strong>do</strong> encontro começou a ser discuti<strong>do</strong> muito antes, em<br />
reuniões periódicas da diplomacia <strong>do</strong>s países participantes, sob me-<br />
diação da ONU. A última reunião <strong>do</strong> comitê preparatório (de um total<br />
de três) é realizada já no Brasil, no dia 13 de junho, quan<strong>do</strong> então é<br />
produzi<strong>do</strong> o rascunho <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento final. A partir <strong>do</strong> dia 16, tem<br />
início uma fase de negociações e consultas informais envolven<strong>do</strong> re-<br />
presentantes de governos e de organizações da sociedade civil – que<br />
também promove eventos paralelos. A conferência oficial ocorre de<br />
20 a 22 de junho, seguida de uma etapa de avaliação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />
e decisão sobre próximas ações a serem executadas.<br />
18<br />
SENAC AMBIENTAL
não cumpri<strong>do</strong>s – no passa<strong>do</strong>. Avançar<br />
é preciso, e esse progresso gira<br />
em torno de três eixos: economia<br />
verde, desenvolvimento sustentável<br />
e governança global.<br />
A ideia de economia verde compreende<br />
o investimento prioritário em<br />
atividades econômicas voltadas<br />
para o bem-estar humano e a redução<br />
das desigualdades sociais,<br />
aproveitan<strong>do</strong>, potencializan<strong>do</strong> e<br />
não comprometen<strong>do</strong> os recursos<br />
naturais. Deriva <strong>do</strong> conceito de<br />
desenvolvimento sustentável, que,<br />
em linhas gerais, significa um modelo<br />
que atenda as necessidades<br />
da geração atual sem comprometer<br />
a capacidade das gerações futuras<br />
de satisfazer as suas. Garantir que<br />
esses conceitos sejam aplica<strong>do</strong>s é<br />
o que motiva o debate em torno da<br />
criação de um organismo de governança<br />
global capaz de fiscalizar e<br />
monitorar uma transição rápida e<br />
eficaz para esse novo modelo.<br />
Achim Steiner, diretor executivo <strong>do</strong><br />
Programa das Nações Unidas para<br />
o Meio Ambiente (Pnuma), acha que<br />
o próprio Pnuma pode ser esse organismo.<br />
A proposta dele, que será<br />
levada à Rio+20 e já conta com o<br />
apoio de diversos países, é que o<br />
programa se transforme em uma<br />
agência global de meio ambiente,<br />
com estrutura e autonomia semelhantes<br />
a entidades como a Organização<br />
Mundial de Saúde e a Organização<br />
Mundial <strong>do</strong> Comércio. Para<br />
Steiner, essa mudança de status<br />
conferiria legitimidade e autoridade<br />
para garantir a implementação <strong>do</strong>s<br />
acor<strong>do</strong>s políticos assina<strong>do</strong>s e interromper<br />
a progressão alarmante <strong>do</strong><br />
crescimento econômico atual.<br />
São necessários mais <strong>do</strong>is <strong>planeta</strong>s<br />
para satisfazer o padrão de consumo<br />
manti<strong>do</strong> pela nossa sociedade<br />
nos dias de hoje. Até o final <strong>do</strong> século,<br />
a Terra se revelará pequena<br />
demais para to<strong>do</strong>s nós.<br />
Um <strong>do</strong>s desafios da Rio+20 é<br />
discutir modelo econômico que<br />
alie desenvolvimento sustentável e<br />
erradicação da pobreza extrema<br />
Foto: Stuart Price / UN Photo<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 19
20<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
foto: Divulgação<br />
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO<br />
Os batalhões<br />
verdes<br />
Francisco Luiz Noel<br />
A participação das Polícias<br />
Militares tem si<strong>do</strong> comum em<br />
ações <strong>do</strong> Ibama, que também<br />
se vale <strong>do</strong> apoio da Polícia<br />
Federal, da Polícia Ro<strong>do</strong>viária<br />
Federal e da Força Nacional<br />
de Segurança Pública. Embora<br />
nem sempre tenha visibilidade<br />
pública, o “socorro ambiental”<br />
das PMs é requeri<strong>do</strong> em casos<br />
de cumprimento de mandatos<br />
judiciais e situações que<br />
prenunciam risco de conflitos<br />
com agressores da natureza.<br />
Grupo de<br />
Operações<br />
no Cerra<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> BPMA no<br />
Distrito Federal<br />
Na ofensiva contra o desmatamento e<br />
a pecuária predatória no Pantanal, deflagrada<br />
no primeiro semestre de 2011,<br />
um <strong>do</strong>s parceiros <strong>do</strong> Instituto Brasileiro<br />
de Meio Ambiente e Recursos Naturais<br />
Renováveis (Ibama) era de longe:<br />
o Batalhão de Polícia Militar Ambiental<br />
(BPMA) <strong>do</strong> Distrito Federal, que aju<strong>do</strong>u<br />
na apreensão de 800 bois no município<br />
de Sinop, Mato Grosso, na Operação<br />
Disparada. Em julho <strong>do</strong> mesmo ano, a<br />
PM da Bahia também deu reforço providencial<br />
ao Instituto, no combate a<br />
uma rede criminosa de produção e venda<br />
de carvão vegetal no oeste baiano.<br />
A operação, batizada de Corcel Negro<br />
II, prendeu 40 pessoas, reteve mil toneladas<br />
de ferro-gusa de quatro siderúrgicas<br />
e 5 mil metros cúbicos de carvão,<br />
além de caminhões e armas.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 21
Operação <strong>do</strong> Ibama contra<br />
desmata<strong>do</strong>res em Bom Jesus <strong>do</strong><br />
Araguaia (MT)<br />
O coordena<strong>do</strong>r geral de fiscalização<br />
<strong>do</strong> Ibama, Bruno Barbosa, explica<br />
a divisão de papéis nessas ações<br />
conjuntas: “O instituto aplica as<br />
sanções administrativas às infrações<br />
ambientais, enquanto as polícias<br />
ficam responsáveis pela segurança<br />
pública”.<br />
Orgulho da Polícia Militar <strong>do</strong> Distrito<br />
Federal, o BPMA é auxiliar recorrente<br />
<strong>do</strong> Ibama em incursões fora<br />
de Brasília e suas cidades-satélite.<br />
Pelo preparo adquiri<strong>do</strong> pelos policiais,<br />
que formam grupamentos especializa<strong>do</strong>s<br />
em ações no Cerra<strong>do</strong><br />
e em corpos d’água, o batalhão faz<br />
<strong>do</strong>bradinha com o Instituto desde<br />
2008. Nesse ano, deslocou um grupo<br />
ao Nordeste para ajudar a impor<br />
respeito ao defeso da lagosta e <strong>do</strong><br />
camarão, a fim de garantir a reprodução<br />
<strong>do</strong>s crustáceos no verão<br />
e em parte <strong>do</strong> outono. De 2009 a<br />
2011, o BPMA apoiou operações nas<br />
regiões goianas de Corumbá, Serra<br />
da Mesa e Araguaia, assim como<br />
em Sinop e Bom Jesus <strong>do</strong> Araguaia,<br />
no Mato Grosso, em investidas contra<br />
carvoarias, desmata<strong>do</strong>res e cria<strong>do</strong>res<br />
ilegais de ga<strong>do</strong>.<br />
A PM de São Paulo é outra que se<br />
destaca por sua força ambiental.<br />
Enquanto o batalhão brasiliense<br />
conta com 329 integrantes e cobre<br />
os 5,8 mil quilômetros quadra<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> Distrito Federal, a Polícia Militar<br />
Ambiental paulista possui 2,3 mil<br />
homens, em quatro batalhões, que<br />
protegem a natureza nos 248 mil<br />
quilômetros quadra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />
As duas polícias também desenvolvem<br />
ações de educação para crianças<br />
e a<strong>do</strong>lescentes, no intuito de<br />
promover a causa ambiental. Em<br />
2011, a PM Ambiental contabilizou<br />
1,1 milhão de pessoas beneficiadas<br />
por palestras, exposições e outras<br />
atividades educativas. No Distrito<br />
Federal, as ações educativas alcançaram<br />
45 mil estudantes.<br />
As atividades <strong>do</strong> BPMA dedicadas<br />
aos jovens são desenvolvidas pelo<br />
foto: Divulgação<br />
22<br />
SENAC AMBIENTAL
Núcleo de Educação Ambiental. Um<br />
<strong>do</strong>s projetos de maior apelo entre a<br />
garotada é o Lobo Guará, que apresenta<br />
peça de teatro nas escolas,<br />
ten<strong>do</strong> policiais como atores. Outra<br />
iniciativa itinerante <strong>do</strong> núcleo é o<br />
Museu Ambiental, que apresenta 45<br />
animais embalsama<strong>do</strong>s e difunde<br />
informações sobre a preservação da<br />
fauna e da flora. Em 2012, o batalhão<br />
está abrin<strong>do</strong> suas portas à visitação<br />
<strong>do</strong>s estudantes <strong>do</strong> Distrito Federal.<br />
Além de participarem <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is projetos,<br />
os visitantes conhecerão a<br />
coleta seletiva de lixo e o cultivo orgânico<br />
de verduras e legumes feitos<br />
pelos policiais.<br />
Tropa especializada<br />
A ação da PM na defesa <strong>do</strong> meio<br />
ambiente no Distrito Federal começou<br />
em 2003, com a criação da<br />
Companhia de Polícia Militar Florestal,<br />
no Parque Nacional de Brasília.<br />
Conheci<strong>do</strong> por suas piscinas, o parque<br />
abriga rios que fornecem água à<br />
capital e preserva ecossistemas <strong>do</strong><br />
Cerra<strong>do</strong> onde vivem espécies ameaçadas,<br />
como lobo-guará, tamanduá-<br />
-bandeira, tatu-canastra e ouriço-<br />
-caixeiro. A companhia, transferida<br />
no fi m <strong>do</strong>s anos 1980 para o antigo<br />
presídio distrital, na cidade-satélite<br />
de Candangolândia, foi transformada<br />
no BPMA em 2010.<br />
Na prevenção e no combate às<br />
agressões ambientais em Brasília<br />
e nas cidades-satélite, o BPMA<br />
costuma ter pela frente desde a extração<br />
ilegal de madeiras nativas,<br />
palmitos, ervas medicinais e plantas<br />
ornamentais à retirada irregular<br />
de areia para construção, captura<br />
e comércio de pássaros e outros<br />
animais silvestres. O batalhão<br />
exerce o policiamento ostensivo<br />
em postos de controle distribuí<strong>do</strong>s<br />
em unidades de conservação e<br />
barreiras montadas para fi scalização,<br />
realizan<strong>do</strong> também diligências<br />
para apurar denuncias de ataques<br />
à natureza.<br />
foto: Coman<strong>do</strong> de Policiamento Ambiental<br />
O requisito para o ingresso <strong>do</strong>s<br />
PMs no batalhão é um curso de 40<br />
horas que aborda conhecimentos<br />
relaciona<strong>do</strong>s aos procedimentos<br />
exigi<strong>do</strong>s pelos crimes ambientais.<br />
Ministra<strong>do</strong> por profi ssionais especializa<strong>do</strong>s,<br />
o curso tem aulas de<br />
ecologia, fauna, fl ora, pesca, identificação<br />
de aves e madeiras, manejo<br />
de animais silvestres e direito<br />
ambiental. “Isso não quer dizer que<br />
os demais crimes de que tomamos<br />
conhecimento não sejam preveni<strong>do</strong>s<br />
e reprimi<strong>do</strong>s. Somos policiais<br />
e estamos prontos para agir em<br />
qualquer caso de inobservância<br />
da lei”, diz o subcomandante <strong>do</strong><br />
BPMA, major André Caldas.<br />
Na especialização e no aprimoramento<br />
<strong>do</strong>s policiais, o BPMA<br />
vem fazen<strong>do</strong> escola. Seus cursos,<br />
elabora<strong>do</strong>s sob medida para o<br />
ambiente de atuação da unidade,<br />
atraem policiais de batalhões ambientais<br />
de vários esta<strong>do</strong>s. No de<br />
Operações Lacustres, os alunos<br />
se aperfeiçoam em ações sobre as<br />
águas em exercícios no Lago Paranoá,<br />
na Barragem <strong>do</strong> Descoberto e<br />
em outros corpos hídricos da região.<br />
Os PMs têm aulas de natação,<br />
operações aquáticas, mergulho<br />
policial, salvamento, conduções de<br />
embarcação e tiro policial.<br />
Palestra da PM<br />
Ambiental de<br />
São Paulo<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 23
Apreensão de toras<br />
em Bom Jesus <strong>do</strong><br />
Araguaia (MT)<br />
Os recursos <strong>do</strong> BPMA estão à altura<br />
de suas missões aquáticas. Além<br />
de armas e apetrechos comuns às<br />
unidades ambientais das PMs, como<br />
gaiolas, cordas e puçás, a companhia<br />
dispõe de seis jet-skis, seis botes<br />
infláveis e uma embarcação com<br />
cabine. Os veículos ajudam a fazer a<br />
força da Companhia de Policiamento<br />
Fluvial – uma das três <strong>do</strong> batalhão –,<br />
que faz o patrulhamento lacustre no<br />
Paranoá e nos rios da região.<br />
Outra formação especializada é<br />
oferecida no Curso de Operações<br />
no Cerra<strong>do</strong>, que habilita o policial<br />
a desempenhar ações de policiamento<br />
nos ecossistemas <strong>do</strong> bioma,<br />
típico dessa região <strong>do</strong> Centro-Oeste.<br />
O curso é feito pelo Grupo de Operações<br />
<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> (GOC), integra<strong>do</strong><br />
por 24 policiais com especialização<br />
avançada, e abrange temas como<br />
ecologia <strong>do</strong> bioma, técnicas operacionais,<br />
operações aéreas e aquáticas,<br />
técnicas verticais, cartografia,<br />
armamento e sobrevivência na mata.<br />
Em São Paulo, a PM também treina<br />
policiais de outros esta<strong>do</strong>s, atraí<strong>do</strong>s<br />
pela tradição e pela eficácia de sua<br />
força devotada ao meio ambiente.<br />
foto: Divulgação<br />
O subcomandante <strong>do</strong> BPMA, major<br />
André Caldas, observa que o intercâmbio<br />
das PMs <strong>do</strong> país na área<br />
ambiental poderia ser muito maior.<br />
“Deveria haver maior interação.<br />
Esse intercâmbio aumentaria muito<br />
o aprendiza<strong>do</strong> e o conhecimento.<br />
Nosso batalhão está sempre interagin<strong>do</strong>,<br />
levan<strong>do</strong> em conta que a<br />
questão ambiental deve ser tratada<br />
em conjunto com os policiais militares<br />
ambientais de outros esta<strong>do</strong>s, já<br />
que o meio ambiente é um bem de<br />
to<strong>do</strong>s”, afirma o major.<br />
Pioneirismo paulista<br />
A Polícia Ambiental de São Paulo é<br />
a mais antiga <strong>do</strong> Brasil. Sua criação,<br />
em 1943, atendeu a diretrizes baixadas<br />
pelo presidente Getúlio Vargas<br />
em 1934, no decreto que instituiu o<br />
Código Florestal, com a recomendação<br />
de que os esta<strong>do</strong>s defendessem<br />
seus bens naturais. Vincula<strong>do</strong> inicialmente<br />
à Procura<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> Patrimônio,<br />
o policiamento ambiental em terras<br />
paulistas foi transferi<strong>do</strong> ao Serviço<br />
Florestal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e, em 1949, à<br />
Força Pública. Alça<strong>do</strong> à condição de<br />
companhia, o grupo ganhou o nome<br />
de Corpo de Policiamento Florestal<br />
em 1956 e, 15 anos depois, a denominação<br />
de Corpo de Policiamento<br />
<strong>do</strong>s Recursos Naturais.<br />
As limitações ao policiamento ambiental<br />
não eram poucas nos primeiros<br />
anos. A Polícia Florestal trabalhava<br />
em conjunto com a Secretaria<br />
de Agricultura e Abastecimento, mas<br />
frequentemente tinha objetivos conflitantes<br />
com a pasta agrícola. Enquanto<br />
os policiais estavam empenha<strong>do</strong>s<br />
em preservar matas nativas<br />
e reprimir ações de desmatamento,<br />
a Secretaria incentivava ações que<br />
implicavam a derrubada de florestas<br />
para a implantação de empreendimentos<br />
agropecuários.<br />
A situação <strong>do</strong> policiamento ambiental<br />
só começou a mudar na década<br />
de 1970. A onda desenvolvimentista<br />
que ficaria conhecida como milagre<br />
24<br />
SENAC AMBIENTAL
asileiro e o crescimento urbano<br />
acenderam sinais de alerta em relação<br />
aos danos ao meio ambiente. Em<br />
São Paulo, o Corpo de Policiamento<br />
<strong>do</strong>s Recursos Naturais foi transforma<strong>do</strong><br />
em 1975 no 1° Batalhão de<br />
Polícia Florestal e de Mananciais,<br />
forma<strong>do</strong> por cinco companhias operacionais<br />
e uma de apoio, instaladas<br />
na capital e nas cidades de Campinas,<br />
Taubaté, Sorocaba e Araras. Um<br />
ano depois, o batalhão foi dividi<strong>do</strong><br />
em <strong>do</strong>is – o segun<strong>do</strong>, aberto na cidade<br />
de Birigui.<br />
Em 1986, a atuação ambiental da PM<br />
paulista saiu fortalecida com a criação<br />
da Secretaria <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A Polícia Florestal teve<br />
ampliadas suas atribuições legais e<br />
assumiu de vez o policiamento preventivo<br />
e repressivo, em convênios<br />
com a secretaria, o Instituto Brasileiro<br />
de Desenvolvimento Florestal<br />
(antecessor <strong>do</strong> Ibama) e a Superintendência<br />
de Desenvolvimento de<br />
Pesca. Em 1987, a PM subordinou<br />
os <strong>do</strong>is batalhões ao recém-cria<strong>do</strong><br />
Coman<strong>do</strong> de Policiamento Florestal<br />
e de Mananciais.<br />
A centralização <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> foi<br />
acompanhada pela formação de<br />
mais um batalhão ambiental, instala<strong>do</strong><br />
em 1989 no município litorâneo<br />
de Guarujá, com atuação em to<strong>do</strong> o<br />
litoral paulista. Passa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is anos,<br />
foi cria<strong>do</strong> o quarto batalhão, em<br />
São José <strong>do</strong> Rio Preto. A expansão<br />
<strong>do</strong> poder de fogo iniciada na década<br />
de 1980 deu à PM ambiental de São<br />
Paulo sua fisionomia atual. Sain<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong> número de homens que<br />
atuavam nos anos 1940, a força ambiental<br />
da PM chegou a 2,3 mil homens,<br />
atuantes em todas as regiões<br />
<strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />
Pressões sobre os recursos naturais<br />
não faltam em São Paulo, mais<br />
populoso <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s brasileiros,<br />
com 41,3 milhões de habitantes, e<br />
líder nacional na indústria e na fabricação<br />
de etanol. Desmatamentos<br />
e incêndios florestais são ameaças<br />
foto: Coman<strong>do</strong> de Policiamento Ambiental<br />
constantes, bem como a caça e pesca<br />
predatórias e o tráfico de animais<br />
silvestres, incluí<strong>do</strong>s os destina<strong>do</strong>s<br />
à exportação via portos e aeroportos.<br />
Outros problemas são a retirada<br />
ilegal de areia e o garimpo irregular<br />
em rios como o Grande, na divisa<br />
com Minas. Em 2011, a PM Ambiental<br />
atuou em 120,5 mil ocorrências,<br />
lavrou 14,6 mil autos de infração,<br />
resgatou 27,6 mil animais silvestres e<br />
apreendeu mil armas de fogo.<br />
Os integrantes da PM Ambiental<br />
paulista têm treinamento continua<strong>do</strong>,<br />
em linha com as instruções <strong>do</strong><br />
coman<strong>do</strong> geral da corporação. E durante<br />
uma semana por ano, a exemplo<br />
<strong>do</strong>s outros policiais, participam<br />
de estágio de atualização em procedimentos<br />
operacionais, normas e<br />
legislação, além de desenvolverem<br />
ações de condicionamento físico e<br />
tiro defensivo. Para ingressar nas fileiras<br />
da Polícia Militar Ambiental, o<br />
policial precisa manifestar interesse.<br />
“Deve apresentar um perfil de comprometimento,<br />
entusiasmo e satisfação<br />
de vir a servir na causa ambiental”,<br />
diz o porta-voz da PM Ambiental<br />
de São Paulo, capitão Marcelo Robis<br />
Francisco Nassaro.<br />
Embarcação da<br />
PM Ambiental<br />
de São Paulo<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 25
26<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
SAÚDE<br />
Agrotóxicos<br />
em xeque<br />
Dayana de Paula<br />
Enquanto a indústria<br />
de agrotóxicos defende<br />
seu uso, diante da<br />
crescente demanda de<br />
alimentos, pesquisa<strong>do</strong>res e<br />
ambientalistas denunciam<br />
os riscos à saúde humana<br />
e ao meio ambiente <strong>do</strong><br />
uso indiscrimina<strong>do</strong><br />
desses produtos.<br />
foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />
Pulverização<br />
em plantação<br />
de laranjas<br />
A cartilha da boa saúde dita a inclusão<br />
de frutas e verduras na dieta das famílias,<br />
mas entre a sugestão nutricional<br />
e a disposição desses alimentos no<br />
prato <strong>do</strong> brasileiro há muitas controvérsias.<br />
O elo que o consumi<strong>do</strong>r não<br />
vê, o da produção, envolve um uso extensivo<br />
de agrotóxicos, essencial para<br />
o modelo agrícola hegemônico, mas<br />
polêmico entre pesquisa<strong>do</strong>res e ambientalistas.<br />
Os efeitos <strong>do</strong> consumo<br />
indireto desses produtos químicos<br />
para a saúde humana são alvo de frequentes<br />
estu<strong>do</strong>s, e o tema se tornou<br />
assunto de saúde pública.<br />
É difícil para o consumi<strong>do</strong>r que busca<br />
produtos mais saudáveis mensurar<br />
os riscos a que pode estar sujeito,<br />
mas eles existem, mesmo que na<br />
teoria os níveis de exposição sejam<br />
baixos. O Brasil é o maior consumi<strong>do</strong>r<br />
mundial de agrotóxicos e tem<br />
seus próprios vilões na cesta básica.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 27
Aplicação de<br />
agrotóxicos<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Azoury/Tyba<br />
Da<strong>do</strong>s recentes <strong>do</strong> Programa de<br />
Análise de Resíduos de Agrotóxicos<br />
da Agência Nacional de Vigilância<br />
Sanitária (Anvisa), órgão vincula<strong>do</strong><br />
ao Ministério da Saúde, apontaram<br />
o pimentão como um <strong>do</strong>s produtos<br />
agrícolas que apresentam mais<br />
irregularidades. Cerca de 90% das<br />
amostras analisadas pelo órgão estavam<br />
com níveis de concentração<br />
de agrotóxico acima <strong>do</strong> ideal. Em<br />
segun<strong>do</strong> e terceiro lugar ficaram o<br />
morango e o pepino, com 63% e<br />
57%, respectivamente, das amostras<br />
colhidas reprovadas. Com exceção<br />
de São Paulo, to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s<br />
e o Distrito Federal participaram<br />
da avaliação, que envolveu 2.488<br />
amostras de diferentes cultivares,<br />
das quais 28% apresentaram níveis<br />
de substâncias químicas acima <strong>do</strong><br />
recomenda<strong>do</strong> pela agência.<br />
Pesquisas como a realizada pelo<br />
Pará contribuem para tornar o<br />
consumi<strong>do</strong>r mais consciente,<br />
mas também podem levá-lo a<br />
deixar de adquirir produtos agrícolas<br />
frescos para dar preferência<br />
aos industrializa<strong>do</strong>s.<br />
Francisco Roma Paumgartten, chefe<br />
<strong>do</strong> Laboratório de Toxicologia Ambiental<br />
da Fundação Oswal<strong>do</strong> Cruz<br />
(Fiocruz), alerta que as pessoas não<br />
devem parar ou reduzir o consumo<br />
de frutas, legumes e hortaliças por<br />
conta de estu<strong>do</strong>s como o da Anvisa,<br />
pois isso seria mais danoso à<br />
saúde <strong>do</strong> que os possíveis riscos<br />
trazi<strong>do</strong>s pela ingestão de alimentos<br />
expostos aos agrotóxicos.<br />
Os adeptos <strong>do</strong> consumo de produtos<br />
livres de “defensivos agrícolas”<br />
– nome pela qual a indústria prefere<br />
se referir aos agrotóxicos – têm<br />
opinião diferente. Para eles, a incerteza<br />
quanto aos riscos desses<br />
produtos, a médio e longo prazo,<br />
recomenda evitá-los. E embora os<br />
preços <strong>do</strong>s produtos orgânicos<br />
ainda sejam mais altos, valeria a<br />
pena consumi-los.
