Sofrimentos NarcÃsicos - Instituto de Psicologia da UFRJ
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42<br />
Helena Floresta <strong>de</strong> Miran<strong>da</strong><br />
Confusão <strong>da</strong>s línguas: eficiência e <strong>de</strong>ficiências <strong>da</strong> tradução 43<br />
Nas traduções em português temos: “Mas a mu<strong>da</strong>nça significativa,<br />
provoca<strong>da</strong> no espírito <strong>da</strong> criança pela i<strong>de</strong>ntificação<br />
ansiosa com o parceiro adulto, é a introjeção do sentimento <strong>de</strong><br />
culpa do adulto: o jogo até então anódino apresenta-se agora<br />
como um ato merecedor <strong>de</strong> punição” (Ferenczi, 1933/1993:<br />
102) e “Mas a mu<strong>da</strong>nça significativa, provoca<strong>da</strong> no espírito <strong>da</strong><br />
criança pela i<strong>de</strong>ntificação ansiosa com o parceiro adulto, é a<br />
introjeção do sentimento <strong>de</strong> culpa do adulto: a brinca<strong>de</strong>ira até<br />
então anódina aparece agora como um ato que merece punição”<br />
(Ferenczi, 1933/1988: 352).<br />
Ansiosa é uma palavra traiçoeira. Po<strong>de</strong> significar a expectativa<br />
<strong>de</strong> um fato <strong>de</strong>sejado, “ansiava pelo momento <strong>da</strong> festa, do<br />
casamento, do prêmio etc”. Po<strong>de</strong> também significar ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>/medo.<br />
É a esse segundo sentido que “ängstliche I<strong>de</strong>ntifizierung”<br />
remete. A tradução inglesa respeita o sentido formando<br />
uma palavra composta: “[…] the anxiety-fear-rid<strong>de</strong>n i<strong>de</strong>ntification<br />
with […]” (Ferenczi, 1933/1955: 162). A tradução francesa<br />
<strong>de</strong>ixa margem à ambigui<strong>da</strong><strong>de</strong>: “[…] l’i<strong>de</strong>ntification anxieuse<br />
[…]” (Ferenczi, 1933/1982: 131), <strong>de</strong> on<strong>de</strong> parecem ter saído as<br />
duas traduções para o português. E logo <strong>de</strong>pois, no mesmo<br />
texto, volta a questão <strong>da</strong> escuta <strong>da</strong> mãe, já cita<strong>da</strong> em “Análise<br />
<strong>de</strong> crianças com os adultos”. A mãe que ao ouvir o relato <strong>da</strong><br />
criança corta-lhe a palavra, <strong>de</strong>squalificando-a como bobagem,<br />
tolice, <strong>de</strong>spropósito.<br />
Mas on<strong>de</strong> aparece uma tradução que po<strong>de</strong> levar a um entendimento<br />
enganoso é nesse texto que acaba <strong>de</strong> ser mencionado:<br />
“Análise <strong>de</strong> crianças com os adultos”.<br />
[...] Das schlimmste ist wohl die Verleugnung, die Behauptung, es<br />
sei nichts geschehen, es tue nichts weh, o<strong>de</strong>r gar Geschlagen- o<strong>de</strong>r<br />
Beschimpfwer<strong>de</strong>n bei Äusserungen traumatischer Denk- und Bewegungslähmung<br />
(Ferenczi, 1931/1972: 285).<br />
Em inglês:<br />
Probably the worst way of <strong>de</strong>aling with such situations is to <strong>de</strong>ny<br />
their existence, to assert that nothing has happened and that nothing<br />
is hurting the child. Sometimes he is actually beaten or scol<strong>de</strong>d<br />
when he manifests traumatic paralysis of thought and movement<br />
(Ferenczi, 1931/1955: 138).<br />
Em francês:<br />
Le pire, c’est vraiment le désaveu, l’affirmation qu’il ne s’est rien passé,<br />
qu’on n’a pas eu mal, ou même d’être battu et grondé lorsque<br />
se manifeste la paralysie traumatique <strong>de</strong> la pensée ou <strong>de</strong>s mouvements<br />
(Ferenczi, 1933/1982: 109).<br />
Em português:<br />
O pior, realmente, quando se manifesta a paralisia traumática do<br />
pensamento ou dos movimentos, é a negação, a afirmação <strong>de</strong><br />
que na<strong>da</strong> se passou, que na<strong>da</strong> doeu, que não se foi nem surrado<br />
ou repreendido (Ferenczi, 1931/1988: 343).<br />
O pior é realmente a negação, a afirmação <strong>de</strong> que não aconteceu<br />
na<strong>da</strong>, <strong>de</strong> que não houve sofrimento ou até mesmo ser espancado<br />
e repreendido quando se manifesta a paralisia traumática do<br />
pensamento ou dos movimentos (Ferenczi, 1931/1993: 79).<br />
Vemos imediatamente que o substantivo Verleugnung foi<br />
traduzido pelo verbo “<strong>de</strong>ny” em inglês, por “désaveu” em francês<br />
e por negação em português. Vamos nos <strong>de</strong>ter um pouco<br />
nesta palavra Verleugnung, ao mesmo tempo termo <strong>de</strong> uso<br />
comum e conceito psicanalítico. É coloquialmente emprega<strong>da</strong><br />
para negar uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que nem por isso per<strong>de</strong> o seu<br />
caráter <strong>de</strong> fato. É o termo usado por Jesus na Bíblia, quando<br />
fala <strong>de</strong> Pedro. “Antes que o galo cante, ele me negará três ve-