03.09.2014 Views

Sofrimentos Narcísicos - Instituto de Psicologia da UFRJ

Sofrimentos Narcísicos - Instituto de Psicologia da UFRJ

Sofrimentos Narcísicos - Instituto de Psicologia da UFRJ

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

26<br />

Teresa Pinheiro<br />

O mo<strong>de</strong>lo melancólico e os sofrimentos <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> 27<br />

psíquica que Freud acabou por conceber conceitos chaves <strong>da</strong><br />

psicanálise tais como o recalque. Por sua vez, foi esse conceito<br />

que o levou a postulações sobre o modo <strong>de</strong> funcionamento<br />

do sistema inconsciente e à concepção <strong>de</strong> um aparelho<br />

psíquico regido pelo princípio do prazer. E foi ain<strong>da</strong> com base<br />

nesse mo<strong>de</strong>lo que categorias fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> psicanálise<br />

foram construí<strong>da</strong>s: fantasia, i<strong>de</strong>ntificação, transferência, sintoma,<br />

passivi<strong>da</strong><strong>de</strong>/ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, masoquismo/sadismo <strong>de</strong>ntre<br />

outras.<br />

Algumas <strong>de</strong>ssas figuras ficaram restritas à compreensão <strong>da</strong><br />

histeria, mas a maior parte pô<strong>de</strong> ser generaliza<strong>da</strong> e serviu <strong>de</strong><br />

pano <strong>de</strong> fundo para a compreensão <strong>de</strong> qualquer que fosse a<br />

dinâmica e organização do aparato psíquico. Através do entendimento<br />

<strong>da</strong> histeria, Freud construiu um arcabouço teórico visando<br />

à compreensão <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as or<strong>de</strong>nações psíquicas, sejam<br />

elas neuróticas, psicóticas ou perversas.<br />

Habituamo-nos <strong>de</strong> alguma maneira a pensar, na psicanálise,<br />

to<strong>da</strong>s as estruturas, neuróticas ou não, a partir <strong>de</strong>sses<br />

parâmetros teóricos, sendo o recalque seu principal elemento<br />

balizador, elemento cuja presença ou ausência nos fornece<br />

to<strong>da</strong>s as indicações necessárias para compreen<strong>de</strong>rmos o <strong>de</strong>senho<br />

<strong>da</strong>s diferentes metapsicologias. Assim, po<strong>de</strong>mos dizer,<br />

sem receio <strong>de</strong> exagerar, que o mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> histeria serviu <strong>de</strong><br />

base para as postulações <strong>da</strong> metapsicologia freudiana. Freud<br />

concebeu o aparelho psíquico tomando como ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong><br />

dois pressupostos: tal aparelho é construído levando em<br />

conta a peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que o homem fala e é, necessariamente,<br />

or<strong>de</strong>nado pela sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Pressupostos, sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

<strong>de</strong>terminados pelo trabalho com as histéricas. E foi em torno<br />

<strong>de</strong>sses dois eixos que Freud construiu conceitos que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do masoquismo primário até o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

fantasia histérica e seus <strong>de</strong>rivados: a i<strong>de</strong>ntificação e a montagem<br />

narcísica do Eu.<br />

O mo<strong>de</strong>lo fantasmático <strong>da</strong> histeria<br />

No mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> histeria (Pinheiro, 1977), o conceito <strong>de</strong> fantasia,<br />

<strong>de</strong>ntre todos os conceitos, talvez seja o que reúne melhor e mais<br />

sinteticamente a aliança entre os eixos <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quando Freud anuncia a Fliess que abandonou a<br />

sua neurótica e que po<strong>de</strong> conceber esse psiquismo como sendo<br />

constituído <strong>de</strong> representações, passa a <strong>da</strong>r à representação autonomia,<br />

voo próprio, concebendo-a como totalmente livre <strong>de</strong><br />

seu referente. A partir <strong>da</strong>í pouco importa se elas são fruto <strong>da</strong> percepção<br />

ou <strong>de</strong> construção fantasmática, para a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica<br />

terão o mesmo valor. Se com esta afirmativa <strong>de</strong> Freud a teoria<br />

<strong>da</strong> sedução que sustentava a etiologia <strong>da</strong> histeria se torna irrelevante,<br />

a fantasia, entretanto, ganhará uma abrangência nunca<br />

antes pensa<strong>da</strong> e a representação passa para o primeiro plano.<br />

É somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa nova concepção <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica<br />

que Freud po<strong>de</strong>rá conceber a produção <strong>de</strong> sentidos do sonho<br />

e sua máquina <strong>de</strong> associação por <strong>de</strong>slocamento e con<strong>de</strong>nsação,<br />

que compõem a sintaxe inconsciente. Antes <strong>de</strong> vir a propor uma<br />

forma <strong>de</strong> pensar o sistema inconsciente era preciso enten<strong>de</strong>r a<br />

fantasia como tendo o mesmo estatuto psíquico que a percepção,<br />

era preciso conceber a fantasia como sendo ela a própria<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica. Freud nos diz (1914b/1992) que os pacientes<br />

histéricos remontam seus sintomas a traumas que são fictícios;<br />

então o fato novo que surge é precisamente que eles criam tais<br />

cenas na fantasia, e essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica precisa ser leva<strong>da</strong> em<br />

conta ao lado <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> prática.<br />

A composição <strong>da</strong> fantasia histérica comporta sempre mais<br />

<strong>de</strong> um personagem e seu objetivo é a ilusão, <strong>da</strong>quele que fan-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!