O processo de liberação<br />
O professor e pesquisa<strong>do</strong>r Paumgartten<br />
explica que a aprovação de<br />
um agrotóxico no merca<strong>do</strong> envolve<br />
testes sistemáticos e complexos,<br />
para garantir uma boa margem de<br />
segurança. Resumin<strong>do</strong>, os produtos<br />
primeiro são testa<strong>do</strong>s em animais,<br />
para estabelecer o patamar máximo<br />
e mínimo de sensibilidade. É então<br />
feita uma estimativa para calcular o<br />
menor índice de sensibilidade de exposição<br />
para o uso humano. Ao final<br />
<strong>do</strong> processo, a concentração máxima<br />
permitida para uso nas lavouras<br />
pode ser 300 a mil vezes inferior ao<br />
menor valor estima<strong>do</strong> seguro para a<br />
exposição humana. A bula <strong>do</strong>s produtos<br />
traz a concentração mínima<br />
para o uso na lavoura e o detalhamento<br />
de segurança para aplicação.<br />
Essa conta e as estimativas são feitas<br />
com base em uma cesta de alimentos.<br />
No entanto, já que a dieta<br />
das famílias muda conforme suas<br />
condições fi nanceiras, há margem<br />
para questionar se uma maior ingestão<br />
de vegetais poderia pôr a<br />
conta em risco, como ocorre agora<br />
no Brasil. O aumento de renda das<br />
classes C e D implicou, entre outros<br />
fatores, o crescimento <strong>do</strong> consumo<br />
de frutas e verduras. O da<strong>do</strong> é da<br />
Pesquisa de Orçamentos Familiares,<br />
realizada pelo IBGE, que mostrou<br />
também um crescimento no consumo<br />
de alimentos industrializa<strong>do</strong>s,<br />
como <strong>do</strong>ces e enlata<strong>do</strong>s. Essas<br />
variáveis, de acor<strong>do</strong> com Paumgartten,<br />
são consideradas na elaboração<br />
<strong>do</strong>s limites traça<strong>do</strong>s pela Anvisa.<br />
Ele aponta que os cálculos também<br />
envolvem um balanço da dieta <strong>do</strong><br />
brasileiro e que a cada alteração na<br />
dieta to<strong>do</strong> cálculo é revisto.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, mesmo que os níveis<br />
de exposição sejam, em teoria,<br />
seguros, vários estu<strong>do</strong>s relacionam<br />
a incidência de câncer ao consumo<br />
indireto de agrotóxicos. O pesquisa<strong>do</strong>r<br />
da Fiocruz diz que não há um<br />
foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />
da<strong>do</strong> concreto que possa afi rmar<br />
com segurança que os agrotóxicos<br />
sejam cancerígenos, pois se trata<br />
de uma <strong>do</strong>ença multifatorial. “Em<br />
tese, se todas as normas forem respeitadas,<br />
não causam <strong>do</strong>enças à<br />
população”, avalia.<br />
Menos parcimoniosa, Letícia Rodrigues<br />
da Silva, gerente de Normatização<br />
e Avaliação da Anvisa, aponta<br />
que o avanço da ciência está fazen<strong>do</strong><br />
emergir a incerteza em relação à<br />
saúde humana e ao uso destes produtos.<br />
“Estamos falan<strong>do</strong> de produtos<br />
tóxicos que causam problemas<br />
à saúde humana. Produtos que pareciam<br />
seguros há muito tempo são<br />
hoje comprovadamente tóxicos”, diz.<br />
Ela alerta para a contaminação que<br />
ocorre também por água, solo e ar.<br />
Vários produtos já foram bani<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s interno e externo ao<br />
longo <strong>do</strong>s anos. No entanto alguns<br />
<strong>do</strong>s expurga<strong>do</strong>s no exterior continuam<br />
sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s no Brasil,<br />
como o acefato. Bani<strong>do</strong> na Europa,<br />
o produto é suspeito de ser cancerígeno,<br />
com toxicidade reprodutiva<br />
e neurotoxicidade, e precisa ter<br />
os seus níveis de Ingestão Diária<br />
Aceitável revistos. De acor<strong>do</strong> com<br />
a Agência de Vigilância Sanitária,<br />
foi publicada uma indicação de banimento<br />
<strong>do</strong> acefato no país, mas<br />
ele continua sen<strong>do</strong> comercializa<strong>do</strong>,<br />
como acontece com vários outros<br />
produtos em situação parecida.<br />
foto: Ingo Meyer / Tyba<br />
Tratores de pulverização<br />
sen<strong>do</strong> abasteci<strong>do</strong>s com<br />
agrotóxico<br />
Plantação de<br />
tomates<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 29
Trator apliccan<strong>do</strong><br />
defensivo agrícola<br />
foto: Karlheinz Weichert/Tyba<br />
Lavra<strong>do</strong>res contamina<strong>do</strong>s<br />
Polêmico <strong>do</strong>cumentário produzi<strong>do</strong><br />
no ano passa<strong>do</strong>, O veneno está na<br />
mesa, de Silvio Tendler, aponta um<br />
consumo médio anual de 5,2 litros<br />
de agrotóxicos por pessoa no Brasil.<br />
A quantidade assusta, mas é nas lavouras<br />
que estão as maiores vítimas<br />
conhecidas <strong>do</strong> uso indiscrimina<strong>do</strong><br />
desses produtos.<br />
A intoxicação ocupacional, por via<br />
cutânea ou nasal, é a principal causa<br />
das <strong>do</strong>enças relacionada aos agrotóxicos.<br />
O não uso de equipamentos<br />
adequa<strong>do</strong>s ao manejar o produto, as<br />
precárias condições de vida e a falta<br />
de informação <strong>do</strong>s pequenos agricultores<br />
– responsáveis pela maior<br />
parte <strong>do</strong>s produtos agrícolas que<br />
chegam à mesa <strong>do</strong> brasileiro – resultam<br />
em problemas de pele e <strong>do</strong>enças<br />
que não são facilmente perceptíveis<br />
em um exame clínico.<br />
Nesse ponto, o problema sai <strong>do</strong>s limites<br />
<strong>do</strong> campo e chega às cadeiras<br />
das faculdades de Medicina, pois o<br />
ensino de toxicologia é escasso e até<br />
mesmo inexistente em algumas delas,<br />
de acor<strong>do</strong> com Paumgartten. Ao<br />
chegarem às regiões rurais, os novos<br />
médicos podem fazer diagnósticos<br />
equivoca<strong>do</strong>s, por não conhecerem<br />
os sintomas causa<strong>do</strong>s por determina<strong>do</strong><br />
componente químico.<br />
O Instituto Nacional <strong>do</strong> Câncer<br />
(Inca), no <strong>do</strong>cumento Vigilância <strong>do</strong><br />
câncer ocupacional e ambiental,<br />
também alertou para o problema,<br />
apontan<strong>do</strong> os riscos da exposição,<br />
seja na reutilização de embalagens,<br />
no armazenamento inadequa<strong>do</strong> ou<br />
na manipulação direta. Como alguns<br />
<strong>do</strong>s componentes <strong>do</strong>s agrotóxicos<br />
podem permanecer no leite materno,<br />
há o risco de contaminação <strong>do</strong> bebê<br />
durante o perío<strong>do</strong> de amamentação.<br />
A posição da indústria<br />
Sobre as ações preventivas tomadas<br />
pela indústria, José Roberto Da<br />
Ros, vice-presidente <strong>do</strong> Sindicato<br />
da Indústria de Defensivos Agrícolas<br />
(Sindag), ressalta que há um<br />
trabalho de acompanhamento pós-<br />
-venda, com a promoção de campanhas<br />
que atingem milhares de agricultores<br />
e técnicos, para reduzir o<br />
risco de manejo inadequa<strong>do</strong>.<br />
O contraban<strong>do</strong> <strong>do</strong>s produtos agrava<br />
o problema tanto para os trabalha<strong>do</strong>res<br />
rurais quanto para a<br />
população. A questão é complexa,<br />
pois envolve recursos e tomada de<br />
crédito. Pequenos trabalha<strong>do</strong>res rurais<br />
atrelam sua atividade à compra<br />
de agrotóxicos certifica<strong>do</strong>s, pois<br />
dessa forma o banco tem a suposta<br />
garantia de que haverá produção e<br />
o consequente pagamento <strong>do</strong> empréstimo.<br />
A busca por agrotóxicos<br />
ilegais – e, consequentemente, mais<br />
baratos – é uma saída para o lavra<strong>do</strong>r<br />
garantir a produção.<br />
Mas essa arriscada aposta tem vários<br />
efeitos negativos: esse comércio<br />
ilegal causa um rombo de US$ 650<br />
milhões para a indústria, fora impostos<br />
que o Esta<strong>do</strong> deixa de arrecadar.<br />
Hoje, o Sindag calcula que cerca<br />
de 9% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> brasileiro seja<br />
de produtos contrabandea<strong>do</strong>s. De<br />
acor<strong>do</strong> com Da Ros, esses produtos<br />
prejudicam o agricultor também pela<br />
sua má qualidade, provocan<strong>do</strong> a fitotoxicidade,<br />
que é a queima da cultura,<br />
reduzin<strong>do</strong> a produtividade.<br />
Monoculturas de exportação<br />
e transgênicos<br />
O merca<strong>do</strong> de agrotóxicos no Brasil<br />
movimenta cerca de US$ 7,2 bilhões,<br />
o equivalente a uma fatia de<br />
16% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> mundial. Em termos<br />
de demanda por cultivar, a protagonista<br />
é a soja, que apenas em<br />
2010 representou 44% <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />
de defensivos agrícolas, de acor<strong>do</strong><br />
com o Sindag.<br />
Em 2010, a venda de herbicidas somente<br />
para essa cultura totalizou<br />
US$ 2,4 bilhões, 33% da venda de<br />
agrotóxicos em território nacional.<br />
30<br />
SENAC AMBIENTAL
O da<strong>do</strong> expõe duas causas principais<br />
<strong>do</strong> consumo extensivo desses<br />
insumos. Uma é o modelo estratégico<br />
brasileiro, apoia<strong>do</strong> nas exportações<br />
de commodities agrícolas<br />
que motivam as monoculturas (soja,<br />
café, milho), as quais demandam<br />
grandes quantidades de agrotóxicos<br />
para garantir a produção. A outra,<br />
conforme explica Flávia Londres,<br />
autora <strong>do</strong> livro Agrotóxicos no Brasil –<br />
um guia para ação em defesa da vida, é<br />
o crescimento de lavouras transgênicas,<br />
que demandam um aumento<br />
<strong>do</strong> consumo desses produtos.<br />
O chefe da área de Meio Ambiente<br />
da Empresa Brasileira de Pesquisa<br />
Agropecuária (Embrapa), Marcelo<br />
Boechat Morandi, que frequentemente<br />
participa de debates sobre<br />
o tema no Sena<strong>do</strong> Federal, esclarece<br />
que o excesso de agrotóxicos<br />
causa um desequilíbrio biológico<br />
na natureza. A consequência, explica,<br />
é uma menor capacidade <strong>do</strong>s<br />
agroecossistemas de manter populações<br />
de pragas em equilíbrio. Segun<strong>do</strong><br />
ele, continuan<strong>do</strong> nesse caminho,<br />
o resulta<strong>do</strong> será uma conta<br />
difícil de fechar, pois cada vez mais<br />
será necessário usar quantidades<br />
maiores desses produtos, o que<br />
pode se tornar insustentável ao<br />
longo <strong>do</strong>s anos.<br />
No futuro, outra variável que já preocupa<br />
os governos é o surgimento<br />
de novas pragas com a iminência de<br />
mudanças no sistema climático. Diferentes<br />
frentes <strong>do</strong> governo trabalham<br />
para tentar prever e combater<br />
as futuras e novas ameaças às lavouras<br />
brasileiras. A própria Embrapa,<br />
com o programa Climapest, que<br />
envolve estu<strong>do</strong>s em diversas regiões<br />
<strong>do</strong> país, está lideran<strong>do</strong> uma rede<br />
para estudar os efeitos <strong>do</strong> aquecimento<br />
global, como o surgimento<br />
de <strong>do</strong>enças e plantas daninhas. Os<br />
esforços se concentram em desenvolver<br />
produtos biológicos, na esteira<br />
da crescente preocupação da<br />
sociedade com o meio ambiente.<br />
foto: ricar<strong>do</strong> Azoury / Tyba<br />
Produtos orgânicos<br />
O modelo agrícola já começa a dar<br />
sinais de mudança, para atender um<br />
consumi<strong>do</strong>r mais exigente, que busca<br />
alimentos orgânicos. Várias empresas<br />
se mostram interessadas nesse nicho<br />
de merca<strong>do</strong>, investin<strong>do</strong> em pesquisa<br />
e desenvolvimento de novos produtos<br />
e buscan<strong>do</strong> auxílio junto à Embrapa,<br />
que tem um longo histórico<br />
de pesquisas de adequação fitossanitária<br />
e de produtos naturais.<br />
O merca<strong>do</strong> de controle biológico,<br />
sem uso de agrotóxicos, movimenta,<br />
de acor<strong>do</strong> com Morandi, em<br />
torno de US$ 1 bilhão, volume relativamente<br />
pequeno, mas que apresentou<br />
crescimento de 107% no<br />
perío<strong>do</strong> de 2003 a 2008. Enquanto<br />
isso, o merca<strong>do</strong> de agrotóxicos permanece<br />
estável, com crescimento<br />
de 15% ao ano.<br />
A expectativa de organização da<br />
cadeia ganha força com a recente<br />
criação da Associação Brasileira<br />
de Empresas de Controle Biológico<br />
(ABCBio) e o avanço da legislação<br />
para registro e comercialização<br />
desses produtos “verdes”. Por outro<br />
la<strong>do</strong>, a pesquisa e a inovação<br />
carecem de mais investimentos<br />
para tornar os produtos biológicos<br />
mais competitivos.<br />
Plantação de<br />
laranjas<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 31
Lavagem de<br />
embalagens de<br />
agrotóxicos<br />
Para Flávia Londres, os produtos orgânicos<br />
ou agroecológicos apresentam<br />
normalmente custos de produção<br />
mais baixos <strong>do</strong> que a agricultura<br />
convencional, mas a lei de merca<strong>do</strong><br />
(quan<strong>do</strong> a procura é maior <strong>do</strong> que a<br />
oferta) e a logística acabam tornan<strong>do</strong><br />
os preços mais eleva<strong>do</strong>s.<br />
A agricultura familiar e camponesa,<br />
responsável por mais de 70% da<br />
produção agrícola brasileira, pode<br />
se adequar perfeitamente à agroecologia,<br />
mas faltam incentivos e políticas<br />
públicas específicas. A soma de<br />
defensivos biológicos à agricultura<br />
orgânica poderia trazer resulta<strong>do</strong>s<br />
ainda mais satisfatórios.<br />
Fiscalização deficiente e<br />
legislação falha<br />
Se a ampliação de produtos biológicos<br />
e a agroecologia precisam<br />
de apoio para ampliar sua escala<br />
e se tornar de fato uma alternativa<br />
ao agronegócio e ao consumi<strong>do</strong>r,<br />
medidas em discussão na Câmara<br />
e no Sena<strong>do</strong> Federal podem facilitar<br />
a entrada de mais agrotóxicos<br />
no merca<strong>do</strong>. Está em apreciação<br />
na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s o Projeto<br />
de Lei que regulamenta a produção<br />
de agrotóxicos genéricos, já<br />
aprova<strong>do</strong> na Comissão de Agricultura<br />
<strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>. A casa também<br />
discute o PL 88/11, que estabelece<br />
prazo de <strong>do</strong>is anos para o início<br />
da produção e comercialização de<br />
novos agrotóxicos no Brasil após o<br />
registro <strong>do</strong>s produtos. A proposta<br />
pretende “agilizar” a entrada desses<br />
produtos e evitar que os fabricantes<br />
registrem novos insumos<br />
sem disponibilizá-los no merca<strong>do</strong>,<br />
visan<strong>do</strong> à vida útil de produtos já<br />
em circulação. Propostas como<br />
essas caminham junto com a preocupação<br />
sobre a expansão no uso<br />
de agrotóxicos, mas pouco é feito<br />
para evitá-la.<br />
Para Paumgartten, da Fiocruz, as<br />
políticas de fiscalização brasileiras<br />
deveriam ser de caráter punitivo,<br />
para evitar a reincidência das infrações,<br />
que são muitas. De acor<strong>do</strong><br />
foto: Fernan<strong>do</strong> Bueno/Tyba<br />
32<br />
SENAC AMBIENTAL
com a gerente de Normatização e<br />
Avaliação da Anvisa, Letícia Rodrigues<br />
da Silva, em todas as fi scalizações<br />
realizadas pela agência foi<br />
constata<strong>do</strong> algum tipo de irregularidade,<br />
como adulteração de produtos,<br />
uso de matérias-primas não<br />
identificadas, componentes químicos<br />
com prazo venci<strong>do</strong> e falta de<br />
controle de estoque.<br />
No começo <strong>do</strong> ano, a agência propôs<br />
novas práticas para o registro<br />
de agrotóxicos, que incluíam uniformizar<br />
seu trabalho com o <strong>do</strong><br />
Ibama e ampliar a capacidade de<br />
rastreamento <strong>do</strong>s produtos. A proposta<br />
foi submetida a audiência pública<br />
e as sugestões colhidas nesse<br />
perío<strong>do</strong> estão em consolidação. A<br />
fi scalização das empresas responsáveis<br />
pela aplicação <strong>do</strong>s produtos<br />
é de responsabilidade <strong>do</strong> Ministério<br />
da Agricultura e das secretarias<br />
estaduais de Agricultura.<br />
Paumgartten reforça também a necessidade<br />
de um sistema de tóxicovigilância<br />
que possa catalogar as<br />
possíveis reações e <strong>do</strong>enças acarretadas<br />
pela exposição aos produtos<br />
químicos, com o cruzamento<br />
de informações de cultivares e<br />
regiões. Esse trabalho, enfatiza,<br />
deveria ter um caráter preventivo.<br />
Atualmente, os centros apenas<br />
possuem informações que chegam<br />
após a intoxicação já ter ocorri<strong>do</strong>.<br />
As sugestões e ações isoladas não<br />
constituem uma solução. A exemplo<br />
<strong>do</strong> que se tem feito em outros<br />
programas <strong>do</strong> governo, é importante<br />
integrar áreas como Saúde,<br />
Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />
Agrário, em busca de um modelo<br />
mais sustentável para a agricultura<br />
nos próximos anos. Estimativas da<br />
ONU apontam 9,3 bilhões de pessoas<br />
para mea<strong>do</strong>s deste século, o<br />
que implica a necessidade efetiva<br />
de ampliação da produção de alimentos.<br />
Esses bilhões de novos<br />
habitantes <strong>do</strong> <strong>planeta</strong> também de-<br />
mandarão mais gastos com saúde,<br />
o que passa pelo cuida<strong>do</strong> com a alimentação.<br />
Todas as possibilidades<br />
levam a uma complexa e urgente<br />
equação: como aumentar a produção<br />
de alimentos sem causar danos<br />
irreversíveis ao meio ambiente e à<br />
saúde da população. A dúvida é se<br />
a conta será ajustada agora ou deixada<br />
para gerações futuras.<br />
Rachel Carson:<br />
a precursora<br />
Quan<strong>do</strong> o assunto<br />
são os danos causa<strong>do</strong>s<br />
pelos agrotóxi-<br />
cos, inevitavelmente<br />
o primeiro nome que<br />
vem à mente é o da<br />
bióloga<br />
americana<br />
Rachel Carson, faleci-<br />
da em 1964.<br />
No final <strong>do</strong>s anos<br />
1950, Carson começou<br />
a focar seus estu-<br />
<strong>do</strong>s nas questões da<br />
conservação <strong>do</strong> meio<br />
ambiente e nos problemas<br />
ambientais causa<strong>do</strong>s pelos<br />
pesticidas sintéticos.<br />
O resulta<strong>do</strong> foi o livro Prima-<br />
vera silenciosa (Silent spring),<br />
lança<strong>do</strong> em 1962, que trou-<br />
xe para o debate público,<br />
de forma sem precedentes,<br />
problemas ambientais até<br />
então ignora<strong>do</strong>s pela popu-<br />
lação americana.<br />
Primavera silenciosa – que re-<br />
centemente foi reedita<strong>do</strong><br />
Brasil – se tornou um mar-<br />
co no nascente movimento<br />
ambientalista e impulsionou<br />
uma guinada na polí-<br />
tica americana em relação<br />
aos agrotóxicos, levan<strong>do</strong> à<br />
proibição <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> DDT e<br />
de outros pesticidas.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 33
ESTANTE AMBIENTAL<br />
Mun<strong>do</strong> sustentável 2:<br />
novos rumos para um <strong>planeta</strong><br />
em crise<br />
André Trigueiro. Globo Livros.<br />
Rio de Janeiro, 2012.<br />
A publicação traz reportagens e<br />
textos inéditos <strong>do</strong> autor, além de artigos<br />
de vários especialistas na área<br />
ambiental que atualizam o leitor<br />
acerca <strong>do</strong>s novos caminhos<br />
e desafios nas<br />
áreas de gestão<br />
e planejamento<br />
ambiental, tecnologias<br />
limpas,<br />
biodiversidade e<br />
clima, entre outros<br />
temas. Repórter<br />
da TV Globo,<br />
editor-chefe <strong>do</strong><br />
programa Cidades e<br />
soluções, da Globo<br />
News, e comentarista<br />
da Rádio CBN, André<br />
Trigueiro lança nesta<br />
nova obra um olhar<br />
crítico sobre os princi-<br />
pais problemas socioambientais da<br />
modernidade, antecipan<strong>do</strong> questões<br />
em debate na Rio+20. Escrito<br />
em linguagem direta e acessível, o<br />
livro presta um serviço fundamental<br />
não só a pesquisa<strong>do</strong>res e estudantes,<br />
como ao público interessa<strong>do</strong><br />
em entender como os problemas<br />
socioambientais afetam diretamente<br />
o seu cotidiano em questões<br />
muito concretas, tais como água,<br />
lixo, poluição, consumo e energia.<br />
André Trigueiro cedeu 100% <strong>do</strong>s direitos<br />
autorais da obra ao Centro de<br />
Valorização da Vida (CVV).<br />
Globo Livros. Tel.: (21) 3380-<br />
5900 ou (11) 3323-7000.<br />
Site:<br />
www.globolivros.globo.com<br />
ou<br />
www.mun<strong>do</strong>sustentavel.com.br.<br />
Cultura é natureza - tribos<br />
urbanas e povos tradicionais<br />
Lara Moutinho da Costa. Editora<br />
Garamond, Rio de Janeiro, 2012.<br />
O título instiga<strong>do</strong>r anuncia a proposta<br />
de um novo paradigma, que<br />
integra a natureza à cultura partin<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s pressupostos da sustentabilidade<br />
e da justiça social. Lara Moutinho<br />
apresenta o percurso histórico<br />
<strong>do</strong>s modelos cientificistas que ratificaram<br />
a lógica da cisão entre homem<br />
e natureza e mostra como o<br />
pensamento e a prática que resultaram<br />
dessa visão de mun<strong>do</strong> criaram<br />
mo<strong>do</strong>s específicos de ser na sociedade<br />
atual. Por um la<strong>do</strong>, surgiram as<br />
“tribos urbanas”, fundadas sobre as<br />
civilizações urbano-industriais; por<br />
outro, consolidaram-se comunidades<br />
e povos tradicionais, coexistin<strong>do</strong><br />
em ambientes rurais. Em suma,<br />
a autora explica como a intervenção<br />
humana na natureza mol<strong>do</strong>u culturalmente<br />
o mun<strong>do</strong> natural, em<br />
um processo civilizatório que vem<br />
ocorren<strong>do</strong> há milhares de anos. Assim,<br />
a cultura passa a ser entendida<br />
como natureza, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />
que a natureza torna-se cultura.<br />
Editora Garamond. Tel: (21) 2504-<br />
9211. Site: www.garamond.com.br.<br />
34<br />
SENAC AMBIENTAL
ESTANTE AMBIENTAL<br />
Arquitetura, urbanidade e<br />
meio ambiente<br />
Almir Francisco Reis (org.). Editora<br />
UFSC. Florianópolis, 2011.<br />
Os conhecimentos teóricos e práticos<br />
trazi<strong>do</strong>s pela arquitetura e pelo<br />
urbanismo contribuem decisivamente<br />
para a construção de cidades<br />
mais sustentáveis e socialmente<br />
justas. Com esse pressuposto, o<br />
livro reúne trabalhos <strong>do</strong> Simpósio<br />
Arquitetura, urbanidade e meio<br />
ambiente, organiza<strong>do</strong> durante o I<br />
Encontro Nacional da Associação<br />
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação<br />
em Arquitetura e Urbanismo,<br />
que ocorreu em 2010, no Rio de<br />
Janeiro. Os textos analisam aspectos<br />
da dinâmica urbana no Brasil,<br />
como, por exemplo, o impacto <strong>do</strong><br />
turismo e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário<br />
na ocupação <strong>do</strong> litoral <strong>do</strong> Rio Grande<br />
<strong>do</strong> Norte, os desafios estruturais<br />
