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Memória da Dança em São Paulo ::
A escola estava em pleno funcionamento; no ano anterior, o Amir tinha
montado Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, que terminava com os
atores interpretando canções da revolução espanhola, sob direção do
Amir Haddad. A situação era meio estranha para nós porque uma escola
de teatro recém-inaugurada e, de repente, gente de teatro era comunista
e subversiva. Para pôr a escola à prova, a reitoria exigiu que se fizesse um
espetáculo para homenagear um bispo da cidade absolutamente repressor,
com casos conhecidos de delação. Nós tínhamos alunos presos, e ninguém
queria fazer o tal do espetáculo em homenagem ao tal... Imagine se o
Amir Haddad iria fazer! Sobrou pra mim, que nunca tinha feito coreografia
para grupo.
Dança não é texto, não é subversiva, e, afinal de contas, ele é um
bispo. Então, que tal se a gente fizesse um espetáculo... A escola tinha
um coral que estava ensaiando o Stabat Mater de Pergolesi. Alguém teve
a idéia de que eu poderia fazer uma encenação para o Stabat. Mãos à
obra! Pesquisei figurino, postura, todos os pintores que já conhecia da
Biblioteca Mário de Andrade, da seção de arte, os livros da coleção Skira
que já tinha visto na vida. Catei na biblioteca de Belém tudo que encontrei
de reprodução. Fiz slides de uma porção de pinturas, enfim, um espetáculo
fácil de coreografar, que correspondia ao teatro medieval que se fazia nas
igrejas, o Sacra Representacione. Ou seja, verdadeiros quadros vivos das
estações da Paixão e, no caso, como era o Stabat Mater, eram as Sete
Dores de Maria, com texto cantado que, fora do canto, era fraquíssimo,
não dizia nada.
Tínhamos um aluno recém-saído da prisão que era bom de texto e
seria reprovado por faltar ao exame prático. O que eu fiz: coloquei-o no
púlpito lendo um texto dele sobre o tema e deu tudo certo. Fui muito
ousada, mas ninguém percebeu porque eu era tão alienada, eu era aquela
loira burra, sei lá o que eles achavam. De qualquer forma, deu certo.
Os padres amaram de paixão. Imagine, projetei o Fra Angelico, todos
os flamengos das crucificações: Van Der Weyden, Van Eyck... Botticelli,
tudo. Fiz projeções lindas, maravilhosas, uma cruxificação bem bolada,
um trabalho de sucesso. Não sei se foi uma maravilha, mas fez sucesso,
afinal de contas, Cristo dá um ibope danado. Recebi convite para uma
das reinaugurações do Teatro da Paz, em 1965 – sempre reformado. Fiz o
espetáculo no palco, melhorado. Alcançou sucesso em Belém, não sei se
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