vivencia<strong>do</strong>s na região amazônica<br />
com a reprodução de soluções<br />
importadas <strong>do</strong>s grandes centros<br />
urbanos <strong>do</strong> país e a relação entre<br />
espaços públicos e ecossistemas<br />
naturais na transformação urbano-<br />
-turística no litoral catarinense.<br />
Editora UFSC. Tel: (48) 3721-9408.<br />
E-mail: editora@editora.ufsc.br.<br />
Sustentabilidade e<br />
transformação social<br />
Marta de Azeve<strong>do</strong> Irving e<br />
Elizabeth Oliveira. . <strong>Senac</strong><br />
Nacional, 2012.<br />
A população mundial ultrapassou<br />
os sete bilhões de pessoas em<br />
2011. A marca é impressionante e,<br />
mais <strong>do</strong> que nunca, nos remete à<br />
necessidade de repensar os nossos<br />
padrões de consumo e o modelo<br />
de crescimento econômico atual.<br />
O tema não é mais exclusivo <strong>do</strong>s<br />
cientistas ou <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> acadêmico.<br />
Deve, na verdade, ser discuti<strong>do</strong> no<br />
dia a dia, por to<strong>do</strong>s os cidadãos.<br />
É o que propõem as autoras, que,<br />
numa conversa franca e direta,<br />
compartilham suas inquietações e<br />
esperanças, apresentan<strong>do</strong> casos e<br />
exemplos que ilustram caminhos<br />
possíveis e inova<strong>do</strong>res, às vésperas<br />
da Rio+20, a Conferência Internacional<br />
das Nações Unidas sobre o<br />
Desenvolvimento Sustentável. Marta<br />
de Azeve<strong>do</strong> Irving é <strong>do</strong>utora em<br />
Ciências, professora e pesquisa<strong>do</strong>ra<br />
nas áreas de Ecologia Social e<br />
Políticas Públicas e Estratégias de<br />
Desenvolvimento. Atualmente coordena<br />
projetos de pesquisa em<br />
desenvolvimento e gestão social<br />
da biodiversidade, atuan<strong>do</strong> ainda<br />
como consultora sênior de Instituições<br />
<strong>do</strong> Sistema das Nações Unidas.<br />
Elizabeth Oliveira é jornalista<br />
e mestre em Psicossociologia de<br />
Comunidades e Ecologia Social,<br />
<strong>do</strong>utoranda no Programa de Pósgraduação<br />
em Políticas Públicas,<br />
Estratégias e Desenvolvimento da<br />
UFRJ, pesquisa<strong>do</strong>ra e consultora<br />
em comunicação ambiental.<br />
<strong>Senac</strong>. Tel.: (21) 3138-1385 e (11) 2187-4450.<br />
E-mail: comercial.editora@rj.senac.br e<br />
editora@sp.senac.br
36<br />
SENAC AMBIENTAL
EMPRESAS<br />
ISO 26000:<br />
a norma da<br />
responsabilidade<br />
social<br />
Adriana Freitas de Souza<br />
Norma visa estimular as<br />
organizações a irem além<br />
<strong>do</strong> mero cumprimento da<br />
lei e a promoverem uma<br />
compreensão global da área<br />
de responsabilidade social,<br />
complementan<strong>do</strong> outros<br />
instrumentos e iniciativas.<br />
foto: Dreamstime<br />
Em um ano marca<strong>do</strong> pela realização<br />
da Rio+20, no Rio de Janeiro,<br />
mais <strong>do</strong> que nunca, está lança<strong>do</strong><br />
o debate em torno da responsabilidade<br />
socioambiental no mun<strong>do</strong><br />
empresarial e corporativo.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, cabe lembrar que o<br />
país ganhou um importante <strong>do</strong>cumento<br />
com o lançamento da NBR<br />
ISO 26000:2010 – Diretrizes sobre<br />
Responsabilidade Social, em dezembro<br />
de 2010, pela Associação Brasileira<br />
de Normas Técnicas (ABNT).<br />
A norma foi resulta<strong>do</strong> de um trabalho<br />
pioneiro, considera<strong>do</strong> pelos<br />
especialistas o mais amplo e complexo<br />
entre todas as normas internacionais<br />
de padronização já feitas.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 37
foto: Cesar Ogata<br />
Evento de lançamento<br />
da versão brasileira foi<br />
realiza<strong>do</strong> na Fiesp<br />
Os debates, trava<strong>do</strong>s ao longo de<br />
quase seis anos, envolveram 450<br />
especialistas participantes, 210<br />
observa<strong>do</strong>res de 99 países e 42<br />
organizações internacionais. Esse<br />
guia de 110 páginas tem a missão<br />
de orientar empresas, governos,<br />
associações, entidades <strong>do</strong>s mais<br />
varia<strong>do</strong>s perfis e organizações<br />
não governamentais a promover<br />
rotinas e práticas que levem à responsabilidade<br />
social.<br />
A norma já havia si<strong>do</strong> lançada pela<br />
Organização Internacional para Padronização,<br />
da sigla em inglês ISO,<br />
em 1º de novembro de 2010 e publicada<br />
no Brasil no dia 1º de dezembro<br />
<strong>do</strong> mesmo ano. Na semana<br />
seguinte, foi realiza<strong>do</strong> o lançamento<br />
oficial da versão brasileira – em português<br />
– da ISO 26000.<br />
Como havia quase cem países envolvi<strong>do</strong>s,<br />
era necessária uma liderança<br />
para o desenvolvimento da<br />
norma internacional, que esteve<br />
compartilhada entre duas nações:<br />
o Brasil – sob a coordenação da<br />
ABNT – e a Suécia – sob a tutela<br />
<strong>do</strong> Instituto Sueco de Normalização<br />
(Swedish Standards Institute).<br />
“Resolveu-se que a liderança seria<br />
dividida entre um país desenvolvi<strong>do</strong><br />
e outro subdesenvolvi<strong>do</strong>. O Brasil<br />
foi escolhi<strong>do</strong> pelo pioneirismo<br />
na normatização de responsabilidade<br />
social com a NBR 16001. Nenhum<br />
outro país no mun<strong>do</strong> tinha<br />
uma norma parecida à época <strong>do</strong><br />
lançamento dessa NBR, em 2004”,<br />
disse Eduar<strong>do</strong> São Thiago, secretário<br />
adjunto <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />
da ISO 26000.<br />
De março de 2005 até maio de<br />
2010, quan<strong>do</strong> se realizaram as<br />
reuniões <strong>do</strong>s comitês-espelho nacionais<br />
e <strong>do</strong> Grupo de Trabalho<br />
internacional – <strong>do</strong> qual participaram<br />
entidades como o Programa<br />
das Nações Unidas para o Meio<br />
Ambiente (Pnuma), a Organização<br />
Internacional <strong>do</strong> Trabalho<br />
(OIT) e a Confederação Sindical<br />
Internacional –, a tarefa foi árdua.<br />
“Tivemos uma negociação com<br />
multistakeholders (as várias partes<br />
interessadas). Um caldeirão<br />
com governos, indústria, ONGs,<br />
universidades, consultoria e institutos<br />
de pesquisa negocian<strong>do</strong>.<br />
Houve um processo de construção<br />
de um consenso, ou seja, as<br />
partes dialogavam e chegaram<br />
a um acor<strong>do</strong>, mas foram muitas<br />
idas, vindas e entendimentos. Ao<br />
final de seis anos, saiu a norma”,<br />
relembra Eduar<strong>do</strong>.<br />
O texto fi nal teve 93,5% <strong>do</strong>s votos de<br />
aprovação entre os 160 países membros<br />
da ISO. Uma vitória para quem<br />
esteve à frente das negociações.<br />
38<br />
SENAC AMBIENTAL
Reforçan<strong>do</strong> as boas práticas<br />
Em síntese, a ISO 26000 visa estimular<br />
as organizações a<br />
incorporar considerações<br />
socioambientais<br />
em seus<br />
processos decisórios<br />
e responsabilizar-se<br />
pelos<br />
impactos de suas<br />
decisões e atividades<br />
na sociedade<br />
e no meio ambiente. Na<br />
visão <strong>do</strong>s seus idealiza<strong>do</strong>res,<br />
isso implica um comportamento<br />
ético e transparente que contribua<br />
para o desenvolvimento sustentável,<br />
esteja em conformidade com<br />
as leis aplicáveis e seja consistente<br />
com as normas internacionais. Também<br />
implica que a responsabilidade<br />
social esteja integrada em toda a<br />
organização, seja praticada em suas<br />
relações e leve em conta os interesses<br />
das partes interessadas.<br />
Para Eduar<strong>do</strong> São Thiago, a ISO<br />
26000 veio reforçar as boas iniciativas<br />
sustentáveis já existentes. “O<br />
grupo de trabalho ficou <strong>do</strong>is anos<br />
analisan<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentos como o<br />
Pacto Global das Nações Unidas e<br />
a estrutura de relatórios de sustentabilidade<br />
GRI”, conta.<br />
Juntamente com o Instituto Brasileiro<br />
de Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r (Idec),<br />
o Departamento Intersindical de<br />
Estu<strong>do</strong>s e Estatísticas Socioeconômicos<br />
(Dieese), Furnas e outras organizações,<br />
a Petrobras está trabalhan<strong>do</strong><br />
na divulgação desse guia de<br />
responsabilidade social no Brasil.<br />
A empresa vem promoven<strong>do</strong>, junto<br />
com a ABNT, seminários sobre<br />
a ISO 26000 em todas as regiões<br />
<strong>do</strong> país, com a distribuição gratuita<br />
da norma. Entre as ações internas<br />
da Petrobras para a implementação<br />
das diretrizes da ISO, estão o curso<br />
específico sobre a norma para<br />
funcionários na Universidade Petrobras<br />
e a capacitação em responsabilidade<br />
social para fornece<strong>do</strong>res.<br />
De fato, a empresa é uma das principais<br />
incentiva<strong>do</strong>ras da norma no<br />
Brasil. Isso se explica até pelo seu<br />
tamanho: são 210 mil pessoas<br />
em to<strong>do</strong> o sistema Petrobras<br />
e cerca de 8 mil fornece<strong>do</strong>res<br />
– toda essa<br />
força de trabalho se<br />
adequan<strong>do</strong> à ISO.<br />
Objetivo não é<br />
certificação<br />
ou “selo”<br />
Ana Paula Grether, coordena<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong> Relatório de Sustentabilidade da<br />
Petrobras e representante da indústria<br />
na delegação brasileira, explica<br />
que não haverá nenhum tipo de<br />
selo para atestar a norma, que não<br />
foi elaborada com fi ns de certificação.<br />
“Não tem auditoria obrigatória.<br />
Entendeu-se que o assunto responsabilidade<br />
social combinava com o<br />
processo de conscientização e as<br />
empresas recebem direcionamento<br />
para fazer autodeclarações”, disse.<br />
Trocan<strong>do</strong> em miú<strong>do</strong>s, a norma não<br />
contém requisitos – mas sim diretrizes<br />
e princípios – e qualquer certificação<br />
não estaria em conformidade<br />
com o próprio guia, que não funciona<br />
com um sistema de gestão, mas<br />
Ana Paula Grether, da<br />
Petrobras, durante o<br />
evento na Fiesp<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 39
foto: Cesar Ogata<br />
tem a utilidade de inspirá-lo. O guia<br />
visa a estimular as organizações a<br />
irem além da conformidade legal e a<br />
promover uma compreensão global<br />
da área de responsabilidade social,<br />
complementan<strong>do</strong> outros instrumentos<br />
e iniciativas.<br />
A norma também segue procedimentos<br />
previstos pelo direito internacional<br />
e por acor<strong>do</strong>s intergovernamentais.<br />
“Em situações em que<br />
a legislação ou sua implementação<br />
seja confl itante com as normas internacionais<br />
de comportamento e<br />
quan<strong>do</strong> o não cumprimento dessas<br />
normas traz consequências significativas,<br />
convém que a organização,<br />
conforme viável e apropria<strong>do</strong>, reveja<br />
a natureza de suas relações e atividades<br />
naquela jurisdição”, diz o texto<br />
da ISO 26000.<br />
Sete grandes temas<br />
Dentro de uma visão holística, a norma<br />
internacional de responsabilidade<br />
social tem sete temas principais,<br />
interdependentes. Entre eles, estão<br />
a governança organizacional, que<br />
trata <strong>do</strong>s processos de tomada de<br />
decisão, delegação de poder e como<br />
a organização deve incorporar os<br />
princípios da responsabilidade social<br />
à sua forma de atuação cotidiana;<br />
os direitos humanos, que envolvem<br />
resolução de conflitos, direitos<br />
civis, políticos, econômicos, sociais<br />
e culturais; e as práticas trabalhistas,<br />
que incluem emprego e relações profissionais,<br />
condições de trabalho e<br />
proteção social, diálogo social, saúde<br />
e segurança ocupacional.<br />
É claro que meio ambiente não<br />
poderia ter si<strong>do</strong> deixa<strong>do</strong> de la<strong>do</strong><br />
e o tema se refere à prevenção da<br />
poluição, ao uso sustentável de<br />
recursos, à mitigação e à adaptação<br />
às mudanças climáticas, à<br />
proteção e à restauração <strong>do</strong> ambiente<br />
natural e aos princípios da<br />
precaução da responsabilidade<br />
ambiental. As práticas operacionais<br />
justas, por sua vez, compreendem<br />
combate à corrupção, envolvimento<br />
político responsável e<br />
concorrência e negociação leais.<br />
A norma também se refere aos direitos<br />
<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, que incluem<br />
práticas justas de negócios,<br />
marketing e comunicação, proteção<br />
à saúde e à segurança <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,<br />
consumo sustentável, serviço e<br />
suporte pós-fornecimento, privacidade<br />
e proteção de da<strong>do</strong>s, acesso<br />
a serviços essenciais, educação e<br />
conscientização. E, por último, o<br />
envolvimento com a comunidade e<br />
seu desenvolvimento, que têm a ver<br />
com o investimento social, o desenvolvimento<br />
tecnológico, a criação<br />
de empregos, a geração de riqueza<br />
e renda, a promoção e o apoio à<br />
saúde, à educação e à cultura.<br />
As experiências pioneiras<br />
Antes da norma ISO 26000, já havia<br />
iniciativas para estabelecer indica<strong>do</strong>res<br />
de responsabilidade social<br />
no Brasil, como os Indica<strong>do</strong>res<br />
Ethos de Responsabilidade Social<br />
Empresarial, uma ferramenta de<br />
aprendiza<strong>do</strong> e avaliação da gestão,<br />
e o Balanço Social, lança<strong>do</strong> em<br />
1997 (mas já encerra<strong>do</strong>) pelo Instituto<br />
Brasileiro de Análises Sociais e<br />
Econômicas (Ibase), como proposta<br />
de instrumento de divulgação de<br />
da<strong>do</strong>s em investimentos sociais por<br />
parte das empresas.<br />
40<br />
SENAC AMBIENTAL
Uma breve história das normas internacionais<br />
A ISO (International Organizanômicas<br />
à natureza. Em 1993, a<br />
tion for Standardization) é um<br />
organização reuniu diversos pro-<br />
organismo normatiza<strong>do</strong>r funda<strong>do</strong><br />
fissionais e criou um comitê para<br />
em 1947, com sede em Genebra,<br />
desenvolver as normas da série<br />
na Suíça. No final <strong>do</strong>s anos 1980,<br />
14000. A mais famosa delas viria<br />
a ISO lançou a primeira geração<br />
a ser ISO 14001 – inspirada na in-<br />
das normas da série 9000, que foglesa<br />
BS 7750 – que estabelece as<br />
ram difundidas em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong><br />
diretrizes para o desenvolvimento<br />
como referência de excelência em<br />
de um sistema de gestão ambien-<br />
Sistemas de Qualidade. Naquele<br />
tal dentro das empresas.<br />
momento, todas as atenções es-<br />
A evolução das normas refletia o<br />
tavam voltadas para os clientes.<br />
gradual fortalecimento <strong>do</strong> concei-<br />
Na década seguinte, após a reto<br />
de “desenvolvimento sustenalização<br />
da Rio-92, no Rio de<br />
tável”, tema que vem ganhan<strong>do</strong><br />
Janeiro, passou a ser premente<br />
peso no universo acadêmico e na<br />
o desenvolvimento de normas<br />
sociedade civil e começa, ainda<br />
específicas para a questão am-<br />
que timidamente e com diferenbiental<br />
dentro das empresas, de<br />
tes matizes, a ser incorpora<strong>do</strong> à<br />
maneira a minimizar os danos<br />
gestão de alguns governos. Nes-<br />
causa<strong>do</strong>s pelas atividades ecose<br />
contexto, o mun<strong>do</strong> empresarial<br />
não poderia ficar indiferente.<br />
Era hora de atitudes proativas no<br />
campo da sustentabilidade.<br />
A partir <strong>do</strong>s anos 2000, cresce a<br />
percepção de que, junto com a<br />
imperativa necessidade de utilizar<br />
os recursos naturais de forma<br />
mais racional e consequente, era<br />
necessário também melhorar os<br />
índices de pobreza e desigualdade<br />
social em to<strong>do</strong> o <strong>planeta</strong>, para<br />
tornar possível a meta de alcançar<br />
o desenvolvimento sustentável. O<br />
bem-estar <strong>do</strong> ser humano – entendi<strong>do</strong><br />
em uma visão mais global<br />
– entrava em foco e o mun<strong>do</strong><br />
corporativo precisava evoluir mais<br />
uma vez. A partir daí, o caminho<br />
começou a ser trilha<strong>do</strong> para a ISO<br />
26000.<br />
“O tema da responsabilidade social<br />
já dá sinais de ser um fator de decisão<br />
na escolha <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. A<br />
ISO vem com um peso diferencia<strong>do</strong>,<br />
devi<strong>do</strong> ao seu reconhecimento. O<br />
la<strong>do</strong> bom é que, certamente, muitas<br />
empresas vão aplicá-lo. O risco é a<br />
sua utilização para fins de melhorar a<br />
imagem. Mas é um risco de todas as<br />
ferramentas de divulgação de ações<br />
das empresas”, avalia a pesquisa<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong> Ibase, Claudia Mansur.<br />
O economista Clóvis Scherer, supervisor<br />
<strong>do</strong> Dieese, acredita que<br />
o desenvolvimento econômico no<br />
Brasil virá a reboque da norma,<br />
mas de maneira indireta. “Ao seguirem<br />
a norma, as empresas estarão<br />
contribuin<strong>do</strong> para o desenvolvimento<br />
social e ambiental <strong>do</strong> país.<br />
Um ambiente de maior respeito aos<br />
direitos e à preservação da sustentabilidade<br />
ambiental gera um clima<br />
favorável também para as atividades<br />
econômicas”, comentou. Clóvis cita<br />
ainda que tanto o comércio quanto<br />
os fluxos fi nanceiros têm cada vez<br />
mais requisitos sociais e ambientais<br />
incorpora<strong>do</strong>s para abrir merca<strong>do</strong>s e<br />
fontes de fi nanciamento.<br />
Segun<strong>do</strong> o pesquisa<strong>do</strong>r, a ISO<br />
26000, junto com outras referências<br />
igualmente importantes, pode<br />
também influenciar debates na sociedade<br />
e nas instituições públicas<br />
e, desta forma, ser incorporada em<br />
algum momento, total ou parcialmente,<br />
às leis, aos regulamentos e<br />
aos programas de ação de natureza<br />
pública e privada.<br />
Mas Clóvis acredita que será lenta<br />
sua incorporação à prática das empresas.<br />
“Justamente pela sua abrangência.<br />
Se fosse menos exigente,<br />
a ISO poderia ser mais facilmente<br />
difundida, só que à custa de deixar<br />
lacunas e fazer simplificações inaceitáveis.<br />
Como um guia, e não uma<br />
regra rígida, a chave será acumular<br />
experiências adaptadas a cada situação,<br />
cada tipo de empresa, setor,<br />
local etc.”, fi naliza.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 41
42<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
A arte da<br />
observação<br />
de aves<br />
Texto e fotos:<br />
Luiz Claudio Marigo<br />
Passatempo antes restrito a<br />
poucos, hoje, com as novas<br />
máquinas digitais, a prática<br />
da observação de aves<br />
experimenta um enorme<br />
crescimento no Brasil,<br />
contribuin<strong>do</strong> para o bemestar<br />
físico e mental <strong>do</strong>s seus<br />
adeptos e servin<strong>do</strong> como<br />
uma valiosa ferramenta de<br />
educação ambiental.<br />
Luiz Carlos<br />
Ribenboim<br />
fotografan<strong>do</strong> no<br />
Parque Nacional<br />
de Itatiaia<br />
As aves são símbolos de liberdade,<br />
seres livres e selvagens, e representam<br />
o anseio <strong>do</strong> homem por voar, ascender<br />
às alturas, transcender seus<br />
limites. O apelo é quase espiritual.<br />
São também belas, coloridas, diversificadas:<br />
sua aparência <strong>vai</strong> da ema,<br />
que não voa, às an<strong>do</strong>rinhas, mestras<br />
<strong>do</strong> ar e <strong>do</strong> espaço; da plumagem monástica<br />
<strong>do</strong> sabiá-laranjeira à exuberância<br />
das saíras. Podem ser observadas<br />
em to<strong>do</strong>s os ecossistemas, <strong>do</strong><br />
Ártico à Antártica ou nos desertos<br />
mais inóspitos, e com abundância<br />
em to<strong>do</strong>s os ambientes tropicais,<br />
onde temos a sorte de viver. Habitam<br />
também as cidades, onde podemos<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 43
Arara-azul no<br />
cerra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />
Pica-pau-rei na porta <strong>do</strong><br />
ninho, alimentan<strong>do</strong> fi lhotes, em<br />
Resende, Rio de Janeiro<br />
observá-las nas ruas e até da janela<br />
de nossos apartamentos. Estão em<br />
toda parte, tão próximas, que sofreríamos<br />
se algum dia não ouvíssemos<br />
mais seus cantos melodiosos.<br />
Não é de surpreender, portanto, que<br />
hoje – graças, em grande parte, ao<br />
advento das câmeras digitais – cada<br />
vez mais pessoas se dediquem à observação<br />
desses pequenos seres.<br />
O portal www.wikiaves.com.br é<br />
uma enciclopédia virtual das aves<br />
brasileiras, com conteú<strong>do</strong> interativo<br />
e representa um termômetro desse<br />
fenômeno de expansão da observação<br />
e da fotografia de aves. Reinal<strong>do</strong><br />
Guedes, 32 anos, de Juiz de<br />
Fora (MG), cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Wikiaves, tem<br />
boas razões para ser otimista: “Em<br />
julho de 2009, com apenas seis meses<br />
no ar, já recebíamos cerca de 8<br />
mil visitantes por semana; em 2012,<br />
estamos receben<strong>do</strong> cerca de 22 mil<br />
por semana, e a tendência é o crescimento,<br />
na medida em que a observação<br />
de aves avançar no país”.<br />
Os números são impressionantes:<br />
“Nos primeiros três meses, recebemos<br />
9.700 imagens e sons de aves<br />
brasileiras. Nos últimos três meses,<br />
recebemos 68.000. Hoje temos 470<br />
mil, sen<strong>do</strong> 443 mil fotos e 27 mil sons,<br />
de colabora<strong>do</strong>res de to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> Brasil”, acrescenta Reinal<strong>do</strong>.<br />
Uma análise por faixa etária <strong>do</strong>s<br />
colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Wikiaves traz<br />
ainda mais esperança em relação<br />
ao futuro, para felicidade <strong>do</strong>s ornitólogos<br />
preocupa<strong>do</strong>s com o crescimento<br />
dessa atividade, como Fernan<strong>do</strong><br />
Straube, de Curitiba: “Tenho<br />
me empenha<strong>do</strong> para que a prática<br />
se dissemine. Penso diariamente<br />
no que fazer para que isso aconteça<br />
e a observação de aves cresça<br />
com as dimensões que merece”.<br />
Os jovens estão mergulhan<strong>do</strong> de<br />
cabeça na observação de aves: hoje,<br />
<strong>do</strong>s 9.537 colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Wikiaves,<br />
3.493 (36,6%) têm menos de 30<br />
anos. Desses, 291 (3%) são crianças<br />
com menos de 15 anos. Entre 30 e<br />
60 anos, há 5.442 (57,0%) colabora<strong>do</strong>res<br />
de fotos e sons de aves. Acima<br />
de 60, são 604 (6,3%). Desses, 41 têm<br />
mais de 75 anos.<br />
O cuida<strong>do</strong> com o bem-estar e a segurança<br />
das aves deve ser a primeira<br />
44<br />
SENAC AMBIENTAL
preocupação <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res desses<br />
seres tão belos e que tanto nos<br />
fascinam. Por isso não causa espanto<br />
que no verão de 2011 um ninho de<br />
maria-leque-<strong>do</strong>-sudeste no Parque<br />
Nacional <strong>do</strong> Itatiaia tenha si<strong>do</strong> manti<strong>do</strong><br />
quase em segre<strong>do</strong>. Era importante<br />
não prejudicar a reprodução<br />
desse passarinho de plumagem discreta<br />
e apenas 17 cm de comprimento,<br />
considera<strong>do</strong> uma espécie rara e<br />
ameaçada de extinção.<br />
No entanto, quan<strong>do</strong> Luiz Carlos Ribenboim,<br />
de Resende (RJ), chamou<br />
alguns amigos para ver e fotografar<br />
a ave e seu ninho (mesmo toman<strong>do</strong><br />
o cuida<strong>do</strong> de só postar suas fotos na<br />
internet depois que os filhotes aban<strong>do</strong>naram<br />
o ninho e comunican<strong>do</strong> a<br />
novidade apenas a amigos de confiança<br />
que não perturbariam a ave),<br />
mais de 30 pessoas vieram vê-la – <strong>do</strong><br />
Brasil e até <strong>do</strong> exterior.<br />
Observa<strong>do</strong>res de aves são respeitosos<br />
mesmo – afinal, sua paixão<br />
depende da continuidade da vida.<br />
A reprodução da maria-leque foi<br />
bem-sucedida e os observa<strong>do</strong>res<br />
esperam revê-la no próximo perío<strong>do</strong><br />
de nidificação. No momento de<br />
os filhotes voarem pela primeira vez,<br />
Luiz Carlos viu um deles equilibra<strong>do</strong><br />
na entrada <strong>do</strong> ninho, construí<strong>do</strong> sobre<br />
o poço de um rio encachoeira<strong>do</strong>,<br />
e aproveitou para clicar diversas<br />
fotos. Parou por um minuto para ver<br />
as imagens no monitor da câmera e,<br />
quan<strong>do</strong> voltou a olhar para o ninho,<br />
viu que o filhote não estava mais ali.<br />
Ele presume que a avezinha tenha<br />
voa<strong>do</strong> e desapareci<strong>do</strong> na vegetação<br />
da margem, pois não a viu caída na<br />
água, um remanso sem correnteza.<br />
O início no Brasil<br />
Se hoje se observa um grande crescimento<br />
no número de pessoas que<br />
se dedicam a esse passatempo, nem<br />
sempre no Brasil a observação de<br />
aves despertou um interesse tão<br />
intenso. Em 1974, a fundação <strong>do</strong><br />
Clube de Observa<strong>do</strong>res de Aves <strong>do</strong><br />
Rio Grande <strong>do</strong> Sul (COA-RS) pelos<br />
ornitólogos Walter Voss e Flávio Silva<br />
inaugurou a prática organizada da<br />
observação de aves no Brasil. No entanto<br />
os clubes de observa<strong>do</strong>res não<br />
se multiplicaram, nem arregimentaram<br />
de imediato muitos associa<strong>do</strong>s,<br />
mas cresceram lentamente.<br />
Araras-vermelhas comen<strong>do</strong><br />
argila em barranco <strong>do</strong> rio Madre<br />
de Dios, em Cusco, Peru<br />
Surucuá-varia<strong>do</strong> em<br />
Resende, Rio de Janeiro<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 45
Saíra-sete-cores, em<br />
Resende, Rio de Janeiro<br />
Aos poucos, alguns apaixona<strong>do</strong>s foram<br />
organizan<strong>do</strong> outros núcleos <strong>do</strong><br />
COA em seus esta<strong>do</strong>s e, nas décadas<br />
de 1970 e 80, mais observa<strong>do</strong>res<br />
começaram a percorrer campos,<br />
cerra<strong>do</strong>s, florestas, beiras de rio e<br />
lagoas e a prestar atenção nas aves<br />
até nos quintais de suas casas ou<br />
nas ruas de suas cidades. Surgiram<br />
COAs no Paraná, em São Paulo, Rio<br />
de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio<br />
Grande <strong>do</strong> Norte.<br />
Mas, por dificuldades de organização,<br />
pela falta de uma cultura naturalista<br />
no Brasil e de bons livros<br />
para ajudar na identificação das<br />
aves, os clubes foram diminuin<strong>do</strong><br />
sua atividade e alguns desapareceram<br />
totalmente. Recentemente,<br />
com o advento da internet e da fotografia<br />
digital, ocorreu um súbito<br />
e incrível renascimento. Quan<strong>do</strong> a<br />
prática surgiu no Brasil, há cerca de<br />
40 anos, ninguém poderia imaginar<br />
que ela se desenvolveria tanto.<br />
Bem-estar e plenitude<br />
Como demonstram os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Wikiaves, cada vez mais pessoas de<br />
todas as idades, até bem i<strong>do</strong>sas, estão<br />
desfrutan<strong>do</strong> desse passatempo<br />
apaixonante. É o caso de se perguntar:<br />
por que enfrentam calor, frio,<br />
sede, carrapatos, mosquitos e mutucas<br />
para entrar no mato só para ver<br />
passarinhos?<br />
Para Luiz Carlos, a fotografia de aves<br />
tem um importante espaço em sua<br />
vida: “Através dela faço exercícios<br />
físicos, conheço novos amigos, descubro<br />
belezas naturais insuspeitadas<br />
e desenvolvo talentos antes apenas<br />
latentes, como conhecer o canto<br />
e os hábitos das aves, bem como<br />
fotografá-las cada vez melhor. Tu<strong>do</strong><br />
isso tem efeitos benéficos sobre meu<br />
corpo, minhas emoções e minha<br />
saúde, melhoran<strong>do</strong> a autoestima e a<br />
autoconfiança”.<br />
Opinião parecida tem Sílvia Linhares,<br />
de São Paulo, para quem a observação<br />
de aves também “significa<br />
relaxamento, saúde e paz. Um dia de<br />
observação vale por dez sessões de<br />
terapia. Faz bem para a mente e o<br />
corpo. As caminhadas são longas e<br />
gasta-se muita energia, o que é ótimo<br />
para o condicionamento físico.<br />
Faz-se novos amigos o tempo to<strong>do</strong>.<br />
E amigos de qualidade. Porém observar<br />
aves é viciante e não tem cura!<br />
Uma vez encanta<strong>do</strong>, pronto! Não<br />
pode ver uma brecha, que lá está<br />
você, na atividade. No meu caso,<br />
46<br />
SENAC AMBIENTAL
juntei a a<strong>do</strong>ração pela natureza com<br />
a fotografia”.<br />
A sensação de bem-estar e plenitude<br />
no contato com a natureza é comum<br />
a muitos observa<strong>do</strong>res, senão<br />
a to<strong>do</strong>s os observa<strong>do</strong>res. O engenheiro<br />
Luiz Felipe Baroni Jr., <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro, diz que “fotografar aves<br />
dá uma sensação de bem-estar tão<br />
grande que carrapatos e mutucas<br />
passam despercebi<strong>do</strong>s.” E, entusiasma<strong>do</strong>,<br />
continua: “Fotografia de aves<br />
é vida... logo, fotografar aves é viver,<br />
além de fazer um bem enorme para<br />
a mente!”.<br />
Para outros, como Sandro Henrique<br />
de Oliveira Silva, também <strong>do</strong><br />
Rio, o prazer está exatamente na<br />
dureza da vida ao ar livre: “A graça<br />
é justamente essa, pelo menos<br />
para mim. Após uma passarinhada<br />
no Bosque da Barra, percebi que<br />
estava cheio de carrapatos. Até<br />
no equipamento fotográfico eles<br />
passeavam e foi difícil tirá-los, mas<br />
mesmo assim voltei várias vezes ao<br />
mesmo local, saben<strong>do</strong> que aquilo<br />
poderia acontecer novamente.”<br />
Observar aves significa também quebrar<br />
a rotina da vida nas cidades, nos<br />
escritórios. Para Luciano Monferrari,<br />
de Piracicaba, SP, a observação e a<br />
fotografia de aves têm um significa<strong>do</strong><br />
muito especial: “É quan<strong>do</strong> consigo<br />
me desconectar da vida corrida<br />
e estressante <strong>do</strong> dia a dia e passo a<br />
viver momentos de profunda calma,<br />
paciência e de desafios que a natureza<br />
proporciona. Entro em outra<br />
dimensão, quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> passa a ser<br />
menos importante <strong>do</strong> que estar ali,<br />
observan<strong>do</strong> aves.” Com o que concorda<br />
Paulo Guerra, de Jaú, SP: “O<br />
atrativo principal é exatamente o<br />
grau de dificuldade apresenta<strong>do</strong> pela<br />
observação em locais como trilhas,<br />
campos abertos, brejos. É justamente<br />
esse desafio que atrai muitos observa<strong>do</strong>res<br />
a buscar momentos fora<br />
de seus padrões habituais, de seu<br />
cotidiano.”<br />
Símbolos de liberdade e<br />
perseverança<br />
Mas o verdadeiro centro de interesse,<br />
de tanto entusiasmo e dedicação são<br />
as aves. Qual o seu apelo? Por que<br />
fascinam tanto os seres humanos?<br />
Luciano Monferrari explica: “As aves<br />
trazem para mim um senti<strong>do</strong> de vida<br />
muito forte. Elas nos ensinam muito<br />
com sua persistência e perseverança,<br />
tanto na busca pelo alimento,<br />
Foto <strong>do</strong> meio: guaxe<br />
pousa<strong>do</strong> em embaúba, em<br />
Resende, Rio de Janeiro<br />
Formigueiro-de-cabeça-negra macho,<br />
no ninho com <strong>do</strong>is fi lhotes, no Perequê,<br />
perto de Angra <strong>do</strong>s Reis, Rio de<br />
Janeiro. Durante mais de cem anos,<br />
espécie esteve desaparecida, mas foi<br />
redescoberta em 1987<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 47
O passeio <strong>do</strong> Henrique<br />
Às oito horas da manhã <strong>do</strong> último sába<strong>do</strong> de cada mês, o Jardim Botânico<br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro acolhe um grupo de observa<strong>do</strong>res de aves<br />
para um passeio pelo parque, guia<strong>do</strong>s pelo ornitólogo Henrique Rajão.<br />
Os observa<strong>do</strong>res encontram-se no Café Botânica, a lanchonete <strong>do</strong> JB.<br />
Depois de compartilharem as últimas novidades, os amigos saem para<br />
observar as aves.<br />
O programa é de graça, aberto a qualquer um. Não é um clube, não<br />
precisa se inscrever em nenhuma lista. O clima é de confraternização, o<br />
ambiente é descontraí<strong>do</strong>, não há qualquer compromisso além de amar<br />
e apreciar as aves. Esse passeio tradicional acontece desde 2002 por iniciativa<br />
da Associação de Amigos <strong>do</strong> Jardim Botânico. Fica aqui, então, um<br />
convite para os leitores cariocas e uma dica para os de outros esta<strong>do</strong>s<br />
onde iniciativas semelhantes também acontecem regularmente.<br />
Observa<strong>do</strong>res e fotógrafos de aves no<br />
Jardim Botânico <strong>do</strong> Rio de Janeiro,<br />
durante passeio guia<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no<br />
último sába<strong>do</strong> de cada mês.<br />
para sua sobrevivência, quanto na<br />
construção de seu ninho. A forma<br />
como trabalham para a perpetuação<br />
da espécie é uma verdadeira escola.<br />
Diante de qualquer adversidade,<br />
quan<strong>do</strong> seus ninhos são devasta<strong>do</strong>s<br />
por uma tempestade ou mesmo<br />
destruí<strong>do</strong>s por um preda<strong>do</strong>r, não reclamam<br />
ou desistem, simplesmente<br />
recomeçam com o mesmo empenho<br />
e dedicação de antes.”<br />
Desde 2006, acontece anualmente<br />
no Parque Villa-Lobos, em São Paulo,<br />
o Avistar, evento que congrega observa<strong>do</strong>res<br />
de aves de to<strong>do</strong> o Brasil.<br />
Seus indica<strong>do</strong>res demonstram o potencial<br />
de crescimento da observação<br />
de aves no país. Guto Carvalho, produtor<br />
cultural e de TV, seu cria<strong>do</strong>r e<br />
organiza<strong>do</strong>r, tem da<strong>do</strong>s interessantes<br />
sobre essa atividade e o potencial de<br />
seu valor econômico: “Começamos<br />
48<br />
SENAC AMBIENTAL
com cerca de dez expositores e 120<br />
participantes. Em 2012, tivemos 43<br />
expositores e cerca de 700 participantes.<br />
Um bom indica<strong>do</strong>r é a venda<br />
<strong>do</strong>s livros e guias de identificação de<br />
aves. Aves da Grande São Paulo vendeu<br />
cerca de 12 mil exemplares ao<br />
longo de oito anos. AvesBrasil, aplicativo<br />
para iPhone da Editora Abril,<br />
teve cerca de 25 mil <strong>do</strong>wnloads de<br />
sua edição gratuita”.<br />
Ainda de acor<strong>do</strong> com Guto Carvalho,<br />
o Concurso de Fotos Avistar recebeu<br />
cerca de 15 mil inscrições diferentes<br />
em suas cinco edições: “Soman<strong>do</strong> e<br />
fazen<strong>do</strong> uma triagem das repetições,<br />
podemos estimar em 30.000 o número<br />
de observa<strong>do</strong>res ativos, mas<br />
essa é uma estimativa conserva<strong>do</strong>ra,<br />
que considera observa<strong>do</strong>r de aves<br />
somente aquele que participa de<br />
concursos, fóruns e demais atividades.<br />
Existe uma enorme quantidade<br />
de observa<strong>do</strong>res não identifica<strong>do</strong>s,<br />
que observam em casa, nos jardins,<br />
nos sítios... Por exemplo, são vendi<strong>do</strong>s<br />
cerca de 300 mil come<strong>do</strong>uros e<br />
bebe<strong>do</strong>uros de beija-flor por ano no<br />
Brasil. Se considerarmos que esses<br />
bebe<strong>do</strong>uros duram três anos, podemos<br />
pensar em quase um milhão de<br />
potenciais observa<strong>do</strong>res”.<br />
A feira Avistar, com seus estandes<br />
tão movimenta<strong>do</strong>s, estimula a publicação<br />
e venda de livros e artigos<br />
de arte, viagens, pousadas, hotéis,<br />
serviço de guias e a venda de roupas<br />
e sapatos para caminhar no campo,<br />
binóculos, equipamentos fotográficos,<br />
mochilas, acessórios para come<strong>do</strong>uros<br />
e ninhos artificiais para<br />
atrair aves.<br />
A serviço da educação<br />
ambiental<br />
Mas o valor da observação de aves<br />
<strong>vai</strong> muito além <strong>do</strong> comércio que movimenta.<br />
Além de contribuir para o<br />
bem-estar físico e mental <strong>do</strong>s participantes,<br />
é uma importante ferramenta<br />
para a educação ambiental.<br />
Para Ricar<strong>do</strong> Lopes Souza Mendes,<br />
de Conselheiro Lafaiete, MG,<br />
“observação de aves é consciência<br />
ambiental, aprendiza<strong>do</strong> constante<br />
de ornitologia. Num senti<strong>do</strong> mais<br />
amplo, é a sensação de participar<br />
de uma comunidade ainda pequena<br />
no Brasil, mas crescente, de pessoas<br />
que querem criar um futuro melhor,<br />
pensan<strong>do</strong> constantemente em<br />
educação ambiental.”<br />
Ema, a maior ave <strong>do</strong> Brasil,<br />
corren<strong>do</strong> a cerca de 50km/<br />
hora, no Parque Nacional das<br />
Emas, em Mineiros, Goiás<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 49
Casal de tuiuiús no<br />
ninho, no Departamento<br />
<strong>do</strong> Beni, Bolivia<br />
Observação movimenta US$ 82 bilhões nos EUA<br />
A economia da observação de aves tem movimenta<strong>do</strong>, só nos<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, recursos maiores que o Produto Interno Bruto<br />
(PIB) de muitos países. Isso é que mostra a pesquisa Birding at<br />
the United States – a demographic and economic analysis, feita<br />
pelo Fish and Wildlife Service, <strong>do</strong> Departamento de Interior<br />
<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em 2006 e atualizada em julho de 2009<br />
(http://library.fws.gov/pubs/birding _ natsurvey06.pdf).<br />
A minuciosa pesquisa levanta os mais diferentes da<strong>do</strong>s sobre os<br />
observa<strong>do</strong>res de aves americanos – renda, faixa etária, sexo, nível<br />
de escolaridade, etnia, onde vivem (esta<strong>do</strong> a esta<strong>do</strong>), tipo de atividade<br />
que realizam (se são observa<strong>do</strong>res “caseiros” ou investem<br />
em viagens) etc. – e o impacto econômico da observação no setor<br />
de comércio e serviços e na indústria.<br />
Os da<strong>do</strong>s são impressionantes: de acor<strong>do</strong> com essa pesquisa,<br />
cerca de 48 milhões de norte-americanos, de 16 anos ou mais,<br />
gastaram US$ 36 bilhões nessa “atividade”, movimentan<strong>do</strong> no total<br />
US$ 82 bilhões, se forem leva<strong>do</strong>s em conta também os efeitos<br />
econômicos indiretos dessa atividade. Essas cifras incluem desde<br />
compras com to<strong>do</strong> tipo de equipamentos e despesas para observar<br />
aves em seus próprios quintais, até os gastos <strong>do</strong>s americanos<br />
que investem em viagens ao exterior única e exclusivamente com<br />
esse objetivo.<br />
Mas a distribuição por faixa etária <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res de aves norte-americanos<br />
contrasta com a <strong>do</strong>s brasileiros. Enquanto lá 52%<br />
<strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res têm mais de 45 anos, no Brasil a maioria (58,1%)<br />
concentra-se na faixa de 15 a 45 anos. Duas características <strong>do</strong>s<br />
observa<strong>do</strong>res são comuns aos <strong>do</strong>is países: têm boa renda familiar<br />
e alto nível de educação.<br />
Não são apenas os números astronômicos da economia em torno<br />
da observação de aves nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s que impressionam. O<br />
canal CBS News traz informações mais interessantes: a observação<br />
de aves atrai mais “especta<strong>do</strong>res” <strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s os esportes<br />
de audiência coletiva juntos, isto é, modalidades como o basquete,<br />
o beisebol, o futebol americano, o vôlei, o tênis e a Nascar – a<br />
Associação Nacional de Carros de Corrida Stock Car.<br />
Muito características <strong>do</strong>s americanos são também as competi-<br />
ções de observação de aves. É como um campeonato de quem<br />
consegue ver mais espécies num determina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. É claro<br />
que essa modalidade não se interessa pelo verdadeiro prazer de<br />
observar as aves, pois é pura e feroz competição. São os listers<br />
ou twitchers. O que importa é marcar mais uma espécie na lista.<br />
Esses observa<strong>do</strong>res se bicam mais <strong>do</strong> que as aves!<br />
50<br />
SENAC AMBIENTAL
Casal de aracuãs<strong>do</strong>-pantanal,<br />
no<br />
Pantanal Matogrossense,<br />
em Mato<br />
Grosso<br />
O biólogo Eduar<strong>do</strong> Alexandrino,<br />
professor em Piracicaba (SP), lembra<br />
que “a observação de aves é uma<br />
excelente ferramenta de educação<br />
ambiental para o público leigo, pois<br />
proporciona uma assimilação rápida<br />
e prática de conceitos ecológicos e<br />
evolutivos. Por exemplo, há como<br />
demonstrar a evolução e a adaptação<br />
de determina<strong>do</strong>s grupos, de acor<strong>do</strong><br />
com o ambiente em que vivem; há<br />
como demonstrar que, dependen<strong>do</strong><br />
das condições ambientais <strong>do</strong> local,<br />
determinadas espécies podem ou<br />
não ocorrer ali; há como exemplificar<br />
casos de desequilíbrios ambientais e<br />
redução da fauna local.”<br />
Através <strong>do</strong> Wikiaves, Reinal<strong>do</strong> Guedes<br />
percebeu que “a atividade de<br />
observação de aves está se popularizan<strong>do</strong><br />
rapidamente no Brasil e será<br />
benéfica para a natureza, por intermédio<br />
da valorização das unidades<br />
de conservação, da promoção <strong>do</strong><br />
turismo ecológico e de uma melhor<br />
compreensão da riqueza natural <strong>do</strong><br />
país – tão pouco conhecida pelos<br />
próprios brasileiros.”<br />
Surucuá-varia<strong>do</strong><br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 51
52<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
LEGISLAÇÃO<br />
Justiça Federal<br />
agiliza combate a<br />
crimes ambientais<br />
A criação de Varas especializadas em<br />
crimes contra o meio ambiente torna<br />
a Justiça Federal mais eficiente diante<br />
de questões complexas que exigem<br />
rapidez de decisão<br />
Enrique Blanco<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Azoury/Tyba<br />
To<strong>do</strong>s têm direito ao meio<br />
ambiente ecologicamente<br />
equilibra<strong>do</strong>, bem de uso<br />
comum <strong>do</strong> povo e essencial<br />
à sadia qualidade de vida,<br />
impon<strong>do</strong>-se ao Poder Público<br />
e à coletividade o dever de<br />
defendê-lo e preservá-lo para<br />
as presentes e<br />
futuras gerações.<br />
(Constituição Federal)<br />
Extração ilegal<br />
de madeira<br />
A Justiça deve acompanhar as<br />
transformações sociais, sempre<br />
buscan<strong>do</strong> defender o bem público.<br />
Atualmente, os crimes contra<br />
o patrimônio natural, urbano e<br />
cultural tornaram-se mais complexos,<br />
e precisam ser resolvi<strong>do</strong>s com<br />
julgamentos ágeis e instituições eficientes.<br />
Com esse objetivo, foram<br />
criadas estruturas judiciárias especializadas<br />
no julgamento de ações<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 53
Funcionário <strong>do</strong> Ibama<br />
lacra equipamentos em<br />
serraria<br />
que envolvem o meio ambiente,<br />
entendi<strong>do</strong> como bem público constitucional<br />
que abrange não apenas a<br />
fauna e a flora, mas to<strong>do</strong>s os aspectos<br />
que afetam a qualidade de vida.<br />
Os novos órgãos são as Varas especializadas<br />
em crimes ambientais, as<br />
quais, por serem estruturas da Justiça<br />
Federal, julgam processos em que<br />
ao menos uma das partes envolvidas<br />
no litígio seja a União ou uma empresa<br />
pública, fundação ou autarquia<br />
federal, como Incra ou Ibama.<br />
No banco <strong>do</strong>s réus podem estar<br />
pessoas físicas, jurídicas e até o poder<br />
público, se tiverem participação<br />
por ação ou omissão em casos que<br />
tragam danos ao meio ambiente. O<br />
que se pretende criar é uma cultura<br />
ambiental baseada na justiça rápida<br />
e eficiente, de mo<strong>do</strong> que empresas,<br />
instituições públicas ou privadas e<br />
indivíduos acostuma<strong>do</strong>s com a impunidade<br />
pensem duas vezes antes<br />
de transgredir a legislação.<br />
A criação das Varas Federais especializadas<br />
faz parte da estratégia<br />
de interiorização da Justiça, que<br />
leva a regiões mais necessitadas a<br />
estrutura judiciária, principalmente,<br />
a Justiça Federal de primeiro grau,<br />
como defi ne a Lei 12.011, de 2009,<br />
de iniciativa <strong>do</strong> Superior Tribunal de<br />
Justiça (STJ) e editada pelo Congresso<br />
Nacional. De acor<strong>do</strong> com ela, serão<br />
criadas 230 Varas Federais de<br />
2010 a 2014, 46 a cada ano, dentre<br />
foto: MMA<br />
as quais algumas serão voltadas<br />
especificamente para o julgamento<br />
de crimes contra o meio ambiente.<br />
Já existem algumas Varas que tratam<br />
de questões ambientais, mas<br />
o avanço que a Lei 12.011 traz nesse<br />
aspecto é o estabelecimento de<br />
uma programação para que sejam<br />
criadas novas Varas especializadas,<br />
devi<strong>do</strong> ao aumento da demanda e<br />
da complexidade <strong>do</strong>s litígios relaciona<strong>do</strong>s<br />
ao meio ambiente.<br />
Concentran<strong>do</strong> esforços<br />
A definição <strong>do</strong>s locais que mais necessitavam<br />
da nova estrutura judiciária<br />
ficou a critério <strong>do</strong> Conselho<br />
da Justiça Federal (CJF), que decidiu<br />
de acor<strong>do</strong> com questões técnicas,<br />
como a demanda de ações ambientais.<br />
A escolha para instalação das<br />
quatro primeiras Varas contemplou<br />
as principais capitais da Região<br />
Amazônica - Manaus (AM), Belém<br />
(PA), Porto Velho (RO) e São Luiz<br />
(MA) -, que formam o conheci<strong>do</strong><br />
“cinturão amazônico”, sob jurisdição<br />
<strong>do</strong> Tribunal Regional Federal da 1 a<br />
Região (TRF-1).<br />
Os novos órgãos judiciários direcionam<br />
os processos para o mesmo<br />
juiz, ao contrário das Varas não especializadas,<br />
onde cada ação pode<br />
ser julgada por juízes diferentes. A<br />
tramitação das ações fica mais ágil<br />
e eficiente, já que a concentração<br />
<strong>do</strong>s casos no mesmo órgão reduz<br />
a burocracia. To<strong>do</strong>s os novos casos<br />
que envolverem, direta ou indiretamente,<br />
matéria ambiental e agrária<br />
passam a ser encaminha<strong>do</strong>s às Varas<br />
especializadas.<br />
O juiz federal Dimis da Costa Braga,<br />
titular da nova Vara Ambiental <strong>do</strong><br />
Amazonas, esclarece que os novos<br />
órgãos têm competência ambiental<br />
geral, e não apenas criminal, ou<br />
seja, tratam de questões ambientais,<br />
agrárias, indígenas e correlatas. “No<br />
caso da 7ª Vara Federal Ambiental<br />
e Agrária de Manaus, sua jurisdição<br />
se estende por to<strong>do</strong> o território <strong>do</strong><br />
54<br />
SENAC AMBIENTAL
Amazonas, sen<strong>do</strong> competente, por<br />
exemplo, quanto ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ministério<br />
Público Federal de condenação<br />
de uma pessoa por depredação<br />
ambiental, pesca irregular, caça<br />
ou matança de animais. Temos um<br />
caso que envolve a caça de três pacas,<br />
atualmente em curso na 7ª Vara<br />
Federal. Assim, nos compete julgar o<br />
pedi<strong>do</strong> dessa pessoa para que seja<br />
anulada a multa que lhe foi aplicada<br />
pelo Ibama, devi<strong>do</strong> à caça irregular,<br />
e a restituição de seu barco que<br />
fora apreendi<strong>do</strong>. O mesmo processo<br />
ocorre em relação a veículos, armas<br />
e demais casos”, confirma o juiz.<br />
Desde o início de sua implantação,<br />
em 2010, as Varas Ambientais localizadas<br />
no “cinturão amazônico” trabalham<br />
com milhares de processos.<br />
A Vara Federal Ambiental e Agrária<br />
de Belém começou suas atividades<br />
com aproximadamente 3.500 processos<br />
que antes estavam tramitan<strong>do</strong><br />
em diferentes Varas Federais <strong>do</strong><br />
esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.<br />
Em Manaus, a realidade não é muito<br />
diferente. Atualmente, há cerca<br />
de 3.000 processos tramitan<strong>do</strong> na<br />
7 a Vara. “Os litígios mais recorrentes<br />
em Manaus são, sem dúvida alguma,<br />
no plano cível, os pedi<strong>do</strong>s de<br />
anulação de multas ambientais de<br />
toda ordem, por pessoas físicas ou<br />
jurídicas, além das ações civis públicas<br />
para proteção <strong>do</strong> meio ambiente<br />
natural, cultural (patrimônio histórico,<br />
monumentos naturais e outros) e<br />
possessórias ambientais ou agrárias.<br />
No plano criminal, temos crimes e<br />
infrações ambientais que geram danos<br />
ao meio ambiente, especialmente<br />
danos à fauna e à flora silvestres”,<br />
cita Dimis Braga.<br />
Outra Vara recém-instalada na Região<br />
Norte está localizada em Rondônia.<br />
A juíza federal substituta Jaqueline<br />
Conesuque Gurgel <strong>do</strong> Amaral já percebe<br />
evolução no andamento <strong>do</strong>s<br />
processos. “A 5a Vara Federal Ambiental<br />
e Agrária de Rondônia é muito<br />
recente. Sem dúvida, os principais<br />
efeitos serão senti<strong>do</strong>s a longo prazo.<br />
No entanto, já se percebe uma atuação<br />
mais incisiva na defesa de áreas<br />
especialmente protegidas, e maior<br />
celeridade <strong>do</strong>s processos. Dedicamo-nos<br />
a tu<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> ao tema<br />
Desmatamento na<br />
Amazônia<br />
foto: MMA<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 55
Queimadas: cenário de<br />
devastação<br />
foto: MMA<br />
foto: MMA<br />
foto: MMA<br />
ambiental, na esfera cível e criminal.<br />
Os crimes de maior ocorrência estão<br />
liga<strong>do</strong>s à exploração ilegal de minério<br />
e de madeira”, diz a juíza.<br />
A atuação das novas unidades judiciárias<br />
é pautada pela agilidade e pela<br />
eficiência, o que repercute na prevenção<br />
de novos crimes, já que o infrator<br />
passa a temer uma punição efetiva.<br />
Para tanto, deve haver integração entre<br />
os órgãos e os agentes públicos,<br />
como esclarece a juíza da Vara de<br />
Rondônia. “O Poder Judiciário não<br />
age sozinho no combate ao crime. Ao<br />
contrário, a parcela que cabe ao Poder<br />
Judiciário é apenas a culminância<br />
de uma atuação que começa com os<br />
órgãos de proteção ao meio ambiente<br />
e o Ministério Público. Além disso, as<br />
decisões <strong>do</strong> Poder Judiciário dependem<br />
desses mesmos órgãos para serem<br />
concretizadas. Assim, é essencial<br />
que o Ibama, as Secretarias de Meio<br />
Ambiente, o Instituto Chico Mendes<br />
de Conservação da Biodiversidade<br />
(ICMBio), a Polícia Federal e a Polícia<br />
Ambiental tenham maior atenção <strong>do</strong>s<br />
nossos administra<strong>do</strong>res, pois, em<br />
geral, não contam com número suficiente<br />
de servi<strong>do</strong>res e equipamentos.<br />
Sem a parceria com esses órgãos, o<br />
Poder Judiciário pouco conseguirá<br />
avançar na proteção ambiental”, diz a<br />
juíza Jaqueline <strong>do</strong> Amaral.<br />
A magistrada enfatiza também a<br />
importância <strong>do</strong>s novos órgãos judiciários<br />
na construção de uma visão<br />
global sobre a questão ambiental: “A<br />
maior vantagem da especialização<br />
de uma Vara em matéria ambiental,<br />
não só em Rondônia, como também<br />
em toda a Amazônia Legal, é a<br />
possibilidade de ter uma visão mais<br />
completa <strong>do</strong> andamento das ações<br />
relativas ao meio ambiente na região.<br />
Além disso, consideran<strong>do</strong> a relevância<br />
da proteção ambiental nos dias<br />
de hoje, é muito importante que o<br />
Judiciário, o Ministério Público e as<br />
56<br />
SENAC AMBIENTAL
Polícias se especializem e possam<br />
destinar uma parcela de sua atuação<br />
exclusivamente para isso”, ressalta.<br />
Agilidade contra a impunidade<br />
Nas localidades onde estão instaladas<br />
as Varas Ambientais, a quantidade<br />
de processos abertos mais que<br />
justifica a necessidade <strong>do</strong>s novos<br />
órgãos federais. A redução <strong>do</strong> tempo<br />
de tramitação de processos afeta os<br />
interesses de pessoas e empresas<br />
que contam com a impunidade.<br />
O estu<strong>do</strong> A impunidade de infratores<br />
ambientais em áreas protegidas<br />
da Amazônia, <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Homem<br />
e Meio Ambiente da Amazônia<br />
(Imazon), analisou o volume de<br />
processos ambientais que tramitou,<br />
de junho de 2007 a março de 2009,<br />
nas Varas Federais sob jurisdição<br />
<strong>do</strong> TRF-1. Os processos passaram<br />
de 8.983 para 21.105, <strong>do</strong>s quais 70%<br />
oriun<strong>do</strong>s da Amazônia Legal. Na 2ª<br />
instância, os recursos sobre o tema<br />
aumentaram 235%, de 681 para<br />
1.952, no mesmo perío<strong>do</strong>.<br />
O juiz da Vara Ambiental de Manaus<br />
constata: “Atualmente, o volume de<br />
processos e procedimentos criminais<br />
na 7 a Vara e no 3 o Juiza<strong>do</strong> Especial<br />
Criminal (órgão da Vara que<br />
processa e julga delitos menos complexos)<br />
cresce em velocidade vertiginosa.<br />
Já são mais de 240 processos<br />
de natureza criminal, entre ações,<br />
inquéritos e cautelares. Só representações<br />
criminais são mais de 100, e<br />
inquéritos policiais são mais de 80.<br />
As ações penais ambientais propriamente<br />
ditas já somam 28 processos<br />
em tramitação e o volume está em<br />
franco crescimento”, confirma o juiz<br />
Dimis da Costa Braga.<br />
A redução da impunidade depende<br />
da quantidade de processos julga<strong>do</strong>s,<br />
mas também da qualidade das<br />
decisões, efeitos que são percebi<strong>do</strong>s<br />
na atuação das Varas Ambientais.<br />
Elis Araújo, pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Imazon,<br />
observa: “A especialização de Varas<br />
foto: MMA<br />
Federais em questões ambientais<br />
possibilita o aprimoramento de juízes,<br />
procura<strong>do</strong>res e servi<strong>do</strong>res. Além<br />
de aprofundarem seus conhecimentos<br />
teóricos sobre Direto Ambiental,<br />
esses profissionais passam a interagir<br />
com especialistas e a ganhar<br />
conhecimento empírico. Assim, há<br />
ganhos qualitativos e quantitativos.<br />
As decisões sobre esses casos serão<br />
melhores e em maior número. Exemplo<br />
disso são os êxitos já noticia<strong>do</strong>s<br />
de Varas especializadas estaduais e<br />
federais em outros esta<strong>do</strong>s, como o<br />
Juiza<strong>do</strong> Volante Ambiental de Cuiabá<br />
(estadual) e a Vara Ambiental, Agrária<br />
e Residual de Porto Alegre (federal)”.<br />
Para que haja uma punição efetiva<br />
<strong>do</strong> infrator, o processo de investigação<br />
e processamento judicial deve<br />
seguir uma rotina que se inicia com<br />
a verificação da ocorrência de crime<br />
ambiental in loco, o que normalmente<br />
é feito pelo órgão ambiental<br />
(Ibama ou ICMBio). A Polícia Federal<br />
também tem competência para investigar<br />
quan<strong>do</strong> o órgão ambiental<br />
não identifica o autor <strong>do</strong> crime durante<br />
a fiscalização. Se há identificação<br />
da autoria <strong>do</strong> crime, o Ministério<br />
Público inicia uma ação penal, uma<br />
ação civil pública ou ambas.<br />
“Para a maioria <strong>do</strong>s crimes ambientais,<br />
é possível propor acor<strong>do</strong>s que<br />
impõem algumas condições aos<br />
seus autores para evitar o início<br />
(transação penal) ou a continuação<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 57
foto: MMA<br />
(suspensão condicional <strong>do</strong> processo)<br />
da ação penal. Esses acor<strong>do</strong>s deveriam<br />
buscar a reparação ou a compensação<br />
<strong>do</strong> dano ambiental, mas,<br />
na prática, as condições propostas<br />
são destinadas à assistência social,<br />
como a <strong>do</strong>ação de medicamentos<br />
e cestas básicas. Isso provavelmente<br />
ocorre por desconhecimento<br />
sobre a localização e extensão <strong>do</strong><br />
dano ambiental, bem como sobre<br />
iniciativas existentes para a conservação<br />
ambiental. No mínimo, seria<br />
interessante que <strong>do</strong>ações de valores<br />
fossem destinadas a fun<strong>do</strong>s ambientais”,<br />
enfatiza Elis Araújo.<br />
A observação da pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />
Imazon é justificada, mas a especialização<br />
<strong>do</strong>s juízes e de to<strong>do</strong>s os<br />
agentes envolvi<strong>do</strong>s com o Direito<br />
Ambiental tende a mudar esse quadro.<br />
Em relação à Vara de Manaus,<br />
o juiz Dimis Braga esclarece: “Diversos<br />
processos já foram sentencia<strong>do</strong>s<br />
ou resolvi<strong>do</strong>s, na 7a Vara, desde que<br />
assumi a titularidade, mediante<br />
transação civil ou penal, com aplicação<br />
direta de pena não privativa<br />
de liberdade, ou mesmo suspensão<br />
processual – sempre que possível<br />
benefician<strong>do</strong> uma entidade benemérita<br />
ou sem fi ns lucrativos com<br />
os <strong>do</strong>nativos com os quais o réu/<br />
autor <strong>do</strong> fato possa contribuir. O<br />
julgamento célere traz segurança<br />
jurídica para as partes, que em contenda<br />
necessitam da manifestação<br />
<strong>do</strong> Poder Judiciário sobre o titular<br />
<strong>do</strong> direito ou o limite deste”.<br />
Experiências anteriores e<br />
possibilidades futuras<br />
A especialização judiciária em<br />
questão ambiental, atualmente em<br />
curso no Brasil, é uma tendência<br />
internacional. A experiência mais<br />
representativa vem da Austrália,<br />
com o primeiro tribunal ambiental<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong> em 1980, denomina<strong>do</strong><br />
Tribunal de Terras e Meio<br />
Ambiente (Land and Environment<br />
Court - LEC).<br />
De acor<strong>do</strong> com a oficial de gabinete<br />
da Vara Ambiental e Agrária de Curitiba<br />
e também professora de Direito<br />
Ambiental da Escola de Magistratura<br />
Federal <strong>do</strong> Paraná, Mariana Almeida<br />
Passos de Freitas, apesar das diferenças<br />
socioeconômicas entre os<br />
países e as particularidades <strong>do</strong> sistema<br />
judiciário da Austrália, a Justiça<br />
Ambiental brasileira deve observar<br />
a experiência daquele país. “As Varas<br />
especializadas no Brasil podem<br />
aprender bastante com a LEC, principalmente<br />
porque já existe há 30<br />
anos. Os principais ensinamentos<br />
são a desburocratização <strong>do</strong> procedimento<br />
judicial, a realização constante<br />
de inspeções pelos juízes, a existência<br />
de peritos dentro <strong>do</strong> tribunal<br />
(não haven<strong>do</strong> gastos com honorários),<br />
audiências realizadas no local<br />
para verificação efetiva <strong>do</strong> dano e<br />
audiências por videoconferência, entre<br />
outros”, ressalta.<br />
Outro caso que merece destaque<br />
está no Brasil. Em 2005, foram instaladas<br />
Varas Federais responsáveis<br />
pelo julgamento de crimes ambientais<br />
no Sul <strong>do</strong> país, região sobre jurisdição<br />
<strong>do</strong> Tribunal Regional da 4 a<br />
Região (TRF-4). A diferença entre esses<br />
órgãos e as Varas Federais especializadas<br />
da Região Norte é que as<br />
unidades de Curitiba, Florianópolis<br />
e Porto Alegre eram semiespecializadas<br />
e tornaram-se especializadas.<br />
O desembarga<strong>do</strong>r da Justiça Federal<br />
Vladimir Passos Freitas, atualmente<br />
aposenta<strong>do</strong>, assumiu a presidência<br />
<strong>do</strong> TRF-4 na época da implantação<br />
das Varas na Região Sul. O<br />
ex-presidente explica: “Os critérios<br />
para a criação e defi nição das<br />
competências das Varas foram os<br />
que atraíssem a maior parcela de<br />
competência, porque, à época, não<br />
havia muitas ações ambientais. Então<br />
era preciso que a competência<br />
fosse bem abrangente. Infelizmente<br />
limitou-se às capitais e não a to<strong>do</strong><br />
o território de cada esta<strong>do</strong>, porque<br />
não havia previsão constitucional<br />
58<br />
SENAC AMBIENTAL
foto: Mirian Fichtner/Tyba<br />
para tanto. Desse mo<strong>do</strong>, tramitava<br />
nas Varas toda sorte de litígios,<br />
manda<strong>do</strong>s de segurança, embargos<br />
a execuções fiscais, anulatórias<br />
de sanções aplicadas pelo Ibama,<br />
ações civis públicas e processos criminais,<br />
esses em número menor”.<br />
Em relação à Vara Federal Ambiental,<br />
Agrária e Residual de Porto Alegre,<br />
houve algumas alterações desde<br />
sua criação, em 2005, como relata o<br />
juiz federal titular, Cândi<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong><br />
Silva Leal Júnior: “Atualmente, já é<br />
possível falar em vara especializada,<br />
porque não recebemos mais ações<br />
cíveis (não ambientais), mas apenas<br />
processos ambientais, cíveis e criminais.<br />
Somente as ações antigas (não<br />
ambientais) continuam tramitan<strong>do</strong><br />
na Vara até sua solução e seu arquivamento<br />
definitivos. Mas os processos<br />
novos são to<strong>do</strong>s ambientais”.<br />
Particularidades locais<br />
Uma característica da especialização<br />
judiciária é que cada Vara Ambiental<br />
tem particularidades que expressam<br />
o local onde está situada, e as ações<br />
variam dependen<strong>do</strong> da época ou de<br />
problemas específicos. Em Porto<br />
Alegre, por exemplo, de acor<strong>do</strong> com<br />
Juiz Cândi<strong>do</strong> Júnior, ocorrem ações<br />
envolven<strong>do</strong> o uso <strong>do</strong> litoral (esgotos,<br />
con<strong>do</strong>mínios, pesca), a extração<br />
de recursos minerais (areia de rios,<br />
pedra e argila) e conflitos com comunidades<br />
indígenas e quilombolas.<br />
Além disso, há questões relativas ao<br />
patrimônio cultural e histórico, como<br />
casos de igrejas, sítios arqueológicos<br />
e sambaquis.<br />
As experiências <strong>do</strong> trabalho diário<br />
das Varas especializadas e semiespecializadas<br />
disseminam a confiança<br />
entre os to<strong>do</strong>s os agentes desse<br />
processo, produzin<strong>do</strong> um círculo virtuoso<br />
que fortalece a prática <strong>do</strong> Direito<br />
Ambiental. “Na medida em que<br />
as Varas se consolidaram, o número<br />
de processos aumentou, porque os<br />
advoga<strong>do</strong>s começaram a confiar em<br />
uma decisão mais rápida e bem fundamentada.<br />
Na verdade, verificamos<br />
que temos um ‘antes’ e um ‘depois’.<br />
Extração clandestina de<br />
carvão vegetal<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 59
foto: MMA<br />
Apreensão de toras em<br />
operação <strong>do</strong> Ibama e da<br />
Polícia Federal<br />
O ‘antes’ eram processos tramitan<strong>do</strong><br />
em diversas Varas, julga<strong>do</strong>s de<br />
formas díspares, originan<strong>do</strong> insegurança<br />
jurídica e uma morosidade<br />
quase absoluta. O ‘agora’ são Varas<br />
com juízes altamente capacita<strong>do</strong>s,<br />
servi<strong>do</strong>res conscientes e segurança<br />
jurídica, porque se sabe como são os<br />
julgamentos, com decisões mais técnicas<br />
e muitos acor<strong>do</strong>s de interesse<br />
para as partes”, ressalta o desembarga<strong>do</strong>r<br />
Vladimir Freitas.<br />
Fortalecimento da cidadania<br />
A ampliação <strong>do</strong> sentimento de confiança<br />
nas instituições chega até o<br />
cidadão comum, quan<strong>do</strong> as pessoas<br />
passam a procurar a justiça, como<br />
ocorre, por exemplo, em Curitiba.<br />
“Normalmente, as pessoas nos procuram<br />
no balcão da Vara com dúvidas<br />
sobre questões ambientais, bem<br />
como estudantes que estão fazen<strong>do</strong><br />
dissertações e teses sobre meio ambiente.<br />
A Vara transforma-se num<br />
centro de pesquisa acerca <strong>do</strong> tema,<br />
facilita a busca de jurisprudência e<br />
difunde a matéria. A partir <strong>do</strong> momento<br />
em que se cria uma Vara Ambiental<br />
e se dá publicidade a ela, as<br />
pessoas passam a procurá-la”, confirma<br />
Mariana de Freitas.<br />
Tornar o exercício <strong>do</strong> Direito uma<br />
prática de cidadania é um resulta<strong>do</strong><br />
ainda maior <strong>do</strong> que punir infratores<br />
que cometem crimes ambientais.<br />
Eventos passa<strong>do</strong>s devem ser julga<strong>do</strong>s<br />
e seus responsáveis, efetivamente<br />
puni<strong>do</strong>s, mas a disseminação<br />
de uma cultura contra a impunidade<br />
na área ambiental previne crimes<br />
futuros. “Felizmente, cada vez mais<br />
a sociedade civil - cidadãos e organizações<br />
não governamentais - assume<br />
o papel que seria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />
ajuíza ações na defesa <strong>do</strong> meio ambiente.<br />
Mas acredito que o maior desafio<br />
em matéria de meio ambiente é<br />
tornar efetivas as boas leis que nós<br />
temos. Não adianta nossa legislação<br />
ambiental ser avançada e moderna<br />
se ela não for aplicada. Não adianta<br />
apenas existirem juízes especializa<strong>do</strong>s<br />
em matéria ambiental se o meio<br />
60<br />
SENAC AMBIENTAL
ambiente não for prioridade na pauta<br />
<strong>do</strong>s órgãos de fiscalização ambiental<br />
e, principalmente, se esses órgãos<br />
não estiverem bem aparelha<strong>do</strong>s para<br />
dar conta de suas relevantes tarefas”,<br />
conclui o juiz Cândi<strong>do</strong> Junior.<br />
foto: Photodisc<br />
Os avanços na legislação<br />
1934 Código de Águas e Código Florestal: embriões da atual<br />
legislação ambiental brasileira.<br />
1965 Código Florestal (Lei 4.771): estabelece a proteção das áreas de<br />
preservação permanente.<br />
1967 Lei da Fauna Silvestre (Lei 5.197): classifica como crimes uso,<br />
perseguição, apanha de animais silvestres, caça profissional, comércio<br />
de espécies da fauna silvestre e produtos deriva<strong>do</strong>s de sua caça.<br />
1975 Decreto-Lei 1.413: inicia o controle da poluição provocada por<br />
atividades industriais.<br />
1979 Lei <strong>do</strong> Parcelamento <strong>do</strong> Solo Urbano (Lei 6.766): estabelece regras<br />
para loteamentos urbanos e proíbe parcelamento <strong>do</strong> solo em<br />
áreas de preservação ecológica.<br />
1980 Lei <strong>do</strong> Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição<br />
(Lei 6.803): atribui aos esta<strong>do</strong>s e municípios o poder de estabelecer<br />
limites e padrões ambientais para instalação e licenciamento das indústrias.<br />
1981 Lei da Área de Proteção Ambiental (Lei 6.902): cria as Estações<br />
Ecológicas e as Áreas de Proteção Ambiental.<br />
1981 Lei da Política Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente (Lei 6.938): estabelece<br />
a Política Nacional de Meio Ambiente e apresenta o meio ambiente<br />
como objeto específico de proteção.<br />
1985 Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347): trata da ação civil publica<br />
de responsabilidades por danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente, ao consumi<strong>do</strong>r<br />
e ao patrimônio artístico, turístico ou paisagístico.<br />
1988 Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605): reordena a legislação ambiental<br />
brasileira, dispon<strong>do</strong> sobre as sanções penais e administrativas<br />
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.<br />
1988 Constituição Federal: impõe ao Poder Público e à coletividade<br />
o dever de defender o meio ambiente para as gerações presentes e<br />
futuras.<br />
2000 Lei <strong>do</strong> SNUC (Lei 9.985): cria o Sistema Nacional de Unidades<br />
de Conservação e prevê mecanismos para a defesa <strong>do</strong>s ecossistemas<br />
naturais e de preservação <strong>do</strong>s recursos naturais neles conti<strong>do</strong>s.<br />
2001 Estatuto das Cidades (Lei 10.257): <strong>do</strong>ta o ente municipal de<br />
mecanismos visan<strong>do</strong> permitir que seu desenvolvimento não ocorra<br />
em detrimento <strong>do</strong> meio ambiente.<br />
Fonte: STJ (adaptação)<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 61
NOTAS<br />
Metas para a<br />
Rio+20<br />
A Rio+ 20 – Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável<br />
será realizada na cidade <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho. A<br />
pauta <strong>do</strong> evento mais expressivo <strong>do</strong><br />
ano na área ambiental só será definida<br />
quatro dias antes, mas a ONU<br />
já estabeleceu dez metas ligadas à<br />
sustentabilidade a serem discutidas.<br />
São elas: consumo responsável;<br />
produção ecoeficiente; proteção de<br />
áreas específicas; segurança alimentar;<br />
agricultura sustentável; energia<br />
limpa para to<strong>do</strong>s; acesso à água e<br />
eficiência no uso deste recurso natural;<br />
cidades sustentáveis; economia<br />
verde e inclusão social; prevenção a<br />
desastres naturais. As metas foram<br />
elaboradas a partir das 672 propostas<br />
apresentadas pelos diferentes<br />
países que participarão <strong>do</strong> evento.<br />
O governo brasileiro está organizan<strong>do</strong><br />
um evento paralelo à conferência,<br />
chama<strong>do</strong> Diálogos sobre sustentabilidade,<br />
no qual a sociedade civil <strong>vai</strong><br />
discutir e elaborar um <strong>do</strong>cumento<br />
para reforçar suas posições junto às<br />
negociações oficiais.<br />
A Rio+20 recebeu este nome porque<br />
ocorre 20 anos depois da Rio-92,<br />
também realizada na capital fluminense,<br />
que criou iniciativas como a<br />
Agenda 21 e as Convenções <strong>do</strong> Clima<br />
e da Diversidade Biológica.<br />
A evolução <strong>do</strong>s conceitos nesta área<br />
pode ser observada a partir <strong>do</strong>s próprios<br />
nomes <strong>do</strong>s eventos. Em 1972<br />
foi realizada em Estocolmo a Conferência<br />
da ONU sobre Meio Ambiente<br />
Humano. A Rio-92 chamouse<br />
Conferência da ONU sobre Meio<br />
Ambiente e Desenvolvimento. Já a<br />
Rio+20 realça a expressão Desenvolvimento<br />
Sustentável.<br />
Logística<br />
reversa<br />
Cerca de três mil empresas paulistas<br />
se comprometeram, num<br />
acor<strong>do</strong> feito em março de 2012<br />
com o governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, a se<br />
responsabilizarem pelo descarte<br />
de embalagens de produtos de higiene<br />
pessoal, cosméticos, perfumaria,<br />
material de limpeza, pilhas,<br />
óleos lubrificantes e baterias.<br />
Elas se comprometem a dar destinação<br />
fi nal às embalagens que poluem<br />
o solo e a água. É o primeiro<br />
entendimento realiza<strong>do</strong> com base<br />
na Política Nacional de Resíduos<br />
Sóli<strong>do</strong>s, criada em 2010 para implementar<br />
a logística reversa, que pode<br />
ser defi nida como aquela que trata<br />
<strong>do</strong> fluxo físico de produtos, embalagens<br />
e outros materiais desde o<br />
local de origem, passan<strong>do</strong> pelo consumo<br />
e também pela deposição em<br />
lugar seguro com o mínimo de risco<br />
ambiental. Esta lei prevê ainda o fi m<br />
<strong>do</strong>s lixões e a criação de novas iniciativas<br />
de reciclagem até 2014.<br />
62<br />
SENAC AMBIENTAL
Capim-elefante<br />
O capim-elefante, uma gramínea<br />
usada para alimentar o ga<strong>do</strong>, é a<br />
matéria-prima para obter o carvocapim,<br />
que está sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong><br />
por pesquisa<strong>do</strong>res da Universidade<br />
Estadual <strong>do</strong> Norte Fluminense. Trata-se<br />
de um biocombustível sóli<strong>do</strong><br />
em forma de briquetes (tijolo feito<br />
de carvão em pó com um aglutinante)<br />
ou em pó que substitui o carvão<br />
vegetal e pode ser usa<strong>do</strong> em fornos<br />
de padaria, pizzarias, caldeiras industriais<br />
e na indústria da cerâmica.<br />
Já está sen<strong>do</strong> testa<strong>do</strong> em olarias e<br />
siderúrgicas e, segun<strong>do</strong> Hernán<br />
Mal<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, especialista em forrageiras<br />
tropicais, o carvocapim “tem<br />
elevada resistência ao calor, superan<strong>do</strong><br />
outros materiais. Ele dura<br />
mais tempo queiman<strong>do</strong>, ou seja,<br />
gera mais energia.”<br />
NOTAS<br />
Reciclagem<br />
de óleo de cozinha<br />
Em 2011, foram recolhi<strong>do</strong>s no Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro cerca de sete<br />
milhões de litros de óleo de cozinha<br />
já usa<strong>do</strong>s. Do programa de recolhimento<br />
de óleo vegetal participam 30<br />
cooperativas de cata<strong>do</strong>res e mais de<br />
80 bares, restaurantes, hotéis, con<strong>do</strong>mínios<br />
e redes de comida rápida,<br />
que foram responsáveis pela triplicação<br />
<strong>do</strong> total recolhi<strong>do</strong> em 2009.<br />
Em fábricas e usinas, este material<br />
está sen<strong>do</strong> transforma<strong>do</strong> em sabão<br />
pastoso e biodiesel. A demanda tem<br />
cresci<strong>do</strong> e já se paga um real por litro<br />
de óleo usa<strong>do</strong>.<br />
“A decomposição <strong>do</strong> óleo comestível<br />
emite gás metano na atmosfera, aumentan<strong>do</strong><br />
o efeito estufa, que contribui<br />
para o aquecimento da terra. O<br />
produto descarta<strong>do</strong> em pias e ralos<br />
compromete as tubulações e caixas<br />
de gorduras, sobrecarregan<strong>do</strong> as<br />
redes de tratamento de esgoto”, explica<br />
Eduar<strong>do</strong> Caetano, coordena<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> Programa de Reaproveitamento<br />
de Óleos Vegetais da Secretaria <strong>do</strong><br />
Ambiente <strong>do</strong> Rio de Janeiro.<br />
O governo fluminense apoiou também<br />
a montagem de uma usina de<br />
transformação <strong>do</strong> óleo usa<strong>do</strong> em<br />
barcos pesqueiros em Arraial <strong>do</strong><br />
Cabo, na Região <strong>do</strong>s Lagos. Uma<br />
segunda usina de transformação<br />
deve ser instalada em Petrópolis,<br />
na Região Serrana, em 2012. Alguns<br />
edifícios residenciais começam<br />
a ser construí<strong>do</strong>s já com uma<br />
tubulação para descarte e armazenamento<br />
<strong>do</strong> óleo.<br />
fotos: Dreamstime<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 63
NOTAS<br />
Áreas de proteção<br />
ameaçadas<br />
Em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, as áreas<br />
de proteção ambiental são<br />
pequenas, não têm ligação<br />
umas com as outras, estão<br />
ameaçadas por mudanças<br />
climáticas e espécies vegetais<br />
invasoras e também não<br />
têm recebi<strong>do</strong> os investimentos<br />
adequa<strong>do</strong>s às suas necessidades<br />
de conservação. Um estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong><br />
pela Universidade <strong>do</strong> Havaí<br />
(EUA) revela ainda que, caso seja<br />
manti<strong>do</strong> seu índice de crescimento<br />
atual, essas áreas devem levar pelo<br />
menos 185 anos para atingir um tamanho<br />
considera<strong>do</strong> recomendável.<br />
As cerca de cem mil áreas protegidas<br />
no <strong>planeta</strong> ocupam 17 milhões<br />
de quilômetros quadra<strong>do</strong>s de terra<br />
(que equivale a 5,5% <strong>do</strong>s continentes)<br />
e <strong>do</strong>is milhões de quilômetros<br />
quadra<strong>do</strong>s de oceano (0,08% deles).<br />
Embora elas venham crescen<strong>do</strong>, estão<br />
longe de atingir o tamanho ideal<br />
que poderia livrar os ecossistemas<br />
<strong>do</strong> perigo de destruição.<br />
O colombiano Camilo Mora,<br />
um <strong>do</strong>s autores <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>,<br />
afirma: “Há uma grande<br />
pressão sobre a biodiversidade,<br />
causada<br />
pelo crescimento da<br />
população<br />
humana<br />
e por sua demanda<br />
crescente por alimentação<br />
e moradia. Isto<br />
pode levar à extinção<br />
de muitas espécies antes<br />
de 2050”.<br />
Descola aí<br />
Já existe no Brasil um serviço que se<br />
desenvolveu nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. É<br />
o DescolAí, uma rede social de trocas<br />
e aluguel. O consumi<strong>do</strong>r cadastra<br />
seus da<strong>do</strong>s pessoais e interesses.<br />
Alguém também cadastra<strong>do</strong> faz<br />
uma relação <strong>do</strong> que tem a oferecer.<br />
O sistema cruza as informações de<br />
quem procura com o perfil de quem<br />
tem o objeto. A ideia é apresentar<br />
pessoas que moram ou trabalham<br />
próximas, que conversam pela rede<br />
e fecham o negócio.<br />
Segun<strong>do</strong> o engenheiro de materiais<br />
Gui Brammer, idealiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> site<br />
brasileiro, “ganham os <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s,<br />
pois se pode intercambiar produtos<br />
sem precisar comprar”.<br />
Alguns objetos ofereci<strong>do</strong>s para<br />
alugar: 50 LPs (os velhos discos de vinil),<br />
balcão e araras para lojas e monitor<br />
de vídeo. Para trocas, é possível<br />
encontrar livros, DVDs e computa<strong>do</strong>res<br />
antigos. Mais informações em<br />
www.descolaai.com.<br />
64<br />
SENAC AMBIENTAL
Prejuízos<br />
ambientais<br />
De janeiro a julho de 2011, apenas as<br />
inundações pesquisadas pela ressegura<strong>do</strong>ra<br />
Swiss Re causaram perdas<br />
econômicas em Minas Gerais e São<br />
Paulo calculadas em R$ 1,9 bilhão.<br />
A tendência é o aumento de problemas<br />
a partir de chuvas e alagamentos,<br />
na medida em que projeções<br />
climáticas indicam que o Sudeste<br />
brasileiro <strong>vai</strong> ficar cada vez mais<br />
úmi<strong>do</strong>. Tais eventos climáticos extremos<br />
também têm a ver com a urbanização<br />
desordenada. Em 1950,<br />
26,2% da população brasileira vivia<br />
nas cidades. Em 2011 este índice<br />
chegou a 84,3%.<br />
A Federação das Indústrias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
de São Paulo consultou 478<br />
empresas e elas informaram que, a<br />
cada mês de chuvas fortes, as perdas<br />
podem ultrapassar R$ 1 bilhão.<br />
NOTAS<br />
Etanol brasileiro<br />
eficiente<br />
Cientistas das mais diferentes<br />
nações estão desenvolven<strong>do</strong><br />
pesquisas que envolvem desde<br />
microalgas e bactérias geneticamente<br />
modificadas até<br />
plantas como a mamona como<br />
fontes prováveis para a produção<br />
de biocombustíveis.<br />
Neste cenário, destaca-se a opção<br />
da cana-de-açúcar cultivada e processada<br />
no Brasil. Segun<strong>do</strong> los Henrique de Brito Cruz, diretor<br />
científico da Fundação de Amparo à<br />
Pesquisa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo, o<br />
álcool feito de cana brasileira é hoje<br />
a mais promissora tecnologia de bioenergia<br />
disponível. Ele afirma que<br />
todas as outras alternativas apresentadas<br />
têm um custo econômico<br />
e ecológico maior <strong>do</strong> que o sistema<br />
brasileiro de fermentar a saca-<br />
rose da cana.<br />
A tradição <strong>do</strong> país de<br />
lidar com cana, açúcar<br />
e álcool começou<br />
na época colonial.<br />
Durante a<br />
crise econômica<br />
mundial de 1929,<br />
foi publicada a<br />
Car-<br />
primeira lei brasileira<br />
determinan<strong>do</strong><br />
que se misturasse<br />
álcool à gasolina. Na<br />
década de 1970, o governo<br />
lançou o Pró-Álcool, <strong>do</strong> o plantio de cana e sua transfor-<br />
estimulanmação<br />
em etanol. Esses fatos ajudaram<br />
a construir o atual pioneirismo.<br />
O Brasil usa hoje quatro milhões<br />
de hectares para produzir álcool<br />
e poderia elevar esse número para<br />
20 milhões de hectares sem deslocar<br />
nenhuma cultura de alimento,<br />
conclui o cientista.<br />
fotos: Dreamstime<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 65
66<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
BIODIVERSIDADE<br />
Salinas: um<br />
universo em<br />
transformação<br />
Texto: Elias Fajar<strong>do</strong><br />
Fotos: Lena Trindade<br />
Presente na história humana<br />
desde tempos imemoriais,<br />
o sal é fundamental à vida<br />
humana. Seu méto<strong>do</strong> de<br />
extração permanece o mesmo<br />
ao longo <strong>do</strong>s séculos, mas em<br />
lugares como a Região <strong>do</strong>s<br />
Lagos, no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio, sua<br />
produção caiu à metade na<br />
última década.<br />
Os sais são importantes para a sobrevivência<br />
de to<strong>do</strong>s os seres vivos,<br />
pois ajudam a regular a presença da<br />
água no organismo. São encontra<strong>do</strong>s<br />
não só nos alimentos salga<strong>do</strong>s,<br />
mas também nos <strong>do</strong>ces. Do ponto<br />
de vista da química, o sal é uma<br />
substância que se forma a partir<br />
da interação entre um áci<strong>do</strong> e uma<br />
base. Nosso corpo precisa de apenas<br />
uma colher de café desse mineral<br />
por dia: acima disso, ele pode<br />
prejudicar a saúde e causar <strong>do</strong>enças<br />
como a hipertensão arterial.<br />
Existem cerca de 14 mil usos para<br />
o sal, que participa da produção de<br />
cloro, soda cáustica, plástico, alumínio,<br />
borracha etc. Ele está presente<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 67
alina Praia Seca<br />
Carlos Aldinei Carvalhães<br />
José Amaro da Silva<br />
em 104 <strong>do</strong>s 150 produtos químicos<br />
mais significativos que conhecemos.<br />
O sal de cozinha e o emprega<strong>do</strong> na<br />
indústria são obti<strong>do</strong>s a partir da água<br />
<strong>do</strong> mar e de rochas. Em alguns quilômetros<br />
cúbicos de mar concentramse<br />
toneladas de cloreto de sódio, o<br />
seu principal componente. O sal marinho<br />
é menos puro que o chama<strong>do</strong><br />
sal-gema, forma<strong>do</strong> pela evaporação<br />
de mares em eras geológicas passadas<br />
e encontra<strong>do</strong> em depósitos na<br />
superfície <strong>do</strong> solo ou no subsolo.<br />
Para extrair o sal <strong>do</strong> mar ou de lagos<br />
salga<strong>do</strong>s, é preciso isolar a água em<br />
tanques e deixá-la exposta ao sol e<br />
ao vento até que ela se concentre a<br />
ponto de saturar, quan<strong>do</strong> começa a<br />
precipitar o cloreto de sódio. Estes<br />
tanques são as salinas, depósitos rasos<br />
a céu aberto onde, depois que a<br />
água evapora, o sal que fica no fun<strong>do</strong><br />
é raspa<strong>do</strong> e empilha<strong>do</strong>.<br />
É uma atividade de baixo impacto<br />
ambiental, que usa recursos renováveis:<br />
a água, o sol e o vento. As salinas<br />
também preservam a paisagem e<br />
ajudam a construir a identidade visual<br />
das regiões onde são implantadas.<br />
Os vários tipos e a extração<br />
O sal grosso, que tempera o nosso<br />
churrasco, se deposita nas salinas<br />
depois que a água evapora. Moí<strong>do</strong>,<br />
seu aproveitamento é maior, já que<br />
os cristais quebra<strong>do</strong>s se dissolvem<br />
com mais facilidade. É usa<strong>do</strong> também<br />
no salgamento de alimentos e<br />
no processamento <strong>do</strong> couro.<br />
Já o refina<strong>do</strong> costuma receber cal<br />
para ficar mais branco, o que lhe dá<br />
uma certa ardência. No refino, o sal<br />
pode ainda receber flúor, para prevenir<br />
a cárie, e iodeto de sódio e de potássio,<br />
para prevenir o bócio, <strong>do</strong>ença<br />
que provoca o crescimento da glândula<br />
tireoide. Mas os produtores <strong>do</strong><br />
sal tradicional criticam estas práticas,<br />
argumentan<strong>do</strong> que, processa<strong>do</strong><br />
industrialmente, este mineral perde<br />
quase to<strong>do</strong>s os seus elementos originais<br />
e tem o sabor prejudica<strong>do</strong>.<br />
O marinho também pode ser dividi<strong>do</strong><br />
em <strong>do</strong>is tipos: a flor <strong>do</strong> sal e o<br />
sal cinza. A flor <strong>do</strong> sal é a nata que<br />
fica por cima na salina após a evaporação.<br />
Seus cristais são os mais<br />
delica<strong>do</strong>s e muito aprecia<strong>do</strong>s pela<br />
gastronomia europeia. Abaixo dele<br />
vem o sal cinza, que concentra as<br />
substâncias mais pesadas <strong>do</strong> mar,<br />
como os metais.<br />
A água <strong>do</strong> mar é sugada por bombeamento<br />
com moinhos de vento<br />
ou bombas elétricas. As quadras das<br />
salinas ficam então cheias d’água e<br />
68<br />
SENAC AMBIENTAL
o sal leva meses para se cristalizar.<br />
Depois de granula<strong>do</strong>, é puxa<strong>do</strong> com<br />
ro<strong>do</strong>s, leva<strong>do</strong> para galpões, ensaca<strong>do</strong><br />
e vendi<strong>do</strong>. Os maiores amigos<br />
<strong>do</strong> salineiro são o vento e o sol, e<br />
o inimigo principal são as chuvas. A<br />
extração é interrompida nos perío<strong>do</strong>s<br />
chuvosos, quan<strong>do</strong> se faz a manutenção<br />
das quadras e se prepara<br />
nova safra.<br />
Produção brasileira<br />
No Brasil, os principais centros de<br />
extração se localizam no Rio Grande<br />
<strong>do</strong> Norte e no Rio de Janeiro. Nas salinas<br />
potiguares são produzidas 4,8<br />
milhões de toneladas por ano (95%<br />
da produção <strong>do</strong> país) e gera<strong>do</strong>s 15<br />
mil empregos diretos nos municípios<br />
de Areia Branca, Galinhos, Grossos,<br />
Guanapé, Macau e Mossoró. Mossoró<br />
não fica no litoral, mas mesmo<br />
assim produz bastante. Além de ter<br />
clima quente e ventoso, a cidade<br />
está situada numa várzea inundada<br />
com solo impermeável. Quan<strong>do</strong> acabam<br />
as enchentes <strong>do</strong>s rios, formamse<br />
salinas naturais no relevo plano e<br />
baixo, onde a água salgada entra até<br />
35 quilômetros litoral adentro, favorecen<strong>do</strong><br />
a evaporação.<br />
Para escoar a produção, foi construí<strong>do</strong><br />
um porto-ilha a 14 quilômetros<br />
da costa, onde são embarcadas to<strong>do</strong><br />
dia toneladas <strong>do</strong> produto para os demais<br />
esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil e para o exterior.<br />
Metade <strong>do</strong> sal potiguar <strong>vai</strong> para<br />
indústrias químicas na Bahia e em<br />
São Paulo. O restante é exporta<strong>do</strong>.<br />
Salinas fluminenses:<br />
decadência e resistência<br />
Os índios foram os primeiros coletores<br />
de sal na Lagoa de Araruama.<br />
No perío<strong>do</strong> colonial, uma carta <strong>do</strong><br />
rei de Portugal de 1690 proibiu sua<br />
produção no Brasil para proteger<br />
interesses comerciais portugueses.<br />
Em 1801, a atividade foi liberada e<br />
a primeira salina, chamada Perynas,<br />
foi criada na Região <strong>do</strong>s Lagos em<br />
1823. O entorno da lagoa é propício<br />
à extração, pois as águas têm um<br />
teor de sal muito eleva<strong>do</strong>.<br />
Em 2001, uma pesquisa feita pelo<br />
Sebrae mostrou que o setor salineiro<br />
era forma<strong>do</strong> por 33 empresas:<br />
15 em Araruama, 15 em Arraial <strong>do</strong><br />
Cabo e três em São Pedro da Aldeia,<br />
produzin<strong>do</strong> 85.700 toneladas por<br />
ano, com renda em torno de R$ 1,7<br />
milhão. Em 2011, segun<strong>do</strong> Humberto<br />
Quintanilha, presidente <strong>do</strong> Sindicato<br />
de Extração de Sal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro, o número caiu.<br />
Hoje existem entre 15 e 20 salinas na<br />
região, as quais produzem em torno<br />
de 30 mil toneladas por ano.<br />
Em dez anos, as salinas fluminenses<br />
foram reduzidas quase à metade.<br />
Seus terrenos têm si<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong>s<br />
para a construção de casas e con<strong>do</strong>mínios<br />
e a paisagem tradicional se<br />
modifica rapidamente. Os salineiros<br />
alegam que o custo da mão-de-obra<br />
e os impostos sobre a atividade são<br />
altos e eles não podem fazer face à<br />
concorrência <strong>do</strong> sal <strong>do</strong> Rio Grande<br />
<strong>do</strong> Norte e <strong>do</strong> Chile.<br />
Há alguns anos a empresa Álcalis,<br />
tradicional produtora da região, encerrou<br />
suas atividades. Hoje, o grande<br />
compra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sal fluminense é a<br />
Refinaria Nacional de Sal, que produz<br />
o Sal Cisne e estabelece o preço. Segun<strong>do</strong><br />
Humberto, os salineiros que<br />
ainda produzem só mantêm esta<br />
atividade para evitar invasões e a favelização<br />
de suas terras. “Mesmo antieconômicas,<br />
as salinas são um prejuízo<br />
menor <strong>do</strong> que a possibilidade de<br />
vir a perder as terras”, afirma ele.<br />
O jornalista Antonio Trindade Junior,<br />
nasci<strong>do</strong> e cria<strong>do</strong> em Cabo Frio, analisa<br />
este fenômeno: “As salinas ocupam<br />
e preservam muito espaço com<br />
pouca gente. São um marco tradicional,<br />
um símbolo da nossa paisagem,<br />
como o Pão de Açúcar é para o carioca.<br />
Elas geraram grande riqueza<br />
e hoje são nostalgia, um retrato na<br />
parede. O turismo e a extração <strong>do</strong><br />
petróleo – as principais atividades<br />
Antonio Trindade Júnior<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 69
70<br />
Máquinas da Álcalis em Massambaba<br />
Moinho desmonta<strong>do</strong><br />
SENAC AMBIENTAL<br />
econômicas atuais da Região <strong>do</strong>s<br />
Lagos – são o contrário das salinas:<br />
condensam muita gente em<br />
pouco espaço.”<br />
Em Massambaba, entre Cabo Frio e<br />
Arraial <strong>do</strong> Cabo, barcaças aban<strong>do</strong>nadas<br />
apodrecem nos canais da Álcalis,<br />
os moinhos vão cain<strong>do</strong> lentamente,<br />
as salinas esturricam ao sol e<br />
o mato cresce nelas. Trindade Júnior<br />
continua sua análise: “Perde-se uma<br />
atividade inteligente <strong>do</strong> ponto de vista<br />
ambiental e abre-se espaço para<br />
outra muito impactante: a ocupação<br />
imobiliária. Sem pensar que o aviltamento<br />
da paisagem pode prejudicar<br />
o próprio turismo.”<br />
Queda na produção<br />
Mais adiante, começa a surgir o cenário<br />
com elementos geométricos<br />
que encantou pintores como Djanira<br />
e Pancetti. Os montes de sal de<br />
diferentes matizes são pirâmides<br />
que se refl etem nos quadriláteros<br />
onde a água se acumula (chama<strong>do</strong>s<br />
tabuleiros ou medas). Nas bordas<br />
das salinas, vemos vegetação nativa<br />
da restinga e a presença de garças,<br />
colhereiros, marrecos, maçaricos<br />
e quero-queros. Os canais que<br />
escoam a água servem de berçário<br />
para os peixes. No fun<strong>do</strong>, se destaca<br />
o perfi l elegante das montanhas<br />
ou a planura <strong>do</strong> mar.<br />
Em Figueiras, distrito de Arraial <strong>do</strong><br />
Cabo, Carlos Aldinei Carvalhães é<br />
um arrendatário: tem um contrato<br />
sobre um trecho da Salina Flor de<br />
Figueira, <strong>do</strong> Grupo Niemeyer, pelo<br />
qual deve arcar com as despesas<br />
de conservação e mão de obra e<br />
dar aos <strong>do</strong>nos da salina entre 30<br />
e 40% <strong>do</strong> que produz. A mão de<br />
obra é pouca: apenas uma pessoa<br />
na entressafra e 10 a 15 trabalha<strong>do</strong>res<br />
na safra. Sua produção<br />
tem diminuí<strong>do</strong> muito e em 2010<br />
perdeu 100 toneladas por causa<br />
da chuva. Aldinei afirma: “A tendência<br />
é acabar, o preço é baixo e<br />
não tem incentivo. Mesmo assim,<br />
estamos colhen<strong>do</strong> e limpan<strong>do</strong> as<br />
quadras e passan<strong>do</strong> um ro<strong>do</strong> de<br />
borracha para melhorar a qualidade<br />
<strong>do</strong> sal.”<br />
Ele reivindica proteção para a<br />
atividade salineira e a Lagoa de<br />
Araruama: “As salinas sempre renovaram<br />
a lagoa. Mas agora, sem<br />
elas, a água fica cada vez pior.<br />
Com sal ou sem sal, o governo<br />
deve <strong>cuidar</strong> da lagoa, um patrimônio<br />
da gente daqui. Se houvesse<br />
apoio, as salinas não acabariam,<br />
pois temos amor a elas.”<br />
As empresas que permanecem na<br />
ativa na região tentam diversificar<br />
atividades e agregar valor ao produto.<br />
Algumas moem e ensacam o<br />
sal para ter melhores preços.
Uma rica simbologia<br />
Na Antiguidade era muito difícil obter o sal, e na China apenas o ouro era mais valioso <strong>do</strong> que ele. No Império<br />
Romano, era usa<strong>do</strong> como pagamento, e daí vem a palavra salário. Ele também é símbolo de uma relação em<br />
que se pode confiar. A expressão “pacto de sal” significa um acor<strong>do</strong> que será cumpri<strong>do</strong>. Na Bíblia é muito<br />
conhecida a frase de Jesus Cristo: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perder sua força, com que outra coisa se<br />
há de salgar?” Os discípulos de Jesus deveriam ser como o sal, que, em pequena quantidade, tempera grande<br />
volume de alimento.<br />
Na Índia colonial, o governo britânico proibiu a extração de sal e, em 1923, Mahatma Gandhi iniciou uma<br />
marcha de 400 quilômetros em direção às salinas ao norte da cidade de Mumbai (também conhecida como<br />
Bombaim). Milhares de pessoas se juntaram a ele e passaram a ferver a água <strong>do</strong> mar e a vender a substância<br />
que produziam. Gandhi foi preso, mas a marcha e as greves continuaram. Em 1924, o governo autorizou os<br />
indianos a colher ou fabricar sal a partir de fontes disponíveis nos lugares onde moravam e a vender aos vizi-<br />
nhos. O imposto sobre o sal continuou em vigor, mas o monopólio foi venci<strong>do</strong> pela desobediência civil.<br />
José Amaro da Silva tem 63 anos e<br />
puxa o ro<strong>do</strong> debaixo <strong>do</strong> sol forte. Ele<br />
administra um trecho da Salina Santa<br />
Mariana e é um apaixona<strong>do</strong> pelo<br />
seu trabalho:<br />
“Me criei no sal, tentei ir para a cidade,<br />
mas voltei. Estou aposenta<strong>do</strong><br />
e continuo na luta. Para ter bom sal<br />
precisa conhecer as manhas da natureza<br />
e fazer boa distribuição da<br />
água nas quadras.” Ele enche as<br />
mãos <strong>do</strong> sal grosso, exibe sua pureza<br />
e afi rma: “Gosto de trabalhar<br />
aqui e agora vou torcer para não<br />
chover. Destruir a natureza não<br />
está certo e isto aqui é muito bonito.<br />
Numa noite de lua, o sal brilha,<br />
é espetacular.”<br />
Jorge Alves <strong>do</strong>s Santos tem 65 anos<br />
e diz, com bom humor: “Enquanto<br />
tiver salina eu continuo. Tenho boa<br />
saúde, nunca fui a médico e esse<br />
serviço combina com meu sangue.”<br />
Ele trabalha para Hermínio Fernandes<br />
Carvalho, que extrai, compra e<br />
vende sal há 30 anos. Hermínio também<br />
aposta na resistência: “Há 40<br />
anos estão dizen<strong>do</strong> que as salinas<br />
vão acabar e até agora não aconteceu.<br />
Antigamente, os salineiros viviam<br />
na abastança. Hoje os lucros<br />
são menores, mas existem. Num ano<br />
ruim produzo só 500 toneladas, mas<br />
num ano bom, de sol e sem chuvas,<br />
posso fazer 1.500 toneladas e dá<br />
para compensar.”<br />
Trabalha<strong>do</strong>res<br />
das salinas
72<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
CONSUMO<br />
Mamãe, eu<br />
quero!<br />
Patrícia Costa<br />
Desde pequenos, eles<br />
descobrem que podem<br />
influenciar nas decisões de<br />
compra das famílias e já<br />
representam uma grande<br />
fatia <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de consumo<br />
mundial, que, só no Brasil,<br />
movimenta 130 bilhões de<br />
reais por ano. Pesquisas<br />
indicam que, apesar da pouca<br />
idade, eles sabem muito bem<br />
o que querem.<br />
foto: Dreamstime<br />
<strong>Quem</strong> se lembra de propagandas<br />
em que crianças diziam coisas como<br />
“não esqueça a minha Caloi” ou<br />
“compre Baton, seu filho merece<br />
Baton” pode até estranhar a falta<br />
de anúncios com imperativos como<br />
esses atualmente. É que o merca<strong>do</strong><br />
publicitário volta<strong>do</strong> para o público<br />
infantil cresceu tanto nas últimas<br />
décadas que despertou a atenção<br />
de entidades, especialistas e políticos<br />
para o bombardeio em cima das<br />
crianças. Por isso é que, em setembro<br />
de 2006, o Conselho Nacional<br />
de Autorregulamentação Publicitária<br />
(Conar) atualizou seu Código com<br />
novas regras para a veiculação de<br />
tais anúncios.<br />
Outra medida, não tão bem-sucedida,<br />
ocorreu em 2010. A Agência<br />
Nacional de Vigilância Sanitária<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 73
foto: Dreamstime<br />
(Anvisa) publicou uma resolução a<br />
respeito da veiculação de anúncios,<br />
para crianças, de alimentos ricos em<br />
gorduras, açúcares e sódio e de baixo<br />
valor nutricional. O <strong>do</strong>cumento<br />
obrigava esses comerciais a exibirem<br />
alertas para os riscos à saúde que o<br />
consumo excessivo de tais alimentos<br />
poderia causar. Mas a resolução<br />
nº 24 foi suspensa pela Justiça após<br />
avaliação de um pedi<strong>do</strong> da indústria<br />
de alimentos, que questionou a<br />
competência da Anvisa para regular<br />
a questão.<br />
Discurso da sedução sem lei<br />
O Brasil anda a passos lentos rumo<br />
à proteção da infância contra os<br />
abusos da propaganda. Não temos<br />
leis que proíbam a publicidade infantil,<br />
só alguns instrumentos legais<br />
que abordam esse tema na Constituição<br />
Federal, no Código de Defesa<br />
<strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r e no Estatuto da<br />
Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente.<br />
“Mas não é suficiente”, afirma a<br />
<strong>do</strong>utora em Psicologia Maria Claudia<br />
Tardin, professora de graduação<br />
e de pós-graduação da Escola Superior<br />
de Propaganda e Marketing<br />
(ESPM). “A criança ainda não tem<br />
maturidade para analisar o discurso<br />
coercitivo de uma propaganda.<br />
E fica à mercê disso, principalmente<br />
por meio da televisão.”<br />
Assim como outros especialistas,<br />
ela faz questão<br />
de frisar que não é contra o<br />
consumo: “Consumir faz parte<br />
da vida. O problema surge<br />
quan<strong>do</strong> vira exagero e se associa<br />
o ato de consumir à felicidade.<br />
Isso é consumismo”.<br />
E é esta mensagem<br />
que a maioria das<br />
propagandas destaca:<br />
só será feliz<br />
quem comprar determina<strong>do</strong><br />
produto.<br />
Uma parceria entre<br />
o Projeto Consumo e<br />
Criança, <strong>do</strong> Instituto Alana,<br />
com o Observatório de Mídia:<br />
Direitos Humanos, Políticas e Sistemas,<br />
da Universidade Federal <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo, resultou numa pesquisa<br />
que tem o objetivo de traçar um<br />
quadro detalha<strong>do</strong> da relação entre<br />
publicidade, infância e consumo na<br />
televisão brasileira durante um perío<strong>do</strong><br />
de três anos. Em 2011, no primeiro<br />
ano da pesquisa, ao longo <strong>do</strong>s<br />
15 dias que antecederam o Dia da<br />
Criança, foram veiculadas quase 81<br />
mil peças publicitárias. Destas, 64%<br />
falavam diretamente com o público<br />
menor de 12 anos de idade. Nos canais<br />
abertos, isso representou 20%<br />
<strong>do</strong>s comerciais. Nos canais fecha<strong>do</strong>s,<br />
esse volume subiu para 94%<br />
(ver box).<br />
“É contra esse exagero que o Instituto<br />
trabalha”, explica a coordena<strong>do</strong>ra<br />
de Mobilização <strong>do</strong> Projeto,<br />
Gabriela Vuolo. “Nós atuamos em<br />
várias frentes. Uma delas é jurídica,<br />
que recebe denúncias de abusos<br />
de propaganda infantil e prepara<br />
representações para o Ministério<br />
Público e para o Procon”.<br />
Outra frente é a de educação e pesquisa,<br />
cujo foco é na formação de<br />
professores no tema da educação<br />
para o consumo, com ofertas de<br />
bolsas de estu<strong>do</strong> para alunos de<br />
graduação que estejam pesquisan<strong>do</strong><br />
sobre infância e publicidade. “O<br />
trabalho de mobilização e de divulgação<br />
também é importante, por<br />
levar nossas ações à população. Informação<br />
é poder, e ajuda o cidadão<br />
a se engajar e lutar pelos direitos da<br />
criança”, destaca Gabriela.<br />
Ela concorda que a lei brasileira é<br />
falha nesse tema. “Até nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s, que é o berço da propaganda,<br />
existem leis que protegem<br />
a infância. Outros países europeus<br />
também já legislam sobre isso. A<br />
indústria de produtos infantis e a<br />
publicidade não levam em conta os<br />
mecanismos legais existentes no<br />
Brasil. Por isso, é preciso impor limi-<br />
74<br />
SENAC AMBIENTAL
tes e regras mais claras”. E cita o Projeto<br />
de Lei de 5.921/2001, que proíbe<br />
e regulamenta a propaganda voltada<br />
para a criança e tramita no Congresso<br />
há mais de 10 anos.<br />
Propaganda + criança =<br />
consumismo infantil?<br />
Apesar das novas regras anunciadas<br />
em 2006 pelo Conar, para a<br />
professora Maria Claudia Tardin,<br />
o Conselho parece agir em defesa<br />
das empresas. “O Conar só se<br />
manifesta quan<strong>do</strong> a sociedade se<br />
mobiliza no chama<strong>do</strong> ‘movimento<br />
consumerista’. Ele se reúne, analisa<br />
a propaganda e somente se constatar<br />
que alguns <strong>do</strong>s critérios determina<strong>do</strong>s<br />
como abusivos estiverem<br />
ocorren<strong>do</strong> é que tira a propaganda<br />
<strong>do</strong> ar”, explica a professora.<br />
Segun<strong>do</strong> o assessor de comunicação<br />
<strong>do</strong> Conar, Eduar<strong>do</strong> Corrêa,<br />
desde 2009 a entidade não concede<br />
mais entrevistas sobre propaganda<br />
infantil. Em texto divulga<strong>do</strong> no informativo<br />
eletrônico disponível no<br />
site, a entidade afirma que “a reforma<br />
<strong>do</strong> Código [de Autorregulamentação<br />
Publicitária, de 2006] atendeu<br />
ao propósito de manter eleva<strong>do</strong>s os<br />
padrões éticos da comunicação e,<br />
principalmente, dar respostas apropriadas<br />
às justas preocupações da<br />
sociedade com a formação das suas<br />
crianças e <strong>do</strong>s seus a<strong>do</strong>lescentes”.<br />
Essa polêmica promete se acirrar<br />
por conta da recente posição assumida<br />
pela Organização Mundial<br />
de Saúde (OMS) com relação à<br />
propaganda de alimentos dirigida<br />
a crianças. Após analisar inúmeras<br />
pesquisas, a OMS declarou que<br />
existe clara ligação entre essas<br />
propagandas e o crescimento acelera<strong>do</strong><br />
da obesidade infantil em diversos<br />
países. “No caso <strong>do</strong> Brasil,<br />
da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBGE apontam que uma<br />
em cada três crianças já apresenta<br />
sobrepeso e 15% delas já estão<br />
obesas”, observa Gabriela Vuolo.<br />
Ela aponta ainda o problema <strong>do</strong><br />
endividamento das famílias: “To<strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> conhece um pai ou mãe que<br />
se sacrifica para dar algo pedi<strong>do</strong> pela<br />
criança, mesmo que não possa pagar”.<br />
E cita outro estu<strong>do</strong> feito pelo<br />
Instituto Alana em 2010, na época<br />
<strong>do</strong> Dia da Criança, segun<strong>do</strong> o qual<br />
o preço médio <strong>do</strong>s brinque<strong>do</strong>s era<br />
de R$ 100. “Nem todas as famílias<br />
podem arcar com brinque<strong>do</strong>s caros<br />
assim. A saída é se endividar”.<br />
Para Maria Claudia Tardin, isso é reflexo<br />
<strong>do</strong> padrão de consumo imposto<br />
pela sociedade capitalista: “Vivemos<br />
um he<strong>do</strong>nismo moderno, que nada<br />
mais é <strong>do</strong> que a busca <strong>do</strong> prazer<br />
consigo mesmo e que faz o homem<br />
ter apego ao consumo. A prática de<br />
consumo é o jeito mais fácil de ter<br />
prazer. A relação que o homem estabelece<br />
com os objetos de consumo<br />
é muito valorizada”, diz ela.<br />
Pais dão o exemplo, para o<br />
bem e para o mal<br />
E qual é a responsabilidade <strong>do</strong>s pais<br />
no comportamento de consumo das<br />
crianças? Para a psicóloga e <strong>do</strong>utora<br />
em Educação da PUC-Rio Solange<br />
Jobim, os pais são grandes responsáveis<br />
pelo “eu quero e pronto” <strong>do</strong>s<br />
filhos. “Além de influenciarem no<br />
comportamento, como exemplos<br />
que são, os pais não estão sen<strong>do</strong><br />
capazes de traduzir o discurso<br />
de sedução da propaganda para a<br />
criança. Hoje vemos que a mídia tem<br />
mais poder de ‘educar’ as crianças<br />
<strong>do</strong> que os pais. Os papéis se inverteram,<br />
as crianças é que decidem o<br />
que comprar. Ou porque os pais não<br />
estão perto ou porque acham mais<br />
fácil ceder aos desejos <strong>do</strong>s filhos <strong>do</strong><br />
que orientar”.<br />
Isso pode ser aferi<strong>do</strong> pelo estu<strong>do</strong><br />
KidsPower, produzi<strong>do</strong> pela TNS<br />
Research International, uma empresa<br />
de pesquisa de merca<strong>do</strong> que atua<br />
em mais de 75 países. Feito em cinco<br />
países da América Latina, incluin<strong>do</strong><br />
Maria Claudia<br />
Tardin, psicóloga<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 75
Educação para o consumo<br />
cidadão<br />
Cultivar essa mentalidade é difícil,<br />
mas não impossível. A professora<br />
Maria Claudia Tardin, por exemplo,<br />
propõe uma maior conscientização<br />
por parte de quem faz propaganda:<br />
“A propaganda não cria o desejo,<br />
ela cria o objeto <strong>do</strong> desejo. Como<br />
professora da ESPM, eu procuro<br />
mostrar para meus alunos os riscos<br />
<strong>do</strong> consumismo. E levanto questões<br />
sobre as dificuldades de lidar com a<br />
<strong>do</strong>r, a frustração e em como consumir<br />
pode se tornar uma válvula de<br />
escape”. Segun<strong>do</strong> ela, existem formas<br />
de fazer propaganda de maneira<br />
mais responsável, buscan<strong>do</strong> novos<br />
padrões, como as campanhas da<br />
marca Dove, que valorizam a mulher<br />
comum, real.<br />
A escola deveria ser parceira dessa<br />
mudança, mas, para Gabriela Vuolo,<br />
o que se vê, em alguns casos, é o<br />
oposto: “Muitas escolas, em vez de<br />
serem espaços para a criança aprender<br />
e refletir sobre o consumo, estão<br />
viran<strong>do</strong> um local onde empresas fazem<br />
sua propaganda”.<br />
Outra medida defendida pelas especialistas,<br />
e que é eficaz e poderosa<br />
em sua simplicidade, é saber dizer<br />
não: “Os pais precisam impor limites<br />
aos desejos <strong>do</strong>s seus filhos. Isso os<br />
ajudará a se tornarem cidadãos mais<br />
adapta<strong>do</strong>s e conscientes. E devem<br />
dar o exemplo, consumin<strong>do</strong> de forma<br />
racional e denuncian<strong>do</strong> abusos”,<br />
afirma Gabriela.<br />
Maria Inês Dulci também defende<br />
uma atuação mais cidadã: “Se a sociedade<br />
reagisse, lutasse pelos seus<br />
direitos, a Anvisa não teria necessidade<br />
de tentar limitar a propaganfoto:<br />
Dreamstime<br />
o Brasil, o estu<strong>do</strong> ouviu mães e filhos<br />
com idades entre 3 e 9 anos. A combinação<br />
entre as mudanças no papel<br />
<strong>do</strong>s pais – como a saída da mulher<br />
para o merca<strong>do</strong> de trabalho –, o aumento<br />
da oferta de produtos volta<strong>do</strong>s<br />
para o público infantil e a grande<br />
exposição <strong>do</strong>s pequenos aos meios<br />
de comunicação e às novas tecnologias<br />
resultou numa mudança na dinâmica<br />
familiar: as crianças são mais<br />
egocêntricas e menos tolerantes à<br />
frustração e sabem negociar para<br />
conseguir o que querem. Os pais se<br />
mostram mais ausentes, mais permissivos<br />
e culpa<strong>do</strong>s. Em não menos<br />
<strong>do</strong> que 80% das famílias a criança<br />
influencia nas decisões de compra.<br />
A saída? Educação. Para as crianças<br />
e para seus responsáveis. “Seria<br />
mais eficiente educar os pais, pois a<br />
criança é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu contexto<br />
social. O problema é que a criança<br />
fica muito tempo sozinha diante da<br />
TV, dialogan<strong>do</strong> com a cultura <strong>do</strong><br />
consumo. Mas, se a família orienta,<br />
faz a criança questionar o que assiste<br />
e cria uma consciência sobre<br />
o consumo, é possível, sim, mudar<br />
esse jogo”, afi rma Solange Jobim.<br />
Buscar informações e orientação<br />
também é um caminho rumo a um<br />
padrão de consumo mais racional.<br />
Por isso, a Proteste – uma associação<br />
de defesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r<br />
– criou um portal sobre educação<br />
para o consumo volta<strong>do</strong> especialmente<br />
para crianças e jovens.<br />
Maria Inês Dolci, coordena<strong>do</strong>ra<br />
institucional da entidade, explica<br />
os objetivos <strong>do</strong> programa Proteste<br />
Jovem: “Dar mais insumos e<br />
mostrar a necessidade de fortalecer<br />
crianças e a<strong>do</strong>lescentes em<br />
relação ao Código de Defesa <strong>do</strong><br />
Consumi<strong>do</strong>r e ao consumo consciente.”<br />
Mais <strong>do</strong> que aplicar de<br />
forma didática esse conhecimento,<br />
ela defende uma incorporação<br />
de princípios. E cita um exemplo:<br />
“Em 2010, a cantina de uma escola<br />
particular aumentou os preços<br />
<strong>do</strong>s produtos em 30% sem explicação.<br />
As crianças se mobilizaram<br />
e boicotaram a cantina, o que forçou<br />
uma redução nos preços. Isso<br />
é exercer seus direitos de consumi<strong>do</strong>r<br />
de forma transforma<strong>do</strong>ra”.<br />
76<br />
SENAC AMBIENTAL
da de alimentos, por exemplo. Esse<br />
movimento partiria da sociedade<br />
organizada e a propaganda seria<br />
proibida”. Ela argumenta ainda que<br />
envolver os fi lhos nas questões financeiras<br />
da família também pode<br />
ajudar a criar uma consciência em<br />
torno da diferença entre desejo e<br />
necessidade: “Mostrar à criança<br />
que não se pode gastar mais <strong>do</strong><br />
que se ganha é um grande passo<br />
para o futuro dela e, indiretamente,<br />
para a sociedade”.<br />
Para Solange Jobim, um <strong>do</strong>s desafios<br />
<strong>do</strong> campo da educação é encontrar<br />
estratégias para fazer frente a um<br />
padrão de consumo que nos coloca<br />
reféns da infelicidade e da perda<br />
de valores. Segun<strong>do</strong> ela, é preciso<br />
resgatar princípios como cooperação<br />
e solidariedade, priorizan<strong>do</strong> o<br />
“ser” em vez <strong>do</strong> “ter”. Solange sugere<br />
uma ação conjunta e global: “Na<br />
medida em que as famílias não têm<br />
condições de ter uma consciência<br />
crítica sobre esses valores, uma lei<br />
ajudaria a conscientizar e a levantar<br />
reflexões. Por outro la<strong>do</strong>, tirar a propaganda<br />
infantil da TV não basta. O<br />
trabalho educativo <strong>do</strong>s professores<br />
e das famílias é fundamental para<br />
promover a mudança nos modelos<br />
de consumo”, conclui.<br />
Para saber mais:<br />
Instituto Alana<br />
www.alana.org.br<br />
Pesquisa KisPower<br />
www.tnsglobal.com.br/site2006/<br />
<strong>do</strong>wnload/estu<strong>do</strong>sInstitucionais/<br />
KIDSPOWER.pdf<br />
ProTeste Jovem<br />
www.proteste.org.br/map/<br />
src/454091.htm<br />
Conar<br />
www.conar.org.br<br />
TEDxSudeste<br />
www.youtube.com/watch?v= _<br />
t223swPVlA (Repensar o consumo, palestra<br />
<strong>do</strong> jornalista André Trigueiro)<br />
Ouvi<strong>do</strong> de telespecta<strong>do</strong>r<br />
não é mouco<br />
Que a programação das TVs<br />
exagera com a quantidade de<br />
intervalos, ninguém duvida.<br />
O que pouca gente percebe<br />
é que a maioria <strong>do</strong>s canais<br />
recorre a um artifício para<br />
atrair mais ainda a atenção<br />
<strong>do</strong> público na hora <strong>do</strong>s comerciais:<br />
aumentar o volume.<br />
Essa prática ficou tão abusiva<br />
que já existe uma lei para<br />
coibi-la. Só que essa lei não<br />
pegou.<br />
Em maio de 2011, a Procura<strong>do</strong>ria<br />
Regional <strong>do</strong>s Direitos<br />
<strong>do</strong> Cidadão de São Paulo entrou<br />
com uma ação civil pública<br />
exigin<strong>do</strong> que a Agência<br />
Nacional de Telecomunicações<br />
(Anatel) regulamente a<br />
Lei nº 10.222/01, que proíbe<br />
o aumento <strong>do</strong> volume nos<br />
intervalos comerciais.<br />
O Ministério Público Federal<br />
pediu que a medida atinja<br />
to<strong>do</strong> o território nacional,<br />
pois analisou lau<strong>do</strong>s periciais<br />
que apontavam diferenças<br />
de até cinco decibéis entre<br />
o áudio da programação<br />
normal e o <strong>do</strong>s comerciais.<br />
O estu<strong>do</strong> apontou ainda que<br />
os canais infantis apresentavam<br />
a maior variação. A Anatel<br />
alega que não fiscaliza<br />
porque a lei ainda não<br />
foi regulamentada.<br />
E a prática continua,<br />
infelizmente<br />
para os ouvi<strong>do</strong>s<br />
e a paciência <strong>do</strong><br />
telespecta<strong>do</strong>r.<br />
foto: Dreamstime<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 77
78<br />
<strong>Senac</strong> Ambiental
ESPECIAL<br />
Garimpos:<br />
miséria e devastação<br />
ambiental<br />
A busca pelo ouro na Amazônia deixa<br />
cicatrizes profundas na floresta e nos<br />
homens que se aventuram atrás <strong>do</strong> metal<br />
precioso, enfrentan<strong>do</strong> nos garimpos um<br />
cotidiano de miséria, <strong>do</strong>enças e péssimas<br />
condições de trabalho<br />
João Roberto Ripper<br />
foto: Marco A. Rezende/Brazil Photos<br />
Garimpeiros em<br />
Serra Pelada, no<br />
Pará<br />
O ciclo social <strong>do</strong> ouro no<br />
Brasil, inicia<strong>do</strong> oficialmente<br />
no século 18, tem um capítulo<br />
especial na Amazônia, nos<br />
dias atuais. Naquela época,<br />
a descoberta <strong>do</strong> metal e<br />
o início da exploração das<br />
minas nas regiões auríferas<br />
(os esta<strong>do</strong>s de Minas Gerais,<br />
Mato Grosso e Goiás, na<br />
região central <strong>do</strong> país)<br />
provocaram uma verdadeira<br />
“corrida <strong>do</strong> ouro”. À procura<br />
de trabalho, desemprega<strong>do</strong>s<br />
e aventureiros de todas as<br />
regiões partiram em busca<br />
<strong>do</strong> sonho de enriquecer<br />
da noite para o dia.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 79
Desmatamentos no<br />
garimpo de Água<br />
Branca, no Pará<br />
A situação não é diferente nos dias<br />
de hoje, na Amazônia. Uma notícia<br />
vaga, espalhada de boca em boca,<br />
pode transformar um local ermo em<br />
um vilarejo fervilhante em poucas<br />
semanas. O Pará parece ser o dispara<strong>do</strong>r<br />
dessa corrida, com histórias<br />
fantásticas de pessoas que, apesar<br />
não serem conhecidas no resto <strong>do</strong><br />
país, são famosas nas currutelas<br />
(minúsculas cidades que crescem<br />
ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s garimpos) e nos longínquos<br />
rincões onde homens, mulheres<br />
e crianças buscaram ouro e<br />
sonharam com uma vida melhor.<br />
Na trilha desses corações e dessas<br />
vidas, conhecemos pessoas que<br />
partilharam conosco suas <strong>do</strong>res e<br />
alegrias na busca <strong>do</strong> ouro. Foi assim<br />
na região de Água Branca, localizada<br />
no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.<br />
Bomba-relógio<br />
A história <strong>do</strong> ouro na Amazônia<br />
mostra que até hoje sangram as<br />
chagas da fragilidade governamental<br />
em resolver questões essenciais,<br />
como a regularização fundiária da<br />
região, a devastação ambiental ou a<br />
carência de serviços básicos, como<br />
saneamento, rede hospitalar e educação<br />
pública e de qualidade.<br />
No caso específico <strong>do</strong>s garimpos, a<br />
maior ameaça ambiental dessa atividade<br />
advém da utilização de mercúrio<br />
para possibilitar a amálgama<br />
com o ouro, de forma a recuperá-lo<br />
nas calhas de lavação <strong>do</strong> minério.<br />
Tanto o mercúrio metálico, perdi<strong>do</strong><br />
nos rios durante o processo de<br />
lavagem, como o mercúrio vaporiza<strong>do</strong><br />
durante a queima da amálgama<br />
para a separação <strong>do</strong> ouro são<br />
altamente prejudiciais à saúde <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res e ao meio ambiente.<br />
É como uma bomba-relógio armada<br />
na floresta. Em algum momento,<br />
<strong>vai</strong> explodir.<br />
Ambiente insalubre<br />
Além <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s à sua<br />
saúde pelo mercúrio, os garimpeiros<br />
enfrentam outro grande inimigo<br />
na Amazônia: a malária. Doença infecciosa,<br />
transmitida pela picada de<br />
um mosquito, ela mata três milhões<br />
de pessoas por ano no mun<strong>do</strong>, uma<br />
taxa só comparável à da Aids.<br />
O garimpeiro da Amazônia convive<br />
com a malária como convivemos<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />
80<br />
SENAC AMBIENTAL
com um simples resfria<strong>do</strong>. Rotina.<br />
Não são incomuns casos de adultos<br />
que já contraíram mais de 30 ou 40<br />
malárias ao longo da vida. A <strong>do</strong>ença<br />
é endêmica na região de Água Branca,<br />
apesar <strong>do</strong>s esforços de heroicos<br />
e isola<strong>do</strong>s agentes de saúde.<br />
Segun<strong>do</strong> a médica Rita de Cássia<br />
Barata, os garimpos que visitamos<br />
- e to<strong>do</strong>s os demais garimpos<br />
chama<strong>do</strong>s “abertos” - são áreas de<br />
alta incidência de malária por causa<br />
da facilidade de exposição, uma<br />
vez que os garimpeiros trabalham<br />
com pouca roupa e nos horários de<br />
maior atividade vetorial. Também<br />
contribuem a multiplicidade de cria<strong>do</strong>uros,<br />
decorrentes da forma como<br />
o espaço é altera<strong>do</strong> pela presença<br />
<strong>do</strong> garimpo, e a existência de muitos<br />
porta<strong>do</strong>res assintomáticos.<br />
O problema da malária não se restringe<br />
à área <strong>do</strong>s garimpos. As novas<br />
zonas de colonização na Amazônia<br />
têm incidências altíssimas,<br />
ten<strong>do</strong> em vista as condições favoráveis<br />
de transmissão, principalmente<br />
nas etapas de ocupação iniciais,<br />
em que a derrubada da mata é feita<br />
para plantio ou pecuária.<br />
Segun<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utora Rita de Cássia,<br />
em um trabalho da sua autoria<br />
apresenta<strong>do</strong> em 1995, nas zonas de<br />
colonização mais antiga, a incidência<br />
tende a estabilizar-se, em níveis<br />
baixos, em decorrência da melhoria<br />
nas habitações, da presença de animais<br />
<strong>do</strong>mésticos – diversifican<strong>do</strong> as<br />
fontes alimentares para os insetos<br />
– e das ações de controle praticadas<br />
pelos próprios mora<strong>do</strong>res ou<br />
órgãos públicos.<br />
Outro fantasma que ronda os garimpeiros<br />
é a leishmaniose, <strong>do</strong>ença<br />
transmitida por um mosquito<br />
comum na região. A leishmaniose<br />
é uma das <strong>do</strong>enças catalogadas<br />
pela Organização Mundial da Saúde<br />
(OMS) como “extremamente negligenciada”,<br />
porque não há interesse<br />
por parte da indústria farmacêutica<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />
Garimpagem<br />
em galeria<br />
subterrânea<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 81
Garimpeiros fi cam expostos<br />
a <strong>do</strong>enças como malária e<br />
leishmaniose<br />
Agente de<br />
saúde faz coleta de<br />
sangue<br />
em desenvolver novos medicamentos<br />
para combatê-la, em razão da<br />
sua prevalência em regiões muito<br />
pobres <strong>do</strong> <strong>planeta</strong>.<br />
Paisagem desola<strong>do</strong>ra<br />
O garimpo é a maneira mais bruta<br />
de mineração – a mais antiga e<br />
rudimentar. Estão localiza<strong>do</strong>s, em<br />
sua maioria, em locais longínquos e<br />
áreas remotas. Inúmeras vezes são<br />
ilegais. Poucos recebem apoio <strong>do</strong><br />
governo ou de empresas sólidas.<br />
A atividade de garimpo pode ser<br />
desenvolvida a céu aberto, nos aluviões<br />
ou nas pedras mineralizadas<br />
à flor da terra, ou ainda em galerias<br />
escavadas na rocha, muitos metros<br />
abaixo da superfície. É um trabalho<br />
duro, feito de forma precária e geralmente<br />
perigoso e arrisca<strong>do</strong>. Além<br />
disso, via de regra, é altamente nocivo<br />
ao meio ambiente.<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />
foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />
Muitos garimpos ainda são explora<strong>do</strong>s<br />
manualmente, mas grande parte<br />
deles começa a ser semimecaniza<strong>do</strong>.<br />
São garimpos de ouro, diamantes,<br />
cassiterita, tantlita-columbita,<br />
quartzo e ametista, só para citar os<br />
minérios mais conheci<strong>do</strong>s.<br />
Nas atividades desenvolvidas a<br />
céu aberto nos aluviões, grandes<br />
escavadeiras cavam enormes buracos<br />
na mata, maiores que piscinas<br />
olímpicas (às vezes, muito maiores),<br />
até o nível onde está o ouro, que<br />
pode ultrapassar os dez metros<br />
de profundidade. Depois de explorada,<br />
a cava pode ser preenchida<br />
novamente com areia, água ou<br />
simplesmente aban<strong>do</strong>nada. O processo<br />
se repete inúmeras vezes em<br />
áreas extensas. Após algum tempo,<br />
a paisagem é desola<strong>do</strong>ra: um deserto<br />
de areia branquíssima e lagos<br />
de água podre em meio à maior floresta<br />
tropical <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
Muitos garimpos estão ilegalmente<br />
dentro de áreas de proteção ambiental.<br />
Segun<strong>do</strong> levantamento <strong>do</strong><br />
geólogo Cássio Roberto da Silva,<br />
<strong>do</strong> Departamento de Gestão Territorial<br />
<strong>do</strong> Serviço Geológico <strong>do</strong><br />
Brasil (SGB), em 2007 foram identifica<strong>do</strong>s<br />
207 garimpos em áreas indígenas,<br />
56 em parques nacionais<br />
e 292 em áreas de proteção permanente,<br />
além de 32 em diferentes<br />
tipos de reservas. Foram registradas<br />
1.906 ocorrências minerais em<br />
áreas de preservação ambiental,<br />
sen<strong>do</strong> que 20% delas ainda estão<br />
intocadas. O Brasil, segun<strong>do</strong> o levantamento<br />
publica<strong>do</strong> pelo jornal<br />
Folha de São Paulo, ainda tem 587<br />
garimpos dentro de áreas de reservas<br />
ambientalistas.<br />
Os personagens <strong>do</strong> garimpo<br />
A febre pelo ouro é como uma<br />
droga: vicia e cria dependência.<br />
Assim como a malária, pode matar,<br />
mas, ao contrário dela, geralmente<br />
não tem cura. O garimpeiro<br />
pensa ser livre, mas na verdade<br />
foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />
82<br />
SENAC AMBIENTAL
JUNHO/DEZEMBRO 2012 83
Garimpeiro usa mangueira<br />
para remover sedimentos<br />
está “acorrenta<strong>do</strong>” a uma busca<br />
que, para a esmaga<strong>do</strong>ra maioria,<br />
jamais terá fim. Porém, sem outras<br />
opções para mudar de vida, seguirá<br />
em frente. Poucas histórias de<br />
sucesso alimentam os sonhos de<br />
muitos. Exatamente como acontece<br />
em algumas outras profissões que<br />
já consagraram internacionalmente<br />
vários brasileiros, como a de joga<strong>do</strong>r<br />
de futebol e modelo fotográfico.<br />
Todas exigem muito trabalho e suor.<br />
As semelhanças acabam aí. Estas<br />
últimas requerem um talento incomum<br />
ou um <strong>do</strong>m. A primeira, uma<br />
sorte quase divina.<br />
foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />
Clezival<strong>do</strong>, por exemplo, tem uma<br />
história que caminha entre as fronteiras<br />
<strong>do</strong> Brasil e da Guiana Francesa.<br />
Seguiu o irmão e alguns amigos,<br />
tentan<strong>do</strong> “enricar” no garimpo.<br />
Com 27 anos, ficou três anos mergulha<strong>do</strong><br />
no mato e foi para o Garimpo<br />
Gurupa, em Maripassula, na<br />
Guiana Francesa, através <strong>do</strong> rio Regina,<br />
se esconden<strong>do</strong> nas matas <strong>do</strong><br />
último município brasileiro: o Oiapoque,<br />
no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amapá. “Peguei<br />
malária brava, mas o rio estava<br />
seco e demorei seis dias para voltar.<br />
Fraqueza <strong>do</strong> nosso corpo por causa<br />
da força <strong>do</strong> mosquito. Mas ano<br />
passa<strong>do</strong>, bom de saúde, quan<strong>do</strong> o<br />
rio secou na grande seca da Amazônia,<br />
fiz tu<strong>do</strong> andan<strong>do</strong>. Com as<br />
forças das minhas pernas, caminhei<br />
sete dias”.<br />
Muitas vezes, Clezival<strong>do</strong> e seus<br />
amigos tiveram de comprar medicamentos<br />
no chama<strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />
paralelo <strong>do</strong> ouro. Compraram injeções<br />
de pentacarinat. Mas ele não é<br />
o único a viver em condições tão<br />
precárias. Da região de onde Clezival<strong>do</strong><br />
veio, revezan<strong>do</strong> entre Brasil e<br />
Guiana Francesa, calcula-se que há<br />
mais de 600 brasileiros.<br />
Mas o garimpo não é feito só de garimpeiros.<br />
Jucelino Chaves da Silva<br />
é um homem apaixona<strong>do</strong> por seu<br />
trabalho. É agente de saúde, responsável<br />
pelo posto da Comunidade<br />
Garimpeira de Água Branca, no<br />
município de Itaituba, no Pará. Jucelino<br />
ama o que faz: <strong>cuidar</strong> <strong>do</strong> outro.<br />
Maranhense de Paulo Ramos,<br />
foi para o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará com 7<br />
anos. Hoje tem 31, <strong>do</strong>s quais 19 no<br />
garimpo. “Já devo ter colhi<strong>do</strong> sangue<br />
de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. To<strong>do</strong> dia tem<br />
resulta<strong>do</strong> positivo de malária. Escuto<br />
as histórias, as verdades e as<br />
mentiras. Ensino como se prevenir<br />
da malária, encaminho os casos de<br />
leishmaniose ou mesmo quem está<br />
muito mal da malária para Santarém<br />
ou para Itaituba. Tem <strong>do</strong>ente<br />
de tu<strong>do</strong>: osso quebra<strong>do</strong>, barranco<br />
84<br />
SENAC AMBIENTAL
foto: Ricar<strong>do</strong> Funari/Brazil Photos<br />
que caiu e perfurou a barriga com<br />
o graveto que desceu, facada...<br />
Apesar disso, gosto muito de fazer<br />
bem feito o que vim aqui fazer”.<br />
Uma das personagens mais fantásticas<br />
<strong>do</strong> garimpo da Água Branca<br />
é Maria <strong>do</strong>s Cordões. Ela tem o<br />
poder <strong>do</strong> ouro que juntou, das histórias<br />
que aumentou. Tem o poder<br />
<strong>do</strong> tempo, da luz e das trevas que<br />
sua vida escondeu num canto <strong>do</strong><br />
coração. Acima de tu<strong>do</strong>, o que vemos<br />
é uma mulher vivida e bela, que<br />
vence o mun<strong>do</strong> e dá risada. Conta<br />
que já passou por oito cirurgias e<br />
lavou muita roupa para sobreviver.<br />
Na época, fazia o próprio sabão e,<br />
assim, faturava 40 gramas de ouro<br />
por dia. “Eu lavava roupa de garimpeiros,<br />
das mulheres <strong>do</strong> cabaré e<br />
até da polícia. Nessa vida toda, vi<br />
matarem muita gente. To<strong>do</strong> dia caía<br />
um. Quan<strong>do</strong> vim aqui para o garimpo<br />
de Água Branca, já trouxe muita<br />
merca<strong>do</strong>ria, principalmente roupas,<br />
que eu ven<strong>do</strong>”.<br />
Maria continua uma mulher <strong>vai</strong><strong>do</strong>sa.<br />
“Já fui muito bonita e criei sozinha<br />
meus filhos. Fui casada lá no Piauí,<br />
no padre e no civil. Casei com 13<br />
anos e meu mari<strong>do</strong> tinha 24. Depois<br />
que o tempo passou, ele disse que<br />
Lago de água suja em<br />
Água Branca, Pará<br />
A eterna busca pelo El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong><br />
A origem <strong>do</strong> nome Amazônia nos remete à busca pelo metal <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>.<br />
O termo deriva de amazonas, as mulheres guerreiras da mitologia grega.<br />
Quan<strong>do</strong> o explora<strong>do</strong>r espanhol Francisco de Orellana desceu o rio<br />
vin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Andes, em busca de ouro, em 1541, deparou-se com as índias<br />
icamiabas. A vitória das icamiabas contra os invasores espanhóis<br />
foi tão esmaga<strong>do</strong>ra que o fato foi narra<strong>do</strong> ao rei Carlos V de Habsburgo,<br />
o qual, inspira<strong>do</strong> nas míticas guerreiras amazonas, batizou o rio.<br />
JUNHO/DEZEMBRO 2012 85
foto: J. R. Ripper/Brazil Photos<br />
não fazia dó de mim e queria mulher<br />
mais nova e bonita. Já tínhamos<br />
quatro fi lhos. Juntei <strong>do</strong>is quilos<br />
de ouro em jóias e fui à luta. Sou a<br />
Maria Francisca da Conceição Silva,<br />
a Maria <strong>do</strong>s Cordões, que não<br />
precisa de homem nenhum”.<br />
Assim vão se fazen<strong>do</strong> as histórias e<br />
fantasias <strong>do</strong>s garimpos, que são o<br />
fi lão <strong>do</strong> ciclo social <strong>do</strong> ouro no Brasil.<br />
A cada dia, surgem na Amazônia<br />
novos garimpos. Uns vivem apenas<br />
<strong>do</strong>is anos. Outros chegam à maioridade.<br />
Alguns poucos envelhecem,<br />
entre momentos de vigor físico e<br />
anemias intermitentes.<br />
No sul <strong>do</strong> Pará, nasceram garimpos<br />
como o de Criporizão, Criporizinho,<br />
Tabocal, Pista Nossa Senhora da<br />
Conceição, Cantagalo <strong>do</strong> Zé Come<br />
Vivo, Porto Rico, São José, Marapá,<br />
Cabaçal, Nossa Vida, Sudaro, Ratinho,<br />
Ratão, Jacaracanga, Mamual da<br />
Nazaré, Água Branca e Patrocínio,<br />
só para citar alguns.<br />
No fi nal, o que fica é a devastação<br />
ambiental causada pelas derrubadas,<br />
os problemas provoca<strong>do</strong>s pelo<br />
mercúrio e a miséria da maioria absoluta<br />
<strong>do</strong>s garimpeiros.<br />
O desastre de Minamata<br />
A intoxicação por mercúrio é gravíssima, como já ficou constata<strong>do</strong><br />
na aldeia de pesca<strong>do</strong>res de Minamata, no litoral oeste <strong>do</strong> Japão. Mora<strong>do</strong>res<br />
daquela localidade começaram a ter, no início da década de<br />
1950, convulsões severas, surtos de psicose e perda de consciência.<br />
Passou muito tempo até que ficasse prova<strong>do</strong> que a <strong>do</strong>ença, que atingia<br />
a cada ano um número maior de mora<strong>do</strong>res de Minamata, era resulta<strong>do</strong><br />
da ingestão de peixe contamina<strong>do</strong> pelo mercúrio despeja<strong>do</strong><br />
na baía pela empresa de fertilizantes Chisso.<br />
No total, mais de 900 pessoas morreram com <strong>do</strong>res severas provocadas<br />
pelo envenenamento. Em 2001, uma pesquisa indicou que cerca<br />
de <strong>do</strong>is milhões de pessoas podem ter si<strong>do</strong> afetadas. No mesmo<br />
perío<strong>do</strong> de tempo, foi reconheci<strong>do</strong> que 2.955 pessoas sofreram da<br />
<strong>do</strong>ença de Minamata.<br />
Esse drama foi <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> magistralmente pelo fotógrafo americano<br />
Eugene Smith. Até hoje o governo japonês mantém os trabalhos<br />
de desintoxicação da região.<br />
86<br />
SENAC AMBIENTAL